versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde vol.25 no.1 Brasília jan./mar. 2016
http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742016000100011
to describe the characteristics of hospitalizations due to external causes involving contact with animals in a general hospital in the interior of Bahia State (BA), Brazil, from 2009 to 2011.
this was a descriptive study using data on hospital admissions in Jequié-BA.
there were 246 admissions owing to accidents involving contact with animals, especially venomous ones (83.3% snake venom, and 6.5% scorpion venom); most involved male victims (66.7%), the 20-59 year age group (50.4%), and people resident in rural areas (91.2%); most hospitalizations occurred during the night shift (39.0%) and on weekdays (69.1%); most cases had 1 to 3 day inpatient stays (50.8%), and 97.6% were subsequently discharged.
snakebites and scorpion stings were the most frequent accidents and predominantly affected young men living in the rural area.
Key words: External Causes; Hospitalization; Animals, Poisonous; Morbidity; Epidemiology, Descriptive
describir las características de las internaciones por causas externas vinculadas al contacto con animales en un hospital general en el interior de Bahia, Brasil, en el período de 2009 a 2011.
estudio descriptivo, con datos sobre admisiones en Jequié-BA.
fueron identificadas 246 internaciones por accidentes vinculado al contacto con animales, especialmente venenosos (83,3% veneno de serpiente y 6,5% de escorpión); predominantemente victimas varones (66,7%), entre 20-59 años (50,4%) y residentes de zonas rurales (91,2%); la mayoría de las hospitalizaciones ocurrieron en el turno de noche (39,0%) y en días útiles de semana (69,1%); la mayoría de los casos tuvieron un tiempo de internación de 1 a 3 días (50,8%) y 97,6% fueron dados de alta.
ofidismo y escorpionismo fueron los accidentes más frecuentes, acometiendo predominantemente hombres jóvenes residentes en la zona rural.
Palabras-clave: Causas Externas; Hospitalización; Animales Venenosos; Morbilidad; Epidemiología Descriptiva
As causas externas, conceituadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o conjunto das lesões acidentais (acidentes de transporte, afogamentos, quedas, queimaduras e outras) e das violências (agressões, homicídios, suicídios, privação ou negligência), ocupam lugar de destaque entre as causas de morbimortalidade no Brasil.¹
Entre essas causas, estão os acidentes envolvendo contato com animais.2 No Brasil, no ano de 2011, esses acidentes ocasionaram 328 óbitos e 15.672 internações hospitalares, representando 1,61% do total das internações por causas externas. No mesmo ano, na macrorregião Nordeste, tais agravos foram responsáveis por 19% das internações por causas externas; no estado da Bahia, foram registradas 1.556 internações por esse motivo, o equivalente a 2,5% do total das internações por causas externas.3
Os acidentes por contato com animais ocorrem com bastante frequência na zona rural e atingem principalmente a população de trabalhadores devido à proximidade com os meios naturais e às precárias condições de trabalho, que os expõem ao contato direto com animais. Dentre estes, se sobressaem os peçonhentos, cujos acidentes a eles relacionados representam um importante fator de risco para a classe trabalhadora do campo.4
Os animais peçonhentos são responsáveis por mais de 100 mil acidentes e aproximadamente 200 óbitos por ano no Brasil, decorrentes dos diversos tipos de envenenamento, especialmente o escorpionismo e o ofidismo. A alta frequência e magnitude dessas ocorrências, principalmente nas áreas rurais onde o acesso a serviços de saúde e assistência adequada às vítimas é bastante limitado, representa um grande problema de Saúde Pública no país. Limitação que se reflete, ademais, na subnotificação de casos.5
Não obstante os possíveis impactos físicos, econômicos e sociais ocasionados pelo contato acidental com animais peçonhentos, principalmente para os trabalhadores rurais, como absenteísmo, sequelas e até mesmo óbito, são escassos os estudos4,6 desses acidentes - sobretudo aqueles fundamentados em dados atuais. A carência de pesquisas mostrou-se ainda maior quando os acidentes investigados envolviam outros tipos de animais, talvez pelo fato de não demandarem tantas internações quanto os provocados por animais peçonhentos.
