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Intervenções em linguagem infantil na atenção primária à saúde: revisão sistemática

Intervenções em linguagem infantil na atenção primária à saúde: revisão sistemática

Autores:

Bruna Campos De Cesaro,
Léia Gonçalves Gurgel,
Gabriela Pisoni Canedo Nunes,
Caroline Tozzi Reppold

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.25 no.6 São Paulo 2013

http://dx.doi.org/10.1590/S2317-17822014000100012

INTRODUÇÃO

A comunicação pode ocorrer por meios não verbais, no entanto, a maior parte é realizada pela conversão de ideias em linguagem escrita e oral( 1 ). A ausência de linguagem ou a sua aquisição tardia, em relação aos limites cronológicos e de escolaridade esperados, podem indicar alterações no desenvolvimento. Grande parte dessas alterações no curso evolutivo da linguagem poderiam ser solucionadas, caso houvesse diagnóstico precoce e intervenção adequada(²).

Constata-se que os problemas relacionados à linguagem não são identificados de forma adequada e que faltam dados relativos à saúde e atenção primária nessa área. Entre 5 e 8% das crianças pré-escolares apresentam atraso no desenvolvimento de linguagem, o que muitas vezes persiste ao longo dos anos escolares e na sua vida adulta(³). Estas alterações estão associadas a pior desempenho escolar, dificuldades em aspectos interacionais sociais e relações emocionais( 4 ). Nesse sentido, a intervenção fonoaudiológica é necessária para a condução da criança ao longo do processo de desenvolvimento da linguagem, bem como para a orientação e o aconselhamento familiar( 1 ).

Os profissionais de saúde e educadores, principalmente os que atuam na rede de atenção básica e rede escolar pública, devem ser alvo de treinamento e capacitação continuados para se adequarem às necessidades da população infantil( 5 ). Informações a respeito das alterações da linguagem infantil devem estar ao alcance de todos a fim de que possam orientar e encaminhar os indivíduos para as intervenções necessárias(²). A atenção primária à saúde é essencial nesse processo de detecção precoce das alterações de linguagem e parte integral do sistema de saúde do país. Nesse contexto, a atenção básica leva a atenção à saúde o mais próximo possível dos locais onde as pessoas vivem e trabalham, constituindo o primeiro elemento de um processo de atenção continuada à saúde( 6 ).

A atuação fonoaudiológica, portanto, engloba ações de promoção, proteção e recuperação da saúde nos diferentes aspectos relacionados à comunicação humana( 7 ). Essa atuação, realizada em equipe, é uma prática crescente no atendimento à saúde e se caracteriza pelo modo de interação presente na relação entre os profissionais( 8 ). Na equipe multiprofissional, a articulação refere-se à recomposição de processos de trabalhos distintos e, portanto, à consideração de conexões e interfaces entre as intervenções técnicas de cada área profissional( 9 ).

OBJETIVO

Assim, o objetivo deste trabalho é revisar sistematicamente na literatura as intervenções realizadas em linguagem infantil na atenção primária à saúde.

MÉTODOS

Estratégia de pesquisa

foram pesquisadas as bases de dados eletrônicas MedLine (acessada pelo PubMed), Scopus, Lilacs e Scielo no período de janeiro de 1980 a março de 2013. Os termos da busca utilizados foram "child language", "primary health care", "randomized controlled trial" e "intervention studies", seus entretermos e seus equivalentes, em português e espanhol. Restringiu-se, para esta pesquisa, estudos com amostras de famílias e crianças com até 12 anos incompletos, como considera o Estatuto da Criança e do Adolescente( 10 ).

