versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.109 no.3 São Paulo set. 2017 Epub 20-Jul-2017
https://doi.org/10.5935/abc.20170107
A obesidade infantil é um importante problema de saúde no mundo. Nesse contexto, há uma necessidade para o desenvolvimento e a avaliação de intervenções educativas inovadoras que objetivem a prevenção e a formação de hábitos saudáveis.
Avaliar o impacto de workshops lúdicos sobre o conhecimento, autocuidado, e peso corporal de crianças.
Esse foi um estudo clínico randomizado, com 79 estudantes com idade entre 7 e 11 anos. Medidas antropométricas foram coletadas, e dois questionários (DAFA, Dia Típico de Atividades Físicas e de Alimentação e o CARDIOKIDS, um questionário de conhecimento sobre fatores de risco cardiovasculares) foram aplicados no basal, ao final da intervenção, e três meses depois. A intervenção consistiu em oito workshops lúdicos, que incluiu a apresentação de uma peça de teatro.
Setenta e nove estudantes foram randomizados para o grupo intervenção (n = 40) ou para o grupo controle (n = 39). A idade média foi 10 ± 1,1 anos. Após oito semanas, o grupo intervenção mostrou uma melhora significativa no escore de conhecimento (p < 0,01). Houve um aumento nos escores de atividade física em ambos os grupos, mas sem diferença entre os grupos no final da intervenção (p=0,209). Observou-se uma redução no percentil do IMC no grupo intervenção, mas não houve diferença estatística entre os grupos após a intervenção.
Intervenções lúdicas podem melhorar o conhecimento e níveis de atividade física em crianças e, quando combinadas com outras estratégias, podem ser benéficas na prevenção da obesidade e melhoria do autocuidado.
Palavras-chave: Criança; Obesidade Pediátrica; Atividade Motora; Jogos Recreativos; Conhecimento; Ensaio Clínico Controlado Aleatório como Assunto
Childhood obesity is an important health problem worldwide. In this context, there is a need for the development and evaluation of innovative educational interventions targeting prevention and formation of health habits.
To ascertain the impact of ludic workshops on children’s knowledge, self-care, and body weight.
This was a randomized, clinical study with 79 students aged 7-11 years, conducted from March to November 2012. Anthropometric measurements were collected and two questionnaires (Typical Day of Physical Activities and Food Intake, in Portuguese, and the CARDIOKIDS, a questionnaire of knowledge about cardiovascular risk factors) were applied at baseline, at the end of intervention, and three months thereafter. The intervention consisted of eight playful workshops, which involved the presentation of a play.
Seventy-nine students were randomized to the intervention (n = 40) or the control group (n = 39). Mean age was 10.0 ± 1.1 years. After eight weeks, the intervention group showed significant improvement in the knowledge score (p < 0.001). There was an increase in physical activity scores in both groups, but with no difference between the groups at the end of intervention (p = 0.209). A reduction in the BMI percentile was observed in the intervention group, but there was no significant statistical difference between the two groups after the intervention.
Playful interventions may improve knowledge and physical activity levels in children and, when combined with other strategies, may be beneficial to prevent child obesity and improve self-care.
