versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.28 no.5 São Paulo set./out. 2016 Epub 13-Out-2016
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015283
A Organização Mundial de Saúde (OMS)/World Health Organization (WHO) define como criança nascida de baixo peso toda aquela com peso menor de 2.500 gramas (g) no momento do nascimento(1). É crescente o cuidado com esta condição de nascimento do neonato, uma vez que é considerado um importante fator de risco para diversas alterações do desenvolvimento.
Muitos estudos e discussões vêm demonstrando que o baixo peso ao nascer é fator de risco ao desenvolvimento e constitui o mais importante determinante da mortalidade neonatal, perinatal e infantil. Ele está relacionado a inúmeros fatores biológicos, psicossociais e demográficos, tais como ao crescimento intrauterino inadequado, à prematuridade, à gravidez em faixa etária inferior a 20 ou superior a 35 anos, a múltiplas gestações, a mães fumantes, à desnutrição na gravidez, ao reduzido número de consultas pré-natais, à ausência ou inadequação de acompanhamento durante a gestação, à baixa escolaridade materna, a famílias que vivem em baixas condições sociais ou a famílias que moram em países subdesenvolvidos(2,3).
O peso ao nascimento e a idade gestacional têm sido considerados fatores preditivos importantes ao prognóstico do desenvolvimento infantil, sendo importantes nos desfechos dos primeiros anos de vida(4). Deve-se considerar o baixo peso, associado ou não à prematuridade, também observando suas implicações na aquisição da linguagem.
Há muitos estudos que vertem suas pesquisas sobre neonatos nascidos com baixo peso, relatando que eles seriam considerados de risco para alterações globais ou específicas de linguagem, motricidade e aprendizagem(4,5).
No que concerne ao desenvolvimento de linguagem oral típico, sabe-se que, por volta dos seis anos de idade, as crianças começam a perceber traços mais sutis de linguagem (como o uso de provérbios e metáforas). Nessa fase, a criança está em processo de desenvolvimento de sua metacomunicação, que é o conhecimento de como ocorre a comunicação(6).
As habilidades que se desenvolvem a partir da compreensão da dinâmica de comunicação entre os seres humanos (permeadas muitas vezes por sutilezas, ironias, trocadilhos, etc.) são chamadas habilidades metalinguísticas; elas refletem a capacidade de pensar sobre a linguagem na sua forma abstrata - podemos citar a capacidade de compreensão de metáforas, realização de inferências, compreensão de ironias, de piadas e de ambiguidades(7).
É através de habilidades metalinguísticas, como a de reconhecer e interpretar ambiguidades, que se desenvolverá o reconhecimento das intenções do falante em um dado contexto, sendo possível a inclusão social do indivíduo que domina essa habilidade. A correta interpretação de duas sentenças ambíguas é diretamente correlacionada a um processamento de linguagem eficiente, à escolarização formal e ao desenvolvimento cognitivo (uso de funções executivas e de controle inibitório)(8).
Define-se por ambiguidade: Dúvida, incerteza, irresolução; aquilo que pode apresentar mais de um sentido(9). Assim, a ambiguidade ocorre quando uma mesma palavra ou frase pode ser interpretada de diferentes maneiras. Há diferentes tipos de ambiguidades: a ambiguidade fonológica, lexical, sintática e pragmática.
Haja vista os riscos ao desenvolvimento que crianças nascidas com baixo peso apresentam, especialmente aquele que diz respeito à linguagem, tivemos como hipótese para este estudo que as crianças nascidas com baixo peso apresentariam um desempenho diferenciado em atividades que demandariam a utilização das habilidades metalinguísticas de reconhecer e interpretar ambiguidades lexicais.
Esta pesquisa teve como objetivo principal observar o desenvolvimento de linguagem quanto às habilidades de reconhecer e interpretar ambiguidades lexicais, em escolares, de 5 a 9,9 anos, nascidos com baixo peso e inseridos na rede de ensino municipal do município de Embu das Artes (Estado de São Paulo/SP) em comparação a escolares nascidos com peso adequado. Como objetivos específicos, buscamos correlacionar o desempenho de linguagem dessas crianças com as variáveis gênero, peso ao nascimento e idade gestacional, além de correlacionar o desenvolvimento de linguagem com a idade e escolaridade maternas.
