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Interlocuções entre a Declaração de Astana, o Direito à Saúde e a formação em Medicina de Família e Comunidade no Rio de Janeiro, Brasil

Interlocuções entre a Declaração de Astana, o Direito à Saúde e a formação em Medicina de Família e Comunidade no Rio de Janeiro, Brasil

Autores:

Jorge Esteves Teixeira Junior,
Valéria Ferreira Romano,
Mellina Marques Vieira Izecksohn,
Ernesto Faria Neto,
Marcele Bocater Paulo de Paiva

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.25 no.4 Rio de Janeiro abr. 2020 Epub 06-Abr-2020

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020254.31252019

Introdução

Este artigo pretende provocar interlocuções entre a Declaração de Astana1, o Direito à Saúde e a formação em Medicina de Família e Comunidade, considerando os Programas de Residência Médica desta especialidade de duas universidades públicas, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e uma fundação de ciência e tecnologia em saúde no Rio de Janeiro, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), por meio da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp).

No município do Rio de Janeiro, desde 2009, assistimos ao incremento de um plano de formação das residências médicas em Medicina de Família e Comunidade, representadas pela UERJ, pioneira, que impulsionada e ganhando ainda mais representatividade, aumentou o número de vagas de sua Residência. Surgiram as Residências, em parceria, da Ensp/UFRJ, até hoje funcionando como um programa único, que vem dialogando com a UERJ, especialmente com o programa da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, na construção da Atenção Primária à Saúde, no foco da formação médica. Assim, de 2009 até 2019 ocorreu um aumento significativo no número de vagas das Residências de Medicina de Família e Comunidade no município do Rio de Janeiro, sob o prisma de uma concepção de saúde como Direito Universal.

O Sistema Único de Saúde (SUS), previsto na Constituição Brasileira2 desde 1988, vem, historicamente, sofrendo subfinanciamento3, acrescido por um recente desmantelamento: a promulgação da Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 20164, que passou a corrigir o piso de recursos para a Saúde Pública pela inflação do ano anterior, por um período de 20 anos. Sabe-se que a inflação tem sido menor do que a Receita Corrente Líquida (RCL), parâmetro utilizado anteriormente como piso de recursos para a Saúde Pública. A maior consequência da Emenda Constitucional nº 954 será a de impedir que os investimentos em Saúde Pública tenham aumentos reais por 20 anos, prejudicando, principalmente, grande parte da população brasileira, usuária exclusiva do SUS e ficando sujeita a utilizar um SUS descuidado na sua ambiência, na sua gestão e na qualificação de seus profissionais5. Assistimos, assim, a um projeto político que visa transformar as condições sociais dos sujeitos, através de intervenções do Estado, no que Foucault6 denomina de governamentalidade, ou seja, as relações de poder passam a se constituir como um campo de ações de múltiplas possibilidades, mas com uma mesma natureza: agir sobre uma população, agir sobre as ações de outrem (governo dos outros) e até agir sobre si mesmo (governo de si). Na governamentalidade, a macropolítica torna-se indissociável da micropolítica das relações. Surgem, segundo Foucault6, as articulações de um novo poder, cuja ação não é mais sobre o homem confinado na escola, na igreja, no hospital, na fábrica, na prisão, mas se exerce em um espaço aberto: a sociedade. A governamentalidade deve moldar o Estado e este a sociedade para que o mercado possa existir e funcionar. Assim, somos contemporâneos de uma sociedade baseada na concorrência, no endividamento dos sujeitos, um Estado em que a principal preocupação é a de promover intervenções governamentais para que o mercado possa continuar a existir. Mas, para garantir a existência do mercado é preciso mais do que medidas econômicas, é preciso agir sobre o quadro social, sobre a população, sobre a técnica, o aprendizado, a educação, os regimes jurídicos, o consumo médico e cultural7. O desmantelamento do SUS faz parte deste processo, principalmente porque se o Direito Universal à Saúde evoca a equidade e a integralidade como condições de cidadania e acesso aos cuidados públicos de saúde; a Cobertura Universal de Saúde, prescrita na Declaração de Astana1, produz, entre outras questões, um rompimento com a ideia de proteção social.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) apoia a Cobertura Universal de Saúde8, endossando um movimento mundial de “reformas pró-mercados como a redução de intervenção estatal, subsídios à demanda, seletividade e focalização nas políticas de saúde”9. O que está em disputa é, portanto, um projeto político que coloca a saúde pública como gasto e não como investimento do Estado, negando assim o direito fundamental a uma saúde pública, universal e de qualidade em que a garantia do financiamento público com ofertas de serviços providos pelo estado seja prioritária.