Keywords: Child; Pediatric Obesity; Motor Activity; Games, Recreational; Knowledge; Randomized Controlled Trial as Topic
A obesidade infantil é um problema de saúde importante em todo o mundo.1,2 Um estudo incluindo 144 países projetou um aumento de excesso de peso de 4,2% em 2010 para 9,1% (60 milhões de crianças) em 2020; dessas, 35 milhões serão de países em desenvolvimento.3,4
Apesar de fatores genéticos influenciarem na susceptibilidade ao ganho de peso, existe um consenso de que um estilo de vida sedentário, práticas dietéticas inadequadas, e mudanças na estrutura familiar contribuem para essa epidemia.2 A urbanização e outros fatores ambientais trazem mudanças de hábitos profundas, especialmente em relação aos hábitos alimentares e atividade física.5,6 No Brasil, a globalização econômica e da mídia contribuíram para mudanças significativas em relação à dieta (com aumento no uso de alimentos processados e ultraprocessados, em detrimento a preparações mais tradicionais) e a hábitos familiares, como fazer todas as refeições juntos.3
O número de crianças entre 5 e 9 anos de idade com excesso de peso aumentou mais que o dobro de 1989 a 2009,3 indo de 15% a 34,8%, ao passo que o número de crianças obesas da mesma idade aumentou 30%, de 4,1% a 16,6%.4
Estudos mostram uma associação entre obesidade infantil e fatores de risco para o desenvolvimento de doenças crônicas tais como diabetes mellitus, hipertensão, dislipidemia e outras doenças cardiovasculares.7-11 Assim, há uma necessidade urgente de se focar em prevenção precoce. Estratégias de promoção precoce de saúde com orientação nutricional e de atividade física aumentaram o conhecimento e melhoraram o autocuidado de pacientes com condições crônicas.1,12,13 Contudo, estudos sobre intervenções educacionais para a prevenção da obesidade em crianças são heterogêneos e geram diferentes resultados.14-20 Uma metanálise recente de intervenções educacionais para crianças obesas e não obesas mostraram resultados positivos em relação à redução da pressão sanguínea e circunferência da cintura, porém efeitos menos claros em relação ao índice de massa corporal (IMC).18,19
Neste contexto, existe uma necessidade de se desenvolver e avaliar intervenções educativas inovadoras, que visem a prevenção e a formação de hábitos saudáveis. Nós desenvolvemos uma intervenção educacional de baixo custo, baseada em workshops lúdicos para crianças, em um local de baixa renda e que poderia ser útil em muitos contextos em todo o mundo. O objetivo do presente estudo foi avaliar o impacto dessa intervenção sobre o conhecimento, nível de atividade física, e IMC de crianças em uma comunidade de baixa renda em um país em desenvolvimento.
Este foi um estudo randomizado em grupos, controlado, conduzido entre março a novembro de 2012. Setenta e nove estudantes de quatro turmas participaram do estudo, e foram divididos aleatoriamente em dois grupos com duas turmas cada. Quarenta estudantes foram alocados no grupo intervenção e 39 no grupo controle. O estudo foi registrado no Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos, sob o código RBR-8f6wr7 (http://www.ensaiosclinicos.gov.br/rg/RBR-8f6wr7/). Todos os pais assinaram o termo de consentimento.
Os critérios de inclusão foram crianças com idade entre 7 e 11 anos, que participaram de um programa filantrópico para crianças de baixa renda, durante os horários extraescolares, na cidade de Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul, no sul do Brasil. Todas as crianças eram saudáveis e matriculadas em escolas regulares.
Os critérios de exclusão foram doenças clínicas que impediriam a participação no programa ou avaliação antropométrica. Nenhuma criança apresentou qualquer dessas condições e, portanto, não houve exclusões após a assinatura do termo de consentimento.
Após a randomização, 6 crianças no grupo intervenção e 5 no grupo controle saíram do estudo por se mudarem para outras escolas ou se recusarem a continuar no estudo. Assim, resultaram 40 crianças no grupo intervenção e 39 no grupo controle. Todas as crianças compareceram a todas as sessões e completaram o estudo. Para as crianças que não puderam comparecer em um dia específico, foi reagendado outro dia.
Uma tabela com números aleatórios representando cada turma foi criada por um pesquisador que não estava relacionado ao estudo, com auxílio da ferramenta disponível em www.randomization.com. Esses números foram colocados em envelopes marrons e fechados. Após a inclusão de todos os participantes, um pesquisador também não relacionado ao estudo abriu os envelopes e as turmas foram alocadas aos braços intervenção ou controle (randomização em grupo).
A intervenção consistiu em oito workshops semanais com duração entre 30 e 60 minutos cada. Os workshops incluíram colagem, pintura, criação de jogos, atividade física, música e dança, e simulações de situações da vida real. Todas as atividades envolveram a importância de hábitos saudáveis para a saúde do coração, especialmente em relação a alimentos saudáveis e atividade física. O mesmo pesquisador (FHC, um enfermeiro registrado) realizou todas as atividades na sala de aula ou no pátio da escola. Os workshops estão descritos no quadro 1.
