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Intervalo PR Basal Prolongado e Desfecho da Terapia de Ressincronização Cardíaca: Revisão Sistemática e Meta-Análise

Intervalo PR Basal Prolongado e Desfecho da Terapia de Ressincronização Cardíaca: Revisão Sistemática e Meta-Análise

Autores:

Pattara Rattanawong,
Narut Prasitlumkum,
Tanawan Riangwiwat,
Napatt Kanjanahattakij,
Wasawat Vutthikraivit,
Pakawat Chongsathidkiet,
Ross J Simpson

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.111 no.5 São Paulo nov. 2018 Epub 11-Out-2018

https://doi.org/10.5935/abc.20180198

Resumo

Fundamento:

Estudos recentes sugerem que intervalo PR basal prolongado está associado a prognóstico ruim para a terapia de ressincronização cardíaca (TRC). No entanto, nunca foram feitas uma revisão sistemática e meta-análise da literatura.

Objetivo:

Avaliar a associação entre intervalo PR basal prolongado e resultados adversos da TRC por meio de uma revisão sistemática e meta-análise da literatura.

Métodos:

Pesquisamos de forma abrangente os bancos de dados MEDLINE e EMBASE, desde o início até março de 2017. Os estudos incluídos eram de coorte prospectivos ou retrospectivos que comparavam mortalidade por todas as causas, hospitalização por insuficiência cardíaca e desfecho composto por TRC com PR basal prolongado (> 200 ms) versus intervalo PR normal. Os dados de cada estudo foram combinados pelo modelo de efeitos aleatórios, variância genérica inversa de DerSimonian e Laird para calcular as razões de risco e os intervalos de confiança de 95% (IC95%).

Resultados:

Foram incluídos seis estudos de janeiro de 1991 a maio de 2017 nesta metanálise. A taxa de mortalidade por todas as causas foi mencionada em quatro estudos envolvendo 17.432 intervalos PR normais e 4.278 prolongados. Hospitalização por insuficiência cardíaca foi abordada em dois estudos envolvendo 16.152 PR normais e 3.031 prolongados. Desfecho composto esteve presente em quatro estudos com 17.001 PR normais e 3.866 prolongadas. Intervalo PR prolongado foi associado a risco aumentado de mortalidade por todas as causas (razão de risco agrupado = 1,34, IC95%: 1,08-1,67, p < 0,01, I2= 57,0%), hospitalização por insuficiência cardíaca (razão de risco agrupado = 1,30, 95 % de IC95%: 1,16-1,45, p < 0,01, I2= 6,6%) e desfecho composto (razão de risco agrupado = 1,21, IC95%: 1,13-1,30, p < 0,01, I2= 0%).

Conclusões:

Nossa revisão sistemática e metanálise suportam a hipótese de que o intervalo PR basal prolongado é um preditor de mortalidade por todas as causas, hospitalização por insuficiência cardíaca e desfecho composto em pacientes submetidos à TRC.

Palavras-chave: Insuficiência Cardíaca/complicações; Sistema de Condução Cardíaco/fisiopatologia; Dsfunção Ventricular/complicações; Ressincronização Cardíaca/métodos; Revisão; Metanálise

Abstract

Background:

Recent studies suggest that baseline prolonged PR interval is associated with worse outcome in cardiac resynchronization therapy (CRT). However, a systematic review and meta-analysis of the literature have not been made.

Objective:

To assess the association between baseline prolonged PR interval and adverse outcomes of CRT by a systematic review of the literature and a meta-analysis.

Methods:

We comprehensively searched the databases of MEDLINE and EMBASE from inception to March 2017. The included studies were published prospective or retrospective cohort studies that compared all-cause mortality, HF hospitalization, and composite outcome of CRT with baseline prolonged PR (> 200 msec) versus normal PR interval. Data from each study were combined using the random-effects, generic inverse variance method of DerSimonian and Laird to calculate the risk ratios and 95% confidence intervals.

