versão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.34 no.2 Rio de Janeiro 2018 Epub 19-Fev-2018
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00202816
El estudio tuvo como fin identificar los factores asociados a la introducción de alimentos no recomendados durante el primer año de vida, entre niños residentes en municipios con un bajo nivel socioeconómico. Se trata de un estudio multicéntrico transversal con 1.567 niños de 12 a 59 meses de edad, residentes en 48 municipios participantes en el plan Brasil Sin Miseria de la región Sur de Brasil. Se aplicó un cuestionario estructurado a los responsables de los niños para la obtención de la información sociodemográfica y la edad en la que los alimentos no recomendados se introdujeron por primera vez en la alimentación complementaria. La prevalencia de introducción del aúcar, antes de los cuatro meses de edad del niño, fue de un 35,5% (n = 497; IC95%: 33,1-38,0). Las prevalencias de la introducción de galletas dulce/saladas, queso petit suisse y gelatina antes del sexto mes de vida del niño fueron de un 20,4% (n = 287; IC95%: 18,3-22,3), un 24,8% (n = 349; IC95%: 22,4-27,1) y un 13,8% (n = 192; IC95%: 12,0-15,7), respectivamente. Se identificó una asociación entre la menor escolaridad materna (RP = 1,25; IC95%: 1,03-1,51) y la menor renta mensual familiar (RP = 1,22; IC95%: 1,01-1,48), con la introducción de alimentos no recomendados. Se verificó la introducción de alimentos no recomendados durante el primer año de vida entre niños residentes en municipios de alta vulnerabilidad socioeconómica de la región Sur de Brasil, y esta práctica se asoció a una menor escolaridad materna y una menor renta familiar mensual.
Palabras-clave: Alimentación Complementaria; Nutrición del Lactante; Lactante
O leite materno, isoladamente, é suficiente para suprir as demandas nutricionais da criança nos primeiros seis meses de vida e, a partir desta idade, a introdução da alimentação complementar é necessária para fornecer o aporte adequado de nutrientes para o crescimento e desenvolvimento infantil saudável 1. Contudo, mundialmente, apenas 36% das crianças com idades entre zero e cinco meses são amamentadas exclusivamente 2 e a prevalência de introdução precoce de alimentos sólidos varia de 40,4% até 83,5% em países desenvolvidos 3,4,5,6.
A alimentação complementar deve ser composta por alimentos saudáveis, com custo aceitável e preparados baseando-se em alimentos e ingredientes culinários consumidos pela família. Alimentos com alto grau de processamento, industrializados, com sal em excesso, açúcares, aditivos e conservantes artificiais não devem ser oferecidos à criança nos primeiros anos de vida 7. Apesar das evidências, estudos mostram cada vez mais práticas inadequadas de introdução da alimentação complementar com a oferta de alimentos não recomendados como biscoitos doces e recheados, macarrão instantâneo, refrigerantes, refrescos em pó e salgadinhos nos primeiros meses após o nascimento 8,9,10. A introdução desses alimentos ultraprocessados, altamente energéticos e hiperpalatáveis, associada à interrupção do aleitamento materno, prejudica o crescimento e desenvolvimento da criança, além de favorecer a ocorrência de processos infecciosos, alergias e distúrbios nutricionais. Adicionalmente, substâncias presentes nesses alimentos podem irritar a mucosa gástrica da criança dificultando a digestão e absorção de nutrientes 7.
Os aspectos culturais, fortemente influenciados pela globalização, e a transição do padrão de consumo alimentar populacional ocorrida nas últimas décadas têm impactado nas práticas inadequadas de introdução da alimentação complementar e estão condicionados às características sociodemográficas 8,9,11. Fatores como baixa renda familiar e a baixa escolaridade materna têm sido relacionados à introdução de alimentos não nutritivos, com elevado teor de açúcares, gorduras e proteínas 8,11 na alimentação infantil antes do primeiro ano de vida 9.