Nesse sentido, nos parece que a Declaração de Astana1 pouco resgata os princípios de Alma-Ata10, valorizando um discurso de teor econômico no qual a associação custo elevado e cuidado em saúde parece assumir um forte argumento a favor da Cobertura Universal. Estaria a saúde em processo de implantação de uma lógica de mercado onde a responsabilização dos indivíduos implicaria em uma desresponsabilização do Estado? Estaríamos caminhando para um acesso amplo a seguros de saúde, com pacotes vinculados à capacidade de pagamento das pessoas? O que fazer com as necessidades de saúde dos sujeitos? Assumiremos a existência de uma Atenção Primária em Saúde (APS) seletiva e não universal11?

Como ficaria a perspectiva de um plano de formação para o médico de Família e Comunidade, na perspectiva de um cenário de prática de aprendizagem fragilizado e com baixo compromisso e orientação de uma APS com base no sistema universal de saúde?

Países como o Peru experimentaram o modelo de Cobertura Universal e enfrentaram diversos problemas, a exemplo da fragmentação de seus serviços de saúde, conforme discutido por Levino e Carvalho12 e de Pedraza et al.13.

Se olharmos para a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB)14, promulgada em 2017 pelo Ministério da Saúde, observamos que a mesma postula padrões tanto essenciais como ampliados para ações e serviços de saúde ofertados à população14, o que supõe admitir um valor, uma hierarquia nesta oferta de cuidado, um movimento de focalização dos serviços. Na mesma edição desta PNAB, há, ambiguamente, uma reiteração da presença de uma Atenção Básica “ofertada integralmente e gratuitamente a todas as pessoas...”14, sendo possivelmente um reflexo das ambiguidades do relatório de Astana.

Desta maneira, reiteramos que, com uma Saúde Pública financiada pela Emenda Constitucional nº 954, o que temos de fato é um sistema público de direito universal que não possui um correspondente sistema tributário de financiamento de um Estado de bem estar social3. Como não construir, assim, iniquidades em saúde? Como formar médicos de família e comunidade nesta perspectiva?

Aceitamos, no entanto, que no SUS, a formação do Médico de Família e Comunidade evoca a consolidação do direito social à saúde, o que nos conecta com a ideia de que cidadania, democracia e participação da comunidade são eixos de competência para Residências em Medicina de Família e Comunidade. Eixos de competência importantes que se encontram ameaçados por um modelo de atenção que não garante financiamento público com ofertas de serviços providos pelo estado, que focaliza ações e serviços, que não defende a equidade e a integralidade, que cria múltiplas ofertas de serviços para diferentes segmentos da população, que não reitera a importância da proximidade das Unidades Básicas de Saúde em relação à moradia da população, que não valoriza a presença dos Agentes Comunitários de Saúde promovendo capilaridade e territorialização.

Estariam os Programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade da UERJ, da UFRJ e da Ensp preparados para o enfrentamento destas questões?

Cartografando as Residências em Medicina de Família e Comunidade

Em definição, a Medicina de Família e Comunidade (MFC) é uma especialidade médica que possui como características promover uma atenção continuada aos sujeitos (longitudinalidade), além de uma abordagem integral com aceitação de todos, independentemente de gênero, idade ou tipo de problema de saúde15. O documento “A Definição Europeia de Medicina Geral e Familiar”, feita pela Organização Mundial dos Médicos de Família (WONCA) em 200216, nos diz que:

Os médicos de família reconhecem ter uma responsabilidade profissional para com a sua comunidade. Ao negociarem planos de ação com os seus pacientes, integram fatores físicos, psicológicos, sociais, culturais e existenciais, recorrendo ao conhecimento e à confiança gerados pelos contatos repetidos. Exercem o seu papel profissional promovendo a saúde, prevenindo a doença e prestando cuidados curativos, de acompanhamento ou paliativos, quer diretamente, quer através dos serviços de outros, consoante as necessidades de saúde e os recursos disponíveis no seio da comunidade servida, auxiliando ainda pacientes, sempre que necessário, no acesso àqueles serviços.

Na cronologia de formação da especialidade, temos que a Medicina Comunitária (MC) marca o início desta área no Brasil, passando por Medicina Geral Comunitária até a mudança para o nome atual da especialidade. A MC teve sua emergência nos Estados Unidos, na década de 1960, dentro da política de combate à pobreza do governo Kennedy, reforçada através dos Programa Medicare, Medicaid e Seguro Compulsório, que eram medidas de atuação focal17, motivo de críticas neste período em que já eram crescentes as discussões pela formação de um sistema nacional de saúde18.

No Brasil, a Constituição Federal de 19882 prevê, além de um atendimento universal, uma atenção centrada no indivíduo e no coletivo. Assim, a ideia de atenção integral passou a ser uma diretriz, na qual os sujeitos seriam vistos em suas dimensões biológicas, culturais, sociais e psicológicas. Neste momento, a promoção da saúde, observando as condições de vida de cada lugar atendido, iniciou uma narrativa de não priorizar o risco de adoecer, mas sim de valorizar a ideia de vulnerabilidade; não a doença, mas o indivíduo coletivo19.