Results:

Six studies from January 1991 to May 2017 were included in this meta-analysis. All-cause mortality rate is available in four studies involving 17,432 normal PR and 4,278 prolonged PR. Heart failure hospitalization is available in two studies involving 16,152 normal PR and 3,031 prolonged PR. Composite outcome is available in four studies involving 17,001 normal PR and 3,866 prolonged PR. Prolonged PR interval was associated with increased risk of all-cause mortality (pooled risk ratio = 1.34, 95 % confidence interval: 1.08-1.67, p < 0.01, I2= 57.0%), heart failure hospitalization (pooled risk ratio = 1.30, 95 % confidence interval: 1.16-1.45, p < 0.01, I2= 6.6%) and composite outcome (pooled risk ratio = 1.21, 95% confidence interval: 1.13-1.30, p < 0.01, I2= 0%).

Conclusions:

Our systematic review and meta-analysis support the hypothesis that baseline prolonged PR interval is a predictor of all-cause mortality, heart failure hospitalization, and composite outcome in CRT patients.

Keywords: Heart Failure/complications; Heart Conduction System/physiopathology; Ventricular Dysfunction/complications; Cardiac Resynchronization/methods; Review; Meta-Analysis

Introdução

Tem sido amplamente aceito que os achados de eletrocardiograma de superfície estão associados ao prognóstico de pacientes com insuficiência cardíaca congestiva que necessitaram de terapia de ressincronização cardíaca (TRC), particularmente o complexo QRS. A duração e a morfologia do QRS é um preditor de prognóstico bem estabelecido entre pacientes que passam por TRC, bem como um critério de seleção para TRC de acordo com as diretrizes atuais da American College of Cardiology, American Heart Association, e Heart Rhythm Society.1

Mais recentemente, o intervalo PR basal passou a ser considerado um fator a mais que pode afetar os resultados da TRC.2 Um intervalo PR prolongado é marcador de um substrato ventricular menos receptivo à ressincronização. Também reflete uma combinação de condução intra-atrial e atrioventricular intrínseca que afeta o tempo de enchimento diastólico.2,3 Não há evidências claras ou explicações para a possível contribuição do PR prolongado no desfecho de pacientes submetidos à TRC. No entanto, a literatura traz evidências controversas da associação entre PR basal prolongado e os desfechos de pacientes com insuficiência cardíaca que necessitam de implante de TRC. Alguns estudos sugeriram que o PR prolongado estivesse associado à taxa de morbidade e mortalidade mais alta entre esses pacientes,2,4-7 enquanto outros sugeriram relação com resultados favoráveis.8-10 No entanto, não foram feitas uma revisão sistemática e metanálise da literatura abordando a associação entre o intervalo PR e desfechos de TRC.

Primeiro, realizamos uma revisão sistemática da literatura e metanálise para analisar de forma abrangente se PR basal prolongado, em comparação com o normal, se associa a desfechos em pacientes com insuficiência cardíaca dependentes de TRC, avaliando-se mortalidade por todas as causas, taxa de hospitalização por insuficiência cardíaca e desfecho composto, nosso interesse aqui.

Método

Estratégia de busca

Dois pesquisadores (NP e TR) fizeram buscas independentes de estudos publicados e indexados nas bases de dados MEDLINE e EMBASE desde o início até janeiro de 2017, com estratégia de busca que incluiu os termos “intervalo PR” e “terapia de ressincronização cardíaca” mencionados em documento suplementar 1. Apenas publicações em inglês foram incluídas. Também foi feita uma busca manual por estudos adicionais pertinentes e artigos de revisão a partir das referências dos artigos encontrados nas bases de dados.

Critérios de inclusão

Os critérios de elegibilidade incluíram:

  1. Estudos de coorte (prospectivo ou retrospectivo) relatando mortalidade por todas as causas, hospitalização por insuficiência cardíaca ou desfecho composto após o TRC, e dados correspondentes para os controles.

  2. Foram fornecidos risco relativo, razão de risco, taxa de incidência ou razão de incidência padronizada com intervalos de confiança de 95% (IC95%) ou dados brutos suficientes para o cálculo.