A identificação dos fatores associados ao início precoce e à inadequação nutricional da alimentação complementar, especialmente em contextos de baixo nível socioeconômico, é fundamental para a criação de medidas que possam viabilizar ações de saúde pública para a promoção e a incorporação de práticas alimentares saudáveis ao longo da infância. Os levantamentos mais recentes disponíveis sobre a situação da alimentação complementar na Região Sul do Brasil são provenientes de pesquisas 12,13 realizadas em âmbito nacional, contemplando o consumo de determinados alimentos no primeiro ano de vida por crianças de diferentes estratos socioeconômicos. Este trabalho complementa esses dados e oferece contribuição adicional ao contemplar a idade de introdução de alimentos entre crianças residentes em municípios em alta vulnerabilidade social, predominantemente rurais, distantes de grandes centros urbanos da Região Sul do Brasil. Assim, o objetivo deste estudo é identificar os fatores associados à introdução de alimentos não recomendados no primeiro ano de vida entre crianças residentes em municípios de baixo nível socioeconômico da Região Sul do Brasil.
Este trabalho consiste em uma análise com base em dados de um estudo multicêntrico transversal, que teve como objetivo principal avaliar a prevalência de deficiência de vitamina A e anemia em crianças com idades entre 12 e 59 meses. A coleta de dados foi conduzida de janeiro a junho de 2015 em uma amostra de 48 municípios participantes do plano Brasil Sem Miséria 14, localizados e distribuídos equitativamente nos três estados que compõem a Região Sul do Brasil: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A Região Sul é a menor entre as cinco regiões do Brasil, com uma população de cerca de 30 milhões de pessoas, sendo a maioria com a cor da pele branca. A região apresenta as menores taxas de mortalidade infantil, menores índices de analfabetismo e a maior expectativa de vida ao nascer em relação às demais regiões do país. No entanto, no ano de 2015, 9,6% da população da Região Sul eram considerados de baixa renda (pobres ou extremamente pobres) ou viviam com rendimento mensal de cerca de meio salário mínimo per capita (Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário. Relatório de informações sociais. O Brasil Sem Miséria no seu estado. https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/index.php, acessado em 29/Ago/2016). No ano de 2012 (planejamento do estudo), compunham o plano Brasil Sem Miséria na Região Sul 255 municípios, sendo 94 no Paraná, 59 em Santa Catarina e 102 no Rio Grande do Sul (Ministério do Desenvolvimento Social. O plano Brasil Sem Miséria no seu estado. http://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/ferramentas/nucleo/grupo.php?id_grupo=78, acessado em 10/Ago/2012).
O cálculo do tamanho amostral da pesquisa principal na qual o presente estudo foi aninhado previu uma amostra total de 1.500 crianças para cada unidade primária de amostragem. Em cada um dos três estados da região considerou-se como a unidade primária de amostragem o conjunto de municípios participantes do plano Brasil Sem Miséria no ano de 2012, e com cobertura zero no Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A no ano de 2014. O cálculo do tamanho da amostra foi realizado considerando-se a prevalência de 21,5% de anemia em crianças menores de cinco anos da Região Sul do Brasil 15, erro máximo de 5%, 95% de nível de confiança, população infinita e 1,5 de efeito do plano amostral (deff). O delineamento foi previsto para investigar a prevalência de hipovitaminose A e anemia nessa população. Neste trabalho, a amostra foi recalculada levando-se em consideração a prevalência de 13,3% de consumo de alimentos não saudáveis na Região Sul 12, erro máximo de 3%, 95% de nível de confiança, população infinita e 2,0 de efeito do plano amostral (deff). Assim, estimou-se um tamanho de amostra total de 965 crianças de 12 a 59 meses de idade.
