versão impressa ISSN 1413-8123
Ciênc. saúde coletiva vol.19 no.11 Rio de Janeiro nov. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320141911.10692014
This article addresses the issue of intersectoriality and shows the polysemic nature of the topic. It reveals that there is still a lack of theories to confirm its status as a research and evaluation category. The suggestion is that each of the possible directions for an intersectorial approach will be answering different questions thereby fostering the creation of a "database of questions" for the research presented in this article. This article provides the context for intersectorial debate; it makes approximations of the theme; it indicates which aspects are still uncharted; and, inspired by the plurality of the word "intersectorialitieS", it highlights the need to build a research agenda that favors a theoretical framework for intersectorial action, not merely as an experiment in public management but as praxis for government action. Twenty-three research questions are presented that open up the possibility of outlining a research agenda on intersectoriality and expand the theoretical and evaluative framework yet to be developed.
Key words: Intersectoriality; Research agenda; Public policies; Equity
Este artigo aponta algumas direções para a abordagem da intersetorialidade. Indica que ainda há falta de teorias que consagrem o tema como categoria de pesquisa e avaliação. Sugere que cada uma destas possíveis direções de abordagem intersetorial estará respondendo a questões distintas, favorecendo a criação de um "banco de perguntas" para a pesquisa e que será apresentado neste artigo.
O artigo contextualiza o debate intersetorial; faz aproximações ao tema; indica que questões estão em aberto; e inspirado pela pluralidade do vocábulo "intersetorialidadeS" aponta a necessidade de se construir uma agenda de pesquisa que favoreça aportes teóricos para que a ação intersetorial não seja um experimento na gestão pública e possa se constituir em uma práxis de governo.
Magalhães e Bodstein1 contribuem com este debate ao dizerem que "a interface e o diálogo entre pesquisa, avaliação e acompanhamento de processos decisórios constituem eixos centrais para o maior aprendizado social e institucional na área".
E mais do que um debate meramente acadêmico, há fortes clamores de que há insuficiências importantes na ação setorial isolada que tenha potência para enfrentar a raiz dos principais problemas que afetam a saúde das populações, como a distribuição desigual de poder, serviços e recursos entre países, dentro dos países e entre grupos populacionais, bem como os modos correntes de produção e consumo deletérios à vida e à saúde2-10.
Estes clamores encontram respaldo em recente artigo do Lancet, "As origens políticas da iniquidade em saúde: perspectivas para a mudança", publicado por uma coalização de grupos e autores independentes, ao assinalarem que a "equidade em saúde não pode ser abordada isoladamente dentro do setor saúde, apenas por medidas técnicas", e que é "necessário adotar múltiplas formas de governança intersetorial"11.
A tirinha (Figura 1), de autoria de Chris Browne, nos faz refletir que mesmo na multiplicidade de interesses é possível obter algum tipo de resultado comum, no caso a paz, mas que a guerra é potencial no choque incessante das diversas canções.
E neste festival de música, não há como prescindir de um jurado que inclua, medeie e decida como as várias vozes vão participar do "concurso". Abre-se então a oportunidade de se discutir aqui o papel do Estado, que nem sempre desempenhou ação constante e estável estando ao sabor de ondas conjunturais ideológicas, políticas e econômicas se colocando ora como problema, ora como solução.
Evans12 faz esta análise e caracteriza três ondas, no vai e vem de um modelo interventor para uma concepção de um estado mínimo, quase ausente, para uma retomada de um papel reconstrutivo do Estado:
• O estado interventor, enquanto problema, surgiu, em parte, devido ao seu fracasso em realizar as tarefas estabelecidas pela agenda anterior (1ª onda).
• A nova agenda, neoutilitarista, prega teorias minimalistas do Estado,... e, propugna um ajuste estrutural do Estado (2ª onda).
• Dúvidas se o ajuste estrutural era suficiente para garantir crescimento futuro,... A resposta não estava no desmantelamento do Estado, mas sim na sua reconstrução (3ª onda).