Em paralelo, neste momento, tanto no cenário internacional, quanto no Brasil, houve uma busca por mudanças no modelo de atenção a favor de certo enfrentamento das necessidades de saúde das populações em geral. Com o crescimento dos grandes centros urbanos e o aumento das disparidades sociais, e no intuito de romper com práticas predominantemente curativistas, várias discussões foram acontecendo em torno do conceito de promoção da saúde20. Desse modo, a primeira Conferência Internacional sobre promoção da saúde, ocorrida em 1986, em Ottawa, foi, de fato, um marco referencial. A Promoção da Saúde aparecia, assim, como possibilidade de ser uma ação coordenada entre a sociedade civil e o Estado, preconizando implementar políticas públicas saudáveis, criação de ambientes favoráveis, reforço da ação comunitária, desenvolvimento de habilidades pessoais e reorientação do sistema de saúde para sua possível efetivação20.

Junto a estes acontecimentos, podemos dizer que a educação médica acompanhou algumas tendências de mudanças. Assim, na década de 1970, as ideias de prevenção e promoção da saúde e o modelo de multicausalidade das doenças ganharam visibilidade com o Relatório Lalonde. No Canadá, em 1974, iniciou-se um movimento para um aprendizado que não era focado somente no hospital nem na doença, mas na pessoa21.

Deste modo, enquanto em alguns países a atenção médica tem como elemento central o médico generalista, a exemplo do Reino Unido, desde 1948, em outros há uma demora em implantar essa assistência. Entretanto, na década de 1970, no mundo do pós-guerra, com serviços de saúde de baixa eficiência e altos custos, assistência fragmentada e de acesso restrito, surgem pós-graduações em medicina comunitária em saúde, precursoras da residência de medicina de família e comunidade.

Cabe lembrar que iniciativas com base neste direcionamento, observadas em diferentes cidades do país, trouxeram a figura do residente de medicina geral e comunitária. Segundo Falk22, esta residência teve início no Rio Grande do Sul em 1975, seguida pela Medicina integral da UERJ em 1976, no Rio de Janeiro. Entretanto, a formalização do Programa de Residência em Medicina Geral Comunitária se deu apenas em 1981, quando a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) oficializou esta área como uma especialidade no Brasil como Medicina Geral e Comunitária e depois como Medicina de Família e Comunidade, em 2002, homologada em 200315.

No Rio de Janeiro, neste período, foi fundada a Sociedade Brasileira de Medicina Geral Comunitária (SBMGC), com sede em Petrópolis - RJ. No ano de 1985, ocorreu o I Encontro de Residentes e Ex-Residentes de MGC em Petrópolis – RJ – primeiro evento nacional da área, no qual se decidiu que os médicos formados em residência na área deveriam reativar a SBMFC e se candidatarem a assumir a Diretoria da SBMFC - que, até então, era assumida pelos fundadores da especialidade no Brasil (psiquiatras, sanitaristas, clínicos, infectologistas, etc.).

Sabe-se que a Residência Médica (RM) é o padrão-ouro para a formação de médicos, o que também é uma realidade para a formação de MFC no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS). No Rio de Janeiro existem quatro Programas de Residência Médica (PRM) em atividade até o presente momento: Prefeitura do Rio de Janeiro (Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil – SMSDC), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

A cobertura de Atenção Primária à Saúde (APS) em 2008, quando teve início a reforma da APS na cidade do Rio de Janeiro, era de 3,5%. Em 2015, ultrapassou os 55% e em 2016 foram previstos 70%23. A capacidade de formar novos especialistas em MFC também cresceu: se em 2011 eram 16 vagas ofertadas, em 2016 foram 222, criando uma possibilidade de manutenção de uma APS fortalecida em uma proposta de sistema universal, com a MFC como eixo estruturante do sistema24,25.

Assim, que desafios estruturaram a Medicina de Família e Comunidade no município do Rio de Janeiro?

Redes de sentidos na construção da Medicina de Família e Comunidade: o município do Rio de Janeiro

A efetiva elaboração de propostas de reformulação curricular nos cursos de medicina no Brasil só se desenvolveu após modificações profundas no sistema de saúde que, passando por algumas experiências de descentralização, como o Projeto Niterói e pelo Sistema Unificado Descentralizado de Saúde (SUDS), chegou à implantação do SUS. A reorganização do sistema de saúde corroborou com a necessidade de implementação de uma nova proposta e da inserção de profissionais, desafiando a formação em saúde até então estruturada. Um novo currículo médico passava a ser possível.