Por questões de complexidade logística e dificuldades na identificação prévia das crianças elegíveis, devido à indisponibilidade de cadastros atualizados nos municípios participantes, a seleção dos participantes do estudo foi realizada usando-se o método de amostragem por conveniência. A identificação e o recrutamento das crianças foram realizados por meio das equipes de saúde da atenção básica de referência em cada município, indicadas pela gestão local. Para tanto, inicialmente contatou-se as Secretarias Municipais de Saúde e, após anuência de participação no estudo, solicitou-se a indicação de pelo menos uma ou mais unidades básicas de saúde (UBS) por meio das quais poderia ser realizado o trabalho, considerando-se a disponibilidade dos profissionais de saúde para a identificação das crianças na faixa etária desejada e local adequado para sediar a coleta de dados. Após a definição das UBS e das equipes de saúde, as mesmas foram contatadas por telefone. No primeiro contato com a equipe de saúde, foram explicitados os objetivos do trabalho e solicitada a indicação de um profissional que pudesse ficar responsável por coordenar localmente a estratégia de divulgação do estudo entre as famílias com crianças de 12 a 59 meses e providenciar o local para a coleta de dados. No segundo contato telefônico, o profissional de referência de cada UBS recebeu as orientações para a identificação das crianças elegíveis para o estudo e agendou-se as datas para a coleta dos dados. Cada profissional de referência recebeu também um manual por meio de contato eletrônico contendo orientações para a identificação das crianças elegíveis. Em todas as UBS, o convite aos responsáveis pelas crianças para a participação no estudo foi realizado por intermédio de agentes comunitários de saúde, quando disponíveis, e por meio de ampla divulgação em meios de comunicação locais como rádios comunitárias, centros religiosos, cartazes expostos nas salas de espera das UBS e durante as consultas com os profissionais de saúde nas UBS, permitindo a heterogeneidade da amostra.
Foram consideradas não elegíveis, com base nos critérios do estudo de origem, as crianças que realizaram transfusão de sangue e hemoderivados, sob terapêutica imunossupressora ou corticoterápica, portadoras de doenças crônicas, infectadas por HIV ou processo infeccioso grave, com má-formação congênita e/ou internadas por diarreia há menos de um mês.
A coleta de dados foi realizada por dois nutricionistas contratados para a pesquisa em cada estado, capacitados para o protocolo de estudo, em dois dias previamente agendados em cada município. Os dados foram coletados por meio de entrevistas face a face com pais/responsáveis legais pelas crianças na estrutura física de uma UBS de cada município, utilizando-se questionário estruturado pré-codificado contendo as seguintes informações: (1) características sociodemográficas familiares e informações sobre a criança; (2) idade (em meses) na qual alimentos não recomendados, de acordo com o guia alimentar para crianças menores de dois anos 7, foram introduzidos pela primeira vez na alimentação complementar da criança, com base em uma lista contendo: achocolatado, açúcar, bala/pirulito, biscoito doce/salgado, biscoito recheado, chocolate, cereal em flocos, gelatina, mel, queijo petit suisse, refrigerante, salgadinho de pacote, sopa instantânea em pó, sorvete e refresco em pó. Consideraram-se cereal em flocos derivado de cereais, livre do seu tegumento, cozido, adicionado de extrato de malte, mel, xaropes, sal e outras substâncias comestíveis.
Considerou-se como variável dependente a idade (em meses) na qual alimentos não recomendados foram introduzidos pela primeira vez na alimentação complementar da criança, sendo tratada de três formas distintas: contínua, para análise de sobrevivência; categorizada em < 4 meses, 4 a < 6 meses, 6 a < 8 meses e 8 a < 12 meses para a análise descritiva; e em < 4 meses e ≥ 4 meses para a análise de regressão múltipla. Embora a Organização Mundial da Saúde (OMS) 1 não recomende a introdução de qualquer alimento ou bebida antes dos seis meses de idade, além de leite materno, a prática de introdução de alimentos complementares acontece antes dos seis meses de idade (Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário. Relatório de informações sociais. O Brasil Sem Miséria no seu estado. https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/index.php, acessado em 29/Ago/2016). Por essa situação, para o presente estudo estabeleceu-se o ponto de corte de categorização de quatro meses de idade.
As variáveis independentes, selecionadas com base em estudos relativos a esta temática 16,17,18,19, foram: acompanhamento da criança na UBS desde o nascimento (sim; não); idade materna (< 20 anos; ≥ 20 anos); situação conjugal materna (com companheiro; sem companheiro); cor da pele materna (branca; não branca); paridade materna (primípara; multípara); escolaridade materna (≤ 8 anos; > 8 anos); ocupação materna (não remunerada; remunerada); aglomeração (≤ 5 pessoas; > 5 pessoas); renda mensal familiar (≤ 1 salário mínimo; > 1 salário mínimo, considerando-se o valor de R$ 788,00 em vigência no ano de 2015).