Quadro 1 Os Workshops.
Workshop 1 | Os estudantes foram divididos em pequenos grupos de quatro pessoas. A tarefa proposta foi de os grupos fazerem colagens que representassem alimentos saudáveis e não saudáveis, usando revistas antigas, sempre sob a orientação do tutor. Após concluírem a tarefa, todos os grupos discutiam sobre o tema. |
Workshop 2 | As crianças representaram um coração saudável e "todas as coisas de que um coração saudável gosta" em uma peça de teatro criada pelo grupo. |
Workshop 3 | Os alunos discutiram a importância da atividade física e representaram, por meio de desenhos e outros materiais, as atividades de que mais gostavam. |
Workshop 4 | Desenhos e colagens sobre alimentos saudáveis e não saudáveis. |
Workshop 5 | Aula de dança com música. |
Workshop 6 | Os alunos mostraram algumas das atividades físicas de que mais gostavam e discutiam, em grupo, maneiras de realizá-las mais frequentemente. |
Workshop 7 | As crianças criaram um "jogo da memória" usando materiais recicláveis. O jogo continha figuras de alimentos saudáveis e diferentes atividades físicas. Esse material foi posteriormente usado pelo professor durante as aulas, por cerca de 10 minutos diariamente. |
Workshop 8 | O pesquisador trouxe à sala de aula, alimentos como frutas, chocolate, vegetais, óleo, ovos, sal e açúcar. Para cada alimento, os alunos discutiram suas propriedades, desenhavam pequenos corações felizes ou infelizes caso o alimento fosse considerado saudável ou não. Em todos os casos, discutiu-se que todos os alimentos possuem características "boas" e "não tão boas", e que era importante atentar-se às quantidades e à frequência de consumo. |
Fonte: Cecchetto,Pellanda 2013
No mesmo período, o grupo controle mantiveram suas atividades habituais de matemática, línguas e música, com seu professor na sala de aula. Eles também tiveram aulas habituais de educação física, incluindo futebol, capoeira e tênis.
O desfecho primário foi o aumento no conhecimento sobre hábitos saudáveis e fatores de risco para doença cardiovascular, medido pelo questionário CARDIOKIDS (versão validade em português, ver abaixo) imediatamente após e quatro semanas após a intervenção.
Desfechos secundários foram mudança nos níveis de atividade física e índice de massa corporal imediatamente após a intervenção.
Foram usados dois questionários estruturados no estudo.
Foi utilizada a versão em português do DAFA - Dia Típico de Atividades Físicas e de Alimentação - um questionário ilustrado e estruturado, desenvolvido por um grupo de pesquisadores brasileiros com o objetivo de se obter informações sobre hábitos semanais de atividade física em crianças com idade de sete a onze anos.21 O instrumento contém 36 ilustrações de atividades físicas em diferentes intensidades e um sistema de pontuação foi desenvolvido para resumir as respostas. De um total de 141 pontos, valores abaixo de 36 são classificados como “menos ativo”, 37 a 58 como “intermediário”, e 59 a 141 como “mais ativo”.
O questionário sobre o conhecimento a respeito de hábitos saudáveis e fatores de risco cardiovasculares (CARDIOKIDS) também foi desenvolvido no Brasil e validado para crianças de 7 a 11 anos. O instrumento contém 12 questões ilustradas, divididas em duas dimensões: hábitos saudáveis (alimentação saudável e atividade física), e fatores de risco para doenças cardiovasculares. As opções de respostas consistem em três faces: “feliz” (bom para o coração), “triste” (ruim para o coração), e “neutro” (não sei). Pontuações de 11 a 12 respostas corretas foram consideradas como “conhecimento excelente”, 8-10 respostas corretas foram consideradas “bom conhecimento”, e pontuações abaixo de 7 respostas corretas foram consideradas “conhecimento insuficiente”.22
A coleta de dados ocorreu em três momentos entre março e novembro de 2012, iniciando logo após a obtenção do termo de consentimento assinado pelos pais dos estudantes.