O presente estudo teve como objetivo descrever as características das internações por causas externas envolvendo contato com animais em um hospital geral no interior da Bahia, no período de 2009 a 2011.
Realizou-se um estudo descritivo sobre as características das internações por causas externas envolvendo contato com animais ocorridas no Hospital Geral Prado Valadares (HGPV), no período de 2009 a 2011. Trata-se de uma unidade de atendimento hospitalar de referência para uma microrregião de saúde da Bahia, composta por 25 municípios do interior do estado. O HGPV está localizado no município de Jequié, o qual, de acordo com o Censo Demográfico 2010 da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), contava com uma população de 151.895 habitantes e uma área de 3.227 km².7
Os dados que serviram de base ao estudo foram obtidos dos prontuários das vítimas, disponibilizados pelo Núcleo Hospitalar de Epidemiologia do HGPV. Uma vez constatados erros na codificação da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - Décima Revisão (CID-10), seja na emissão das autorizações de internação hospitalar (AIH-SUS), seja nos prontuários, assim como o não registro dos campos diagnósticos principal (natureza da lesão) e secundário (tipo de causa externa que ocasionou a lesão), de acordo com os capítulos XIX e XX da CID-10, considerou-se, para definição dos casos, o conceito de causas externas da OMS,¹ buscando descrições - tanto nas AIH-SUS como nas anotações médicas e de enfermagem constantes nos prontuários - que encontrassem correspondência no capítulo XX da CID-10, sob aos códigos W53-W59 e X20-X29.
Os dados foram analisados pelo programa Epi Info versão 3.5.2, mediante estatística descritiva, sendo apresentados em frequências absoluta e relativa.
Foram estudadas as seguintes variáveis:
a) quanto às características sociodemográficas das vítimas
- sexo (masculino; feminino)
- faixa etária (em anos: <10; 10 a 19; 20 a 59; >60)
- estado civil (casado; solteiro; viúvo)
- ocupação (do lar; estudante; frentista; trabalhador rural)
- município onde reside (Jequié; Jitaúna; Manoel Vitorino; Apuarema; outros)
b) quanto ao agravo
- CID-10 principal (Efeito tóxico do veneno de serpente [T63.0]; Efeito tóxico do veneno de escorpião [T63.2]; Efeito tóxico de contato com outros animais venenosos [T63.8]; Efeito tóxico de contato com animal venenoso não especificado [T63.9]; outras lesões; código não informado; código incorreto)
- CID-10 secundária (Contato com animais ou plantas venenosos, sem especificação [X29]; código não informado)
- local de ocorrência (residência; escola ou outras instituições; via pública; zona rural)
- natureza da lesão (traumatismo; intoxicação; demais lesões)
- segmento corporal afetado (membros inferiores; outros; não especificado)
c) quanto às internações
- dia da semana (dias úteis; finais de semana; não informado)
- estações do ano (verão; outono; inverno; primavera)
- período do atendimento (madrugada; matutino; vespertino; noturno; não informado)
- tempo de permanência (em dias: <1; 1 a 3; 4 a 7; 8 a 20; 21 a 30)
- evolução (alta; evasão; óbito)
Para cada variável analisada, foram excluídos os casos que apresentaram ausência ou mau preenchimento no campo.
O projeto do estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), sendo aprovado pelo Protocolo nº 069/2010. Por se tratar de pesquisa com dados secundários, foi solicitada e concedida a dispensa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Foram identificadas 246 internações no Hospital Geral Prado Valadares - HGPV - decorrentes de acidentes envolvendo contato com animais, no período de 2009 a 2011. A maioria das vítimas era do sexo masculino (66,7%) e pertencia ao grupo etário de 20 a 59 anos (50,4%) (Tabela 1) A análise de algumas características, como estado civil e ocupação, foi prejudicada pelo baixo preenchimento dessas informações verificado nos prontuários.