As informações analisadas no presente estudo foram obtidas no projeto “Morbidade, Crescimento e Desenvolvimento de Escolares de 6 a 10 anos de idade nascidos com baixo peso ao nascer – integralidade e intersetorialidade na atenção à criança no sistema local de saúde. Embu (SP)”, realizado entre 2010 e 2012 por equipe interdepartamental da Universidade Federal de São Paulo, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e do Programa de Pesquisa para o Sistema Único de Saúde (PPSUS). O projeto citado foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (CEP/UNIFESP nº 1142/09). O objetivo àquela época fora conhecer a frequência de alterações do crescimento e do desenvolvimento e a atenção à saúde e à educação de crianças de 6 a 10 anos, que apresentaram baixo peso ao nascimento, matriculadas em escolas públicas e em unidades básicas de saúde do município de Embu/SP e consistira no levantamento de dados, a partir do Sistema de Informações de Nascidos Vivos de sujeitos nascidos entre 2000 e 2005, com posterior resgate, entre 2010 e 2012, para a aplicação de protocolos de avaliação por equipe multidisciplinar em 1.500 crianças nascidas com peso menor que 2.500 g - Baixo Peso, quando em fase escolar, que frequentavam Unidades Básicas de Saúde e escolas municipais da região de Embu(SP). Houvera autorização dos pais e/ou responsáveis dos participantes para a utilização das informações coletadas, por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Com a participação de 14 escolas, o estudo anterior incluíra a descrição da presença de doenças crônicas/deficiências motoras, sensoriais e/ou cognitivas, vinculação e utilização de serviços do município desde o nascimento: Unidades Básicas de Saúde (UBSs), ambulatórios de especialidades, serviços de reabilitação e escolas de educação infantil e especiais. Também houvera avaliação nutricional da amostra, aferição da pressão arterial, dosagens laboratoriais e desempenho escolar por meio do histórico escolar. Naquele estudo, a avaliação fonoaudiológica fora realizada em amostra randomizada por escolas e considerara, além de 306 crianças nascidas de baixo peso, um grupo controle, de mesmo tamanho, e com as mesmas características socioeconômicas, de escolaridade e gênero. A avaliação fonoaudiológica fora realizada através de entrevista com a mãe e/ou responsáveis para coleta de informações sobre o desenvolvimento da criança; verificara-se a acuidade auditiva e as habilidades de leitura, escrita, aritmética e habilidades metalinguísticas orais.
Dessa maneira, a presente pesquisa tratou-se de um estudo caso-controle, consequente ao Projeto PPSUS citado, incluindo as crianças de 5 anos de idade avaliadas à época, todas matriculadas na rede municipal de ensino de Embu das Artes (SP). Este estudo visou à observação específica das habilidades metalinguísticas de reconhecer e interpretar ambiguidades. Para a análise dos dados do presente estudo, houve prévia autorização da pesquisadora do Projeto anterior para utilização dos dados nesta pesquisa, por meio da Carta de Autorização Para Pesquisa em Banco de Dados. O trabalho atual teve aprovação, em 2014, pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, CEP/UNIFESP nº 569.609. Considerados os protocolos de avaliação fonoaudiológica completos, os critérios de inclusão para o estudo foram a faixa etária entre 5 e 9,11 anos, de ambos os gêneros, que apresentaram baixo peso ao nascimento (<2500g) (Grupo Pesquisa – GP) e crianças de mesma faixa etária que apresentaram peso normal ao nascimento (acima ou igual a 2.500 g) (Grupo Controle – GC). Foram excluídas do estudo crianças com anomalias ou morbidades. Assim, a amostra foi composta por protocolos de 378 escolares (sendo 210 do Grupo Pesquisa e 168 do Grupo Controle) com 5 anos a 9,11 anos de idade, de ambos os gêneros.