No momento basal, foram realizadas medidas antropométricas (peso e altura), e aplicados dois questionários (DAFA e CARDIOKIDS). Os mesmos parâmetros foram medidos logo após a intervenção. Doze semanas após o término do programa, o questionário CARDIOKIDS foi novamente aplicado para avaliação da retenção do conhecimento.
As medidas antropométricas foram obtidas de acordo com as recomendações da Organização Mundial da Saúde.23 Para aferição do peso, os participantes foram solicitados para retirarem seus sapatos e roupas pesadas. Foi utilizada uma balança digital Plenna Wind, com capacidade máxima de 150 kg, graduação de 100 g, juntamente com um estadiômetro com capacidade de 192 cm. O peso e a altura foram medidos em duplicata por um dos pesquisadores. Crianças acima do percentil 85 do IMC foram consideradas com sobrepeso, e acima do percentil 95 foram consideradas obesas.24
O tamanho da amostra baseou-se em resultados prévios de um estudo piloto com 38 indivíduos, em que foi observada uma média de oito (e desvio padrão de 2,0) respostas corretas no questionário CARDIOKIDS. Nós estimamos um aumento de 30% na pontuação do conhecimento no grupo intervenção com um poder de 95% e nível de significância de 0,05, resultando em uma amostra mínima de 44 participantes (22 em cada grupo). Considerando possíveis perdas durante o estudo e o efeito do agrupamento, planejou-se uma amostra total de 40 participantes para cada grupo. A análise e o processamento de dados foram realizados utilizando-se o programa de estatística IBM SPSS, versão 14.0. Variáveis contínuas foram expressas em médias e desvios padrões, e variáveis categóricas em frequências relativa e absoluta. A normalidade dos dados foi avaliada por histogramas e pelo teste de Kolmogorov-Smirnof. Para comparações entre grupos após a intervenção, utilizamos o teste t para amostras pareadas para variáveis contínuas, e o teste do qui-quadrado para variáveis categóricas. Foram usadas equações de estimação generalizadas (GEE, generalized estimating equations) para comparações entre grupos e intragrupos ao longo dos diferentes períodos (basal, imediatamente após e 12 semanas após a intervenção), ajustando-se para idade e sexo. O ajuste de Bonferroni foi usado para identificar diferenças na análise pareada. ANOVA de medidas repetidas foi usada para a comparação de diferentes tempos entre os grupos. Em todas as comparações, um valor de p < 0,05 foi considerado significativo.
A instituição recebe um total de 185 alunos de 7 a 11 anos de idade. Os pais ou responsáveis de 25 crianças não assinaram o termo de consentimento, e 70 crianças não preencheram os critérios de inclusão. Assim, uma amostra total de 90 crianças foi incluída, 46 no grupo intervenção e 44 no grupo controle.
A Figura 1 apresenta o fluxograma segundo CONSORT (www.consort-statement.org.). A Tabela 1 contém características basais do grupo intervenção e do grupo controle. Os estudantes do grupo controle eram mais velhos (p = 0,007) e mais propensos a estarem na 5ª e 6ª séries (p < 0,001) que estudantes do grupo intervenção. A maioria das crianças foi classificada como menos ativas.