De acordo com Koifman26, embora um processo de reformulação curricular tenha se iniciado na década de 1980, a elaboração final de uma proposta para a medicina de família deu-se em 1992, tendo sido implementada em 1994. Apesar das evidentes resistências dos departamentos e da sociedade civil, esta implementação ocorreu de forma gradual e sem um diálogo interdisciplinar.

Sendo assim, com possibilidades políticas e técnicas de reformulação curricular para formar médicos para as necessidades do país em meio à implementação da Saúde da Família, com subsídios do Ministério da Saúde para estimular uma formação de especialistas em APS, no caso os médicos de família e comunidade, se observa, mesmo assim, a existência de dificuldades dos cursos de medicina em promover mudanças no ensino de maneira a atender a reestruturação da saúde do país e não a grupos específicos26,27. A governamentalidade agindo na formação profissional em saúde.

Assim, nos colocamos diante de profundos questionamentos, enquanto Universidades e Fundação de Ciência e Tecnologia responsáveis pela formação de profissionais para a medicina de família e comunidade: como lidar com uma governamentalidade que nos provoca para a construção de um mundo do trabalho cada dia mais sujeito a intervenções governamentais a favor do mercado, da concorrência, do endividamento dos sujeitos?

Como discutir financiamento, integralidade, pacote de serviços, em uma agenda de restrição, sendo uma das competências da MFC o cuidado integral à saúde? Estaríamos, assim, fazendo um retorno pré-Alma-Ata10, assumindo um modelo misto que se reporta à época da “Nova Higiene”, inspirada nas práticas hospitalares fragmentadas e da saúde coletiva dos anos 1980, centradas em “cestas básicas”? Estaremos, assim, esvaziando o campo de prática dos profissionais de saúde, em especial o Médico de Família e Comunidade25?

Promover saúde vem na antítese de consumir saúde, já que em sua essência o que realmente tem valor é o cuidado de si. Como dialogar com uma formação que necessita ser crítica, mas que está inserida neste mundo de consumo, de medicalização da vida, de enaltecimento do individualismo? Nossos programas de Residência conseguem não se enfraquecer por uma medicina ainda fortemente curativista, médico centrada e pouco ofertante de Promoção da Saúde?

Mas, temos nossos apoios e nos inspiramos em autores como Campos et al.28, que conosco alegam a necessidade de avançar para além da observação dos “riscos” sociais, como: problemas no meio ambiente, urbanização inadequada, pobreza extrema, violência, drogas, doenças endêmicas, etc. Precisamos sim desafiar nossa governamentalidade. Tratamos de enfatizar ações intersetoriais, procurando respostas que colaborem com a população, refletindo a partir do local e dos seus objetos, interagindo com os moradores e através dos mesmos, utilizando os dispositivos possíveis para enfrentarmos juntos seus problemas. Utopias como alvos que procuramos alcançar.

Em 2013, com a implantação do Programa Mais Médicos para o Brasil, houve um fomento ainda maior da Política Nacional de Atenção Básica para fortalecer a especialidade e qualificar residentes; e apesar das resistências de algumas entidades médicas e de acordo com Oliveira et al.29, o que se destacou foi um crescimento na formação, no provimento e na distribuição de médicos na APS; mesmo considerando a permanência de vagas ociosas pelo país. Estaríamos diante de formas de resistência?

Mudanças na gestão municipal são sempre ameaças para a continuidade de Programas de Residência que contam com complementação municipal de bolsa de residente, pagamento de adicional para preceptores, estímulo financeiro e administrativo para capacitação de trabalhadores e formação de mestres e doutores em APS. A lógica do mercado nos parece, assim, dissonante da lógica de uma formação que evoca participação da comunidade, direito à saúde e produção de uma Medicina efetivamente de Família e de Comunidade.

No entanto, temos observado, desde 2017, que na cidade do Rio de janeiro, vem ocorrendo progressivamente um desmonte dos cuidados primários em saúde, que se sustenta na alegação de fragilidades econômicas e na nova PNAB para garantir a viabilidade econômica da APS no município. Podemos observar este fato na análise da reportagem no site da Abrasco, em que se afirma que:

A reorganização dos serviços de atenção primária na forma proposta tem impacto direto no número de equipes e na qualificação das mesmas, considerando que inicia um corte de 239 equipes, sendo 184 de saúde da família e 55 de saúde bucal (serão 1.400 postos de trabalho a menos). E ainda, uma nova classificação/composição de equipes Tituladas e não Tituladas de acordo com a presença de médicos e enfermeiros com titulação (sem explicitar os critérios de alocação para as diferentes tipologias de equipe).

Assim, reiteramos nossa pauta de lutas. Lutamos para não nos perdermos. Lutamos para que alguns preceitos da Declaração de Astana não nos formate, não nos deforme, não nos afaste do compromisso formador de uma medicina que possa construir saúde ao invés de mercadoria.

REFERÊNCIAS

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