versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.110 no.5 São Paulo maio 2018
https://doi.org/10.5935/abc.20180077
A intervenção coronária percutânea em oclusão total crônica é uma área em rápida evolução, sendo considerada a última fronteira da cardiologia intervencionista. Nos últimos anos, o desenvolvimento de novas técnicas e equipamentos, assim como o treinamento de operadores especializados, elevaram sua taxa de sucesso, tornando o procedimento mais previsível. Apesar do número de estudos randomizados e controlados ainda ser limitado, resultados de grandes registros multicêntricos nos permitem oferecer essa intervenção aos pacientes com segurança, como mais uma opção de tratamento junto ao tratamento medicamentoso otimizado e ao lado cirurgia de revascularização miocárdica. Na presente revisão, resumimos as últimas e mais relevantes publicações sobre o assunto a fim de fornecer uma visão geral do atual estado da área.
Palavras-chave Doença da Artéria Coronariana / complicações; Oclusão Coronária; Intervenção Coronária Percutânea
Percutaneous coronary intervention in chronic total occlusion is a rapidly evolving area, being considered the last frontier of interventional cardiology. In recent years, the development of new techniques and equipment, as well as the training of specialized personnel, increased their success rates, making it the most predictable procedure available. Although the number of randomized and controlled studies is still limited, results from large multicentered registries allow us to safely offer this intervention to patients, as another treatment option along with the optimized drug treatment and myocardial revascularization surgery. This review summarizes the last and most relevant publications in the subject in order to provide an overall view of the field’s current status.
Keywords Coronary Artery Disease / complications; Coronary Occlusion; Percutaneous Coronary Intervention
A intervenção coronária percutânea (ICP) em oclusões totais crônicas (CTO) tem apresentado grande expansão e evolução com o desenvolvimento de novas técnicas e equipamentos, e com o treinamento de operadores especializados. Esses fatores elevaram significativamente as taxas de sucesso, tornando esses procedimentos mais efetivos e previsíveis. O objetivo do presente manuscrito é apresentar uma atualização em relação às indicações, aos aspectos do procedimento, aos resultados e à aplicabilidade clínica das ICPs em CTO.
CTO são definidas como obstruções coronarianas que produzem a oclusão total da luz do vaso com fluxo TIMI 0 e duração maior que 3 meses. As oclusões com mínima passagem de contraste sem opacificação do vaso distal são consideradas “CTO funcionais”.
As CTO estão presentes em 18-52% dos pacientes submetidos à coronariografia e que apresentam doença arterial coronária.1-3 Registros mais recentes demonstraram uma prevalência entre 16e 20%.4,5 Nesses estudos, o percentual de pacientes com CTO submetidos à ICP foi baixo. Em dois estudos canadenses, apenas 9-10% dos pacientes foram submetidos à ICP, enquanto que 57 a 64% permaneceram em tratamento clínico e 26 a 34% foram encaminhados para cirurgia.2,4
A compreensão da histopatologia das CTO é passo fundamental para a definição da melhor estratégia terapêutica percutânea. As CTO são compostas por uma capa proximal e outra distal, com um segmento ocluído entre elas. Análises histológicas dessas lesões demonstram que, na capa proximal, predominam mais componentes fibrosos e com calcificação do que na distal e que, apesar da oclusão completa angiográfica, elas podem apresentar microcanais intravasculares que atravessam o segmento ocluído.6-8 As capas rombas apresentam diferenças histopatológicas quando comparadas às afiladas, apresentando com menor frequência microcanais intravasculares.7
