Compartilhar

Introdução de alimentos complementares em lactentes

Introdução de alimentos complementares em lactentes

Autores:

Lilian Cordeiro de Queirós Moreira,
Elizabeth Brauninger e Oliveira,
Lucia Hitomi Kamata Lopes,
Mariana Ercole Bauleo,
Flavio Sarno

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.17 no.3 São Paulo 2019 Epub 16-Maio-2019

http://dx.doi.org/10.31744/einstein_journal/2019ao4412

INTRODUÇÃO

O aleitamento materno exclusivo (AME) é recomendado pela Organização Mundial da Saúde até os 6 meses de idade, com a continuidade da amamentação junto de alimentos complementares até 2 anos ou mais.(1)

Estudos da literatura têm demonstrado os benefícios da amamentação, tanto para o lactente, quanto para a mãe. Porém, em países de baixa e média rendas, apenas 37% dos lactentes com menos de 6 meses de idade são amamentados exclusivamente.(2) Nos países da América Latina e do Caribe, as prevalências de AME apresentaram valores bastante variados nos últimos anos (de 7,8% a 68,3%), entretanto, com aumentos destas proporções na maioria dos estudos avaliados.(3)

O Ministério da Saúde do Brasil também recomenda o aleitamento materno por 2 anos ou mais, sendo exclusivo nos primeiros 6 meses.(4) Porém, apesar do aumento da prevalência, a prática no país também está aquém do recomendado. Segundo as bases de dados de pesquisas brasileiras realizadas entre 1975 e 2008, a prevalência do AME em menores de 6 meses passou de 3,1% para 41,0% neste período.(5)

Em relação à alimentação complementar, globalmente, estima-se que, entre 2010 e 2016, 29% das crianças com até 4 a 5 meses de idade tenham recebido alimentos sólidos, semissólidos ou macios, sendo que, na América Latina e no Caribe, este valor foi de 48%.(6)

No Brasil, dados da pesquisa nacional de demografia e saúde de 2006 e 2007 mostraram que 40,1% dos lactentes menores de 6 meses já tinham recebido outros leites, e o leite de vaca e a fórmula infantil foram consumidos por 62,4% e 23% dos lactentes, respectivamente.(7) Estudo sobre as práticas alimentares de crianças no primeiro ano de vida, ocorrido no Rio de Janeiro (RJ) entre 1998 e 2008, mostrou que, para lactentes com menos de 6 meses de idade, houve tendência de queda significativa nas frequências dos quatro indicadores avaliados: 26% para leite que não o materno, 44% para água ou chá, 38% para fruta ou suco de fruta e 31% para qualquer outro alimento. Apesar destas reduções, a introdução de qualquer item alimentar antes dos 6 meses de idade, além do leite materno, ainda foi observada em mais da metade dos lactentes (56,3%) em 2008.(8)

Dessa forma, é importante conhecer as práticas alimentares de lactentes, com vistas a contribuir para a promoção do AME e a adequada alimentação complementar.

OBJETIVO

Analisar a frequência, a idade e a tendência temporal da introdução da alimentação complementar de lactentes.

MÉTODOS

Trata-se de estudo retrospectivo realizado entre os anos de 2012 a 2015, com os dados sobre a introdução de alimentos e bebidas de lactentes atendidos no setor de nutrição do Programa de Atenção aos Bebês (PAB) do Programa Einstein na Comunidade de Paraisópolis.

O PAB desenvolve atividades educativas para a promoção da saúde de crianças de zero a 2 anos, de forma complementar à puericultura realizada nas Unidades Básicas de Saúde. A participação no PAB era voluntária e todos os lactentes, a partir do quarto mês de idade, que estivessem com fórmula infantil e aqueles com 6 meses de idade em AME eram encaminhados para orientações em oficinas educativas conduzidas por nutricionistas. Entretanto, quando se identificava a introdução de algum item alimentar antes do quarto mês, o lactente já era encaminhado para a orientação nutricional adequada para a idade, com o reforço da AME ou da oferta da fórmula infantil.

