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Internacionalizar é Preciso, mas é o Bastante?

Internacionalizar é Preciso, mas é o Bastante?

Autores:

Gláucia Maria Moraes de Oliveira,
Andrea De Lorenzo,
Fernanda Marciano Consolim Colombo,
Eduardo Back Sternick,
Andréa Araujo Brandão,
Sergio Emanuel Kaiser,
Alexandre Schaan de Quadros,
Renato Abdala Karam Kalil,
Christianne Brêtas Vieira Scaramello,
Francisco Rafael Martins Laurindo,
Ludhmila Abrahão Hajjar

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.111 no.4 São Paulo out. 2018

https://doi.org/10.5935/abc.20180212

O século 21 tem sido marcado pela globalização, definida, dentre outras formas, como a integração da informação, comunicação e economia em escala planetária, com influência direta no ensino superior em seus diversos níveis. Assim, a internacionalização da pós-graduação pode ser vista como uma resposta à globalização, manifestando-se como programas e políticas, realizadas por instituições acadêmicas e governos, para aumentar o intercâmbio de estudantes e docentes e estimular o fortalecimento de parcerias em pesquisa, dentre outras ações. Na verdade, estas ações têm sido praticadas há muito tempo pelas universidades e centros de pesquisa, mas foram ampliadas significativamente, em particular no novo século.

Diversos estudos1-3 têm repetidamente mostrado que pesquisas colaborativas envolvendo autores de múltiplas instituições e/ou países têm impacto significativamente maior do que as pesquisas envolvendo apenas um grupo ou instituição. No Brasil, a internacionalização da pós-graduação tem sido altamente valorizada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), gerando intensos esforços por parte dos programas de pós-graduação (PPG) no sentido de atingir as metas definidas. Numa pesquisa realizada com PPG de notas 6 ou 7, Ramos1 observou que para tais PPG, a internacionalização engloba desde a mobilidade internacional, redes internacionais de colaboração, produtos acadêmicos (publicações internacionais), coautorias internacionais, apresentação de trabalhos em conferências e reuniões científicas internacionais, até o acesso a recursos sob forma de uso ou compartilhamento de infraestrutura de pesquisa e financiamento internacional. Nos PPG de nosso país as estratégias de internacionalização mais frequentes são a mobilidade internacional de docentes, pesquisadores e estudantes e a colaboração internacional em pesquisa, implementadas principalmente por meio de acordos de cooperação internacional. Todavia, a pesquisa detectou diferenças significativas entre as instituições na provisão de condições adequadas para a internacionalização, sendo a disponibilidade de recursos financeiros, a existência de marcos regulatórios, e o suporte organizacional, alguns dos requisitos considerados importantes para se atingir esse objetivo.1

Assim, a necessidade de internacionalização, por conta das demandas da CAPES, tem levado a uma “corrida” institucional entre os PPG em busca de parceiros, com ou sem apoio governamental e muitas vezes de forma competitiva. As estratégias adotadas por cada instituição variam conforme seu “alcance” (baseado em contatos de professores e pesquisadores ou parcerias já anteriormente estabelecidas) e em função do nível de recursos e complexidade capazes de influenciar sua visibilidade internacional e competitividade. Esse “empreendedorismo acadêmico”2 pode ser considerado positivo ou não, uma vez que muitas vezes as instituições de maior renome já partem de um patamar mais elevado na competição por fundos, em detrimento de outros centros acadêmicos. A existência de políticas nacionais de apoio à internacionalização, incluindo a divulgação dos periódicos nacionais, é extremamente importante, a exemplo de países que investiram neste apoio de modo bem-sucedido.3

O desafio em responder às demandas impostas pela CAPES requer um esforço conjunto dos PPG e sociedades médicas no sentido de viabilizar o acesso às oportunidades para todas as instituições acadêmicas e de permitir a disseminação pelos pares internacionais e nacionais da produção científica oriunda desses PPG. Nesse contexto, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) vem realizando os “Encontros de Pós-Graduação em Ciências Cardiovasculares” e em 2018, já está na quarta versão com o tema “Internacionalização das Pós-Graduações Brasileiras”. Neste encontro, o convidado internacional - professor Fausto J. Pinto, Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa - discorreu sobre as parcerias entre as universidades europeias e brasileiras e comunicou a assinatura do recente acordo entre a instituição portuguesa e a Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, para reconhecimento bilateral dos diplomas e para a dupla diplomação. Salientou a importância de reforçar os contatos entre as universidades brasileiras e europeias, especialmente as portuguesas, a fim de possibilitar a disseminação e adaptação dos modelos já existentes, estabelecendo uma rede de Faculdades de Medicina de Língua Portuguesa como elemento facilitador de intercâmbio, além da criação de um Programa “Erasmus-like” para a comunidade dos Países de Língua Portuguesa (PLP).