A viabilidade do miocárdio irrigado pela artéria ocluída é mantida por circulação colateral, que pode se desenvolver por angiogênese ou por ação das células progenitoras endoteliais circulantes.9A capacidade dos vasos colaterais de manter a perfusão coronária é de difícil avaliação, não sendo a angiografia o método mais acurado para prever a funcionalidade das colaterais. O conhecimento tradicional de que o vaso ocluído tem “colaterais adequadas e suficientes” para prevenção de isquemia em CTO é desafiado por evidências fisiológicas com análises de reserva de fluxo fracionada (FFR).10
As diretrizes europeias de revascularização miocárdica recomendam que a ICP de CTO deve ser considerada para redução de isquemia no território miocárdico correspondente e/ou para redução de angina (classe IIa, nível de evidencia B).11 De acordo com as diretrizes para o manejo de doença coronária estável, as indicações para revascularização de CTO devem ser as mesmas de uma estenose subtotal, desde que estejam presentes viabilidade, isquemia de um território suficientemente grande e/ou sintomas de angina.12 Com as atuais técnicas, equipamentos, taxas de sucesso e de complicações, a seleção de pacientes não deve depender do tipo de lesão presente (total, subtotal ou gravemente obstrutiva), mas sim da sintomatologia e dos achados em exames complementares.13 Embora seja fundamental para garantir a viabilidade do território miocárdico suprido por um vaso cronicamente ocluído, a presença de circulação colateral não evita a ocorrência de isquemia nessa área.10 Desta maneira, o tamanho da circulação colateral não deve ser utilizado como critério para contraindicar a revascularização.
Além dos sintomas, a avaliação da presença de isquemia e viabilidade miocárdica são fundamentais. Em pacientes assintomáticos, sugere-se a avaliação de isquemia antes de se considerar a ICP de CTO. Análises de curva de característica de operação do receptor (ROC) de uma coorte envolvendo 301 pacientes mostraram 12,5% como a quantidade de isquemia ótima pré-procedimento para identificar pacientes que se beneficiaram da intervenção em termos de redução de isquemia.14
A presença de viabilidade miocárdica é importante para identificar os pacientes que se beneficiariam da recanalização de CTO. Uma combinação de parâmetros de viabilidade pode prever a melhora da função miocárdica com maior precisão do que o uso de um único parâmetro, sendo eles a extensão transmural do infarto, avaliação da reserva contrátil com dobutamina e espessamento da parede miocárdica normal na ressonância magnética cardíaca, especialmente em segmentos com extensão intermediária de infarto.15
A utilização de escores angiográficos para estimar a probabilidade de sucesso e o tipo de abordagem é essencial no planejamento do procedimento. O escore J-CTO é o escore mais antigo e disseminado (Figura 1).16 Pacientes com escores J-CTO mais altos têm taxas de sucesso significativamente menores, além de procedimentos mais longos, maior uso de contraste e uso mais frequente da abordagem retrógrada.17,18 Outros escores relevantes são o PROGRESS-CTO escore e o ClinicalandLesion (CL) escore.19,20 Esses três sistemas de pontuação apresentam capacidades preditivas semelhantes para sucesso técnico, sendo mais acurados em casos anterógrados.21
Figura 1 Escore J-CTO: escore angiográfico utilizado para estimar a probabilidade de sucesso do procedimento. São 5 variáveis analisadas: tipo da capa proximal (afilada ou romba), presença de calcificação em oclusões coronárias totais crônicas (CTO), presença de angulação maior de 45 graus dentro do segmento da CTO, comprimento da oclusão (maior ou igual a 20mm) e tentativa prévia de abordagem sem sucesso. O grau de dificuldade do procedimento aumenta quanto maior for o escore J-CTO.
A realização de ICP de CTO ad hoc ao procedimento diagnóstico é amplamente desencorajada, a fim de permitir uma revisão cuidadosa e apropriada da angiografia, a obtenção de consentimento informado e limitar o uso de contraste e o tempo do procedimento.