Todos os dados foram digitados em duplicata e validados no programa Epidata 3.2 (Epidata Assoc., Odense, Dinamarca). A análise dos dados foi realizada no programa IBM SPSS 21.0 (IBM Corp., Armonk, Estados Unidos). As características da amostra foram descritas por meio das frequências absoluta (n) e relativas (%). O teste de multicolinearidade foi realizado pelo variance-inflation factor (VIF), cujo valor adotado como ponto de corte foi > 10. O teste mostrou ausência de multicolinearidade entre as variáveis independentes estudadas. A análise de sobrevivência foi realizada utilizando-se o método não paramétrico de Kaplan-Meier. A análise dos fatores associados ao desfecho foi realizada por meio de regressão de Poisson com variância robusta, estimando-se as razões de prevalência (RP) bruta e ajustada e os respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%). As variáveis com valor de p < 20% na análise univariada foram incluídas na análise múltipla. Para a definição do modelo final foi considerado o nível de significância de 5%. Em todas as análises foi considerado o efeito do desenho amostral para amostras complexas, usando-se pesos amostrais calculados no módulo complex samples do programa IBM SPSS 21.0.
O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (parecer nº 722.702/2014) e todos os responsáveis legais pelas crianças assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Foram avaliadas 1.567 crianças e suas características estão descritas na Tabela 1. Do total de entrevistados, 87,1% (n = 1.326; IC95%: 85,5-88,8) eram mães biológicas. Um terço das famílias apresentou renda mensal igual ou inferior a um salário mínimo. A idade materna média (± DP) foi de 28,9 (± 7,18) anos, 50,9% (n = 770; IC95%: 48,3-53,4) das mães apresentaram escolaridade igual ou inferior a oito anos de estudos e 41,2% (n = 631, IC95%: 38,7-43,8) exerciam atividade não remunerada. A maioria da amostra era do sexo masculino (n = 811, 51,8%; IC95%: 49,4-54,2), e 92,2% (n = 1.372; IC95%: 90,8-93,6) das crianças foram acompanhadas na UBS desde o nascimento.
Tabela 1 Características do domicílio, materna e da criança em municípios do plano Brasil Sem Miséria. Região Sul, Brasil, 2015 (N = 1.567).
Caracterísicas | n | % | IC95% |
---|---|---|---|
Familiar | |||
Aglomeração (pessoas) [n = 1.499] * | |||
> 5 | 196 | 13,1 | 11,5-14,7 |
≤ 5 | 1.303 | 86,9 | 85,3-88,5 |
Renda familiar mensal (SM) [n = 1.473] * | |||
≤ 1 | 490 | 33,3 | 31,0-35,7 |
> 1 | 983 | 66,7 | 64,3-69,0 |
Programa de transferência de renda [n = 1.524] * | |||
Sim | 703 | 46,1 | 43,7-48,5 |
Não | 821 | 53,9 | 51,5-56,3 |
Materna | |||
Idade (anos) [n = 1.513] * | |||
< 20 | 114 | 7,5 | 6,3-9,0 |
≥ 20 | 1.399 | 92,5 | 91,0-93,7 |
Situação conjugal [n = 1.536] * | |||
Solteira | 228 | 14,8 | 13,1-16,7 |
Casada | 1.308 | 85,2 | 83,3-86,9 |
Cor da pele [n = 1.496] * | |||
Branca | 920 | 61,5 | 59,1-63,8 |
Não branca | 576 | 38,5 | 36,2-40,9 |
Paridade [n = 1.519] * | |||
Primípara | 608 | 40,0 | 37,6-42,6 |
Multípara | 911 | 60,0 | 57,4-62,4 |
Escolaridade (anos) [n = 1.514] * | |||
≤ 8 | 770 | 50,9 | 48,3-53,4 |
> 8 | 744 | 49,1 | 46,6-51,7 |
Ocupação [n = 1.533] * | |||
Remunerada | 902 | 58,8 | 56,2-61,3 |
Não remunerada | 631 | 41,2 | 38,7-43,8 |
Criança | |||
Sexo | |||
Masculino | 811 | 51,8 | 49,4-54,2 |
Feminino | 756 | 48,2 | 45,8-50,6 |
Cor da pele [n = 1.523] * | |||
Branca | 1.109 | 72,8 | 70,7-75,1 |
Não branca | 414 | 27,2 | 24,9-29,3 |
Idade (meses) | |||
12-23 | 409 | 26,1 | 24,1-28,3 |
24-35 | 426 | 27,2 | 25,0-29,4 |
36-47 | 392 | 25,0 | 22,8-27,2 |
48-59 | 340 | 21,7 | 19,8-23,7 |
Peso ao nascer (g) [n = 1.411] * | |||
≥ 2.500 | 1.287 | 91,2 | 89,7-92,7 |
< 2.500 | 124 | 8,8 | 7,3-10,3 |
Acompanha na UBS desde o nascimento [n = 1.488] | |||
Sim | 1.372 | 92,2 | 90,8-93,6 |
Não | 116 | 7,8 | 6,4-9,2 |
IC95%: intervalo de 95% de confiança; SM: salários mínimos; UBS: unidade básica de saúde.