No Brasil, este debate também repercutiu, e Bresser Pereira13 (apud Franzece14), no bojo da reforma de estado, propugnava ampliação de formas não estatais de participação e controle social como uma dimensão chave para o século XX, indicando talvez que a intersetorialidade viria como uma resposta para estas formas não estatais de gestão. Abrucio e Gaetani15 dialogaram com estas propostas e notaram que a reforma privilegiou mais o planejamento e o orçamento do que a articulação de diferentes setores sob a forma de programas prioritários, mas que a organização da federação brasileira nos obrigava a buscar formas articuladas e cooperativas entre as três esferas de governo.
Mas, para além de uma conversa meramente técnica respaldando, ou não, a intersetorialidade como dispositivo para melhorar a eficiência, a efetividade e a eficácia da gestão pública, há que se enfrentar a pergunta colocada na próxima tirinha (Figura 2), no diálogo dos personagens Frank e Ernest criados por Bob Thaves, e julgar se o papel adotado pelo Estado ou por um dispositivo de gestão, no caso a intersetorialidade, tem capacidade de aumentar o cacife de quem está fora do jogo (ou do festival de música).
Em outras palavras, a simplicidade e a delicadeza de uma charge que nos questiona se não deveria ser este o objetivo ético-politico de qualquer reforma de Estado ou dispositivo de gestão, o de aumentar as oportunidades de quem está fora do jogo, usando a lente da equidade16.
Não temos a pretensão nem a ingenuidade de apresentar a intersetorialidade como a "arma" deste confronto, mas como um dispositivo para propiciar encontros, escuta e alteridade, além de ajudar a explicitar interesses divergentes, tensões e buscar (ou reafirmar a impossibilidade) de convergências possíveis17. E, que também possa evitar duplicidade de ações e buscar integrações orçamentárias para projetos prioritários, articular recursos, ideias e talentos18-22.
Todavia, cumpre assinalar, que estamos atentos aos alertas feitos por alguns autores, de que "totalidade, integralidade, holismo, interdisciplinaridade são noções que pretendem representar o todo. Em decorrência, e com grande frequência, esquemas teóricos que as empregam tendem a desqualificar qualquer abordagem ou qualquer recorte que ouse falar de apenas um pedaço das coisas"23, ou de que "não podemos cair no engano de que a intersetorialidade é antagônica ou substitutiva da setorialidade"24.
A teoria sem a prática vira 'verbalismo', assim como a prática sem teoria, vira ativismo. No entanto, quando se une a prática com a teoria tem-se a práxis, a ação criadora e modificadora da realidade. (Paulo Freire, educador brasileiro, 1921-1997)
A intersetorialidade é um dos temas mais comentados na gestão pública, contudo, não há, ainda, uma teoria desenvolvida sobre a qual se possa fundar um marco de análise para pesquisas e avaliação25,26. O caráter artificial da fragmentação do real advinda do paradigma cartesiano de produção do conhecimento e da ação e a aproximação com teorias de pensamento complexo mais profundo e interligado podem prover a base teórica para uma práxis intersetorial menos empírica e mais ancorada em pesquisas avaliativas27-30.
E em busca deste caminho, nos atrevemos a sugerir um roteiro exploratório que indique um "o que" - das arquiteturas; um "como" - das metodologias; um "com quem" ("para quem" e "por quem") - dos atores; um "para que" - das intencionalidades; e um "porque" - dos paradigmas31. Este caminho poderia redundar num possível conceito operacional em que intersetorialidade seria definida como um modo de gestão (o que) desenvolvido por meio de processo sistemático de (como) articulação, planejamento e cooperação entre os distintos (com quem) setores da sociedade e entre as diversas políticas públicas para atuar sobre (para que) os determinantes sociais.