Analisou-se o desempenho de linguagem das crianças avaliadas, em seus aspectos expressivos verbais, por meio de suas habilidades de interpretação e reconhecimento de ambiguidades lexicais. Para isso, fora selecionado, à época da avaliação, o subteste relativo às habilidades de reconhecer e interpretar verbalmente sentenças ambíguas, do Test of Language Competence – Extended Edition (TLC-E)(10), traduzido e adaptado para o português (nível 1)(11). O material adotado avalia a competência da linguagem quanto à semântica, sintaxe e pragmática de cada indivíduo. O subteste em questão tem como objetivo avaliar a habilidade de reconhecer e interpretar sentidos alternativos de itens lexicais ambíguos previamente selecionados através da apresentação de uma sentença e quatro imagens. Por exemplo, em “O menino e seu irmão encontraram um balão”, a interpretação e reconhecimento das figuras corretas devem considerar os significados “bexiga” e “balão de festa junina”. O indivíduo deve primeiro criar dois contextos em que a frase poderia ser usada e depois selecionar estes contextos retratados nas imagens(10). A pontuação para cada um dos itens é realizada por: a) número de interpretações realizadas pelo participante, isto é, a soma de explicações corretas compõe o escore Significado; b) identificação das duas figuras, dentre as quatro apresentadas posteriormente à explicação, isto é, a soma de identificações corretas da figura compõe o escore Número de Figuras. As respostas de cada sujeito foram computadas e analisadas segundo critérios propostos descritos no manual do TLC-E(10). Para o Escore Significado, pontuou-se 0 (zero) se a criança não soube responder verbalmente ou não forneceu nenhuma interpretação correta para a sentença em questão; 1 se forneceu verbalmente apenas uma interpretação correta; e 3 se forneceu verbalmente os dois significados corretos. Ao final, somaram-se as pontuações para o escore Total de Significado. Para o Escore Número de Figuras, pontuou-se 0 (zero) se a criança não selecionou nenhuma ou uma única figura correta; e 1 se reconheceu ambas as figuras corretas. Ao final, somaram-se as pontuações para o escore total de número de figuras. Para obtenção do escore bruto Total, somaram-se os pontos dos escores de Significado Total e Número de Figuras Totais.
Para o rigor e qualidade pretendidos, optou-se pela comparação entre os grupos constituídos para a pesquisa (GC e GP) por meio da pontuação bruta no subteste em questão e não foi adotada a conversão para a pontuação padrão internacional, inserida no manual do TLC-E. Como variáveis principais do estudo consideramos o peso ao nascer e as pontuações no subteste de sentenças ambíguas. As médias de idade da criança, idade gestacional, peso ao nascimento além do gênero das crianças e audiometria foram relacionadas às pontuações e comparadas intragrupo e intergrupo. Foram consideradas as variáveis idade da mãe/responsável e escolaridade da mãe/responsável como fatores externos e comparadas às variáveis do estudo. Para as comparações da pontuação nas habilidades na prova de “Sentenças Ambíguas” entre os dois grupos de interesse, o teste utilizado foi o t-Student. Para as comparações entre os dois grupos de interesse quanto ao desempenho em cada item do subteste “Sentenças Ambíguas”, o teste utilizado foi o Quiquadrado. Além disso, foi realizada análise estatística de regressão múltipla para avaliar as variáveis que influenciaram a pontuação total do subteste e as variáveis introduzidas no modelo foram: idade gestacional ao nascimento, peso ao nascimento, idade atual da criança, gênero, avaliação auditiva da criança/audiometria (considerar tanto orelha direita como orelha esquerda), escolaridade da mãe, idade da mãe. Como primeiro passo para a análise, foram identificadas variáveis com dependência entre duas ou mais variáveis (multicolinearidade), porém não houve multicolinearidade entre as variáveis utilizadas no estudo, sendo assim, todas as variáveis de interesse foram utilizadas nos modelos. O R2 aponta a qualidade de ajuste do modelo, sendo que, quanto mais próximo de 1 melhor o ajuste. O software utilizado foi SPSS 12.0.