Critérios de seleção

Os estudos incluídos na presente revisão foram aqueles que descreviam de maneira adequada o tipo de intervenção utilizada, realizados no contexto da atenção básica, que abordaram os temas linguagem infantil e atenção primária à saúde, delineados como ensaios clínicos controlados randomizados. Este delineamento foi pré-requisito para a inclusão das pesquisas a fim de manter a qualidade da revisão sistemática. Ensaios clínicos controlados randomizados são capazes de minimizar a influência de fatores prejudiciais sobre as relações de causa-efeito e também uma fonte de evidências confiável.

As revisões sistemáticas, apesar de serem consideradas ainda mais relevantes, são estudos secundários, ou seja, dependem de estudos primários com qualidade para derivarem inferências, daí a importância dos ensaios clínicos randomizados como fonte de evidências também para as revisões sistemáticas( 11 ).

Não houve restrição quanto aos desfechos esperados para aumentar a sensibilidade da pesquisa. Foram excluídos artigos que não abordassem o tema linguagem, não abordassem o tema saúde pública e intervenção em linguagem na atenção primária, incluíssem apenas indivíduos com mais de 12 anos e não descrevessem de maneira confiável o tipo de intervenção utilizada.

Análise de dados

O processo de análise dos dados foi composto por três etapas. Na primeira, dois revisores independentes realizaram a leitura dos títulos e dos resumos dos artigos identificados pela estratégia de busca. Todos os que não forneceram informações suficientes foram selecionados para a segunda etapa, denominada "fase de avaliação do texto integral", assim como os que atendiam aos critérios de inclusão.

Na fase de avaliação do texto integral, os dois revisores, de maneira independente, analisaram os artigos em sua íntegra e realizaram suas seleções de acordo com os critérios de elegibilidade. Todas as discordâncias entre eles foram resolvidas por consenso. Já na terceira etapa houve o preenchimento de um formulário padronizado, sobre cada estudo incluído, contendo informações sobre as suas características metodológicas, as intervenções e os desfechos descritos em cada pesquisa. O dado principal coletado foi quanto às intervenções realizadas em linguagem, com indivíduos na faixa etária infantil, no âmbito da atenção primária em saúde.

RESULTADOS

Como resultado da busca inicial, foram identificados 256 estudos, dentre os quais dez atendiam aos critérios de inclusão e foram considerados relevantes para a amostra deste trabalho, sendo analisados detalhadamente (Figura 1).

Figura 1 Diagrama do processo de seleção dos estudos 

Indivíduos de ambos os gêneros foram incluídos nos dez estudos. A idade das crianças que faziam parte das amostras dos trabalhos integrantes desta revisão variou de zero a 11 anos. Esses dez estudos utilizaram abordagens que incluíam somente os pais( 12 , 13 ), os pais e as crianças(14-17) ou apenas as crianças( 18 ).

As estratégias de intervenção em linguagem utilizadas foram programas com os pais, ou somente com a mãe, para promover a linguagem por meio de jogos compartilhados( 14 ), leitura compartilhada( 14 ), vídeo interacional( 12 , 14 , 15 ), livro guia sobre como estimular a linguagem( 12 ), oficinas( 12 ), material para auxiliar a aprendizagem( 14 ), panfletos informativos( 14 ), jornal com atividade interativa específica para a idade( 14 ), visitas domiciliares( 17 ), ensino de mães sobre como cuidar de seus próprios sinais de ansiedade e estresse, facilitando o seu relacionamento com as crianças bem como o desenvolvimento delas( 13 ), o fortalecimento do vínculo familiar( 16 ) e orientações em grupo( 18 ), e preparação para a ida à escola com os pais. Na Tabela 1 são apresentadas as principais características dos estudos incluídos na presente revisão, como autores, língua original, periódico, fator de impacto, tipo de intervenção realizada, número de participantes e média da idade da amostra.