A injeção de contraste no vaso da oclusão simultaneamente com a injeção no vaso doador da circulação colateral (injeção simultânea contralateral) é indispensável para a determinação das características de CTO, incluindo o comprimento da lesão, a morfologia das capas proximal e distal, o local dos ramos laterais e a extensão e morfologia dos ramos colaterais. A injeção anterógrada deve ser evitada a partir do momento em que ocorrer dissecção subintimal no espaço anterógrado, uma vez que a pressão hidráulica da injeção do contraste pode aumentar o plano de dissecção, aumentando o hematoma subintimal. A utilização das combinações de acessos bi-femoral, femoral-radial ou bi-radial dependerá da preferência do operador, da disponibilidade dos materiais necessários, das características do paciente, do procedimento e da anatomia.22
Visando um melhor planejamento para o tratamento das CTO, foi elaborado o denominado algoritmo híbrido, que tem permitido maximizar o sucesso e reduzir o tempo do procedimento, a radiação e o uso de contraste, possibilitando o ensino e a disseminação das técnicas e reduzindo a variabilidade inter- e intra-operador de abordagem e de taxas de sucesso. O núcleo desse algoritmo é a identificação rápida do modo de insucesso/falha de cada estratégia seguida da troca imediata por outro tipo de técnica.
O algoritmo ou abordagem híbrida consiste em dois caminhos (anterógrado e retrógrado) e duas maneiras de cruzar CTO: pelo lúmen verdadeiro ou pelo espaço subintimal (com dissecção e posterior reentrada ao lúmen verdadeiro). A definição de qual caminho utilizar e como cruzar a oclusão é determinada por 4 fatores anatômicos principais: anatomia da capa proximal, comprimento da oclusão, presença de uma zona sem doença para reentrada no vaso distal e presença de colaterais septais ou epicárdicas utilizáveis (Figura 2).
Figura 2 Algoritmo Híbrido para Cruzamento de Oclusões Coronárias Crônicas: o algoritmo híbrido começa com a injeção coronária dupla (Item 1), que permite a avaliação de diversos parâmetros angiográficos (Item 2) e a seleção do tipo de abordagem primária: anterógrada (Itens 3 a 5) ou retrógrada (Item 6). Mudanças na estratégia são realizadas (Item 7) dependendo da evolução e progresso do procedimento.
Mesmo utilizando técnicas modernas em centros de excelência, o insucesso ainda pode ocorrer, o que não inviabiliza uma nova tentativa.23 Casos mal sucedidos em que a lesão é “modificada” - em especial a capa proximal, seja com múltiplas dissecções feitas por fios-guias específicos ou microcateteres, seja com angioplastia com balão, mesmo que subintimal - são chamados de “procedimentos de investimento”, cujo objetivo é facilitar uma futura tentativa de recanalização.23
O escalonamento de fios por via anterógrada é a abordagem mais utilizada. Um micro cateter é avançado até a capa proximal, seguido de tentativas de cruzamento de CTO usando fios guias específicos de acordo com a morfologia da capa. De maneira geral, inicia-se com um fio guia de ponta macia (1,0 g) e afilada, revestido de polímero. Se não houver êxito no cruzamento, é usado um fio com ponta um pouco mais pesada (4,0 g), também revestido de polímero ou um fio rígido e afilado, com ponta de 12 g. A recente introdução de fios guias rígidos com núcleo composto parece melhorar ainda mais o sucesso do cruzamento anterógrado por permitir um melhor controle e transmissão do torque.
A compreensão do trajeto do fio guia é fundamental tanto para aumentar a probabilidade de sucesso quanto para minimizar o risco de complicações. Se o fio guia entrar no lúmen verdadeiro distal (confirmado em duas projeções ortogonais), o micro cateter é avançado através da oclusão e o fio guia é trocado por um fio guia tradicional, seguido de angioplastia com balão e implante de stents. Caso o fio guia saia da arquitetura do vaso, este deve ser recuado e redirecionado. Se o fio guia cruzar a oclusão, mas entrar no espaço subintimal, a reentrada no lúmen verdadeiro pode ser obtida através da técnica de “fios paralelos” (menos utilizada atualmente) ou do uso de um sistema dedicado de reentrada.