No que se refere ao tipo de acidente, apenas 1 caso (0,4%) apresentava o código da CID-10 secundária, referente à categoria 'Contato com animais ou plantas venenosos, sem especificação' (X29). Ao se considerar a CID-10 principal, verificou-se que 91,4% das lesões foram provocadas por animais venenosos, sendo 83,3% por veneno de serpente e 6,5% por veneno de escorpião. Observou-se que em 1,2% dos casos, os códigos da CID-10 principal eram incorretos (Tabela 2).
a) CID-10: Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10ª revisão
Quanto ao município onde ocorreram os acidentes, 45,5% corresponderam a Jequié (Tabela 1). Em relação ao local de ocorrência, nos casos em que o dado foi registrado, 91,2% informaram ter sido na zona rural. Sobre a natureza da lesão, 98% foram classificadas como envenenamento, e em 96,8% dos casos, o segmento corporal afetado não foi especificado (Tabela 3).
A distribuição dos acidentes de acordo com as estações do ano mostrou uma concentração dos casos durante o outono (35,7%). Ao se avaliar especificamente os acidentes ofídicos, sua ocorrência foi constatada no decorrer de todo o ano, igualmente com destaque para os meses correspondentes ao outono (36,1%). Quanto ao escorpionismo, não houve um padrão sazonal, evidenciando-se uma frequência constante durante as estações (Tabela 4).
De acordo com as características das internações, 39% dos casos foram recebidos pelo HGPV no período noturno (das 18 às 23 horas e 59 minutos), e 69,1% nos dias úteis da semana (segunda à sexta-feira). Quanto ao tempo de internação, o tempo máximo foi de 30 dias: mediana de 3 e média de 4,6 dias (±4,0). Sobre a evolução dos casos, 97,6% tiveram alta hospitalar; quanto aos demais casos, evadiram ou foram a óbito em igual proporção (1,2%) (Tabela 5).
Os acidentes envolvendo contato com animais foram identificados como os principais responsáveis pelas internações hospitalares por causas externas do tipo 'demais causas acidentais', destacando-se o ofidismo e o escorpionismo a acometer, predominantemente, a população de adulto-jovens, do sexo masculino e residente na zona rural.
Resultados semelhantes foram encontrados em outros estudos, nos quais os acidentes com animais - entre os 'demais acidentes' - foram apontados como (i) uma das importantes causas de atendimento nos serviços de emergência e (ii) dos mais frequentes acidentes não fatais entre adolescentes escolares.8,9
Os municípios componentes da microrregião de saúde, cuja unidade hospitalar estudada constitui referência para atendimento, possuíam em sua maioria uma população residente no campo e/ou desenvolvendo atividades rurais,10 de modo que essas condições, na maioria das vezes acompanhadas do não uso dos equipamentos de proteção individual (EPI), aumentam os riscos de contato com animais. Estes resultados corroboram os apresentados por estudo anterior, sobre prevalência e fatores associados a acidentes de trabalho em zona rural, realizado em Pelotas-RS, onde foi demonstrado que os animais domésticos e peçonhentos, reconhecidos entre os principais agentes causadores de acidentes nesses trabalhadores, foram responsáveis, respectivamente, por 26,8% e 9,8% das ocorrências.11
Dos acidentes envolvendo contato com animais, a maioria foi provocada por animais do tipo peçonhento, mais especificamente serpentes e escorpiões. No Brasil, tais animais foram apontados não só entre os três mais frequentes agentes tóxicos dos envenenamentos em adolescentes (15 a 19 anos), como também os principais responsáveis por essas ocorrências em pré-adolescentes (10 a 14 anos), no período de 1999-2001.12 Os fatores climáticos e sociodemográficos existentes na microrregião do estudo favorecem a proliferação e contribuem para a associação do habitat desses animais às atividades humanas: clima semiárido, proporções elevadas de domicílios rurais e de pessoas com ocupação no campo, além da progressiva urbanização nas áreas periféricas.10
Segundo estudos realizados em diferentes regiões do Brasil, na Argentina e na Venezuela, os acidentes ofídicos e escorpiônicos ocorrem com maior frequência na zona rural, comumente associados às práticas de trabalho.4,12-16 A estreita relação entre tais acidentes, ambiente rural e atividades laborais, sobretudo as agropastoris, pode explicar a predominância desses agravos no sexo masculino, haja vista a mão de obra do campo ser realizada sobretudo por homens.4,14-18 Também se observa maior ocorrência desses acidentes nos dias úteis da semana, justamente quando os indivíduos estão em seu espaço de trabalho, onde é maior a possibilidade de contato com esses animais.