Apesar deste vazio teórico o tema da necessária ação intersetorial vem marcando o campo da saúde coletiva em vários movimentos tecno-políticos como, por exemplo, na Declaração de Alma-Ata (1978), na VIII CNS (1986), na Carta de Ottawa (1986), na Declaração Política do Rio sobre DSS (2011), na Conferência Mundial de Promoção da Saúde em Helsinque, Saúde em todas as Políticas (2013) manifestando-se em expressões como:
...além do setor da saúde, todos os setores ...
...a saúde é a resultante de um conjunto de políticas ...
...ação coordenada de todos os setores envolvidos...
...ampliar a responsabilização de outros setores...
...ação integrada de governo...10,32,33.
Nos documentos de construção e embasamento do ideário do SUS a articulação intersetorial é recomendada para tornar cada vez mais visível que o processo saúde-adoecimento é feito de múltiplos aspectos; e para a necessidade de convocar os outros setores a considerar a avaliação e os parâmetros sanitários quanto à melhoria da qualidade de vida da população quando forem constituir suas políticas específicas.
Há, portanto, um ativismo intersetorial que ainda não se funda numa práxis que tenha potência criativa suficiente para influenciar novas arquiteturas de governança das políticas públicas.
Exploremos então as questões em aberto.
Shankardass et al.16 realizaram uma revisão sobre o tema e mesmo identificando 5342 artigos de ação intersetorial empreendida por governos nos últimos 60 anos, notaram que apenas 194 tinham propósito explícito de promover a equidade em seus arranjos e que apenas 16% aprofundaram mecanismos de integração de objetivos, processos administrativos e financiamento. Os outros 84% estabeleceram algum tipo de compartilhamento de informação, cooperação e coordenação, mas não foram capazes de estabelecer processos de gestão inovadores e mais integrados, razão de ser de empreendimentos intersetoriais.
Shankardass et al.16 e Solar et al.34 veem necessidade de formular questões que possam compreender essa "escassez integrativa" para superá-la, indicando uma possível agenda mais abrangente de pesquisa.
• Que atores tomam a iniciativa em desencadear empreendimentos intersetoriais?
• Que contexto político favorece a realização de empreendimentos intersetoriais?
• Qual tem sido o papel do setor saúde?
• Que incentivos têm atraído os atores para empreendimento intersetoriais?
• Que razões afastam os atores de participarem?
• Os empreendimentos intersetoriais vêm facilitando ou impedindo a participação social?
• Haveria competências a serem desenvolvidas para se desencadear empreendimentos intersetoriais?
• Que tipo de negociação é empreendida entre os distintos atores envolvidos: em termos de financiamento, perda de autonomia, decisões e responsabilidades?
Em síntese, estas são questões que no fundo poderiam nos guiar no desafio de problematizar se existe mesmo uma cultura setorial que precisa ser modificada ou na direção de propiciar ferramentas analíticas para se desenvolver a capacidade de olhar, escutar e avaliar qual empreendimento seria mais adequado para cada situação.
E como a literatura indica que esta informação é escassa, descritiva e sob perspectivas isoladas, ou do setor saúde, ou da academia26, sugerimos seguir "perguntas para a pesquisa" no intuito de ampliar as fronteiras analíticas do tema da intersetorialidade.
...Caminante, no hay camino, se hace camino al andar. Al andar se hace el camino... (Antonio Machado, poeta espanhol, 1875-1939)
Não há banco de "intersetorialidade" congelada. Cada situação-problema ou território irá demandar uma resposta diferenciada de articulação, adquirindo seu DNA próprio31.
No nosso trabalho de pesquisa do tema que empreendemos para elaborar este artigo foi possível identificar seis caminhos analíticos não, necessariamente, excludentes entre si, mas que apontam para diferentes perguntas de pesquisa permeadas por categorias analíticas distintas.
O primeiro caminho analítico sugerido é "Políticas Públicas Integradas e Estratégias Intersetoriais: por que, para que?".