Os dados sobre alimentação complementar foram coletados na avaliação inicial das oficinas educativas, por meio de formulário específico, com questões sobre o consumo ou não de cada tipo de alimento e, nos casos positivos, suas respectivas idades de introdução. Estas informações foram obtidas durante entrevistas em grupo com os responsáveis pelos lactentes. Foram avaliados os itens fórmula infantil, leite de vaca, água, chá, suco, fruta, almoço, jantar e outros alimentos, categorizados como alimentos processados (engrossantes, biscoitos, iogurtes, bebidas − água de coco, refrigerante e suco artificial −, açúcar/mel, papa industrializada e doces).

A distribuição de frequências das variáveis quantitativas foi verificada por histogramas e boxplots. Variáveis qualitativas estão descritas por frequências absolutas e relativas, e as variáveis quantitativas, por medianas e intervalos interquartis, pois não se verificaram distribuição normal de frequências. Foi utilizada análise de sobrevivência para avaliar o tempo de introdução de cada alimento. O tempo foi contado em meses, a partir do nascimento do lactente até a idade de introdução do alimento, informado pelo responsável no momento da avaliação inicial. Caso o alimento ainda não tivesse sido introduzido, considerou-se o tempo do nascimento até o momento desta avaliação como um tempo livre da ocorrência do evento, o que caracterizou censura e implicou em não se considerar mais o lactente nas análises a partir desta idade. As comparações dos tempos de introdução dos alimentos entre os anos do estudo foram conduzidas por meio de curvas de Kaplan-Meier e testes de Log-rank de tendências. As curvas de Kaplan-Meier apresentam, para cada mês de idade de introdução, a estimativa da porcentagem de lactentes que já tinham consumido ou que passaram a consumir cada tipo de alimento. O teste de Log-rank de tendências compara as curvas de Kaplan-Meier, obtidas em cada um dos anos de estudo, verificando se houve tendência de aumento ou diminuição nas proporções de introdução de cada alimento entre os anos. As análises foram conduzidas com o auxílio dos pacotes computacionais R 3.1.3 e survival, com nível de significância de 5%.

A pesquisa foi aprovada pelos Comitês de Ética em Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein, CAAE: 57332816.5.0000.0071 e da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, CAAE: 57332816.5.3001.0086.

RESULTADOS

Compuseram a amostra deste estudo as informações sobre as características da alimentação complementar de 700 lactentes no período de 2012 a 2015. A idade dos lactentes na avaliação inicial variou de 2,9 meses a 7,7 meses, com mediana de 5,5 meses. A tabela 1 apresenta as frequências de distribuição dos lactentes, segundo as idades na avaliação inicial e os anos da avaliação.

Tabela 1 Distribuição dos lactentes, segundo as idades na avaliação inicial e os anos do estudo 

Ano da avaliação Idade (meses) Total
2,9<4,0 ≥4,0<5,0 ≥5,0<6,0 ≥6,0<7,0 ≥7,0
2012 4 (3,0) 47 (35,3) 52 (39,1) 30 (22,6) 0 (0) 133 (19,0)
2013 3 (1,9) 48 (30,6) 52 (33,1) 48 (30,6) 6 (3,8) 157 (22,4)
2014 3 (1,6) 48 (25,5) 74 (39,4) 63 (33,5) 0 (0) 188 (26,9)
2015 8 (3,6) 89 (40,1) 66 (29,7) 54 (24,3) 5 (2,3) 222 (31,7)
Total 18 (2,6) 232 (33,1) 244 (34,9) 195 (27,9) 11 (1,6) 700 (100)

Resultados expressos como n (%).

Na amostra geral, a água representou o complemento mais utilizado (80,0%), seguida pela fórmula infantil (64,1%) e pelo suco (51,1%). Em relação ao início da alimentação complementar, água, fórmula infantil e chá foram os primeiros a serem introduzidos, com mediana de 3 meses. Destaca-se que quase um quinto dos lactentes já tinha recebido alimentos processados. Porém, alguns deles iniciaram o consumo de mais de um tipo destes alimentos em diferentes idades, não sendo possível calcular conjuntamente a data de início (Tabela 2).