Tabela 1 Características dos estudos incluídos 

Autores Língua original País de origem Periódico (Fator de impacto) Tipo de intervenção População (n) Idade da amostra
Wake et al. 2011(12) Inglês Austrália British Medical Journal (13,47) Programa preventivo de orientação proposto para pais de crianças com vocabulário restrito 1.217 famílias 2 e 3 anos
Zelkowitz et al. 2008(13) Inglês Canadá BMC Pediatrics (1,85) Programa de intervenção de apoio às mães para diminuir ansiedade 92 mães Pré-termos abaixo de 1.500 g
Mendelsohn et al. 2011(14) Inglês Estados Unidos Jama Pediatrics (nada consta) Programa de intervenção preventiva na relação mãe e recém-nascido 410 mães 18 a 36 meses
Mendelsohn et al. 2007(15) Inglês Estados Unidos Journal of Developmental and Behavioral Pediatrics (3,02) Intervenção preventiva na relação pais e filhos 99 crianças 33 meses
Love et al. 2005(16) Inglês Estados Unidos Developmental Psychology (nada consta) Programa de intervenção para apoio emocional aos pais 3.001 famílias Gestantes e crianças até 36 meses
Spittle et al. 2010(17) Inglês Austrália Pediatrics (5,78) Programa de intervenção preventiva de visitas domiciliares 120 famílias Pré-termos
McCartney et al. 2011(18) Inglês Reino Unido International Journal of Language & Communication Disorders (1,85) Avaliaram a eficiência de terapia feita por fonoaudioóogos e terapia estilo "consultoria". 161 crianças 6 a 11 anos
Lowell et al. 2011(23) Inglês Estados Unidos Child Development (nada consta) Intervenção pai e filho 157 crianças 6 a 36 meses
Sheridan et al. 2011(22) Inglês Estados Unidos Journal of School Psychology (nada consta) Preparação para a escola com os pais 217 crianças 36 a 53 meses
Johnston et al. 2006(21) Inglês Estados Unidos Jama Pediatrics (nada consta) Programa com as gestantes 439 gestantes Gestantes e crianças até completarem 30 meses

A maior parte dos estudos( 14 - 17 ) realizou intervenções conjuntas com pais e filhos (crianças ou recém-nascidos). Um deles( 14 ), realizado na clínica pediátrica de um hospital público de cuidados primários nos Estados Unidos, objetivou determinar os efeitos de intervenções na relação entre pais e filhos de 410 famílias de baixa renda. O primeiro grupo, denominado Video Interaction Project (VIP), participou de sessões com um especialista em desenvolvimento infantil e recebeu intervenções a partir da visualização de vídeos nos quais ocorria a interação com a criança, leitura compartilhada e materiais de aprendizagem (brinquedos e panfletos informativos). O segundo grupo, chamado Building Blocks (BB), recebeu intervenção por meio de um informativo sugerindo atividades interativas para cada idade, e um material de aprendizagem. Em ambos observou-se aumento das interações entre pais e filho em comparação com o grupo controle, que recebeu apenas os cuidados pediátricos usuais. No entanto, o primeiro grupo apresentou melhores resultados. Mostrou-se que intervenções primárias no contato mãe e filho melhoram o desenvolvimento da criança, incluindo a linguagem, mesmo sem a determinação de uma idade certa para essa intervenção. Foi observado também que quanto maior o nível de escolaridade da mãe, melhores os resultados de intervenções no desenvolvimento das crianças.

A abordagem VIP envolve assistir vídeos de momentos de interação entre pais e filhos com o especialista em desenvolvimento infantil, destacando os pontos positivos e negativos da interação. Essa técnica dá suporte à relação e melhora o desenvolvimento socioemocional e da linguagem infantil. No grupo VIP são realizadas discussões que têm como tema as expectativas e preocupações dos pais sobre a criança, e há o fornecimento de um material sobre o desenvolvimento infantil. O especialista constrói uma relação de cuidado com cada família, favorecendo o desenvolvimento pleno da criança( 14 , 15 ).

