versão impressa ISSN 0021-7557versão On-line ISSN 1678-4782
J. Pediatr. (Rio J.) vol.94 no.3 Porto Alegre maio/jun. 2018
http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2017.06.014
A asma é a doença crônica mais comum entre crianças e adolescentes, com prevalência mundial de 14%.1 No Brasil, estima-se que 23,2% dos adolescentes apresentem sintomas sugestivos da doença, uma das maiores prevalências mundiais.2 Nessa faixa etária, a asma ocupa a terceira causa de hospitalizações e de morte entre as doenças respiratórias3 no Brasil.
A educação é um dos pilares para o manejo da asma e tem sido preconizada por diretrizes nacionais e internacionais.4 A despeito dessas recomendações, observa-se que pacientes e parentes de asmáticos apresentam reduzido conhecimento sobre a doença, o que contribui para o subtratamento e a ausência de controle dos sintomas, 5-7 elevada morbidade, isolamento social, incapacidade laboral futura7 e mortes precoces8 em idade escolar.9
O ambiente escolar é propício para orientações sobre asma, essencialmente para os adolescentes. 10-16 Ações de educação nas escolas têm sido desenvolvidas por profissionais de saúde e contribuído para redução do subdiagnóstico,11 da morbimortalidade e do fardo emocional ocasionado pela asma, em países como EUA e Austrália, 9,11,14 A despeito dos resultados exitosos em países de renda elevada, poucas são as iniciativas em países menos favorecidos economicamente.11
Em países de renda média, a exemplo do Brasil, as intervenções educacionais sobre asma feitas nas escolas também podem ser uma estratégia efetiva para promoção da saúde, controle da asma e outras doenças respiratórias crônicas. Apesar disso, não existem ações padronizadas em nosso país que adotem orientações sobre asma nas escolas. Em Salvador-Bahia, apesar da existência de um programa exitoso para o controle da asma, em que a educação em saúde é um dos fortes pilares para o manejo da doença,17 não identificamos ações educacionais destinadas aos adolescentes no ambiente escolar.
Uma opção para desenvolvimento de ações educacionais destinadas à prevenção e promoção da saúde nas escolas é a inserção de temas relacionados à saúde no currículo escolar. 18,19 A inserção desses temas no currículo permite que os assuntos relativos à saúde, tais como a asma, sejam trabalhados de forma permanente no horário escolar, integrados aos conteúdos curriculares, não fragmentados ou isolados das outras atividades escolares e associados à realidade dos estudante. 18,19
O objetivo deste estudo foi avaliar o impacto de uma intervenção curricular em asma sobre o conhecimento da doença entre os adolescentes de um colégio público em Salvador, Bahia.
Foi conduzido um ensaio controlado, uno-cego e randomizado de uma intervenção educacional em asma com adolescentes de um colégio público, localizado em Salvador-Bahia, no Nordeste do Brasil. O estudo foi desenvolvido em uma escola de médio porte, considerada escola modelo na rede pública da região.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal da Bahia (parecer n° 046/2011). Número do registro no clinicaltrials.gov: NCT02142179.
Todos os 511 estudantes matriculados no ensino fundamental foram convidados a participar do estudo. Foram incluídos 212/511 (41,5%) adolescentes, asmáticos ou não asmáticos, entre 10 e 19 anos, que apresentaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e Assentimento assinados. Foram excluídos do estudo os indivíduos que não concluíram todas as visitas de acompanhamento ou não preencheram na íntegra os questionários aplicados.
Os participantes foram distribuídos em dois grupos: intervenção curricular em asma (GI) e currículo tradicional - controle (GC). O critério de alocação foi definido conforme o sistema de matrícula. Estudantes do turno vespertino foram sorteados para serem alocados no GI e os do turno matutino, no GC.
Calculou-se o tamanho amostral por meio do programa WinPepi (Pepi-for-Windows: computer programs for epidemiologists, versão 11.6), obtido por meio de um estudo-piloto, com 95% de chances de detectar a elevação do desfecho primário - o escore de conhecimento sobre a asma (escala de 0-20 acertos). Adotou-se a média de acertos do GI de 15,5 ± 3,1 e de 10,4 ± 3,9 no GC, com uma magnitude do efeito de 5,1 pontos na média de acertos e um nível de significância de 5%. Estimou-se uma amostra de 26 indivíduos.