Para todas as análises citadas foi considerado um nível de significância de 5%. Os coeficientes significantes foram destacados com asterisco nas tabelas.
A amostra evidenciou-se bastante homogênea, sendo as características entre os grupos parecidas entre si. Quanto às variáveis internas, o Grupo Pesquisa (GP) (Baixo Peso ao nascimento) foi composto por 210 crianças com 5,7 anos a 9,9 anos de idade, média de idade de 7,9 anos, todas nascidas com peso inferior a 2.500 g. Dessas, 44,7% eram do gênero masculino e 55,3% do gênero feminino. A média do peso ao nascimento no GP foi de 2.107,1 g, com peso mínimo de 670 g e peso máximo de 2.495 g. Quanto à divisão do peso no GP, havia 5 crianças (2,3%) com menos de 1.000 g, 13 (6,1%) com 1.000 g-1.499 g e 192 (91,6%) com 1.500 g ou mais. Houve proporcionalidade entre nascidos de 32 a 36 semanas (39,52%) e de 37 a 41 (48,57%) semanas de gestação. O GP apresentou média de 26 dBNA à orelha direita e 26,2 dBNA à orelha esquerda. Quanto às variáveis externas, a idade materna no GP teve média de 25,7 anos, com idade mínima de 13 anos e máxima de 45 anos. A escolaridade materna teve média de 3,7 anos, com mínimo de 1 ano e máximo de 9 anos.
Quanto às variáveis internas, o Grupo Controle (GC) (Peso Normal ao nascimento) foi composto por 168 escolares com 5,0 anos a 9,9 anos de idade, média de idade de 8,2 anos, todos nascidos com peso maior ou igual a 2.500 g; 45,2% eram do gênero masculino e 54,8% do gênero feminino. A média de peso no GC foi de 3.293,3 g, com peso mínimo de 2.500 g e peso máximo de 5.000 g. O GC apresentou média de 25,2 dBNA à orelha direita e 25,8 dBNA à orelha esquerda. A maioria das crianças (94,6%) havia nascido com 37 a 41 semanas de gestação. A idade da mãe no GC teve média de 25,8 anos, com idade mínima de 15 anos e idade máxima de 40 anos. A escolaridade materna teve média de 3,6 anos, com mínimo de 2 anos e máximo de 9 anos.
As comparações entre os grupos Pesquisa e Controle, quanto à comparação das pontuações brutas totais, podem ser evidenciadas na Tabela 1.
Tabela 1 Comparações das pontuações totais para os grupos Controle e Pesquisa
Grupo | valor de p | |||
---|---|---|---|---|
Controle | Pesquisa (baixo peso) |
|||
Escore total - significado (s1) | N | 168 | 210 | 0,035* |
Média | 22,3 | 19,8 | ||
Mediana | 25,0 | 23,0 | ||
Desvio padrão | 11,0 | 11,1 | ||
Mínimo | 0,0 | 0,0 | ||
Máximo | 39,0 | 39,0 | ||
Escore total - número de figuras (s1) | N | 168 | 210 | 0,278 |
Média | 7,7 | 7,4 | ||
Mediana | 8,0 | 8,0 | ||
Desvio padrão | 2,9 | 3,0 | ||
Mínimo | 0,0 | 0,0 | ||
Máximo | 13,0 | 13,0 | ||
Escore total significado + Escore total número de figuras (s1) | N | 168 | 210 | 0,038* |
Média | 30,0 | 27,2 | ||
Mediana | 31,0 | 30,0 | ||
Desvio padrão | 12,9 | 12,7 | ||
Mínimo | 0,0 | 0,0 | ||
Máximo | 52,0 | 52,0 |
*p-valor<0,05
Legenda: t-Student
Pôde-se observar que houve diferença estatisticamente significante entre os grupos em relação ao escore total para o escore Significado e para o escore Total (Significado + Número de figuras) (p<0,05), evidenciando que os indivíduos do GC apresentaram, em média, maiores pontuações tanto para o item Significado como para a pontuação Total (Significado + Número de Figuras), ou seja, apresentaram melhores desempenhos do que o Grupo Pesquisa, tanto na etapa de interpretação livre (sem apoio de figuras) quanto na somatória das duas etapas (interpretação sem