Nota: SM equivalente a R$ 788,00 vigente em 2015.
* Variáveis com perda de dados (perdidos ou não obtidos).
A prevalência de introdução de alimentos não recomendados antes dos quatro meses de vida foi de 47,8% (n = 616; IC95%: 45,0-50,6). A prevalência de introdução de açúcar antes dos quatro meses de idade da criança foi de 35,5% (n = 497; IC95%: 33,0-38,1) (Tabela 2 e Figura 1). As prevalências de introdução de biscoito doce/salgado, queijo petit suisse e gelatina antes dos seis meses de vida da criança foram de 20,4% (n = 287; IC95%: 18,3-22,3), 24,8% (n = 349; IC95%: 22,4-27,1) e 13,8% (n = 192; IC95%: 12,0-15,7), respectivamente. O desfecho foi comparado de acordo com as faixas etárias das crianças e não se verificou diferença significativa entre os grupos (p = 0,145).
Tabela 2 Prevalência da introdução de alimentos não recomendados no primeiro ano de vida, de acordo com a faixa etária, em crianças com idades entre 12-59 meses em municípios do plano Brasil Sem Miséria. Região Sul, Brasil, 2015.
Alimentos | Idade (meses) | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
< 4 | 4 a < 6 | 6 a < 8 | 8 a < 12 | |||||
% | IC95% | % | IC95% | % | IC95% | % | IC95% | |
Achocolatado [n = 1.404] | 1,4 | 0,8-2,1 | 1,8 | 1,1-2,5 | 6,6 | 5,3-7,8 | 5,5 | 4,2-6,5 |
Açúcar [n = 1.400] | 35,5 | 33,0-38,1 | 12,7 | 11,0-14,5 | 16,7 | 14,7-18,7 | 2,9 | 2,1-3,7 |
Bala/Pirulito [n = 1.378] | 1,5 | 0,9-2,1 | 3,0 | 2,1-3,9 | 15,5 | 13,5-17,4 | 21,9 | 19,7-24,2 |
Biscoito doce/salgado [n = 1.410] | 5,5 | 4,3-6,6 | 14,9 | 13,2-16,7 | 43,3 | 40,8-46,1 | 15,2 | 13,4-17,2 |
Biscoito recheado [n = 1.394] | 1,0 | 0,5-1,6 | 2,9 | 2,0-3,8 | 13,1 | 11,3-14,9 | 17,0 | 14,8-19,0 |
Chocolate [n = 1.390] | 0,6 | 0,2-1,0 | 2,8 | 1,9-3,7 | 8,7 | 8,2-11,2 | 17,3 | 15,3-19,3 |
Cereal em flocos [n = 1.399] | 2,6 | 1,9-3,5 | 4,6 | 3,5-6,0 | 14,2 | 12,5-15,9 | 4,9 | 3,8-6,0 |
Gelatina [n = 1.396] | 3,1 | 2,2-4,0 | 10,7 | 9,1-12,4 | 33,8 | 31,4-36,3 | 16,6 | 14,5-18,6 |
Mel [n = 1.388] | 7,8 | 6,3-9,3 | 3,4 | 2,4-4,4 | 5,8 | 4,6-7,2 | 5,3 | 4,2-6,9 |
Queijo petit suisse [n = 1.410] | 7,1 | 5,8-8,5 | 17,7 | 15,5-19,7 | 36,7 | 34,5-39,2 | 12,3 | 10,6-14,0 |
Refrigerante [n = 1.394] | 0,1 | 0,0-0,4 | 1,8 | 1,1-2,5 | 6,5 | 5,4-8,0 | 9,3 | 7,6-10,9 |
Salgadinho de pacote [n = 1.377] | 0,6 | 0,2-1,0 | 1,2 | 0,7-1,8 | 9,9 | 8,3-12,0 | 13,3 | 11,4-14,9 |
Sopa instantânea em pó [n = 1.366] | 1,4 | 0,8-2,0 | 4,4 | 3,2-5,4 | 8,6 | 7,2-10,2 | 4,0 | 2,9-5,1 |
Sorvete [n = 1.384] | 0,1 | 0,0-0,4 | 1,3 | 0,7-2,0 | 6,8 | 5,8-8,0 | 10,9 | 9,3-12,7 |
Refresco em pó [n = 1.375] | 3,9 | 2,9-4,9 | 5,1 | 3,8-6,3 | 17,2 | 15,1-19,1 | 8,0 | 6,5-9,5 |
IC95%: intervalo de 95% de confiança.