Professores do ensino básico, previamente treinados, conduziram a intervenção curricular. Todos os membros da equipe escolar foram submetidos a um treinamento de 240 minutos sobre tópicos relacionados ao sistema respiratório, conceito de asma, fatores desencadeadores, sintomas, tratamento, plano de ação e crenças populares sobre a doença. Adicionalmente, 12 planejamentos pedagógicos foram desenvolvidos com os professores em parceria com docentes de saúde da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
O objetivo foi inserir conteúdos relativos à saúde e à asma no currículo escolar, a fim de proporcionar à comunidade escolar a formação em cidadania para a saúde e a possibilidade de reconhecer aspectos relacionados à asma, tais como as medidas para prevenção e controle. Essa intervenção amparou-se nas legislações que instituem a educação em saúde 18 e asma nas escolas. 14,19
Temas sobre saúde e asma foram incluídos em diferentes componentes curriculares, tais como ciências, português, redação e história, com carga horária total de dez horas mensais. Os professores apresentaram aos alunos conceitos sobre i) a anatomia e fisiologia do sistema respiratório; ii) a influência da poluição do ar, dos fatores ambientais e do tabagismo sobre as doenças respiratórias; iii) a asma como uma doença do sistema respiratório; iv) os sintomas da asma; v) o tratamento e v) o esclarecimento das crenças em mitos populares relativas à asma e ao tratamento inalatório. Foram usados recursos e técnicas pedagógicas, tais como modelos anatômicos artificiais, cartilha educativa (www.ginanobrasil.org.br), gincanas culturais e textos didáticos sobre o tema.
Aplicou-se um questionário para avaliar o conhecimento sobre a asma no período basal (V0), 90 dias (V90) e 540 dias após o período basal (V540). Na V540, a título de verificação da manutenção do conhecimento sobre a asma, foi avaliado um subgrupo de 88 alunos (50% da amostra), obtido por meio do sorteio simples feito pelo Microsoft Excel (Microsoft®, versão 2011, WA, EUA).
A frequência de indivíduos com sintomas sugestivos de asma foi obtida por meio do questionário do International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC).20 Informações sociodemográficas, o autorrelato de asma diagnosticada pelo médico e de dificuldade de aprendizado foram coletadas por meio de questionário estruturado.
O conhecimento sobre a asma foi avaliado por meio de um questionário autoaplicável com 20 questões e cinco domínios: i) conceito, ii) fatores desencadeadores, iii) tratamento, iv) sintomas/plano de ação e v) crenças em mitos populares sobre a asma. Todos os quesitos do instrumento tinham as opções "sim", "não" e "não sei" que foram analisadas considerando o número e a proporção de acertos no escore geral e para cada domínio. Elevações dos escores indicaram o aumento no conhecimento. O conhecimento foi estratificado em insatisfatório (até 69% de acertos) e satisfatório (≥ a 70% de acertos) (fig. 1).
Adotou-se o conhecimento sobre a asma como desfecho primário. Os dados foram analisados por meio do software Statistical Package for Social Science (IBM SPSS Statistics para Windows, versão 21.0. NY, EUA). Procedeu-se análise por protocolo do ensaio clínico e por intenção de tratar. Como não houve diferenças relevantes entre ambas, optou-se pela análise por protocolo. As variáveis apresentaram distribuição normal, verificada por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov. Médias e desvio-padrão foram calculados para idade, anos de estudo e escore do conhecimento. Frequência simples e proporções foram calculados para as variáveis sexo, repetência escolar, anos de estudo, antecedente de alergia, histórico familiar de asma/alergia, asma prévia, sibilos no último ano e a presença de crenças em mitos populares.
Em V0, as diferenças clínicas e sociodemográficas entre os alunos foram analisadas por meio dos testes qui-quadrado e t de Student. Em V90, o conhecimento sobre asma foi analisado por meio do teste t para amostras independentes e por análise de variância (Anova). As modificações nas médias dos desfechos foram avaliadas por meio do teste t de Student pareado.