Outro estudo( 15 ) também utilizou a técnica de vídeos interacionais em um programa da atenção primária. Participaram 99 crianças em risco para o desenvolvimento devido à pobreza e baixa escolaridade materna. Foi analisada a intervenção direta denominada VIP, comparada a um grupo controle. O grupo que recebeu a intervenção VIP melhorou quanto ao comportamento e ensino, e os pais se mostraram menos estressados. Concluiu-se que programas de intervenção pediátrica na atenção primária podem evoluir o desenvolvimento geral e de linguagem de crianças em situação de risco.

Uma pesquisa australiana( 16 ) incluiu 3.001 famílias de diferentes raças, etnias e línguas no programa Early Head Star, destinado a atender mulheres grávidas e famílias com bebês até três anos de idade, de baixa renda. O programa buscou avaliar quanto o desenvolvimento das crianças, bem como dos pais, melhora quando há um maior fortalecimento do vínculo nas famílias, e incluiu visitas domiciliares e a creches, orientações aos pais, apoio à educação e saúde, e realização de encaminhamentos. Os resultados mostraram que as crianças de zero a três anos de idade que haviam aderido ao programa apresentaram melhores desempenhos cognitivo e de linguagem, maior envolvimento afetivo com os pais e redução no comportamento agressivo. Já os pais que aderiram ao programa destacaram-se por oferecer maior apoio emocional, estimular o aprendizado de outras línguas, lerem mais para os filhos e apresentarem menor taxa de violência doméstica.

Seguindo na mesma linha de intervenção infantil, outro estudo incluído na presente revisão( 17 ) avaliou a eficácia de um programa de visitas domiciliares preventivas durante os primeiros 12 meses de vida de recém-nascidos pré-termos extremos e suas famílias. Verificou-se o efeito do ViBes Plus Intervention Program, um programa de intervenções no qual são abordadas as preocupações do cuidador e as estratégias utilizadas, em conjunto com o terapeuta. A equipe foi composta por um fisioterapeuta e um psicólogo, ao longo de nove sessões, que observavam aspectos como cognição, desenvolvimento motor e da linguagem e interação da criança com o cuidador. Até completarem dois anos, as crianças foram avaliadas e não houve diferença entre o grupo controle e o que recebeu a intervenção. Entretanto, os pais das que receberam a intervenção relataram que seus filhos apresentavam menos comportamentos de desajustamento emocional, além de melhor desempenho em tarefas do dia a dia. Eles ainda relataram menores índices de ansiedade e depressão.

Nesse sentido, a detecção precoce de atrasos de linguagem e o conhecimento dos fatores de risco e proteção são fundamentais para a organização de programas de intervenção na infância, os quais têm efeitos positivos no progresso escolar( 19 ). Práticas educativas inadequadas estão relacionadas a problemas no desenvolvimento cognitivo e social e no desempenho acadêmico das crianças( 20 ).

Alguns outros trabalhos geraram intervenções diretamente com os pais( 12 - 14 ). Pediatras, psicólogos e fonoaudiólogos realizaram intervenções preventivas, de baixo custo, como orientações aos pais de crianças com risco para atraso de linguagem por apresentarem vocabulário reduzido.

Em um dos estudos( 12 ), por meio de oficinas, os pais assistiram aos vídeos deles mesmos interagindo com seus filhos, observando pontos negativos e positivos e tendo informações sobre como contribuir para o desenvolvimento da criança. O programa tinha apoio de vídeos, um livro guia e oficinas, e duração de seis sessões semanais de duas horas. Aos três anos, a maioria das crianças de ambos os grupos alcançou o escore ideal nos instrumentos que mensuravam vocabulário. Embora grande parte dos pais (76%) tenha relatado satisfação com o programa, a melhora da linguagem ou vocabulário não foi significativa. Outro estudo( 13 ) realizou uma intervenção destinada a reduzir a ansiedade materna e promover maior interação entre mães de recém-nascidos de muito baixo peso, auxiliando em uma interação mais adequada e melhor desenvolvimento da linguagem. No primeiro grupo, as mães foram orientadas a observar sinais fisiológicos, cognitivos e emocionais de ansiedade e, assim, utilizar estratégias cognitivo-comportamentais para reduzir o estresse. Elas também tiveram orientações para entender pistas infantis e responder a sinais emitidos pelos seus filhos. No segundo grupo, as mães receberam informações gerais sobre os cuidados com o bebê. Ambos os grupos participaram de seis encontros com um profissional capacitado para a atividade, e as formas de intervenção reduziram a ansiedade materna e aumentaram a sensibilidade das mães, auxiliando no desenvolvimento geral e de linguagem da criança( 13 ).