  3. Participantes sem PR prolongado foram usados como controles.

A elegibilidade dos estudos foi determinada por dois investigadores (NP e TR) de forma independente, e as diferenças foram resolvidas por consenso mútuo. A escala de avaliação da qualidade de Newcastle-Ottawa foi usada para avaliar cada estudo em três domínios: recrutamento e seleção dos participantes, similaridade e comparabilidade entre grupos, e verificação do resultado de interesse entre os estudos de coorte.11

Extração de dados

Utilizou-se um formulário padronizado para coleta de dados, em busca das seguintes informações de cada estudo: título, nome do primeiro autor, ano do estudo, ano de publicação, país de origem, número de participantes, dados demográficos dos participantes, método para identificar casos e controles, método para diagnosticar os desfechos de interesse (mortalidade por todas as causas, taxa de hospitalização por insuficiência cardíaca e desfecho composto) e tempo médio de acompanhamento com fatores de confusão ajustados e estimativas de efeito ajustadas, com IC95% e covariáveis ajustados na análise multivariada.

Para garantir a precisão, todos os pesquisadores realizaram esse processo de coleta de dados independentemente. As discrepâncias de dados foram resolvidas por consulta aos artigos originais.

Análise estatística

Foi realizada meta-análise dos estudos de coorte incluídos com base em um modelo de efeitos aleatórios. Os estudos eram excluídos da análise se não apresentassem um desfecho em cada grupo de intervenção ou não tivessem informações suficientes para a comparação contínua de dados. Agrupamos as estimativas pontuais de cada estudo pelo método genérico de variância inversa de Der Simonian e Laird.12 A heterogeneidade das estimativas do efeito de tamanho da amostra ao longo destes estudos foi quantificada pela estatística I2. O valor da estatística I2 varia de 0 a 100% (I2< 25%, baixa heterogeneidade; I2 = 25%-50%, heterogeneidade moderada; e I2 > 50%, heterogeneidade substancial).13 Foi realizada análise de sensibilidade para avaliar a influência dos estudos individuais sobre os resultados globais, omitindo-se um estudo de cada vez. Também se realizou meta-regressão para explorar a fonte de heterogeneidade. O viés de publicação foi avaliado com base no gráfico de funil e o teste de regressão de Egger14 (p < 0,05 foi considerado significativo). Todas as análises de dados foram realizadas no software Stata/SE 14.1 da StataCorp LP.

Resultados

Descrição dos estudos selecionados

Nossa estratégia de busca resultou em 580 artigos potencialmente relevantes (82 artigos da EMBASE e 498 artigos da MEDLINE). Após exclusão de 204 artigos duplicados, 376 foram submetidos a revisão de título e resumo. Trezentos e setenta artigos foram excluídos nesta fase, uma vez que não eram estudos de coorte, não relatavam o desfecho de interesse (morte incidental/hospitalização por insuficiência cardíaca) ou não tinham sido conduzidos com pacientes submetidos à TRC, restando seis para revisão integral. Portanto, seis estudos de coorte retrospectivos com 17.432 pacientes apresentando PR normal e 4.278 com PR prolongada foram incluídos na metanálise. A figura 1 mostra o processo de busca e revisão de literatura. Características clínicas e resumo dos estudos selecionados estão descritos na Tabela 1.

Figura 1 Metodologia de busca e processo de seleção. 

Tabela 1 Características clínicas e resumo dos estudos selecionados 

Autor principal Freidman Januszkiewicz Kronborg Olshansky Lee Rickard
País EUA EUA Dinamarca EUA EUA EUA
Ano 2016 2015 2010 2012 2014 2017
Tipo do estudo Estudo de coorte retrospectivo Estudo de coorte retrospectivo Estudo de coorte retrospectivo Estudo de coorte retrospectivo Estudo de coorte retrospectivo Estudo de coorte retrospectivo
Descrição dos participantes Pacientes submetidos à TRC (FEVE ≤ 35 e QRS≥ 120) Pacientes submetidos à TRC (FEVE ≤ 35%, QRS > 120, NYHA III, IV) Pacientes submetidos à TRC Pacientes submetidos à TRC (FEVE ≤ 35, QRS ≥ 120 e NYHA III, IV) Pacientes submetidos à TRC (FEVE ≤ 35, QRS ≥ 120 e NYHA III, IV) Pacientes submetidos à TRC (FEVE ≤ 35, QRS ≥ 120)
Média de acompanhamento (meses) 34 30,1 30 15,95 52,4 61,2
Definição de PR prolongado ≥ 230 ms ≥ 200 ms ≥ 200 ms ≥ 200 ms ≥ 200 ms ≥ 200 ms
Número de pacientes com PR prolongado 2.906 125 208 638 204 197
Número de pacientes com PR não prolongado 15.994 158 232 574 199 275
Idade média dos pacientes 75,37 66,00 66,00 65,56 66,72 65,10
Ajuste de confusão Idade, etnia, QRS, Condução intraventricular, cardiomiopatia não isquêmica, NYHA, duração da insuficiência cardíaca, TGF, NUS, PAS sexo, RBBB, cardiopatia isquêmica, FA, medicações Idade, sexo, insuficiência cardíaca, etiologia, NYHA, DM, FA, CDI, FEVE idade, sexo, NYHA, FEVE, BRD, QRS, insuficiência cardíaca, PAS, PAD, situação isquêmica, comorbidade, medicação idade, sexo, cardiopatia isquêmica, tamanho do VD, disfunção do VD, NYHA, RM, PASP, medicação idade, sexo, cardiopatia isquêmica, FEVE, QRS, BRE, Cr, NYHA