Figura 1 Curva de sobrevivência da idade (em meses) da introdução de alimentos não recomendados no primeiro ano de vida entre crianças de 12 a 59 meses, residentes em municípios do plano Brasil Sem Miséria. Região Sul, Brasil, 2015 (N = 1.567).
Na Tabela 3, é apresentada a análise dos possíveis fatores associados à introdução de alimentos não recomendados resultante da análise univariada e da regressão múltipla. Na análise univariada, o não acompanhamento da criança na UBS desde o nascimento, situação conjugal materna sem companheiro, cor materna não branca, escolaridade materna igual ou inferior a oito anos de estudos, ocupação materna não remunerada e renda mensal familiar igual ou inferior a um salário mínimo estiveram associados à introdução de alimentos não recomendados. Após a análise ajustada, confirmou-se associação com a menor escolaridade materna (RP = 1,25; IC95%: 1,03-1,51) e a menor renda mensal familiar (RP = 1,22; IC95%: 1,01-1,48).
Tabela 3 Fatores associados com a introdução de alimentos não recomendados antes dos quatro meses a crianças com idades entre 12-59 meses em municípios do plano Brasil Sem Miséria. Região Sul, Brasil, 2015 (N = 1.567).
Variáveis | Introdução de alimentos não recomendados * (< 4 meses de idade) | ||
---|---|---|---|
% (IC95%) | RP bruta (IC95%) | RP ajustada (IC95%) | |
Acompanha na UBS desde o nascimento | |||
Sim | 48,2 (45,3-51,0) | 1,00 | 1,00 |
Não | 37,5 (27,8-47,4) | 0,78 (0,60-1,02) | 0,90 (0,63-1,27) |
Idade materna (anos) | |||
≥ 20 | 47,3 (44,4-50,0) | 1,00 | - |
< 20 | 52,9 (43,6-62,6) | 1,11 (0,91-1,35) | - |
Situação conjugal materna | |||
Casada | 46,3 (43,4-49,5) | 1,00 | 1,00 |
Solteira | 57,0 (49,7-64,4) | 1,22 (1,07-1,41) | 1,12 (0,88-1,43) |
Cor da pele materna | |||
Branca | 43,9 (40,0-47,3) | 1,00 | 1,00 |
Não branca | 53,2 (52,7-60,0) | 1,21 (1,08-1,36) | 1,12 (0,94-1,34) |
Paridade materna | |||
Multípara | 45,9 (41,4-50,6) | 1,00 | - |
Primípara | 49,0 (45,7-52,5) | 1,07 (0,95-1,21) | - |
Escolaridade materna (anos) | |||
> 8 | 39,6 (35,8-43,8) | 1,00 | 1,00 |
≤ 8 | 55,9 (51,9-59,9) | 1,41 (1,25-1,59) | 1,25 (1,03-1,51) |
Ocupação materna | |||
Remunerada | 52,8 (48,8-57,1) | 1,00 | 1,00 |
Não remunerada | 44,3 (40,6-47,9) | 1,17 (1,04-1,31) | 1,07 (0,90-1,29) |
Aglomeração (pessoas) | |||
> 5 | 48,5 (40,9-55,7) | 1,00 | - |
≤ 5 | 46,9 (44,0-49,9) | 1,02 (0,86-1,21) | - |
Renda familiar mensal (SM) | |||
> 1 | 41,3 (38,2-44,8) | 1,00 | 1,00 |
≤ 1 | 59,7 (54,7-64,5) | 1,43 (1,27-1,60) | 1,22 (1,01-1,48) |
IC95%: intervalo de 95% de confiança; RPajustada: razão de prevalência ajustada; RPbruta: razão de prevalência bruta; SM: salários mínimos; UBS: unidade básica de saúde.