Tabela 2 Distribuição dos itens alimentares e idades do início da introdução 

Itens alimentares n (%) Introdução (meses) [IIQ]
Fórmula infantil 3,0 [1,0-4,0]
Não 251 (35,9)
Sim 449 (64,1)
Leite de vaca 4,0 [3,0-5,0]
Não 627 (89,6)
Sim 73 (10,4)
Água 3,0 [2,0-4,0]
Não 140 (20,0)
Sim 560 (80,0)
Chá 3,0 [2,0-4,0]
Não 632 (90,3)
Sim 68 (9,7)
Suco 4,0 [4,0-5,0]
Não 342 (48,9)
Sim 358 (51,1)
Fruta 5,0 [4,0-5,0]
Não 360 (51,4)
Sim 340 (48,6)
Almoço 5,0 [4,0-5,0]
Não 512 (73,1)
Sim 188 (26,9)
Jantar 5,0 [4,0-5,0]
Não 669 (95,6)
Sim 31 (4,4)
Alimentos processados --
Não 563 (80,4)
Sim 137 (19,6)
Total 700 (100)

IIQ: Introdução expressa em mediana e intervalo interquartil.

As tabelas 3 e 4 apresentam, em cada mês de idade de introdução, as proporções de lactentes que receberam ou que já tinham recebido os itens alimentares avaliados. Os alimentos líquidos mais precocemente introduzidos foram fórmula infantil (13,9%) e água (11,3%). A água apresentou tendência de aumento significativo ao longo dos anos, passando de 72,8%, em 2012, para 91,1%, em 2015, nos lactentes com idade de introdução de 6 meses. Não observamos tendências significativas de modificações na introdução dos outros alimentos líquidos.

Tabela 3 Distribuição dos lactentes, segundo a idade de introdução (meses) de alimentos líquidos e os anos do estudo 

Alimentos/anos Idade de introdução do alimento (meses) Valor de p
0 1 2 3 4 5 6
Água (n=692) 0,008
2012 6,1 12,1 24,2 35,7 51,0 64,3 72,8
2013 12,7 24,8 38,2 56,7 71,3 79,3 86,2
2014 6,5 12,0 29,3 39,7 63,6 77,7 84,8
2015 17,4 23,7 37,4 52,1 68,0 78,0 91,1
Total 11,3 18,6 32,9 46,7 64,4 75,7 85,1
Chá (n=699) 0,472
2012 2,3 3,0 4,5 9,1 11,4 13,9 13,9
2013 0,0 0,0 3,2 3,8 5,8 5,8 5,8
2014 1,1 1,6 2,1 2,1 3,8 4,5 6,1
2015 1,4 2,3 5,9 9,5 12,3 13,0 17,8
Total 1,1 1,7 4,0 6,2 8,4 9,4 11,3
Fórmula infantil (n=698) 0,177
2012 11,3 18,8 31,6 40,6 51,9 57,2 62,6
2013 13,4 19,7 29,9 42,0 54,1 58,1 66,9
2014 9,6 14,4 25,7 36,9 54,0 63,3 65,1
2015 19,5 24,4 36,7 45,2 58,5 62,9 72,2
Total 13,9 19,6 31,2 41,4 55,0 60,9 67,3
Leite de vaca (n=700) 0,330
2012 0,0 0,0 1,5 6,8 9,9 14,9 18,0
2013 0,0 0,0 0,0 1,3 5,2 9,0 10,9
2014 0,0 0,0 1,6 4,3 8,6 11,5 16,4
2015 0,5 1,4 1,8 4,1 5,9 9,8 11,4
Total 0,1 0,4 1,3 4,0 7,2 11,0 13,9
Suco (n=696) 0,563
2012 0,8 0,8 2,3 12,1 35,8 53,6 69,8
2013 0,0 0,0 1,3 8,3 28,2 45,5 68,7
2014 0,0 0,0 0,5 3,7 19,4 48,9 62,3
2015 0,0 0,0 1,4 11,0 31,0 49,5 69,7
Total 0,1 0,1 1,3 8,6 28,2 49,2 67,6

Valor de p correspondente ao teste de Log-rank de tendências.