figuras somado à interpretação com possibilidade de escolha entre figuras). Na Tabela 2, pôde-se observar que apenas houve diferença estatisticamente significante entre os grupos em relação ao Item 1 (p<0,05), evidenciando que somente neste item houve um maior número estatisticamente significante de crianças do grupo controle que acertaram os dois significados, em relação ao Grupo Pesquisa. Para a análise de regressão múltipla, considerando o Grupo Controle, o modelo final foi possível de ser ajustado (p<0,05), porém com baixo R2. Segue o resultado na Tabela 3. Evidenciou-se que a cada um ano aumentado da idade da criança, fixando as demais variáveis do modelo (indivíduos com as demais características idênticas), aumentou em 3,98 a pontuação do subteste. Por sua vez, considerando-se o Grupo Pesquisa, o modelo final também foi possível de ser ajustado (p<0,05), porém novamente com baixo R2. Seguem os resultados na Tabela 4. Da mesma forma como foi observado para o Grupo Controle, também para o Grupo Pesquisa a cada um ano aumentado da idade da criança, fixando as demais variáveis do modelo (indivíduos com as demais características idênticas), aumenta em 2,47 a pontuação do subteste.
Tabela 2 Comparações de cada item do subteste para os grupos Controle e Pesquisa
Grupo | valor de p | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Controle | Pesquisa (baixo peso) |
|||||
N | % | N | % | |||
Item 1 - significado (s1) | nenhum significado correto | 23 | 13,7% | 39 | 18,7% | 0,040* |
um significado correto | 49 | 29,2% | 78 | 37,3% | ||
dois significados corretos | 96 | 57,1% | 92 | 44,0% |
*p-valor<0,05
Legenda: X2
Tabela 3 Análise de Regressão Múltipla considerando o Grupo Controle
Β | valor de p | |
---|---|---|
Gênero da criança | 1,92 | 0,541 |
Idade gestacional: de 32 a 36 (referência) | ||
Idade gestacional: 37 semanas ou mais | -11,97 | 0,059 |
Peso da criança ao nascimento (em gramas) | 0,002 | 0,525 |
Idade atual da criança | 3,98 | 0,003* |
Escolaridade da mãe (em anos) | 1,94 | 0,202 |
Idade da mãe (em anos) | -0,03 | 0,922 |
*p-valor do modelo = 0,032
Legenda: R2 = 0,232
Tabela 4 Análise de Regressão Múltipla considerando o Grupo Pesquisa
Β | valor de p | |
---|---|---|
Gênero da criança | 1,79 | 0,310 |
Idade gestacional: de 22 a 27 (referência) | ||
Idade gestacional: de 28 a 31 semanas | -6,38 | 0,219 |
Idade gestacional: de 32 a 36 semanas | -6,33 | 0,159 |
Idade gestacional: 37 semanas ou mais | -6,87 | 0,128 |
Peso da criança ao nascimento (em gramas) | 0,005 | 0,081 |
Idade atual da criança | 2,47 | 0,006* |
Escolaridade da mãe (em anos) | 0,27 | 0,736 |
Idade da mãe (em anos) | -0,03 | 0,836 |
*p-valor do modelo < 0,001
Legenda: R2 = 0,211
Pelos resultados expressos na Tabela 1, pôde-se observar que houve diferença estatisticamente significante na pontuação Total entre os grupos, evidenciando que os indivíduos do Grupo Controle apresentaram, em média, maiores pontuações tanto para o Significado, bem como para o Escore Total de Significado + Número de figuras, ou seja, apresentaram melhores desempenhos do que o Grupo Pesquisa, tanto na etapa de interpretação livre (sem apoio de figuras) quanto na somatória das duas etapas (interpretação sem figuras somada à interpretação com possibilidade de escolha entre figuras). Quanto à pontuação total para o número de figuras, apresentadas após a interpretação, não houve diferença entre os grupos.