Tabela 1 Características basais dos estudantes nos grupos intervenção e controle
Participantes (n = 79) | Intervenção (n = 40) | Controle (n = 39) | p | |
---|---|---|---|---|
Idade média ± SD | *9,3 ± (1,4) | 10,03 ± (1,1) | 0,007 | |
Sexo n (%) | 0,730 | |||
Feminino | *20 (50%) | 22 (56,4%) | ||
Masculino | 20 (50%) | 17 (43,6%) | ||
Etnia n (%) | **1,000 | |||
Caucasianos | 30(75%) | 29(74,4%) | ||
Africanos | 10(25%) | 10(25,6%) | ||
Escolaridade atual n (%) | 0,001 | |||
Série 2-4 | 23 (57,5%) | 10 (25,7%) | ||
Série 5-6 | 17 (42,5%) | 29 (74,4%) | ||
Altura (cm) média ± DP | 136,9 ± (11,5) | 141,7 ± (8,7) | ***0,041 | |
Peso (kg) média ± DP | 36,7 ± (12,5) | 38,1 ± (10,6) | 0,571 | |
IMC (kg/m2) média ± DP | 19,1 ± (3,8) | 19,2 ± (4,5) | 0,875 | |
Estado nutricional n (%) | 0,952 | |||
< percentil 85 | 25(62,5%) | 24(61,5%) | ||
≥ percentil 85 (sobrepeso) | 6(15%) | 7(18%) | ||
> percentil 95 (obeso) | 9(22,5%) | 8(20,5%) | ||
Atividade física (classificação DAFA) n (%) | 0,209 | |||
Menos ativo | 30(75%) | 28(71,8%) | ||
Intermediário | 8(20%) | 10 (25,6%) | ||
Mais ativo | 1(5%) | 1(2,7%) |
Fonte: Cecchetto e Pellanda 201422
Variáveis contínuas são expressas em média e desvio padrão e variáveis categóricas em frequências absolutas e relativas.
**teste do qui-quadrado.
***teste t pareado.
A Tabela 2 apresenta a pontuação do conhecimento antes e após a intervenção educativa. Os resultados apontam que ambos os grupos possuíam bom conhecimento antes do período de intervenção, de acordo com ambas as dimensões do questionário. No entanto, houve uma diferença significativa entre os grupos após a intervenção devido a um aumento na pontuação no grupo intervenção. Na 12ª semana de avaliação, os resultados mostraram uma diminuição na pontuação do conhecimento no grupo intervenção, mas mantendo-se uma diferença significativa em relação ao grupo controle (Figura 2).
Tabela 2 Dimensão do conhecimento antes, imediatamente após e 12 semanas após a intervenção ou atividades no grupo controle
Antes da intervenção | Após a intervenção | 12 semanas após a intervenção | p * | Variação antes-imediatamente após (IC95%) | Variação antes -12 semanas após (IC95%) |
||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Média (EP)** | Média (EP)** | Média (EP)** | |||||
Dimensão:Hábitos saudáveis | Intervenção (n = 40) | 4,2(0,3) | 5,6(0,2) | 5,2(0,2) | < 0,001 | 1,4(0,9 - 2,0) | 1,0(0,3 - 1,6) |
Controle (n = 39) | 4,1(0,3) | 4,1(0,2) | 4,1(0,2) | 0,02(-0,6 - 0,6) | 0,04(-0,6 - 0,7) | ||
Dimensão:Fatores de risco | Intervenção (n = 40) | 5,2(0,2) | 5,6(0,1) | 5,7(0,1) | 0,129 | 0,5(-0,01 - 1,0) | 0,5(0,03 - 1,0) |
Controle (n = 39) | 5,3(0,2) | 5,4(0,1) | 5,4(0,1) | 0,04(-0,5 - 0,5) | 0,04(-0,5 - 0,5) |
Fonte: Cecchetto e Pellanda 201422
*Interação entre grupo e tempo - Anova - medidas repetidas.
**Médias ajustadas (idade e sexo) e erros padrões (EP)
Figura 2 Comparação do conhecimento antes, imediatamente após e 12 semanas após a intervenção. Valor de p para diferenças entre os grupos: 0,016; valor de p para diferenças entre imediatamente após e 12 semanas após a intervenção em comparação ao basal no grupo intervenção: p < 0.001; valor de p para diferenças entre imediatamente após e 12 semanas após a intervenção em comparação ao basal no grupo controle; valor de P para interação entre grupo e tempo: 0,002.
A Tabela 3 apresenta os resultados dos percentis de IMC e de atividade física antes e após a intervenção. Não houve diferenças nos percentis de IMC. Após a intervenção, ambos os grupos mostraram um aumento significativo no nível de atividade física do basal (p < 0,001), mas não houve diferença significativa entre os grupos após a intervenção (p = 0,804).