Em V540, a manutenção do conhecimento foi analisada por meio do teste t de Student pareado. Os incrementos obtidos no escore conhecimento foram calculados a partir da diferença de médias observada antes e após intervenção, expressos em proporção. Em todos os períodos de estudo, fez-se análise de subgrupo, comparou-se o conhecimento sobre a asma entre os asmáticos e não asmáticos.
A estimativa do tamanho do efeito do tratamento foi calculado por meio do índice d de Cohen (Cohen's d index=xIG−xCG/SDCOMBINED). Para interpretação dos valores dos tamanhos do efeito, adotou-se a classificação de Cohen (insignificante (< 0,19); pequeno (0,20-0,49); médio (0,50-0,79); grande (0,80-1,29); muito grande (> 1,30).21
Calculou-se o risco relativo (RR) para o desfecho conhecimento satisfatório sobre a asma, bem como o NNT - número necessário para tratar. Adotou-se a regressão logística multinominal para identificar se idade, sexo, repetência escolar, anos de estudo, antecedente de alergia, histórico familiar de asma/alergia, asma prévia, sibilos no último ano e a presença de crenças em mitos populares estavam associados ao conhecimento sobre a asma. Usou-se a Ancova, com as mesmas variáveis testadas na regressão multinominal, a fim de verificar as possíveis covariâncias. Associações significantes (p < 0,05) foram selecionadas para serem testadas nos modelos lineares mistos.
Completaram todas as etapas de avaliação 181/212 estudantes (85,4%; GI = 101 e GC = 80), considerando o seguimento perdido de 13,2% para o GI (n = 28) e de 1,4% para o GC (n = 3).
A média (± DP) de idade dos participantes foi de 13,9 ± 1,5 (GI) e de 13,6 ± 1,6 (GC). Predominaram o sexo feminino e cor autodeclarada parda em ambos os grupos. O relato de asma diagnosticada foi observado em nove (8,9%) e seis (7,5%) indivíduos do grupo GI e GC, respectivamente. No período basal, as características clínicas e sociodemográficas foram similares entre os grupos; antecedente de alergia foi mais observado no GC (tabela 1).
Tabela 1 Caracterização clínica e sociodemográfica dos adolescentes participantes do grupo intervenção e do grupo controle no baseline, em um colégio público em Salvador, Bahia, 2017
Variáveis | Grupo intervenção | Grupo controle | p-valorc |
---|---|---|---|
(n = 101) | (n = 80) | ||
Sexo | |||
Feminino | 54 (54,0) | 44 (55,0) | 0,89 |
Masculino | 46 (46,0) | 36 (45,0) | |
Idade (X ± DP)a | 13,9 ± 1,5 | 13,6 ± 1,6 | 0,82 |
Anos de estudo (X ± DP) | 10,6 ± 2,7 | 10,5 ± 2,6 | 0,70 |
Cor autodeclarada | |||
Parda | 43 (55,9) | 37 (46,3) | 0,24 |
Preta | 17 (21,3) | 17 (21,3) | |
Branca e outras | 26 (22,8) | 26 (32,4) | |
Antecedentes pessoais | |||
Tuberculose | 1 (1,0) | 1 (1,3) | 0,86 |
Qualquer alergia, exceto alimentar | 27 (26,7) | 38 (47,5) | 0,004 |
Dificuldade de aprendizagem | 10 (9,9) | 6 (7,5) | 0,57 |
Asma | 9 (8,9) | 6 (7,5) | 0,69 |
Histórico familiar | |||
Asma/Alergia | 73 (73,7) | 56 (70,0) | 0,58 |
Tabagismo | |||
Ativo | - | - | |
Passado | 4 (4,1) | 1 (1,4) | 0,29 |
Passivo | 20 (19,8) | 13 (16,3) | 0,53 |
Questões do questionário ISAACb | |||
Sibilos no passado | 27 (26,7) | 22 (28,6) | 0,78 |
Sibilos nos últimos 12 meses | 9 (8,9) | 11 (14,3) | 0,26 |
Asma alguma vez na vida | 14 (13,9) | 12 (15,0) | 0,82 |
aVariáveis contínuas expressas em média e desvio-padrão. Uso do teste t de Student para análise das diferenças das variáveis idade e anos de estudo. As diferenças entre as demais variáveis foram analisadas por meio do teste qui-quadrado.
bQuestões referentes aos questionários padrão do The International Study of Asthma and Allergies in Childhood.
cComparação de grupo intervenção e grupo controle.