Outra pesquisa teve como objetivo melhorar a saúde infantil ao longo do desenvolvimento, apoiando práticas parentais adequadas. Os resultados foram agrupados em três domínios: saúde e desenvolvimento infantil; práticas parentais; e bem-estar dos pais. A intervenção foi realizada por quatro profissionais. Um grupo recebeu visitas pós-natal e conselhos sobre desenvolvimento; outro, três visitas domiciliares estruturadas para ajudar os pais a criarem um ambiente seguro e acolhedor e receberam triagem e intervenção relacionadas a fatores de risco como a depressão, o tabagismo e a violência doméstica. Foram observados resultados positivos, especialmente no vocabulário do grupo de crianças que receberam o de profissionais( 21 ).

Uma pesquisa realizada por Sheridan et al.( 22 ) apresenta os resultados de uma intervenção que buscou o engajamento do pai ao longo da preparação para a ida a escola, com foco particular sobre a linguagem e o desenvolvimento da alfabetização. Participaram 217 crianças, 211 pais e 29 professores de 21 escolas. Foram observadas diferenças estatisticamente significativas a favor do grupo em que os pais participaram da intervenção, especialmente em relação ao uso da linguagem infantil, da leitura e das habilidades de escrita, observadas ao longo de dois anos pelos professores.

A eficácia do programa de intervenção Child First foi observada em um estudo realizado em Bridgeport, nos Estados Unidos, nas casas das famílias participantes, por meio de atendimento psicoterapêutico. Mães que apresentavam riscos e crianças com idades entre seis e 36 meses fizeram parte desta pesquisa. Nos 12 meses de seguimento, as crianças integrantes do estudo melhoram a linguagem e a habilidade de externalização em comparação às com cuidados habituais( 23 ).

Apenas um trabalho( 18 ) incluído nesta revisão contou com intervenções exclusivamente com crianças. Ele foi realizado no Reino Unido e incluiu crianças de seis e 12 anos de uma escola pública, a fim de verificar a efetividade de dois tipos de intervenção. Um grupo recebeu o modelo utilizado comumente nas escolas do Reino Unido, em que os funcionários realizam intervenções em linguagem com as crianças, após consultoria com um profissional especializado. A ação foi comparada com a do grupo que recebeu terapia fonoaudiológica usual. Os autores concluíram que este tipo de terapia, realizada por profissionais específicos, é mais eficaz do que a intervenção pelos profissionais da escola.

Na maioria dos estudos incluídos nesta revisão( 12 , 14 , 15 , 17 ) houve intervenções preventivas. A prevenção tem sido reconhecida e utilizada pela maioria dos profissionais envolvidos no processo de desenvolvimento e busca de qualidade de vida da criança. Considerando-se a importância da detecção precoce dos distúrbios no desenvolvimento infantil, deve-se priorizar a identificação das dificuldades, almejando monitorar a eficiência dos cuidados e oportunizando a intervenção precoce( 21 ).