Deve-se destacar que a definição que concerne à palavra ambiguidade é a seguinte: mais de um sentido, que é anfibológico(12). Estudos dizem que as ambiguidades têm relação com o acesso lexical, buscando as palavras e seus significados organizados em redes semânticas, associadas por semelhança sonora ou de significados(13,14). O subteste de Sentenças Ambíguas analisa a habilidade de reconhecer e interpretar os significados possíveis de sentenças que contenham ambiguidade entre palavras (ambiguidade lexical). A pontuação leva em consideração as interpretações corretas realizadas pelo participante, dando pontuação máxima quando o indivíduo fornece os dois significados esperados. Além disso, após a interpretação, o indivíduo deverá escolher, dentre as figuras posteriormente apresentadas, as duas correspondentes à sua interpretação. Dessa maneira, há tanto o escore de interpretação sem o estímulo visual, quanto o escore após o estímulo a partir de figuras de apoio(10).
As crianças do Grupo Pesquisa tiveram dificuldades para explicar os significados de palavras com duplo sentido. A diferença no escore Significado, portanto, fica evidente na explicação autônoma, ou seja, sem o apoio dirigido visual por meio de figuras e, ainda assim, quando somados ao escore de Figuras e Significado (pontuação Total), o Grupo Pesquisa continua abaixo, comparando-se ao Grupo Controle. Lent(13) discorre que as habilidades de acesso lexical e de compreensão de palavras estariam relacionadas ao giro angular e supramarginal. O giro temporal médio e inferior também teria sua participação nesta tarefa, permitindo a identificação de palavras. Indivíduos com alterações nessas regiões cerebrais poderiam vir a apresentar alterações nesta habilidade. Isso concorda com o estudos anteriores(15), os quais relataram que indíviduos nascidos com baixo peso apresentavam alterações no sistema nervoso central, como tumores, epilepsia e convulsões. Reidy et al.(16) evidenciaram correlação entre alteração da substância branca cerebral e inabilidades linguísticas em crianças de baixo peso ao nascer. Alterações de linguagem expressiva estariam relacionadas à dificuldade no acesso lexical e indivíduos com suspeita de alteração de linguagem demonstrariam dificuldades para a tarefa detecção e interpretação de ambiguidades(13). Em outro estudo(11), foi ressaltada a dificuldade dos sujeitos em acessar os dois significados de palavras homônimas, o que fez com que eles expressassem verbalmente apenas um dos sentidos, qual seja, aquele que foi ativado primeiramente, provavelmente o mais familiar. Pensando-se na relação entre as redes semânticas para o acesso lexical na tarefa de detecção de ambiguidades(13,14) e nas restrições do processo lexical atribuído a características semânticas(14), estudos vêm demonstrando que indivíduos nascidos com baixo peso podem apresentar, em anos posteriores ao nascimento, dificuldades semânticas, de vocabulário receptivo(17), diferenças na linguagem expressiva(18) e déficits na fluência verbal semântica(19), o que explicaria a dificuldade em explicar verbalmente os sentidos ambíguos das palavras dadas em sentenças orais, observada em nosso Grupo Pesquisa.
No entanto, em nosso estudo, também percebemos que, para o escore do número de figuras (Tabela 1), a diferença entre os grupos desapareceu, ou seja, com o elemento facilitador visual, os grupos se equipararam. Estudos demonstram que grupos, tanto com queixa quanto sem queixa de linguagem, tiveram menos dificuldade para apontar as figuras que representavam as ambiguidades nas sentenças do que para explicá-las oralmente(11). Bitar(20) descreveu em seu trabalho com crianças entre 4 e 6 anos de idade que as figuras contribuem na aquisição da competência narrativa e que a representação pictográfica atua como elemento facilitador e estimulador nessa habilidade. Através da leitura de imagem oferecida, a criança constrói, amplia e recria sentidos. Tais achados demonstram que figuras poderiam, portanto, auxiliar na contextualização para conceitos mais abstratos, como os de ambiguidades aqui medidas, e justificariam os resultados de equiparação entre GP e GC para essa habilidade depois da apresentação das figuras. Às vezes, as palavras vizinhas não permitem uma conclusão e dependeriam do contexto mais amplo e das frases anteriores e posteriores relacionadas a elas, como é o caso de palavras com duplo sentido (ambíguas)(13). Sendo assim, a relação entre imagem visual e a formulação verbal permite novas possibilidades de expressão pelo sujeito(21).