FA: fibrilação atrial; NUS: nitrogênio ureico no sangue; Cr: creatinina; TRC: terapia de ressincronização cardíaca; DM: Diabetes mellitus; PAD: pressão arterial diastólica; eTFG: estimativa de filtração glomerular; FC: frequência cardíaca; CDI: desfibrilador cardíaco implantado; FEVE: fração de ejeção de ventrículo esquerdo; RM: regurgitação mitral; NYHA: New York Heart Association; PSAP: pressão sistólica da artéria pulmonar; BRD: Bloqueio de ramo direito; BRE: Bloqueio de ramo esquerdo; VD: ventrículo direito; PAS: pressão arterial sistólica

Avaliação da qualidade dos estudos selecionados

As escalas de Newcastle-Ottawa dos estudos selecionados são listadas na Tabela 2 suplementar. A escala de Newcastle-Ottawa usa um sistema estelar (0 a 9) para avaliar os estudos selecionados em três domínios: seleção, comparabilidade e resultados. Escores mais altos representam melhor qualidade. Os riscos de viés intraestudo também são descritos na Tabela 3 suplementar.

Tabela 2 Newcastle-Ottawa escala dos estudos incluídos 

Estudo seleção comparabilidade resultado
representatividade seleção da coorte não exposta averiguação ponto final não presente no início Comparabilidade (confundindo) Avaliação do resultado Duração de seguimento acompanhamento de adequação total
Freidman * * * * ** * * * 9
Januszkiewicz * * * * ** * * * 9
Kronborg * * * * ** * * * 9
Olshansky * * * * ** * * 8
Ying-Hsiang * * * * ** * * * 9
Rickard * * * * ** * * * 9

Tabela 3 Riscos intra-estudo de viés de estudos incluídos 

Estudo Definição clara da população do estudo? Definição clara de resultados e avaliação? Avaliação independente dos resultados? (por exemplo, por terceiros) Duração suficiente de acompanhamento? Perda seletiva durante o acompanhamento? Limitações identificadas?
Freidman Sim Sim Sim Sim Não Sim
Januszkiewicz Sim Sim Não Sim Não Sim
Kronborg Sim Sim Sim Sim Não Sim
Kutyifa Sim Sim Sim Sim Não Não
Olshansky Não Sim Sim Não Não Sim
Ying-Hsiang Sim Sim Não Sim Não Sim

Resultados da metanálise

Seis estudos2,4,7,8,15,16 de janeiro de 1991 a maio de 2017 foram incluídos nesta metanálise. A taxa de mortalidade por todas as causas foi citada em quatro estudos2,4,7,16 que envolveram 17.432 PR normais e 4.278 PR prolongados. Todos os quatro estudos reportaram aumento da taxa de mortalidade entre os pacientes com intervalo PR prolongado, mas com os quatro alcançando significância estatística. A análise agrupada demonstrou aumento estatisticamente significativo do risco de mortalidade por todas as causas em pacientes com intervalo PR prolongado comparados aos participantes sem intervalo PR prolongado, com razão de risco agrupado de 1,34 (IC95%: 1,08-1,67, p < 0,01). A heterogeneidade estatística foi substancial, com I2 de 57,0%. O gráfico de floresta desta metanálise consta na Figura 2A.