O fato de indivíduos em idade produtiva (20 a 59 anos) terem sido os mais afetados é semelhante aos achados de outros estudos, tanto para o ofidismo quanto para o escorpionismo.13,14 Entretanto, esses dados divergem dos identificados por uma investigação do Centro de Assistência e Informação Toxicológica de Campina Grande (Ceatox-CG), estado da Paraíba, demonstrando maior incidência desses acidentes em adolescentes (10 a 19 anos).19 Tal discrepância pode-se atribuir à precoce inserção desses jovens no mercado de trabalho, possivelmente com o intuito de aumentar a renda familiar, uma vez que esses agravos acometem mais a população economicamente desfavorecida, segundo as distintas características geográficas e ocupacionais das diversas regiões do país.
No que se refere ao segmento corporal afetado, em 96,8% dos casos, esse dado não foi registrado. Embora exista um sub-registro dessa informação, estudos indicam que acidentes com esses animais - serpentes e escorpiões - têm, comumente, os membros inferiores como segmento corporal afetado.4,18 Alguns desses estudos, inclusive, especificam os pés como locais mais frequentes das picadas;4,20 outros encontraram as mãos, ou dedos das mãos, como locais mais acometidos, relatados com maior frequência nos acidentes escorpiônicos.14,21-23 Estes achados podem-se relacionar ao fácil contato desses animais com os segmentos corporais citados, além da possível não utilização dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI) pelos trabalhadores rurais no desempenho de suas atividades, medida capaz de diminuir a frequência desses acidentes.
Os acidentes ofídicos analisados distribuíram-se durante todos os meses do ano, de maneira semelhante à verificada na região Norte do país, onde, segundo a Fundação Nacional de Saúde (Funasa)/Ministério da Saúde, não existe sazonalidade marcante para esses acidentes, sendo os casos uniformemente distribuídos ao longo do ano.24 Uma possível explicação para tal acontecimento seria o fato de essas localidades apresentarem condições ambientais favoráveis à proliferação e sobrevivência desses animais durante todo o ano, como temperaturas ideais, umidade e alimento em abundância, diferentemente de outras regiões onde já se demonstrou a ocorrência desses acidentes principalmente nos meses caracterizados por altas temperaturas e elevados índices pluviométricos.17,18 Em relação aos acidentes escorpiônicos, não se evidenciou um padrão sazonal de ocorrência: os meses de maiores incidências corresponderam às diferentes estações do ano, contrastando com outras pesquisas que revelaram maior frequência desses agravos nos períodos anuais mais quentes e chuvosos de cada região.14,21-23
Sobre as internações decorrentes desses acidentes, a maioria das vítimas foram internadas no período noturno. Contudo, não se pode afirmar que esses acidentes tenham acontecido à noite, desde que não foi informado o tempo transcorrido entre o momento do evento e o atendimento. Outrossim, deve-se considerar que a unidade de serviço envolvida no estudo é referência em atendimento hospitalar na microrregião, e muitas das vítimas atendidas residem na zona rural e/ou noutros municípios, cuja distância da unidade de atendimento pode ter prolongado esse intervalo, influenciando no período das internações.
Quanto à duração das hospitalizações, 51,2% dos acidentados permaneceram internados de 0 a 3 dias - média de 4,6 dias -, tempo semelhante ao encontrado em estudo sobre envenenamento por picada de cobras corais realizado na Argentina, onde o tempo de hospitalização variou de 1 a 4 dias.13 Tão curto período de internação deve-se, provavelmente, a esses acidentes serem, em sua maioria, classificados como leves, a exemplo do que acontece com os escorpiônicos;4,23 ademais de exigirem condutas terapêuticas relativamente simples, consistindo, basicamente, nos cuidados com a lesão e no tratamento das possíveis manifestações clínicas.24 Essa justificativa também pode explicar a elevada proporção de casos com evolução para alta hospitalar, bem como a quantidade relativamente baixa de óbitos, situações igualmente encontradas a partir de outras pesquisas.15,18,20,21
Se esses agravos são classificados, amiúde, como de baixa gravidade, e como dispõem de um tratamento de grande resolubilidade, a ocorrência de óbitos pode estar relacionada ao tempo gasto para percorrer a distância entre o local do acidente e a unidade hospitalar de atendimento das vítimas, já que a maioria delas, residentes no campo, referiram a zona rural como local de ocorrência do evento. Vários estudos confirmam essa hipótese, corroborando a associação da brevidade do tempo transcorrido desde momento da picada até o atendimento, com a letalidade e agravamento do quadro: quanto menor for esse intervalo, melhor será o prognóstico do acidentado.4,17,20
Entre as limitações do estudo, encontra-se o fato desta pesquisa retratar apenas as internações hospitalares e não necessariamente a situação real da morbidade por acidentes envolvendo contato com animais. Esses acidentes, quase sempre considerados de gravidade leve e caracterizados por lesões de baixa severidade, nem sempre levam à procura dos serviços de saúde pelas vítimas; e quando elas o fazem, ao serem atendidas nos serviços de urgência/emergência, são liberadas após as condutas terapêuticas adequadas, descartando-se a internação.