Três estudos( 12 , 14 , 15 ) utilizaram o vídeo interacional em programas de atenção primária preventiva, uma técnica para rever pontos positivos e negativos de gravações feitas por especialistas do desenvolvimento infantil durante momentos de interação pais e filhos, como forma de mostrar aos pais como regular as suas próprias ações, aprendendo a contribuir e estimular a linguagem de seus filhos. Objetivou-se, com esta técnica, melhorar o desenvolvimento de linguagem e socioemocional dos indivíduos, sendo o baixo custo a principal vantagem( 15 ). O uso do recurso do vídeo e exibição com discussão posterior se configura como importante instrumento para a educação popular em saúde( 24 ). A importância do vídeo está no fato de as imagens poderem ser interrompidas, repetidas e gravadas. Além disso, ele pode ser transportado para qualquer lugar onde haja um aparelho reprodutor( 25 ). Além disso, a visão e as imagens são o principal meio de obtenção de informações pelo homem( 26 ).

Estudos( 14 , 15 ) realizaram intervenções verbais com jogos e leitura compartilhada, fundamentais para a preparação para a escola, já que é grande o número de crianças com nível socioeconômico inferior que ficam atrasadas no nível de leitura se comparadas à sua faixa etária. Uma pesquisa( 14 ) também utilizou materiais para auxiliar na aprendizagem, como panfletos informativos com sugestões de uso de objetos, entre eles brinquedos, livros e CD com canções de ninar. Receberam também um espelho e um jornal com atividades interativas específicas para cada idade, a fim de estimular a cognição e a linguagem verbal.

As visitas domiciliares realizadas tiveram como foco o desenvolvimento do bebê, a relação entre pais e filhos, e a saúde mental dos pais( 17 ); ensinar as mães a verem pistas fisiológicas, sinais cognitivos e comportamentais delas próprias e das crianças( 13 ), havendo significativo impacto no desenvolvimento socioemocional das crianças, sugerindo também visitas a centros especializados( 16 ). Não foi observado impacto no desenvolvimento cognitivo e de linguagem em programas que eram unicamente de visitas domiciliares, sendo melhor o resultado quando ela estava associada a outro tipo de intervenção, como a visita a centros com especialistas. A consultoria aos profissionais da escola, realizada no Reino Unido, foi comprovada menos eficaz do que a terapia direta com o fonoaudiólogo (individual ou em grupo)( 18 ), corroborando a eficácia e importância do acompanhamento de especialistas no processo de desenvolvimento infantil de crianças em risco e das que já apresentam alterações de linguagem.

Em relação aos dados sociodemográficos, apenas um estudo classificou diferentes classes econômicas( 12 ), dividindo sua amostra em três classes. Fatores sociais afetam as condições biológicas individuais, os comportamentos de risco, as exposições ambientais e o acesso a recursos de promoção à saúde( 27 ). Duas pesquisas( 14 , 16 ) selecionaram amostras de baixo nível socioeconômico. Um estudo( 15 ) contou com crianças com mães com baixa escolaridade, fato definido como fator de risco para o desenvolvimento da linguagem infantil.

Os brinquedos e os jogos disponíveis em casa, a qualidade do envolvimento materno, o número de pessoas que moram juntas e o grau de orientação intelectual e cultural dos familiares mais próximos e cuidadores estão intimamente relacionados ao desenvolvimento da linguagem( 28 ). O uso de drogas pelos pais, a pobreza e o abuso infantil ou negligência são importantes fatores de risco para o desenvolvimento infantil( 28 ). O pequeno vocabulário dos 18 aos 24 meses de idade também foi considerado risco para o desenvolvimento adequado da linguagem( 12 ). O fator socioeconômico também pode influenciar no desenvolvimento do vocabulário, mostrando que os fatores de risco estão interligados e merecem atenção especial por parte dos profissionais que trabalham com o público infantil( 29 , 30 ).