Figura 2 Gráfico de floresta dos estudos incluídos que avaliavam a associação entre PR prolongado e risco de mortalidade por todas as causas (2A), hospitalização por insuficiência cardíaca (2B) e desfecho composto (2C). 

Hospitalização por insuficiência cardíaca foi abordada em dois estudos [2, 4] envolvendo 16.152 PR normais e 3.031 PR prolongados. Ambos alcançaram significância estatística. A taxa de risco conjunto de hospitalização por insuficiência cardíaca foi 1,30 (IC95%: 1,16-1,45, p < 0,01). A heterogeneidade estatística foi baixa, com I2 de 6,6%. O gráfico de floresta desta metanálise é mostrado na Figura 2B.

Desfecho composto (mortalidade por todas as causas e hospitalização por insuficiência cardíaca) foi encontrada em quatro estudos2,4,8,15 envolvendo 17.001 PR normais e 3.866 PR prolongados. Todos os quatro estudos reportaram aumento da taxa de mortalidade entre os pacientes com intervalo PR prolongado, dois deles tendo alcançado significância estatística. No desfecho composto, a análise agrupada também teve resultado composto estatisticamente significativo em pacientes submeetidos à TRC com intervalo PR prolongado em comparação aos participantes sem intervalo PR prolongado com a razão de risco agrupado de 1,21 (IC95%: 1,13-1,30, p < 0,01). A heterogeneidade estatística foi baixa, com I2 de 0%. O gráfico de floresta desta metanálise se encontra na Figura 2C.

Analise de sensibilidade

Para avaliar a estabilidade dos resultados da meta-análise, foi feita análise de sensibilidade, excluindo-se um estudo de cada vez. Nenhum dos resultados apresentou-se significativamente alterado, o que indica que nossos resultados foram robustos (documento suplementar 2). No entanto, após exclusão de Freidman et al.,2 A heterogeneidade diminuiu de 57,0% para 0% (documento suplementar 3).

Dada a heterogeneidade moderada (I2 = 57,0%) entre os resultados de meta-análise de mortalidade por todas as causes, a meta-regressão (documento suplementar 3) mostrou alterações não significativas na mortalidade por todas as causas no intervalo PR > 230 msec em comparação ao intervalo PR > 200 msec, com razão de risco de 0,73 (IC95%: 0,43-1,23, p = 0,123).

Viés de publicação

Para investigar o possível viés de publicação, examinamos o gráfico de funil com pseudolimites de confiança de 95% dos estudos selecionados ao avaliar a mudança na razão de risco log de morte ou desfecho composto (Figura 3). O eixo vertical representa o tamanho do estudo (erro padrão), enquanto o eixo horizontal representa o tamanho do efeito (razão de risco log). Com base nisso, existe viés porque há distribuição assimétrica de estudos em ambos os lados da média. O teste de Egger foi significativo (p < 0,05). No entanto, utilizando os métodos trim e fill no modelo de efeitos aleatórios, não houve diferença entre a razão de risco imputado e seu IC95%.

Figure 3 Gráfico de funil de PR prolongado e risco de mortalidade por todas as causas (3A), hospitalização por insuficiência cardíaca (3B) e desfecho composto (3C). Os círculos representam os estudos encontrados. 

Discussão

As evidências fornecidas nesta revisão sistemática e metanálise apontam que intervalo PR prolongado se associa significativamente a um risco aumentado de mortalidade por todas as causas, desfecho composto e hospitalização por insuficiência cardíaca em pacientes submetidos à TRC.