Dissecção e reentrada estão relacionadas ao uso intencional do espaço subintimal para o cruzamento da oclusão, estratégia que deve ser considerada quando a extensão de CTO é superior a 20 mm. Estratégias para provocar dissecções limitadas e controladas parecem ter melhores resultados em curto e longo prazos, quando comparadas àquelas que causam extensas dissecções.24-26
A dissecção controlada pode ser alcançada com micro cateteres dedicados que criam um plano de dissecção limitado. A reentrada é obtida com o auxílio de um balão específico para esse fim. Um estudo recente demonstrou que o uso de equipamentos dedicados foi associado a menores taxas de eventos cardiovasculares maiores (MACE) (4,3 vs. 15,4%, p = 0,02) e de revascularização do vaso alvo (3,1 vs. 15,5%, p = 0,02) quando comparados a técnicas mais antigas.27
A abordagem retrógrada para o cruzamento de CTO pode aumentar significativamente as taxas de sucesso, particularmente em lesões mais complexas. É considerada a estratégia de primeira linha quando a capa proximal é ambígua, a zona de reentrada anterógrada não é adequada ou a capa distal termina em uma bifurcação. O cruzamento retrógrado por enxertos (em especial os venosos) e por colaterais septais são preferidos aos colaterais epicárdicos por serem mais fáceis de atravessar e por apresentar um menor risco de tamponamento em caso de perfuração ou ruptura.28,29 Através de uma colateral, o fio guia avança até a região distal à oclusão e a partir desse ponto faz-se o cruzamento de CTO em direção contrária ao fluxo sanguíneo.30 O cruzamento retrógrado pelo lúmen verdadeiro é geralmente mais fácil, porque a capa distal costuma apresentar características mais favoráveis (mais macia, em ponta de lápis, menos ambígua) do que a proximal.8 Se o cruzamento no lúmen verdadeiro não for possível, técnicas de dissecção e reentrada, diferentes das anterógradas, também podem ser aplicadas.
A reestenose intra-stent após ICP de CTO com stents convencionais era de aproximadamente 50%, o que praticamente impedia seu uso neste cenário. Com o implante de stents farmacológicos, os desfechos clínicos melhoraram significativamente, levando a taxas menores de reestenose (risco relativo: 0.25, IC 95%: 0,16-0,41, p < 0,001), reoclusão(risco relativo: 0,30, IC 95%: 0,18-0,49, p < 0,001) e nova revascularização do vaso alvo (risco relativo: 0,40, IC 95%: 0,28-0,58, p < 0,001).31-34 Com isso, o uso de stents farmacológicos passou a ser mandatório.
O uso de plataformas vasculares absorvíveis para o tratamento de CTO foi avaliado em uma série de estudos, com resultados promissores.35-38 Contudo, após os resultados de longo-prazo do estudo ABSORB III indicando um aumento nas taxas de trombose muito tardia, seu uso provavelmente ficará restrito.39
Atualmente existem disponíveis dois métodos adjuntos de imagem intravascular para uso clínico: ultrassom intravascular (USIV) e tomografia de coerência óptica. A tomografia de coerência óptica necessita de uma injeção de fluido (geralmente contraste) para ser realizada, o que pode levar a um aumento de um plano de dissecção existente, e por isso não costuma ser utilizada nas ICPs de CTO.