O estudo de Burlandy35 sobre a "Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional" inspirou a sugestão deste primeiro caminho. Ela destaca que é possível encontrar fundamentos políticos - a decisão política de integração e articulação - e técnicos - as estratégias intersetoriais propriamente ditas - como categorias basilares para a análise de uma política integrada, condições estas apontadas por Cunnil Grau25 como sine qua non para a elaboração de uma teoria sobre a intersetorialidade.
E, neste sentido, sugerimos no Quadro 1 o primeiro bloco de perguntas de pesquisa conectadas com este começo de caminho.
Quadro 1 Perguntas de pesquisa relacionadas com o primeiro caminho analítico: "Políticas Públicas Integradas e Estratégias Intersetoriais: por que, para que?"
P1: Que políticas públicas integradas estão atualmente em vigor e que foram formuladas pelo governo federal, e que atuam sobre os determinantes? |
P2: Que mecanismos de integração são utilizados? |
P3: Que oportunidades são perdidas ao implementar empreendimentos com maior grau de integração? |
P4: Que atividades são utilizadas com potencial para conformar uma "caixa de ferramentas" de estratégia intersetoriais? |
P5: Há um corpo de competências a ser desenvolvido para que gestores e trabalhadores possam empreender mais e melhor a intersetorialidade? |
Alguns autores sugerem que ao se propor um empreendimento intersetorial, este deveria explicitar um propósito ético-político para que não seja apenas um artefato utilitarista de mera busca da eficiência na gestão16,34,36.
Shankardass et al.16 consideraram a promoção da equidade e a atuação sobre determinantes sociais da saúde como critérios de inclusão para sua revisão de experiências governamentais de intersetorialidade. Eles encontraram apenas 194 estudos com estas características em 43 países dentre os 5343 identificados como propostas intersetoriais.
Entretanto, nem todo ideário se traduz em realização absoluta do seu desiderato e seria ingenuidade imaginar que um arranjo intersetorial teria potência suficiente para inverter a lógica das respostas políticas que muitas vezes refletem a estrutura de poder da sociedade em questão37-40.
Por exemplo, mesmo no nosso SUS que desfralda com vigor a bandeira da equidade quando se analisa os dados referentes a transplantes, observa-se que em cada 10 transplantes realizados sete são para homens brancos, não necessariamente refletindo a estrutura epidemiológica de necessidades em saúde41. Por outro lado, há que se buscar intervir na lógica de distribuição de recursos na gestão pública, pois aqueles com maior recursos de poder receberão maior fatia dos recursos disponíveis, enquanto os mais fracos terão que competir pelas sobras, aprofundando iniquidades42.
Nesta perspectiva, e na tensão entre buscar soluções e enfrentar problemas a serem equacionados por empreendimentos intersetoriais ancorados firmemente no propósito de promover a equidade, surge o segundo caminho proposto, a "Intersetorialidade como problema e solução na rota da promoção da equidade?".
O Quadro 2 traz o bloco de perguntas de pesquisa alinhadas com este segundo caminho.
Quadro 2 Perguntas de pesquisa relacionadas com o segundo caminho analítico: "Intersetorialidade como problema e solução na rota da promoção da equidade?"
P6: Em torno de que objetivos e metas se aproximam os distintos atores? |
P7: Há prática sistemática para identificar-visibilizar-"desocultar" diferenças entre grupos populacionais e/ou territórios distintos? |
P8: Que concepções de saúde/doença/cuidado e visão de sociedade permeiam os empreendimentos intersetoriais? |
P9: Com que oportunidades e fragilidades se deparam os empreendimentos intersetorias para atuar sobre DSS estruturais? |
De Salazar43 identificou, no estudo sobre abordagem da equidade em intervenções de promoção da saúde nos países da UNASUS, a partir da revisão de literatura no período de 2007 a 2012, que os temas relacionados aos componentes: reorientação dos serviços, iniquidades em saúde, intersetorialidade e determinantes sociais representaram 82% da produção no período. O Brasil apresentou o maior volume de publicações (24,5%), seguido do Chile (12,3%) e Argentina (12%). No entanto, "a ênfase dos artigos ainda se dá na conceituação e muito pouco na operacionalização dos conceitos"43. Várias recomendações do citado estudo ratificam a necessidade de se investigar as questões apontadas neste segundo caminho.