Nota: SM equivalente a R$ 788,00 vigente em 2015.
* Achocolatado, açúcar, bala/pirulito, biscoito doce/salgado, biscoito recheado, chocolate, cereal em flocos, gelatina, mel, queijo petit suisse, refrigerante, salgadinho de pacote, sopa instantânea em pó, sorvete e refresco em pó.
Os resultados deste estudo evidenciam a elevada prevalência de introdução de alimentos não recomendados no primeiro ano de vida entre crianças de 12 a 59 meses, e esta prática foi associada ao menor nível de escolaridade materna e à menor renda mensal familiar. A introdução de alimentos não recomendados corrobora achados de outros estudos de avaliação do consumo alimentar infantil, os quais identificaram a presença marcante de snacks doces e salgados e bebidas açucaradas na alimentação de crianças menores de um ano de idade 20,21. Sabe-se que a criança tem preferência inata pelos sabores salgados e doces e a exposição precoce a estes alimentos pode aumentar ainda mais a preferência por estes produtos, devido principalmente às consequências fisiológicas positivas que eles proporcionam como a saciedade e a garantia do aporte energético 22. Além de serem nutricionalmente desnecessários e prejudicarem a digestão e a absorção de micronutrientes, tais produtos podem comprometer o consumo de alimentos que compõem uma alimentação saudável e equilibrada, como hortaliças, carnes e frutas, fundamentais para o adequado crescimento e desenvolvimento da criança 23. No âmbito da saúde pública, o consumo frequente de alimentos não recomendados pode determinar as preferências alimentares da criança para estes tipos de produtos, que podem se prolongar até a vida adulta 24. Além disso, está relacionado a efeitos deletérios na saúde, como o aumento das concentrações de low-density lipoprotein (LDL) colesterol, colesterol total 25 e aumento do índice de massa corporal (IMC) 26 ainda nos primeiros anos de vida.
Um dos aspectos que pode estar relacionado à homogeneidade da amostra em relação à prática de introdução de alimentos não recomendados ainda no primeiro ano de vida da criança, consiste na falta de orientações nutricionais aos responsáveis por profissionais de saúde 27. E, quando essas orientações ocorrem, muitas vezes estão equivocadas 4,10, tendo como base apenas as experiências práticas e vivências pessoais, desconsiderando as diretrizes fundamentadas em evidências 28. Apesar dos esforços e investimentos governamentais em políticas públicas direcionadas às ações de prevenção e educação nutricional, especialmente no âmbito da atenção básica 7,29, nota-se que a implantação destas políticas como parte das atividades de rotina dos serviços de saúde ainda ocorre de forma esporádica e insuficiente para interferir nesta realidade e produzir impacto.
Outro fator que pode estar relacionado aos achados deste estudo refere-se à publicidade direcionada a esses produtos, veiculadas principalmente pela mídia televisiva, principal fonte de informações e entretenimento no Brasil 30. Nesse contexto, destaca-se especialmente o impacto das estratégias persuasivas utilizadas pela indústria alimentícia, como propagandas associando o consumo de alimentos de baixo valor nutricional ao bem-estar, energia, prazer e saúde da criança 31,32. Nessa mesma lógica, há de se considerar também a importância da rotulagem usada em uma ampla variedade de produtos alimentícios direcionados ao público infantil que, além de atrair a atenção com rótulos coloridos, uso de personagens e ofertas de brindes, induz os responsáveis a pensarem que estes alimentos são nutricionalmente adequados para seu filho. Adicionalmente, barreiras como o uso de linguagem complexa de difícil visualização e compreensão induzem o consumidor a não se apropriar das informações nutricionais disponíveis na rotulagem e utilizá-las como critério de seleção dos alimentos que são oferecidos à criança 33. No Brasil, o regulamento técnico que estabelece os requisitos mínimos para a divulgação e a promoção comercial de alimentos considerados pouco nutritivos 34 não se aplicam à rotulagem, que continua a ser um importante meio de promoção destes produtos pela indústria alimentícia.