O USIV, por outro lado, pode ser utilizado em diversas situações do procedimento(definindo a ambiguidade da capa proximal, facilitando a reentrada no lúmen verdadeiro, limitando o plano de dissecção e confirmando o posicionamento distal do fio-guia no lúmen verdadeiro), além daquelas em que é utilizado em ICPs tradicionais.40-43
A abordagem híbrida tem permitido taxas de sucesso de 85-90% nos estudos mais recentes.23,44-47 A ocorrência de MACE intra-hospitalar varia de 0,5 a 2.6%.24-27 No entanto, esses procedimentos ainda têm maior risco de complicações quando comparados às ICPs de lesões não-CTO.48
A incidência de infarto do miocárdio (IM) peri-procedimento está associada a fatores como técnica retrógrada, calcificação moderada/grave e procedimentos sem sucesso.49,50 O impacto do IM peri-procedimento no seguimento a médio e longo prazo ainda não está bem definido.51,52
A prevalência de lesões em bifurcação em intervenções de CTO é de 33%. Os ramos laterais devem ser considerados e tratados como em procedimentos de intervenção convencionais.53 A oclusão de ramos laterais pode afetar os desfechos de longo e curto prazo da ICP de CTO, sendo mais frequente quando o stent é implantado sobre o ramo e quando se utiliza a técnica de dissecção e reentrada.54
As ICPs de CTO apresentam maior risco de perfurações do que aquelas em lesões não-oclusivas. Em centros de excelência, utilizando-se o tratamento contemporâneo, a incidência de perfurações é de aproximadamente 1-2%.55 O manejo desta complicação varia com o tipo de perfuração, devendo o operador estar familiarizado com as técnicas e os dispositivos necessários para o seu tratamento.56
As altas doses de radiação necessárias para realizar procedimentos cada vez mais complexos são uma preocupação para médicos e pacientes. Protocolos dedicados a intervenções em CTO, equipamentos mais modernos e a adoção pelos operadores de atitudes que reduzem a exposição à radiação ionizante, têm permitido a realização desses procedimentos com doses cada vez menores.57,58
A decisão de interromper o procedimento deve ser individualizada, não existindo evidências científicas que corroborem o uso de critérios específicos. Cinco parâmetros costumam ser utilizados (radiação, contraste, complicações, futilidade e relação risco/benefício), mas a decisão final depende muito do julgamento do operador.
Os cuidados intra- e pós-hospitalares devem ser os mesmos que os de qualquer outra ICP complexa, levando-se em consideração as complicações ocorridas durante o procedimento e as quantidades de contraste e radiação utilizadas.
A recanalização bem sucedida de CTO está associada a diversos benefícios clínicos, como melhora da angina, da qualidade de vida e da limitação física, melhora da função ventricular e diminuição da mortalidade quando comparada a pacientes cuja recanalização não foi bem sucedida.
Sapontis et al. avaliaram a qualidade de vida de 1.000 pacientes submetidos à ICP de OCT. Em seguimento clínico de um mês, observou-se melhora significativa de todos os domínios dos escores Seattle Angina Questionnaire (SAQ), Rose DyspneaScale e PHQ-8.47 Em outro estudo com 184 pacientes em seguimento de um ano, também foi observada uma significativa melhora da qualidade de vida em pacientes submetidos à ICP de CTO com sucesso. A melhora foi semelhante em todos os pacientes, independentemente da complexidade clínica, anatômica ou do procedimento.59 Em Mashayekhie et al., avaliaram o impacto da recanalização de CTO na capacidade física de 50 pacientes submetidos a testes cardiopulmonares antes e após 7 meses. A intervenção com sucesso melhorou a capacidade de exercício (consumo máximo de oxigênio e limiar anaeróbio aumentaram 12 e 28%, respectivamente; p = 0,001 para ambos).60
