versão impressa ISSN 0047-2085versão On-line ISSN 1982-0208
J. bras. psiquiatr. vol.68 no.1 Rio de Janeiro jan./mar. 2019 Epub 13-Maio-2019
http://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000226
SR. EDITOR,
Dependentes químicos tendem a recusar tratamento por negação de sua doença, desesperança ou visão negativa do tratamento, mesmo cientes da gravidade. Em alguns casos, a internação involuntária pode ser uma das poucas ferramentas para garantir ainda a integridade e a saúde do paciente1.
Na Europa, o modelo de tratamento psiquiátrico involuntário varia muito entre os países, sem padronização e ainda em discussão na União Europeia2. Nos Estados Unidos, a internação involuntária deve preencher dois critérios: perigo iminente e completa incapacidade de exercer o autocuidado, contudo ainda sem consenso nacional e com muitas diferenças entre os estados americanos3.
No Brasil, a Lei nº 10.216/2001 considera três tipos de internação psiquiátrica: voluntária (com o consentimento do paciente); involuntária (sem o consentimento); compulsória (determinada pela justiça).
Considerando que no Brasil o uso de drogas tem aumentado nos últimos anos, constituindo um sério problema de saúde pública4, e que a internação involuntária, apesar de ainda controversa, pode ser a última possiblidade de intervenção terapêutica para determinados casos, relatamos abaixo um caso que recebeu essa abordagem.
Trata-se de J. B., 36 anos, sexo masculino, dependente de drogas, F19.2, com fracasso recorrente dos tratamentos prévios e grave prejuízo psicossocial. A internação involuntária foi solicitada pela família após o paciente passar longo período dormindo em via pública. A internação foi realizada em enfermaria psiquiátrica de hospital geral com abordagem multidisciplinar.
O paciente era totalmente contra sua internação e nos primeiros dias apresentava risco de fuga e agressividade. Sentia-se injustiçado e traído pela família. Após a terceira semana, apresentava-se mais ajustado ao projeto terapêutico e já manifestava concordância parcial em relação à internação. Recebeu alta após 45 dias com melhora do insight, reconhecimento da gravidade e da necessidade de internação. Após seis meses, como parte de um estudo prospectivo mais amplo, foi feito contato por telefone e o paciente encontrava-se ainda em abstinência e dizia ser grato pelo tratamento. Manifestava concordância em relação à internação involuntária, mesmo tendo sido contrário no início.
Entendemos que a autonomia é um dos pilares da atuação ética na assistência à saúde, contudo a capacidade de decidir do indivíduo pode estar seriamente comprometida em alguns casos. Apesar de polêmica, a internação involuntária pode ser uma das últimas ferramentas para garantir a integridade e a saúde do paciente. Soma-se a isso o aumento dos casos de dependência que seguem crescendo em nosso país4.
Deve-se ficar atento a situações abusivas, negligência, inclusive pela possibilidade de ocorrência de experiências traumáticas, com consequências não desejáveis, como a recusa do paciente em procurar serviço psiquiátrico no futuro5.
O caso apresentado permitiu reconhecer que alguns pacientes podem, sim, ser beneficiados pela internação involuntária. O resultado terapêutico foi positivo e o paciente pôde reconhecer, após um período de abstinência, os benefícios de ter sido internado em uma época em que sua vontade e autonomia estavam seriamente comprometidas. Essa resposta clínica e a mudança na percepção podem servir de alguma forma como embasamento nas discussões éticas sobre autonomia e direitos do paciente envolvendo a internação involuntária1.