Outro ponto importante na internacionalização é a visibilidade das pesquisas nacionais. Reveste-se de suma importância a divulgação das pesquisas realizadas pela comunidade cientifica brasileira no âmbito das doenças cardiovasculares (DCV), sendo reconhecidamente, a principal causa de mortalidade no Brasil e no mundo. A SBC possui duas revistas indexadas no SCIELO: os Arquivos Brasileiros de Cardiologia (ABC Cardiol), e o International Journal of Cardiovascular Sciences (IJCS). O ABC Cardiol, indexado nas principais bases de dados, como ISI Web of Science, Cumulated Index Medicus - MEDLINE, PubMed Central, EMBASE, Scopus, SciELO e LILACS, obteve o índice 1,318 de fator de impacto (FI) pelo JCR, além da classificação Qualis B2 pela Capes em sua última avaliação.4

O ABC Cardiol representa o principal periódico para a publicação das pesquisas realizadas na área da Cardiologia e das Ciências Cardiovasculares na América Latina, com importante e crescente grau de internacionalização (mais de 20% dos artigos com origem internacional). Ressalte-se ainda que os PLP têm acesso à versão bilíngue do ABC Cardiol, divulgada para todos os países lusófonos através do Portal da Federação das Sociedades de Cardiologia de Língua Portuguesa (http://www.fsclp.org) que representa cerca de 245 milhões de pessoas. Destacam-se as grandes diferenças na importância relativa da carga de DCV nos PLP relacionadas principalmente às condições socioeconômicas.5 A melhor ciência divulgada no ABC Cardiol continua sendo oriunda dos PPG nacionais, que cada vez mais encontram a competição internacional para obter espaço no ABC Cardiol. Acrescenta-se ainda o baixo estímulo para publicação neste veículo, resultado direto da atual classificação da CAPES. Ainda muito importante é a valorização da publicação da ciência e conhecimento, que são bens públicos globais, em veículos da ciência aberta (“open science”) como o ABC Cardiol e periódicos da rede SciELO.

Um dos quesitos valorizado pela CAPES é a inserção social dos PPG, com o intuito de promover a melhoria das condições de vida da população. No entanto, as pesquisas nacionais voltadas para essa população, com características socioeconômicas peculiares, raramente obtêm interesse da comunidade internacional e sua divulgação precisaria ser impulsionada pelo sistema de avaliação da CAPES, para fortalecer uma rede nacional de intercâmbio, inclusive com os PLP. Vale ressaltar a contribuição científica inovadora resultante dos PPG e sua missão perante a sociedade civil. Nesse sentido, seria desejável que essa agência regulatória criasse um sistema de valorização - mediado pelo Qualis - do principal periódico para o combate a epidemia das DCV, de modo a permitir o compartilhamento com esses países de experiências exitosas no combate às DCV.

Uma revolução acadêmica sem precedentes vem ocorrendo na educação superior, levando à necessidade real de internacionalização dos PPG. A internacionalização oferece novas oportunidades para estudo e pesquisa, não limitadas às fronteiras nacionais, inclusive as de conhecimento. No entanto, “a internacionalização não é um objetivo em si, mas antes um meio de se atingir melhorias no ensino, pesquisa e inovação”6 e de promover o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e equânime, através de melhorias das condições de vida da população: este, em última análise, é o principal objeto das pesquisas realizadas pelos PPG. O reconhecimento das pesquisas nacionais deve-se dar, também, de forma ética e meritocrática, por meio da valorização dos meios encarregados de sua divulgação. O crescimento dos periódicos brasileiros deverá ser fruto do investimento intelectual dos pesquisadores na geração de ciência de qualidade e internacionalização, através de parcerias internacionais, e do estímulo e valorização por meio de melhor classificação do sistema de avaliação da CAPES.

REFERÊNCIAS

1 Ramos MY. Internacionalização da pós-graduação no Brasil: lógica e mecanismos. Educ Pesqui. 2018;44:e161579. [Cited in 2018 21 ago] disponível em:
2 Wadhwani, RD, Galvez-Behar G., Mercelis J, Guagnini, A. Academic entrepreneurship and institutional change in historical perspective. Management & Organizational History. 2017; 12(3), 175-198. doi:10.1080/17449359.2017.1359903.
3 Altbach P, Reisberg L, Rumbley L, UNESCO. Trends in Global Higher Education: Tracking an Academic Revolution: a report prepared for the UNESCO 2009. World Conference on Higher Education. 2009. Paris (France)
4 Rochitte CE. Novo fator de impacto dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia (ABC Cardiol) - 1,318 - Uma conquista da SBC para nossa comunidade científica. Arq Bras Cardiol. 2018; 111(1):1-3.
5 Nascimento BR, Brant LCC, Oliveira GMM, Malachias MVB, Reis GMA, Teixeira RA, et al. Cardiovascular disease epidemiology in Portuguese-Speaking countries: data from the Global Burden of Disease, 1990 to 2016. Arq Bras Cardiol. 2018;110(6):500-11.
6 Yeravdekar VR, Tiwari G. Internationalization of Higher Education and its Impact on Enhancing Corporate Competitiveness and Comparative Skill Formation. Procedia - Social and Behavioral Sciences. 2014; 157, 203-9