Tabela 4 Distribuição dos lactentes, segundo a idade de introdução (meses) de outros alimentos e os anos estudo 

Alimentos/anos Idade de introdução do alimento (meses) Valor de p
0 1 2 3 4 5 6
Fruta (n=698) 0,467
2012 0,0 0,0 0,0 3,0 18,4 35,0 63,2
2013 0,0 0,0 0,0 5,7 28,5 49,0 77,3
2014 0,0 0,0 0,5 3,2 21,2 51,9 74,2
2015 0,0 0,0 0,5 5,4 24,1 46,0 67,3
Total 0,0 0,0 0,3 4,4 23,2 46,5 71,3
Almoço (n=698) 0,694
2012 0,0 0,0 0,0 0,8 14,7 26,4 36,4
2013 0,0 0,0 0,0 1,3 9,1 18,2 44,3
2014 0,0 0,0 0,5 1,1 11,3 27,5 46,7
2015 0,0 0,0 0,0 1,4 11,2 27,0 45,3
Total 0,0 0,0 0,1 1,1 11,4 25,1 44,5
Jantar (n=699) 0,907
2012 0,0 0,0 0,0 0,0 0,8 4,3 7,8
2013 0,0 0,0 0,0 0,0 1,3 4,1 8,0
2014 0,0 0,0 0,0 0,0 2,7 4,2 7,5
2015 0,0 0,0 0,0 0,0 1,4 4,6 8,1
Total 0,0 0,0 0,0 0,0 1,6 4,3 7,8
Alimentos processados (n=699) 0,006
2012 0,8 0,0 3,0 8,3 16,9 24,2 30,8
2013 0,0 0,6 1,3 4,5 15,7 25,1 33,3
2014 0,0 0,0 1,6 5,3 13,0 18,0 24,7
2015 0,5 0,9 0,9 5,0 10,1 15,6 15,6
Total 0,3 0,6 1,6 5,6 13,4 20,1 25,2

Valor de p correspondente ao teste de Log-rank de tendências.

Entre os outros alimentos, a categoria dos alimentos processados apresentou tendência significativa de mudança, sendo, entretanto, de redução, passando de 30,8%, em 2012, para 15,6%, em 2015, nos lactentes com idade de introdução de 6 meses (Tabela 4).

Dentre os alimentos processados, os engrossantes (36,3%) e os biscoitos (26,3%) representaram as maiores proporções de consumo. Ressalte-se que cada lactente pode ter recebido mais de um tipo de alimento processado (Tabela 5).

Tabela 5 Distribuição dos alimentos processados, segundo os anos do estudo 

Alimentos processados Ano Total
2012 2013 2014 2015
Engrossantes 8 (20,0) 21 (42,9) 22 (51,2) 11 (28,2) 62 (36,3)
Biscoitos 12 (30,0) 18 (36,7) 7 (16,3) 8 (20,5) 45 (26,3)
Iogurte 7 (17,5) 6 (12,2) 3 (7,0) 9 (23,1) 25 (14,6)
Bebidas 3 (7,5) 0 (0,0) 4 (9,3) 7 (17,9) 14 (8,2)
Açúcar/mel 6 (15,0) 1 (2,0) 1 (2,3) 4 (10,3) 12 (7,0)
Papa industrializada 1 (2,5) 3 (6,1) 3 (7,0) 0 (0,0) 7 (4,1)
Doces 3 (7,5) 0 (0,0) 3 (7,0) 0 (0,0) 6 (3,5)
Total 40 (100,0) 49 (100,0) 43 (100,0) 39 (100,0) 171 (100,0)

Resultados expressos por n (%).

DISCUSSÃO

Nosso estudo apresentou as características da alimentação complementar de lactentes, na avaliação inicial de um serviço de nutrição.