O nosso terceiro caminho a ser percorrido se funda numa hipótese comunicacional, e toma emprestada a passagem bíblica da Torre de Babel quando Deus lançou uma punição divina ao condenar os homens a possuírem várias línguas que dificultassem a comunicação entre eles: "Intersetorialidade: a Babel entre as políticas públicas?".
Longe de nossa intenção fazer uma disputa com Deus e reverter sua punição. Inclusive há autores que prezam a "comunicação imperfeita" como justamente uma brecha por onde se pode infiltrar possibilidades de emergência do novo29,44.
A hipótese comunicacional também poderia ser traduzida como um "dilema intersetorial"39,45, no qual há um consenso discursivo da necessidade da gestão intersetorial tensionado, entretanto, por um dissenso prático no questionamento incessante sobre o "como" fazer46.
Este aparente paradoxo, muitas vezes permeado por conflitos de poder e interesse e que dificulta a "comunicação entre os homens" nos levou a elaborar outro bloco de perguntas que aparecem no Quadro 3, e que poderiam servir para impulsionar mais pesquisa em relação ao tema.
Quadro 3 Perguntas de pesquisa relacionadas com o terceiro caminho analítico: "Intersetorialidade: a Babel entre as políticas públicas?"
P10: Quem toma a iniciativa para desencadear empreendimentos intersetoriais? |
P11: Em que contexto político ocorre esta iniciação? |
P12: Qual o papel do setor saúde? |
P13: Que incentivos atraem os atores para empreendimento intersetoriais? |
P14: Que elementos sustentam os empreendimentos intersetoriais e seus mecanismos de regulação, monitoramento e avaliação? |
Identificamos que se há "comunicação imperfeita" entre políticas/atores, esta talvez exista, também, na interface entre as respostas formuladas por governos e as necessidades sentidas/ percebidas pelos cidadãos no desenrolar de suas vidas cotidianas47-50.
Para explorar esta hipótese, formulamos o quarto caminho analítico: "Intersetorialidade: a Babel entre as políticas públicas e a vida cotidiana!" e o seguinte bloco de perguntas expostas no Quadro 4.
Quadro 4 Perguntas de pesquisa relacionadas com o quarto caminho analítico: "Intersetorialidade: a Babel entre as políticas públicas e a vida cotidiana!"
P15: Empreendimentos intersetoriais facilitam ou impedem a participação social? |
P16: Que redes são tecidas pelos cidadãos em busca de suas necessidades? Que itinerários são percorridos? |
P17: Que dissonâncias existem entre a formulação de políticas, a opinião de especialistas e as necessidades percebidas pela "população"? |
P18: Que atores, processos, interesses e negociações permeiam a formação das agendas nos ciclos das políticas? |
Nesta direção, vários estudos têm buscado sinalizar a aplicabilidade da Intersetorialidade e sua tradução no cotidiano das políticas públicas51,52 e a partir do SUS no Brasil53-56, sendo que a maioria destes concluem que esta tem sido implementada, predominantemente, de forma pontual, fragmentada e sem mecanismos de sustentabilidade43,57. Ainda, ao fazerem o recorte do trabalho em rede58 e sua potencialidade na promoção da participação social, indicam um necessário debate: empoderamento social/comunitário constitui um processo ou um resultado da Intersetorialidade?59
O quinto caminho analítico abre a perspectiva da intersetorialidade, não como um arranjo de gestão, mas como um dispositivo para a escuta qualificada e para o exercício do respeito à diferença e às diversidades na busca de possíveis interesses comuns, mesmo que temporários20.