Diversos estudos observacionais mostram uma relação da recanalização de CTO na redução de eventos clínicos. Jang et al. comparou a revascularização de CTO (por ICP ou por cirurgia) com terapia medicamentosa em 738 pacientes com colaterais bem desenvolvidas. A análise de propensão combinada no seguimento de 42 meses demonstrou uma redução de 73% na incidência de morte cardíaca.61 O Registro Italiano de CTO avaliou os desfechos clínicos de 1.777 pacientes, demonstrando menor mortalidade cardíaca (1,4, 4,7 e 6,3%, p < 0,001) e MACE em um ano (2,6, 8,2 e 6,9%, p < 0,001) em pacientes tratados por ICP quando comparados ao tratamento clínico ou cirurgia. Nesse estudo, o grupo que recebeu tratamento médico otimizado apresentou maiores taxas de MACE, morte e re-hospitalização.62
Até o momento, três ensaios clínicos randomizados avaliaram os potenciais benefícios da ICP de CTO. O estudo EXPLORE incluiu 304 pacientes com infarto agudo do miocárdio (IAM) submetidos à ICP primária e que apresentavam CTO em artéria não-relacionada ao infarto. Eles foram randomizados para ICP de CTO em um segundo momento versus tratamento médico otimizado (TMO). No seguimento de 4 meses, observou-se função ventricular esquerda semelhante nos dois grupos, embora tenha sido observado melhora significativa da fração de ejeção no subgrupo de pacientes com IAM de parede anterior. A inclusão de pacientes sem pesquisa de viabilidade pode ter limitado um possível resultado positivo da ICP.63
O estudo DECISION-CTO randomizou 834 pacientes com CTO para TMO vs. TMO + ICP de CTO.64 No seguimento clínico de três anos, a ICP da CTO como estratégia inicial no tratamento não proporcionou diminuição de MACE, desfecho primário do estudo. No entanto, este estudo apresentou importantes limitações: foi encerrado precocemente antes de atingir o número pré-especificado de pacientes necessários, com baixa taxa de inclusão de pacientes por centro; foram incluídos pacientes com baixo perfil de gravidade e pouco sintomáticos; e houve alta taxa de cross-over para o grupo intervenção (20%).
O Euro CTO Trial randomizou 407 pacientes com doença coronariana estável para TMO vs. TMO + ICP de CTO. O desfecho primário foi a melhora de qualidade de vida, avaliada pelo SAQ.55 Apesar de também apresentar limitações referentes a viés de seleção (término do estudo com somente um terço da amostra planejada, devido à lenta inclusão), os pacientes randomizados para ICP de CTO apresentaram significativa melhora na frequência da angina, na limitação física, e na qualidade de vida no seguimento de 12 meses.
Em uma meta-análise recente que incluiu 9 estudos com mais de 6.400 pacientes, os desfechos clínicos a longo prazo da recanalização de CTO com sucesso foram comparados com aqueles nos quais a recanalização foi mal sucedida. Neste estudo, o risco de morte, IAM e MACE foi aproximadamente 50% menor em pacientes com recanalização da CTO, com incidência 90% menor de revascularização cirúrgica do miocárdio.65
O tratamento percutâneo de CTO no Brasil com as técnicas contemporâneas aqui descritas pode ainda ser considerado incipiente devido à limitada disponibilidade de materiais dedicados em nosso país, impactando o adequado treinamento dos operadores. Recentemente, acompanhando a tendência mundial de tratamento dessas lesões baseada não só na anatomia, mas também nos sintomas e na indicação clínica, várias instituições e intervencionistas passaram a se dedicar a esta área. A Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (SBHCI) tem estimulado este desenvolvimento, já tendo organizado dois cursos dedicados (CTO Summit Brazil 2016 e 2017) e apoiando eventos específicos regionais.
O papel do treinamento específico para a realização desse tipo de procedimento é imperativo, tanto pelo conhecimento das técnicas quanto dos equipamentos utilizados. A maioria dos operadores desenvolvem suas habilidades participando de cursos e procedimentos com acompanhamento de tutores (proctors). Existem também programas de treinamento dedicados, contudo limitados a poucos centros no mundo.48,66
A ICP de CTO é um campo em rápido avanço. Com o uso dos equipamentos adequados e das técnicas atuais, centros de grande volume e expertise alcançam altas taxas de sucesso. Embora as atuais evidências sejam favoráveis à ICP, estudos randomizados controlados prospectivos de boa qualidade ainda são necessários para definir as melhores indicações e as técnicas mais adequadas para a intervenção nessa população de manejo tão desafiador.