Em V0, verificou-se que 89% dos estudantes do GI (x = 10,7 ± 2,9 acertos) e 85% dos estudantes do GC (x = 11,5 ± 2,7 acertos) apresentavam conhecimento insatisfatório sobre a asma. O tratamento foi o quesito mais desconhecido em ambos os grupos (GI: = 1,6 ± 0,9 acertos vs. GC: = 1,6 ± 0,8) (tabelas 2 e 3), inclusive para o subgrupo de asmáticos (x = 1,7 ± 1,0 acertos); 80,6% dos estudantes (n = 146) não sabiam diferenciar quando usar o medicamento de alívio ou de manutenção e 89,5% desconheciam a indicação do broncodilatador de curta ação.
Tabela 2 Comparação do grau de conhecimento dos adolescentes do grupo intervenção versus grupo controle sobre asma na análise geral e por domínio em todo o período de acompanhamento em um colégio público em Salvador, Bahia. 2017
Variáveis | V0 | V90 | V540 | Índice d de Cohen | ||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
GI (n = 101) |
GC (n = 80) |
pa | GI (n = 101) | GC (n = 80) | pb | GI (n = 42) | GC (n = 46) | pc | d de Cohen | Classificação de Cohen | ||||
|
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|
|
|
|
IC95% | ||||||||
Conhecimento geral | 10,7 ± 2,9 | 11,5 ± 2,7 | 0,073 | 15,5 ± 3,1 | 10,4 ± 3,9 | 0,001 | 15,5 ± 2,8 | 12,4 ± 3,0 | 0,001 | 1,4 [1,1-1,7] | Muito grande | |||
DOM 1 – Conceito | 2,3 ± 0,9 | 2,4 ± 0,9 | 0,457 | 3,2 ± 0,7 | 2,1 ± 1,1 | 0,001 | 3,1 ± 0,8 | 2,6 ± 0,9 | 0,006 | 1,2 [0,9-1,5] | Grande | |||
DOM 2 - Fatores desencadeantes | 2,4 ± 0,9 | 2,8 ± 0,8 | 0,002 | 3,3 ± 0,8 | 2,7 ± 0,9 | 0,001 | 3,5 ± 0,7 | 3,0 ± 0,8 | 0,009 | 0,7 [0,4-1,0] | Médio | |||
DOM 3 - Tratamento da asma | 1,6 ± 0,9 | 1,6 ± 0,8 | 0,754 | 2,5 ± 1,0 | 1,5 ± 0,9 | 0,001 | 2,5 ± 0,9 | 1,9 ± 0,9 | 0,005 | 1,0 [0,7-1,3] | Grande | |||
DOM 4 - Uso do plano de ação | 2,9 ± 1,0 | 2,9 ± 0,8 | 0,840 | 3,4 ± 0,8 | 2,3 ± 1,1 | 0,001 | 3,3 ± 0,7 | 2,8 ± 0,9 | 0,003 | 1,1 [0,8-1,4] | Grande | |||
DOM 5 - Crenças sobre a asmad | 1,5 ± 1,1 | 1,7 ± 1,1 | 0,232 | 3,2 ± 1,1 | 1,7 ± 1,4 | 0,001 | 3,2 ± 1,0 | 2,1 ± 1,3 | 0,001 | 1,2 [0,8-1,5] | Grande |
aComparação de médias no período basal (V0) com uso do teste t para amostras independentes.
bComparação de médias 90 dias após o período basal (V90) com uso do teste t para amostras independentes.
cComparação de médias 540 dias após período basal (V540) com uso do teste t para amostras independentes.
dO aumento no escore indica aumento do conhecimento.