Tabela 3 Comparação entre grupos antes e após o período de intervenção: IMC e pontuação de atividade física, n = 79
Variáveis | Intervenção (n = 40) Média (IC 95%) | Controle (n = 39) Média (IC 95%) |
---|---|---|
IMC (kg/m2) | ||
Antes | 70,9 (62,5; 79,3) | 62(52,0; 72,0) |
Depois | 69,9 (61,9; 77,9) | 63,8 (54,5; 73,1) |
Diferença média (IC 95%) | - 1,0 (-3,7; 1,6) | 1,8 (-1,0; 4,8) |
Diferença entre grupos: p = 0.240**
Interação entre grupo e tempo: p = 0.669 |
||
Atividade física (pontuação) | ||
Antes | 31,9 (26,7; 37,1) | 27,3 (22,6; 32,0) |
Depois | 34,1 (29,2; 39,0) | 29,7 (24,9; 34,5) |
Diferença média (IC 95%) | 2,2 (1,0; 3,4) | 2,4 (1,5; 3,3) |
Diferença entre grupos: p = 0,201 Interação entre grupo e tempo: p = 0,804 |
Fonte: Cecchetto e Pellanda 201422
**teste do qui-quadrado. IMC: índice de massa corporal.
Este estudo randomizado controlado mostrou que uma intervenção educativa baseada em atividades lúdicas foi efetiva em aumentar a pontuação de atividade física e o conhecimento sobre hábitos saudáveis e fatores de risco para doenças cardiovasculares.
O meio ambiente escolar é considerado um bom local para a promoção da saúde, pois permite alcançar tanto crianças como adolescentes.11 Atividades lúdicas sobre temas de saúde são oportunidades que facilitam a troca de experiências e de conhecimento, empoderando a criança para cuidar de sua própria saúde.
Isso é cada vez mais importante em um contexto de crescente prevalência de doenças crônicas e hábitos não saudáveis em fases precoces da vida. Em conformidade com esse contexto, aproximadamente 38% desta amostra de escolares estava com sobrepeso.7,25 No sul do Brasil, 28% das crianças com idade entre 11 e 18 anos estavam com sobrepeso, e 10% eram obesas.6
Em nosso estudo, ambos os grupos tinham conhecimento prévio sobre hábitos saudáveis e fatores de risco cardiovasculares antes das intervenções educativas, sem diferença estatística entre os grupos no basal. Uma possível explicação para esses resultados é o fato de que, recentemente, as escolas e a mídia tornaram-se mais preocupadas em dar orientações sobre nutrição e a importância das atividades físicas para melhor qualidade de vida e prevenção de doenças cardiovasculares e obesidade. No entanto, esses dados sugerem que atividades lúdicas podem ser uma boa estratégia educacional para os estudantes, e que o conhecimento sobre hábitos saudáveis e fatores de risco cardiovasculares está presente entre estudantes dessa faixa etária.
Um estudo recente conduzido com professores e estudantes com idade entre 5 e 10 anos na capital brasileira, Brasília, mostrou que, após intervenções nutricionais, houve um aumento no conhecimento de 61% para 74% em crianças, e um aumento similar entre os professores.26 Um estudo realizado no sul do Brasil em 2005, com crianças com IMCs maiores, mostrou que esses estudantes têm menos conhecimento e menos hábitos dietéticos saudáveis que aqueles observados no presente estudo.27 Outro estudo recentemente publicado, realizado com 464 estudantes na região norte de Portugal entre novembro de 2008 e março de 2009, usando intervenções baseadas no Modelo de Promoção da Saúde e na teoria cognitiva, mostrou resultados satisfatórios em relação a mudanças nos hábitos dietéticos de crianças no grupo intervenção.28 Portanto, acredita-se que um maior conhecimento pode melhorar o autocuidado relacionado ao controle de peso e mudanças de hábitos dietéticos.