Para permitir as comparações dos nossos resultados com a literatura, optamos por avaliar pesquisas realizadas no Estado de São Paulo, pois os lactentes da nossa amostra pertenciam à região de Paraisópolis, localizada na cidade de São Paulo (SP). Apesar disto, devem ser levadas em consideração as diferenças de datas, locais e amostras avaliadas, que podem ter influenciado os resultados dos estudos. Deve-se considerar também que avaliamos lactentes entre 2,9 meses a 7,7 meses e utilizamos um formulário específico para avaliar a introdução dos itens alimentares, sendo que, na literatura, outras formas utilizadas nesta avaliação são o consumo no dia anterior ou nos últimos 3 dias, em um período de 60 dias, da entrevista com o responsável pelo lactente.

Estudo realizado com crianças de zero a 6 anos de uma unidade de saúde da família da cidade de Campinas (SP) entre 2009 e 2010 mostrou inadequação (consumo de alimentos antes dos 6 meses de idade) de 73,5% na introdução de líquidos (água, chá e suco de frutas) e de 48,1% de sólidos (papa de frutas, papa salgada, carnes, cereal e leguminosas). Na comparação com nossos resultados, a proporção de consumo de líquidos foi semelhante no item água (75,7%) e menor no de suco de frutas (49,2%) e de chá (9,4%). Em relação ao consumo de sólidos, a proporção foi semelhante para frutas (46,5%) e menor para o almoço (25,1%) e o jantar (4,3%).(9)

Outros dois estudos avaliaram o consumo alimentar de forma semelhante à nossa, por meio de análise de sobrevivência. O primeiro foi realizado em Campinas (SP) em 2004 e 2005 com crianças menores de 2 anos, avaliando-se o tipo de alimento consumido no dia da entrevista. Foi observado que, antes do primeiro mês de idade do lactente, as proporções de consumo de água, chá e suco apresentaram valores semelhantes em comparação aos nossos resultados em relação ao primeiro item (13,5% versus 11,3%) e último item (0,8% versus 0,1%), respectivamente, e maior em relação ao chá (20,6% versus 1,1%). Até o quarto mês de idade, as proporções foram de 61,5% versus 46,7% para água, 53,5% versus 6,2% para chá e 44,8% versus 8,6% para suco. Até o sexto mês de vida, as proporções de lactentes que receberam água (92,4% versus 75,7%), chá (67,7% versus 9,4%) e suco de frutas (86,4% versus 49,2%) foram maiores em relação aos nossos resultados. Em relação às medianas de idade de início de consumo, os valores também foram maiores na comparação com o nosso estudo, sendo para água e chá de 120 dias versus 90 dias e, para suco de frutas, de 150 dias versus 120 dias.(10) O segundo estudo acompanhou crianças até um ano de idade da cidade de São Paulo (SP) entre 1998 e 1999. A mediana da idade de introdução observada foi de 28 dias para água e chá e de 106 dias para frutas. Estes valores foram menores na comparação com os nossos resultados, sendo de 90 dias para os primeiros itens e de 150 dias para o último item. A mediana para introdução de cereais, tubérculos, verduras, legumes, carnes, feijão e ovo variou entre 150 a 217 dias, sendo que, no nosso estudo, a introdução de alimentos caracterizados como almoço e jantar ocorreu aos 150 dias. Porém, deve-se considerar que, neste estudo, o consumo do alimento foi registrado quando houve sua referência por pelo menos 3 dias, em um período de 60 dias.(11)

Estudo realizado na cidade de Botucatu (SP) em 2004 com crianças menores de um ano avaliou o consumo alimentar ocorrido no dia anterior à pesquisa. Na comparação com os nossos resultados, lactentes até 3 meses de idade apresentaram proporções de consumo maiores para chá (30,7% versus 4,0%), fruta (4,1% versus 0,3%) e suco (5,6% versus 1,3%). Para os lactentes com até 6 meses de idade, os valores se mantiveram maiores em relação ao chá (26,3% versus 9,4%) e à fruta (54,1% versus 46,5%), mas foram menores para o suco (38,4% versus 49,2%).(12)

Nossos resultados mostraram tendência de aumento nas proporções de lactentes que introduziram precocemente a água ao longo dos anos estudados. Este aumento poderia ter relação com a introdução de outros alimentos, visto que a oferta de água é recomendada a partir do início de fórmula infantil, leite de vaca e/ou alimentos complementares. Porém, não observamos tendência significativa de modificação nas proporções de introdução desses outros alimentos.