Outro problema identificado pelos pesquisadores foi a incompletude das informações, devida a falhas no preenchimento dos registros, impossibilitando uma observação e análise mais detalhada e profunda das características das vítimas. Ademais, verificou-se (i) elevada proporção de não preenchimento dos códigos de classificação do diagnóstico secundário (tipo de causas externas) e (ii) inadequada codificação do diagnóstico principal (tipo de lesão ocasionada), inviabilizando a identificação de informações mais precisas sobre a situação geradora do acidente. Segundo a Portaria SAS/MS nº 142, de 13 de novembro de 1997, ambas as evidências apresentadas aqui - incompletude no preenchimento e/ou inadequação aos códigos previstos na CID-10 - estão em desacordo com a obrigatoriedade do preenchimento desses campos com base nos códigos dos capítulos XIX e XX da CID-10, denominados, respectivamente, 'Lesões, envenenamento e algumas outras consequências de causas externas', que classifica a natureza da lesão, e 'Causas externas de morbidade e de mortalidade', que lista as causas básicas, ou seja, os tipos de causas externas que deram origem às lesões.25 O preenchimento inadequado das folhas de emissão das AIH-SUS gera informações distorcidas para o Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS), refletindo dados não fidedignos sobre a situação de saúde da população e sobre as tendências das internações pelos agravos.
Outro aspecto a ser considerado sobre a incompletude desses dados foi a elevada proporção de casos cuja ocupação não foi informada, induzindo uma compreensão distorcida da realidade, frequência e dimensão dos acidentes relacionados ao trabalho: os acidentes envolvendo contato com animais, aqui analisados, atingiram principalmente a população do campo, com grande possibilidade de ocorrência durante a realização das atividades laborais.
Apesar dessas limitações, o estudo da morbimortalidade de um agravo a partir das internações a ele relacionadas pode refletir sua magnitude e consequências, e auxiliar os gestores de saúde no planejamento das ações, tanto para o atendimento das vítimas como para a prevenção e controle desse agravo. Inicialmente, para minimizar tais problemas, vê-se necessário um aumento nos investimentos de cobertura das informações sobre causas externas, especialmente aquelas consideradas de baixa gravidade, que nem sempre necessitam de internação e dificilmente levam a óbito. Uma sugestão seria a implementação, em todos os serviços de urgência/emergência do país, do sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA) (criado em 2006, pelo Ministério da Saúde)26 e, a partir de seu componente VIVA Inquérito - Vigilância de Violências e Acidentes em Serviços Sentinelas de Urgência e Emergência -, poder-se-ia caracterizar todos os atendimentos por causas externas realizados nessas unidades. É fundamental que sejam adotadas medidas visando melhorar o preenchimento dos registros e, consequentemente, a qualidade das informações.
Acredita-se que pesquisas como esta venham a reforçar o conhecimento produzido no âmbito das causas externas, especialmente dos acidentes com animais peçonhentos. Estudos dessa qualidade representam uma importante ferramenta de avaliação dos serviços de saúde, contribuindo não só para a adequação e aprimoramento de suas funções como também para o delineamento de políticas públicas com o objetivo de reduzir a ocorrência e a morbimortalidade causada por esses acidentes.