A idade das crianças participantes dos estudos esteve entre zero (incluindo o período gestacional, por meio da intervenção com gestantes) e 11 anos. Em relação ao profissional que realizava a intervenção, os estudos apresentaram-se diversificados. Destaca-se o acompanhamento de fonoaudiólogos( 12 ), psicólogos( 12 ), fisioterapeutas( 17 ) e especialistas em desenvolvimento infantil não especificados( 14 , 15 ). Nesse contexto, ressalta-se que é essencial a troca de conhecimentos entre as várias áreas profissionais envolvidas com o desenvolvimento infantil a fim de promover a interdisciplinaridade e, consequentemente, ampliar os conhecimentos dos profissionais acerca do processo de desenvolvimento, tornando o olhar deles mais abrangente sobre a criança( 31 ).

Apesar de se saber que a audição é essencial para a aquisição da linguagem oral( 32 ), nenhum dos ensaios clínicos controlados randomizados incluídos na presente revisão mencionou aspectos relacionados à audição. Há fortes razões para a realização da triagem auditiva, como o impacto da perda auditiva no desenvolvimento cognitivo, na aquisição de linguagem e na integração social( 33 ). Uma revisão dos estudos de intervenção com crianças americanas( 34 ) revelou que a perda auditiva submetida a tratamento antes dos seis meses de idade possibilita à criança melhor desenvolvimento da linguagem.

Por fim, observou-se na presente revisão que há escassez de ensaios clínicos controlados randomizados que tratem da linguagem na atenção básica, seja no Brasil ou internacionalmente. Há a necessidade de os profissionais da saúde repensarem suas práticas, direcionando-as para a visão da atenção básica e saúde coletiva( 35 ), considerando a linguagem adequada uma condição básica para uma vida com qualidade.

CONCLUSÃO

As intervenções em linguagem na atenção primária à saúde utilizadas em ensaios clínicos controlados randomizados envolvem principalmente a utilização de vídeo interacionais. Também observou-se o uso de jogos, leitura compartilhada, oficinas em grupo e visitas domiciliares, entre outras abordagens, mostrando que a intervenção com os pais resulta no melhor desenvolvimento das crianças, especialmente na área da linguagem, estejam elas em grupos com fatores de risco ou não.

As intervenções foram realizadas antes de as crianças completarem três anos de idade. Outros estudos apontam que os três primeiros anos de vida são críticos para a aquisição de informações sobre o mundo( 36 ). A intervenção precoce implementada é determinante especialmente quando se pretende obter efeitos benéficos para as crianças e suas famílias( 37 ).

Diversos profissionais, além dos fonoaudiólogos, estiveram inseridos nas intervenções em linguagem na atenção primária, como psicólogos, fisioterapeutas e assistentes sociais, demonstrando a importância do trabalho interdisciplinar entre os que trabalham com o desenvolvimento infantil. Esta atuação desenvolve um novo entendimento sobre o usuário do sistema de saúde pública, distancia-se da visão focada na doença e aponta para os aspectos de suas individualidades e das relações familiares e sociais( 38 ).

Nenhum dos estudos mencionou aspectos relacionados à audição, mas sabe-se que esta é pré-requisito para a aquisição e o desenvolvimento da linguagem, e que as perdas auditivas afetam de maneira importante o desenvolvimento da fala e da linguagem( 36 , 39 ). Como limitações deste estudo, encontra-se a opção pela inclusão apenas de ensaios clínicos controlados randomizados. Apesar de serem essenciais para a realização de uma revisão sistemática de qualidade, algum estudo relevante para a área pode ter sido excluído da presente revisão.

Observou-se a escassez de ensaios clínicos controlados randomizados que tratem da linguagem na atenção primária à saúde, não sendo encontrada nenhuma publicação no Brasil sobre esse tipo de intervenção, e poucas publicações internacionais. Sugere-se, assim, a realização de mais estudos, em situações ideais de pesquisa, a fim de instrumentalizar os profissionais que atuam na atenção primária, oportunizando não só a identificação precoce e intervenção adequada, mas também a prevenção de alterações na linguagem infantil e no desenvolvimento geral das crianças.

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