O Ministério da Saúde vem buscando promover o aleitamento materno e a alimentação complementar saudável para crianças menores de 2 anos de idade no país.(1315) Estudos têm mostrado o efeito positivo destas estratégias, tanto na amamentação exclusiva,(16) como na alimentação complementar infantil.(17) No nosso estudo, o encontro de tendência significativa de redução nas proporções de lactentes que introduziram precocemente alimentos processados ao longo dos anos poderia também ser resultado destas políticas.

Apesar de praticamente todas as mães apresentarem a intenção de amamentar,(18) revisões sistemáticas da literatura identificaram diversos fatores associados com o AME, que poderiam influenciar na implementação desta prática. Na primeira revisão, idade e educação materna, número de consultas de pré-natal e peso do recém-nascido, entre outros, foram alguns dos fatores identificados, de acordo com um modelo teórico hierárquico segundo a proximidade com o desfecho.(19) Na segunda revisão, os determinantes da amamentação foram categorizados nos níveis estruturais (socioculturais e de mercado), locais (sistemas e serviços de saúde, família, comunidade, emprego e local de trabalho) e individuais (características maternas e do lactente e a relação entre ambos).(20) Além destes fatores, devem-se considerar também as dificuldades identificadas na literatura na prática do aconselhamento nutricional de lactentes,(21) bem como as possíveis influências da família na manutenção da amamentação(22) e das informações nutricionais veiculadas na Internet sobre alimentação de crianças.(23)

Dessa forma, a prática do aconselhamento nutricional representa um desafio, devido ao seu caráter multifatorial. A implementação de estratégias para a promoção do AME e da adequada alimentação complementar deve levar em consideração estes fatores, para tentar obter os impactos positivos reconhecidos destas práticas no estado nutricional e na saúde de lactentes e crianças.

CONCLUSÃO

Nosso estudo apresentou as características da introdução da alimentação complementar de lactentes. A água e a fórmula infantil foram os alimentos mais utilizados e mais precocemente introduzidos. Entre os anos estudados, a água apresentou tendência significativa de aumento e a categoria alimentos processados de redução de consumo em lactentes.