Tabela 3 Comparação das médias e variação percentual (Δ) do grupo intervenção versus grupo intervenção e do grupo controle versus grupo controle, quanto ao conhecimento dos adolescentes sobre asma na análise geral e por domínio em todo o período de acompanhamento em um colégio público em Salvador, Bahia, 2017
Variáveis | V0 | V90 | pa | Δ | V540 | pb | Δ | V0 | V90 | pa | Δ | V540 | pb | Δd |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
GI (n = 101) | GI (n = 101) | % | GI (n = 42) | % | GC (n = 80) | GC (n = 80) | % | GC (n = 46) | % | |||||
Conhecimento geral | 10,7 ± 2,9 | 15,5 ± 3,1 | 0,001 | 24 | 15,5 ± 2,8 | 0,376 | 0 | 11,5 ± 2,7 | 10,4 ± 3,9 | 0,009 | -5,5 | 12,4 ± 3,0 | 0,001 | 4,5 |
DOM 1 – Conceito | 2,3 ± 0,9 | 3,2 ± 0,7 | 0,001 | 22,5 | 3,1 ± 0,8 | 0,376 | -2,5 | 2,4 ± 0,9 | 2,1 ± 1,1 | 0,018 | -7,5 | 2,6 ± 0,9 | 0,003 | 5 |
DOM 2 - Fatores desencadeantes | 2,4 ± 0,9 | 3,3 ± 0,8 | 0,001 | 22,5 | 3,5 ± 0,7 | 0,607 | 5 | 2,8 ± 0,8 | 2,7 ± 0,9 | 0,41 | -2,5 | 3,0 ± 0,8 | 0,01 | 5 |
DOM 3 - Tratamento da asma | 1,6 ± 0,9 | 2,5 ± 1,0 | 0,001 | 22,5 | 2,5 ± 0,9 | 0,881 | 0 | 1,6 ± 0,8 | 1,5 ± 0,9 | 0,48 | -2,5 | 1,9 ± 0,9 | 0,018 | 7,5 |
DOM 4 - Uso do plano de ação | 2,9 ± 1,0 | 3,4 ± 0,8 | 0,001 | 12,5 | 3,3 ± 0,7 | 0,538 | -2,5 | 2,9 ± 0,8 | 2,3 ± 1,1 | 0,001 | -15 | 2,8 ± 0,9 | 0,001 | -2,5 |
DOM 5 - Crenças sobre a asmac | 1,5 ± 1,1 | 3,2 ± 1,1 | 0,001 | 42,5 | 3,2 ± 1,0 | 0,499 | 0 | 1,7 ± 1,1 | 1,7 ± 1,4 | 0,93 | 0 | 2,1 ± 1,3 | 0,121 | 10 |
Nota: Dados apresentados sob a forma de média ± DP.
aComparação de médias no período basal (V0) vs. 90 dias após o período basal (V90) com uso do teste t de Student pareado.
bComparação de médias no V90 vs. 540 dias após período basal (V540), com uso do teste t de Student pareado.
cO aumento no escore indica aumento do conhecimento.
dOs incrementos obtidos no escore de conhecimento foram calculados a partir da diferença de médias observadas antes e após a intervenção, expressas em proporção.
Relataram crenças em mitos populares sobre a doença 90% dos estudantes. As crenças em mitos populares mais frequentemente relatadas foram: i) efeito deletério dos medicamentos para controlar uma exacerbação da asma (84,5%); ii) vício ocasionado pelo uso dos medicamentos de alívio (64,6%) e iii) efeito prejudicial das atividades físicas sobre a doença (49,7%).
Noventa dias após a intervenção, 92% dos estudantes do GI apresentaram escores mais elevados de conhecimento quando comparados com o GC (GI: = 15,5 ± 3,1 vs. GC: = 10,4 ± 3,9, p = 0,001), representou tamanho de efeito "muito grande" (d = 1,4; 95% IC = 1,1-1,7). O GI obteve, ainda, elevação de 24% do escore total de conhecimento geral sobre a asma, comparado com o período basal.
Após 90 dias, o conhecimento sobre tratamento e conceito da asma elevou-se de forma idêntica, em 22,5% para o GI. Na comparação dos grupos, 84% dos estudantes do GI apresentaram escores de conhecimento nos domínios "conceito" e "tratamento" superiores à média do GC (Escore conceito: GI: = 3,2 ± 0,7 vs. GC: = 2,1 ± 1,1, p = 0,001; Escore tratamento: GI: = 2,5 ± 1,0 vs. GC: = 1,5 ± 0,9, p = 0,001). Nesses domínios, grandes magnitudes de efeito foram observadas (Conceito: d = 1,2, 95% IC = 0,90-1,5 e Tratamento: d = 1,0, 95% IC = 0,7-1,3).