Intervalo PR prolongado, também conhecido como bloqueio atrioventricular de primeiro grau, associa-se independentemente ao aumento do risco de mortalidade e fibrilação atrial na população geral.17 Embora a correlação do intervalo PR com a resposta da TRC tenha sido conflitante em estudos anteriores, nossa meta-análise confirma o seu efeito negativo no desfecho clínico de pacientes com intervalo PR prolongado. De acordo com o estudo Comparison of Medical Therapy, Pacing and Defibrillation in Heart Failure (COMPANION), cerca de 50% dos pacientes submetidos à TRC têm intervalo PR prolongado. Além disso, pacientes de TRC e que apresentam intervalo PR prolongado são mais suscetíveis a apresentar cardiomiopatia isquêmica, complexos QRS mais amplos, disfunção ventricular direita mais grave e doenças renais.7,8

A fisiopatologia do PR prolongado como causa de desfechos adversos é explicada pela diminuição do tempo de enchimento ventricular, levando à diminuição do volume sistólico. Também pode induzir o fechamento valvar mitral ineficaz, causando regurgitação mitral diastólica, que, sabe-se, está associada a desfechos desfavoráveis na disfunção ventricular esquerda.18 Segundo os resultados do estudo de Gervais et al.,6 após TRC, há um encurtamento subsequente acentuado do intervalo PR médio, o que sugere que a TRC cura a dissincronia atrioventricular.6 No entanto, nosso resultado ainda indica pior evolução entre pacientes com intervalo PR prolongado em comparação ao intervalo PR normal.

Os motivos que levam o intervalo PR a afetarem o resultado da TRC são incertos. Em geral, o PR prolongado reflete um defeito intrínseco de condução intra-atrial ou atrioventricular. Assim, a TRC pode facilitar a sincronia AV para mitigar a regurgitação valvar diastólica e melhorar a função diastólica.19 Por outro lado, com o distúrbio de condução intra-atrial, o implante de TRC poderia ter impefeito deletério nesses pacientes, pois encurta o intervalo PR adequado e causa efeito paradoxal, levando ao agravamento da insuficiência cardiac.20 Alternativamente, o PR prolongado pode ser simplesmente um marcador aproximado de pacientes com insuficiência cardíaca “mais doentes”.17,21,22

Nas atuais diretrizes de insuficiência cardíaca, a duração do QRS, o tipo de bloqueio atrioventricular e a presença de fibrilação atrial têm sido critérios para o implante de marca-passo.23 Além disso, a TRC tem uma gama de efeitos que promoveu o interesse em refinar os critérios de seleção para esta importante terapia. Em nossa análise, sugerimos que o intervalo PR é um marcador prognóstico promissor em pacientes com insuficiência cardíaca que necessitam de TRC. Assim, também pode ser um valioso critério de seleção adjunta.

Como nosso estudo apresenta substancial heterogeneidade para mortalidade de todas as causas, realizamos análise de sensibilidade e constatamos que, após exclusão de Freidman et al.,2 a heterogeneidade diminuiu de 57,0% para 0%. Concluímos que a explicação mais provável poderia ser os critérios de definição dos estudos selecionados. O estudo de Friedman foi o único que definiu PR prolongado em mais de 230 msec, enquanto todos os outros estudos definiram a PR prolongada em mais de 200 msexc. Portanto, foi conduzida uma meta-regressão para investigar a significância estatística da definição de PR que afeta os resultados. No entanto, a meta-regressão mostrou alterações não significativas de mortalidade por todas as causas no intervalo PR > 230 msec em comparação com o intervalo PR > 200 msec.

Nosso estudo teve algumas limitações. Apesar de o nosso gráfico de funil não mostrar um conjunto de dados com viés, apenas seis estudos fizeram parte da análise. Além disso, o PR prolongado é geralmente definido como intervalo PR superior a 200 milissegundos. No entanto, dentre os seis estudos incluídos, apenas um estudo o definiu em 230 msec ou mais.2 Dado o número total de indivíduos, a amostra tem pouca heterogeneidade. Embora existam outras possíveis variáveis preditoras que não foram incluídas neste estudo, elas já foram analisadas em Rickard et al.,24 Por fim, em vez de usar a mortalidade por causa cardíaca específica, a mortalidade por todas as causas foi considerada resultado de interesse nos estudos selecionados, o que pode superestimar o resultado total.

Conclusão

Entre os pacientes que necessitam de TRC, o intervalo PR prolongado é um indicador independente de mortalidade por todas as causas, hospitalização por insuficiência cardíaca e desfecho composto. Nossos resultados sugerem que o intervalo PR deve ser considerado um dos importantes preditores da resposta da TRC ao abordar a estratificação de risco.

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