REFERÊNCIAS

1. World Health Organization (WHO). Health topics. Breastfeeding [Internet]. Genebra: WHO; 2017 [cited 2017 Oct 16]. Available from: <>
2. Victora CG, Bahl R, Barros AJ, França GV, Horton S, Krasevec J, Murch S, Sankar MJ, Walker N, Rollins NC; Lancet Breastfeeding Series Group. Breastfeeding in the 21st century: epidemiology, mechanisms, and lifelong effect. Lancet. 2016;387(10017):475-90.
3. Lutter CK. Growth and complementary feeding in the Americas. Nutr Metab Cardiovasc Dis. 2012;22(10):806-12.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: aleitamento materno e alimentação complementar. 2ᵃ ed [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2015 [citado 2018 Jun 21]. [Caderno de Atenção Básica, 23]. Disponível em:
5. Venancio SI, Saldiva SR, Monteiro CA. [Secular trends in breastfeeding in Brazil]. Rev Saude Publica. 2013;47(6):1205-8. Portuguese.
6. White JM, Bégin F, Kumapley R, Murray C, Krasevec J. Complementary feeding practices: Current global and regional estimates. Matern Child Nutr. 2017;13 Suppl 2.
7. Bortolini GA, Vitolo MR, Gubert MB, Santos LM. Early cow's milk consumption among Brazilian children: results of a national survey. J Pediatr (Rio J). 2013;89(6):608-13.
8. Oliveira DA, Castro IR, Jaime PC. Complementary feeding patterns in the first year of life in the city of Rio de Janeiro, Brazil: time trends from 1998 to 2008. Cad Saude Publica. 2014;30(8):1755-64.
9. Mais LA, Domene SM, Barbosa MB, Taddei JA. [Diagnosis of complementary feeding practices for creating a matrix model for action in primary health care]. Cien Saude Colet. 2014;19(1):93-104. Portuguese.
10. Bernardi JL, Jordão RE, Barros Filho AA. [Supplementary feeding of infants in a developed city within the context of a developing country]. Rev Panam Salud Publica. 2009;26(5):405-11. Portuguese.
11. Simon VG, Souza JM, Souza SB. [Introduction of complementary foods and its relation with demographic and socioeconomic variables during the first year of life of children born in a University Hospital in the city of São Paulo]. Rev Bras Epidemiol. 2003;6(1):29-38. Portuguese.
12. Parada CM, Carvalhaes MA, Jamas MT. Complementary feeding practices to children during their first year of life. Rev Latino Am Enfermagem. 2007; 15(2):282-9.
13. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n° 2.799, de 18 de novembro de 2008. (Revogada pela PRT GM/MS n° 1.920 de 05.09.2013). Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS -, a Rede Amamenta Brasil [Internet]. Brasília (DF): Diário Oficial da União; 2008 [citado 2018 Jan 11]. Disponível em: <>
14. Brasil. Ministério da Saúde. Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar – IBFAN Brasil. ENPACS: estratégia nacional para alimentação complementar saudável. Caderno do tutor. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2010. [Série F. Comunicação e Educação em Saúde].
15. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n° 1.920, de 5 de setembro de 2013. Institui a Estratégia Nacional para Promoção do Aleitamento Materno e Alimentação Complementar Saudável no Sistema Único de Saúde (SUS) - Estratégia Amamenta e Alimenta Brasil [Internet]. Brasília (DF): Diário Oficial da União; 2013 [citado 2017 Out 30]. Disponível em: <>
16. Venancio SI, Giugliani ER, Silva OL, Stefanello J, Benicio MH, dos Reis MC, et al. [Association between the degree of implementation of the Brazilian Breastfeeding Network and breastfeeding indicators]. Cad Saude Publica. 2016;32(3):e00010315. Portuguese.
17. Baldissera R, Issler RM, Giugliani ER. [Effectiveness of the National Strategy for Healthy Complementary Feeding to improve complemantary feeding of infants in a municipality in Southern Brazil]. Cad Saude Publica. 2016;32(9):e00101315. Portuguese.
18. Moimaz SA, Rocha NB, Garbin CA, Rovida TA, Saliba NA. Factors affecting intention to breastfeed of a group of Brazilian childbearing women. Women Birth. 2017;30(2):e119-24.
19. Boccolini CS, Carvalho ML, Oliveira MI. Factors associated with exclusive breastfeeding in the first six months of life in Brazil: a systematic review. Rev Saude Publica. 2015;49:91.
20. Rollins NC, Bhandari N, Hajeebhoy N, Horton S, Lutter CK, Martines JC, Piwoz EG, Richter LM, Victora CG, MD on behalf of The Lancet Breastfeeding Series Group; Lancet Breastfeeding Series Group. Why invest, and what it will take to improve breastfeeding practices? Lancet. 2016;387(10017):491-504.
21. Campos AA, Cotta RM, Oliveira JM, Santos AK, Araújo RM. [Nutritional counseling for children under two years of age: opportunities and obstacles as strategic challenges]. Cien Saude Colet. 2014;19(2):529-38. Portuguese.
22. de Sousa AM, Fracolli LA, Zoboli EL. [Family practices related to breast-feeding maintenance: literature review and meta-synthesis]. Rev Panam Salud Publica. 2013;34(2):127-34. Review. Portuguese.
23. Gomes Monteiro GS, Macário de Assis M, Alvim Leite M, Loures Mendes L. Assessing the nutritional information for children younger than two years old available on popular websites. Rev Paul Pediatr. 2016;34(3):287-92.