Em V90, as crenças em mitos populares relatadas no período basal foram superadas pelos participantes da intervenção, uma vez que os estudantes do GI apresentaram aproximadamente o dobro do escore no domínio "crenças relacionadas à asma" (GI: = 3,2 ± 1,1 vs. GC: = 1,7 ± 1,4, p = 0,001). Nesse domínio, a elevação dos escores relaciona-se ao esclarecimento das crenças em mitos populares relativos à asma. Além disso, foi constatado que 88% dos participantes do GI apresentaram escores nesse domínio superiores à média do GC.
Em V540, os conhecimentos adquiridos sobre a asma e sobre todos os domínios foram mantidos no GI (tabelas 2 e 3).
Na análise de subgrupos, apenas o histórico familiar de asma/alergia (86,7%) e o autorrelato de dificuldade de aprendizado (3,3%) foram mais frequentes nos asmáticos. Não observamos diferenças entre os indivíduos asmáticos e não asmáticos quanto às características clínicas e sociodemográficas.
No período basal, maior conhecimento sobre o tratamento foi observado entre os asmáticos (47,5% de acertos), comparados com os não asmáticos (40% de acertos). Em V90, verificou-se melhoria do conhecimento sobre a asma em ambos os grupos.
Em V540, evidenciou-se manutenção do conhecimento sobre a asma nos dois grupos. Após intervenção (V90), não foram observadas modificações significativas nos indicadores de morbidade entre os asmáticos. Verificou-se no GI frequência mais elevada do uso do medicamento de manutenção e do plano de ação prescrito pelo médico, comportamento não observado no GC.
Foram testadas as variáveis idade, sexo, repetência escolar, anos de estudo, antecedente de alergia, histórico familiar de asma/alergia, sibilos no último ano e asma prévia. Apenas "sibilos no último ano" esteve associada a um conhecimento satisfatório sobre a asma. Verificou-se que ter crenças em mitos populares relacionados à doença pode modificar o efeito da intervenção educacional e piorar o entendimento sobre a asma (p < 0,05).
Em V90, observou-se que os estudantes submetidos a intervenção educativa apresentaram 3,5 (95% IC = 2,1-5,6) mais chances de alcançar conhecimento satisfatório geral sobre a asma. Similarmente, foram observadas probabilidades mais elevadas de conhecimento sobre a doença relacionadas aos domínios "conceito da doença" (RR = 4,9; 95% IC = 2,9-8,4), "tratamento" (RR = 3,2; 95% IC = 1,7-5,7) e "crenças em mitos populares relacionadas à asma" (RR = 2,0; 95% IC = 1,5-2,7). Em V540, comportamento semelhante foi observado. Identificou-se um NNT de 2,0 (95% IC = 2-3) para esse subgrupo estudado.
No presente estudo, identificou-se que 87% dos estudantes apresentaram conhecimento prévio insatisfatório sobre a asma. O tratamento de alívio e manutenção foram os tópicos mais desconhecidos nesta amostra. Observou-se ainda a intensa presença de crenças em mitos populares que interferiram no entendimento da doença. A intervenção empregada, por meio de medidas de educação em saúde incorporadas ao currículo escolar de uma escola pública, promoveu grande melhoria no conhecimento do tema asma por parte dos adolescentes. A apreensão do conhecimento foi avaliada precocemente em 90 dias e tardiamente em 540 dias, sugeriu que intervenções curriculares promovem apreensão do conhecimento de forma duradoura.
Em nossa amostra, os estudantes desconheciam a asma de forma geral, o conceito e tratamento da asma foram os assuntos mais profundamente desconhecidos. Após o treinamento, expressiva melhoria do conhecimento sobre o tema no GI, em comparação com o GC, foi observada em V90 e mantida até V540. Esse conhecimento adquirido sobre o conceito e o tratamento da asma poderá promover a difusão adequada do tema entre os adolescentes asmáticos e não asmáticos, o reconhecimento dos indivíduos com sintomas da doença na escola e o uso/recomendação do medicamento de manutenção para o controle da asma e o de alívio em situações de exacerbação pela comunidade escolar 14-16 e contribuir para um ambiente escolar mais seguro.