A avaliação dos percentis do IMC não mostrou uma diferença estatisticamente significativa entre os grupos no final do período de intervenção, mas houve uma pequena redução no percentil no grupo intervenção, juntamente com um pequeno aumento no grupo controle. Estudos envolvendo intervenções em escolas, para prevenção e tratamento da obesidade, mostraram resultados controversos,19 especialmente em populações não selecionadas compostas de crianças com peso normal ou sobrepeso. Nessas condições, é mais difícil detectar mudanças no IMC, uma vez que uma grande parcela da população não necessita perder peso. Deve-se também considerar a heterogeneidade das intervenções quanto ao tipo, duração, e número das atividades.19,29 Também é possível que intervenções mais prolongadas e abrangentes mostrem resultados mais positivos em relação a mudanças no IMC.30 A análise dos dados basais mostraram que os dois grupos eram homogêneos em relação a sexo, etnia, peso, atividade física e conhecimento, no entanto o grupo intervenção era mais velho que o grupo controle.31
Também é importante enfatizar que o uso do IMC como um desfecho a ser alcançado é controverso. É uma medida insensível a mudanças na composição corporal (p.ex., ganho de massa magra) e não considera possíveis diferenças étnicas e de tipo corporal. Além disso, o desfecho mais importante em crianças pode ser mudança de hábitos permanente, e não o IMC.
Em relação à atividade física, nossos resultados são similares a de vários outros estudos, em que observam-se baixos níveis de atividade física na maioria desta população. Outros estudos conduzidos em outras regiões do Brasil em 2004 mostraram que 40-67% das crianças e 61% dos adolescentes são sedentários.29,32 Mudanças no estilo de vida de famílias e estudantes, em que televisão, videogames e computador tornaram-se a principal fonte de entretenimento entre crianças e jovens contribuem para esses números. Ainda, a violência urbana, especialmente em locais de baixa renda, foi descrita como uma barreira para crianças envolverem-se em esportes e outras atividades ao ar livre.32
Após a intervenção, observamos um aumento na atividade física em ambos os grupos. Tal fato pode ser devido à contaminação (crianças no grupo intervenção que se tornaram mais ativas podem ter influenciado crianças no grupo controle) ou a mudanças climáticas. Enquanto a intervenção começou durante o inverno, o qual é chuvoso e com temperaturas em torno de 10ºC em Porto Alegre, a segunda avaliação ocorreu durante um clima mais quente.
Programas realizados com estudantes que visam aumentar o nível de atividade física e fornecer orientação dietética mostraram bons resultados,1,32 mas existem controvérsias sobre qual a melhor intervenção a ser aplicada. Isso pode ser devido ao fato de que esses programas são aplicados a vários grupos com muitas diferenças culturais e ambientais, e que as intervenções necessitam ser adequadas a esses fatores.
Deve-se também enfatizar que o conhecimento é fundamental para motivar mudança, mas não é o suficiente para causar uma mudança persistente. Estratégias de educação e saúde envolvendo atividades lúdicas podem melhorar o autocuidado, mas devem ser realizadas em conjunto com outras estratégias. O aumento do conhecimento é o primeiro passo em qualquer estratégia abrangente de prevenção, empoderando a criança a cuidar da própria saúde.
Este estudo possui algumas limitações que merecem ser mencionadas. Primeiramente, o estudo foi conduzido em uma instituição com poucos recursos socioeconômicos, o que torna difícil a aplicação desses dados em outras populações. A segunda limitação está relacionada a não participação dos pais dos alunos no estudo, uma vez que estudos recentes relatam resultados satisfatórios das estratégias que incluem os membros da família. Além disso, o período de intervenção de oito semanas pode ser muito curto para se detectar mudanças significativas nos hábitos que resultem em perda de peso. Finalmente, houve uma diferença de escolaridade entre os grupos, com mais crianças do grupo controle pertencentes a séries mais avançadas. Contudo, tal diferença reduziria as diferenças entre os grupos após a intervenção, alterando, assim, os resultados em direção oposta à nossa hipótese.
Nossos resultados mostram que uma intervenção simples, de baixo custo, consistindo em atividades educativas lúdicas realizadas na escola, com crianças de baixa renda, pode melhorar o conhecimento sobre hábitos saudáveis e sobre fatores de risco cardiovasculares, e ser útil para o planejamento de estratégias preventivas em ambientes similares.