Conforme observado na Tabela 2, houve diferença estatisticamente significante entre os grupos em relação ao Item 1 (p<0,05), “A pasta está no armário”, que tem como resposta o Significado de pasta de dente e de pasta escolar, ou seja, evidenciamos que somente neste item houve um número maior estatisticamente significante de crianças do Grupo Controle que acertaram dois significados, em relação ao Grupo Pesquisa. A ambiguidade lexical, objeto de nosso estudo, é a ambiguidade gerada a partir do fato de que uma das palavras do enunciado pode ter mais do que um significado(10,13).
Como citado anteriormente, o item específico apresenta pasta como palavra ambígua. A diferença entre os grupos poderia ser compreendida por um distanciamento do uso das palavras em ambos os sentidos. Araújo(22) pondera que, quanto mais distante é o uso de um vocábulo, tanto maior é a complexidade do processo cognitivo para a identificação dos significados. A identificação envolveria a análise contextual e seu domínio de experiência linguística, podendo ser mais crítico em crianças com transtornos de linguagem(23), o que a literatura vem apontando em relação às crianças nascidas com baixo peso(24,25).
Além disso, a diferença está no primeiro item a ser executado; tal circunstância poderia ser uma das hipóteses para explicar a menor pontuação nas crianças do Grupo Pesquisa. Embora tendo havido duas demonstrações prévias com o intuito de explicação da tarefa(10), algumas crianças podem ter necessitado de mais tempo ou mais exemplos para apreender a atividade e, por isso, terem falhado no item de primeira execução, uma vez que nos demais itens não se diferenciam do Grupo Controle. Segundo a literatura, crianças nascidas com baixo peso podem apresentar manifestações de desatenção e falhas nas funções executivas(19,23,24,26) que acarretam maior latência de resposta em determinadas tarefas e que levam a um processamento de informações mais lento(27).
Nas análises de variáveis preditoras da habilidade metalinguística do GP (Tabela 4) e do GC (Tabela 3), vimos que a cada um ano aumentado da idade das crianças de ambos os grupos, fixando as demais variáveis do modelo, aumentou a possibilidade de identificação de duplo sentido lexical (GP 2,47 e GC 3,98), o que vai ao encontro da literatura que diz que, conforme há o aumento da idade, estruturas cerebrais se desenvolvem(13). Nossos achados também concordam com os estudos que mostram que, conforme o aumento da idade, as crianças ampliam suas habilidades metalinguísticas de interpretação de ambiguidades(13), realização de inferências(21,28), construção de atos de fala(18,21) e de compreensão de linguagem figurada(13), bem como de consciência fonológica(28). Habilidades metalinguísticas são precursoras para a aquisição da leitura e da escrita(28). Além disso, nosso estudo corrobora pesquisa com Baixo Peso ao nascer, a qual verificou que, conforme se aumentava a idade, cresciam as habilidades linguísticas e de aprendizagem(29).
Nosso estudo demonstrou que os escolares de 5 a 9,11 anos nascidos com baixo peso e inseridos na rede de ensino municipal do município de Embu das Artes (SP) apresentaram diferenças no desenvolvimento de suas habilidades metalinguísticas, quando comparados a escolares nascidos com peso adequado, no que se referiu às habilidades de interpretação expressiva de Ambiguidades.
Quanto às variáveis estudadas, a idade atual da criança interferiu positivamente em habilidades metalinguísticas de interpretação de Ambiguidades, tanto no Grupo Pesquisa de escolares nascidos de baixo peso quanto no Grupo Controle de escolares nascidos com peso adequado.