O Quadro 5 traz duas perguntas para explorar este caminho na pesquisa da "Intersetorialidade como dispositivo para alteridade e negociação!".
Quadro 5 Perguntas de pesquisa relacionadas com o quinto caminho analítico: "Intersetorialidade como dispositivo para alteridade e negociação!"
P19: Como desenvolver a capacidade de olhar, escutar e analisar qual empreendimento seria mais adequado para cada situação? |
P20: Que tipo de negociação é realizado entre os distintos atores envolvidos nos empreendimentos intersetoriais, quanto a financiamento, perda de autonomia e decisões e responsabilidades compartilhadas. |
Uma possibilidade para endereçar esta agenda foi sinalizada por Rocha e Akerman60, ao indicar "portas de entrada" ou "janelas de oportunidades" para agir de forma mais efetiva e, consequentemente, para responder as interrogações acima. Neste âmbito, um ponto de partida pode ser analisar os "empreeendimentos intersetoriais" segundo níveis de gestão e de produção do cuidado nos níveis macro, meso e micro.
O sexto caminho analítico coincide com um movimento que fez a OMS na sua 8ª Conferência Mundial de Promoção da Saúde, realizada em Helsinque em junho de 2013, em que advogou uma abordagem integral de todo o governo na avaliação de impacto das distintas políticas públicas sobre a saúde da população: "Saúde em todas as Políticas?"33,61.
Esta proposição da OMS também nos abriu uma outra vertente de pesquisa que poderia ser desenvolvida a partir das três questões inseridas no Quadro 6.
Quadro 6 Perguntas de pesquisa relacionadas com o sexto caminho analítico: "Saúde em todas as Políticas?"
P21: Existem instrumentos e indicadores explícitos para medir o impacto de distintas políticas públicas na equidade em saúde? |
P22: Há acordos quanto a medidas de impacto utilizadas entres os atores das políticas envolvidas? |
P23: Há modificações na formulação e implementação das políticas quando são identificados impactos negativos sobre a equidade em saúde? |
Estas 23 questões abrem a possibilidade de se delinear uma agenda de pesquisa sobre o tema da intersetorialidade e expandir suas bases teórica e avaliativa ainda por desenvolver-se. Entretanto, alguns indícios para formulação teórica e avaliativa já podem ser notados: (1) algum crescimento nos movimentos de cooperação e coordenação entre setores; (2) surgimento de alguns empreendimentos intersetoriais capazes de promover a equidade; (3) empreendimentos que deliberadamente instalaram mecanismos para enfrentar a dissonância entre o discurso e a prática; (4) movimentos internacionais pela ampliação da responsabilidade sanitária16,26,34,62,63.
Foram vários os pontos de partida e um ponto de chegada! Interrogações e exclamações foram marcando o caminho das nossas reflexões, diálogos e descobertas. Tomamos ao longo deste caminho seis trilhas que não são retas paralelas que só se encontrariam no infinito, mas se entremearam o tempo todo. São quase subtítulos para o ponto de chegada: polissemia do vocábulo intersetorialidade e multiplicidade de questões de pesquisa = IntersetorialidadeS.
A Figura 3 representa a interconexão entre as seis trilhas que representam a nossa síntese plural: IntersetorialidadeS!
E como ondas, as intersetorialidadeS vão se revelando e se alternando ao sabor do tempo, das conjunturas e dos atores: a 1ª onda - Utilitarista, reforça o estado mínimo e tutelado pelo mercado "passa o pires" e compartilha responsabilidades; a 2ª onda - Racionalizadora, detecta que há fragmentação nas políticas e nas ações que comprometem a efetividade do Estado e busca eficiência; a 3ª onda, está por vir - a Interdependência generosa em que a intersetorialidade não é apenas a instalação de arranjos multisetoriais, mas a decisão ético-política deliberada de que o Estado e sua gestão e políticas servem ao interesse comum.