A intensa presença de crenças em mitos populares sobre a asma entre os adolescentes interferiu no entendimento da doença, porém foram suplantadas, após a intervenção, em 82% da amostra do GI. O esclarecimento de conceitos sobre a natureza e tratamento da doença pode impactar atuações mais seguras em casos de exacerbação e sobre o controle diário da asma22 por parte dos estudantes. Ademais, a superação de crenças em mitos populares pode diminuir a discriminação social pelos pares não asmáticos, 23,24 reduzir a ocorrência de depressão e ansiedade entre os adolescentes com asma 23,24 e aumentar a participação dos asmáticos nas atividades de educação física na escola.24
Adicionalmente, identificamos que ter crenças em mitos populares relacionadas à doença pode modificar o efeito da intervenção educacional, piorar o resultado final sobre o conhecimento em asma. A crença em saúde é um preditor de comportamento e deve ser esclarecida à população.25 Mitos populares observados entre os adolescentes relativos ao conceito da asma, às limitações físicas ocasionadas pela doença e ao tratamento inalatório devem ser desmistificados26 mesmo antes de iniciar uma intervenção educacional e resgatados durante toda a ação educacional. 14-16
A educação em asma aplicada isoladamente pode ser uma opção viável para o aumento do conhecimento sobre a doença que pode impactar em médio e longo prazos os indicadores de morbidade. 9-12 Para o impacto em curto prazo nos indicadores de morbidade, é necessário que a educação esteja associada ao acompanhamento clínico. Em nosso estudo, por exemplo, foi observado, entre os asmáticos, maior relato de uso do medicamento de manutenção e do plano de ação, após intervenção. Em contrapartida, não foram observadas reduções das visitas ao serviço de emergência e dos despertares noturnos, provavelmente pelo pequeno número de asmáticos na amostra, pela baixa frequência de sintomas e pelo modelo de intervenção voltado para a difusão do conhecimento sobre a asma para toda a comunidade escolar, e não para o ensino de habilidades para o automanejo.
Paralelamente, os resultados encontrados neste estudo demonstram que as intervenções escolares sobre a asma podem ser ampliadas para toda a comunidade escolar, e não apenas favorecer os asmáticos. Discutir de forma ampla e articulada aos componentes curriculares convencionais, um problema de saúde pública como a asma, pode i) formar multiplicadores do conhecimento sobre aspectos relacionados à saúde e à asma, extrapolar esse tema para fora da escola;27 ii) favorecer a participação civil e propiciar a busca por melhores condições de saúde dos estudantes;28 iii) reduzir o estigma associado às doenças crônicas, como a asma;23 iv) sedimentar comportamentos que previnam a progressão de doenças crônicas29 e v) capacitar os estudantes para auxiliarem os pares nos episódios agudos de asma.29
Neste estudo, os autores adotaram a asma como um dos temas do currículo, todavia sugerem que essa intervenção possa ser aplicada para outras doenças respiratórias crônicas e condições de saúde, como alimentação saudável e tabagismo. 26,30 Hipotetizamos que esse modelo possa ser reproduzido em diferentes regiões do Brasil por ser simples e de baixo custo; não requerer profissionais adicionais ao núcleo escolar; 27,30 ser conduzido por professores treinados27 por docentes da área de saúde e permitir aos estudantes oriundos de famílias de baixa renda com restrito acesso ao serviço de saúde um conhecimento duradouro sobre um grave problema de saúde pública.
Entre as limitações do trabalho, mencionamos a ausência de registro do absenteísmo escolar por asma na escola; o autorrelato de asma diagnosticada; a ausência de avaliação da gravidade da doença e a construção intencional de um subgrupo com 50% da amostra inicial em V540. Não foi feita análise de custo-efetividade da intervenção. Todavia, consideramos que essa é uma intervenção de baixo custo, devido a sua condução por professores treinados, pertencentes a própria escola, o que favorece a sua exequibilidade.
Conclui-se que a inserção de temas relativos à asma no currículo escolar é capaz de incrementar o conhecimento sobre a asma de forma satisfatória e duradoura entre os estudantes asmáticos e não asmáticos do ensino básico. Trata-se de um modelo simples; que pode ser aplicado com toda a comunidade escolar; reproduzido para outras doenças respiratórias crônicas e desenvolvido em distintas regiões e países, respeitam-se as diversidades culturais e políticas de cada região.