No que se refere à investigação dos possíveis fatores associados à introdução de alimentos não recomendados no primeiro ano de vida das crianças avaliadas, permaneceram associadas, após a análise ajustada, a menor escolaridade materna e a menor renda mensal familiar. Em relação à escolaridade materna, este resultado reflete o menor acesso das mulheres analfabetas ou pouco escolarizadas a informações sobre práticas alimentares saudáveis em relação àquelas com melhor nível de escolaridade 35, e as possíveis dificuldades relacionadas à leitura e compreensão de materiais educativos fornecidos nos serviços de saúde. Resultados com dados do Infant Feeding Practices Study II36 mostraram que as mães com menor escolaridade apresentaram maior probabilidade de realizar oito das 14 práticas não saudáveis de introdução alimentar avaliadas, incluindo a oferta de alimentos de baixo valor nutricional à criança. Estudos nacionais mostram que crianças filhas de mães de menor nível educacional são mais propensas a consumirem alimentos como biscoitos, salgadinhos e refrigerantes 9,37. Diante desse contexto desfavorável, o aconselhamento nutricional às mães, principalmente em população de baixo nível socioeconômico como esta em estudo, parece ser uma opção eficaz na redução do consumo de alimentos não recomendados para crianças nos primeiros anos de vida 38. Para tanto, a capacitação de profissionais da saúde atuantes na atenção básica parece melhorar a qualidade das orientações sobre alimentação da criança às mães 39 e, consequentemente, tem efeitos positivos sobre as práticas maternas relacionadas ao aleitamento materno e à introdução da alimentação complementar 40,41,42. Contudo, apesar das políticas públicas de incentivo às ações de promoção de práticas alimentares saudáveis nos primeiros anos de vida, estas iniciativas ainda parecem ser pouco valorizadas pelos profissionais de saúde atuantes nos serviços de saúde públicos brasileiro.
A associação do desfecho com a menor renda mensal familiar corrobora resultados de outros trabalhos, os quais identificaram inadequações da alimentação complementar de crianças pertencentes a famílias de baixa renda 19,43,44. Pode-se atribuir esse resultado à maior disponibilidade e acessibilidade desses tipos de alimentos pelas famílias de menor poder aquisitivo 45. De modo geral, alimentos com alto grau de processamento estão facilmente disponíveis em pequenos mercados de localidades distantes dos grandes centros 46,47 e com preço por caloria relativamente baixo em relação a alimentos mais nutritivos e perecíveis, como frutas, hortaliças e carnes frescas, tornando-os mais acessíveis a populações economicamente desfavorecidas 45,48 e vantajosos em relação à oferta de energia.
Algumas limitações precisam ser consideradas ao interpretar os resultados deste trabalho. A natureza transversal do estudo impede qualquer inferência causal, mas pode sugerir associações. Os resultados devem ser interpretados com cautela, pois as informações sobre o desfecho foram coletadas retrospectivamente acerca do primeiro ano de vida da criança, o que pode gerar imprecisões sobre o período de introdução dos alimentos. Contudo, o desfecho foi comparado de acordo com as faixas etárias das crianças e não se verificou diferença significativa entre os grupos. Além disso, os resultados podem sofrer influências pelo fato de os entrevistados possivelmente conhecerem os comportamentos socialmente aceitos e terem sido entrevistados por profissionais da Nutrição. O estudo incluiu uma amostra de crianças de baixo nível socioeconômico residentes em municípios de alta vulnerabilidade social, limitando a generalização dos resultados para outros estratos, mesmo dentro da Região Sul. A amostra foi selecionada por meio das equipes de saúde da atenção básica, o que favorece a seleção dos usuários deste serviço em relação aos que não o utilizam. Contudo, a atenção básica constitui a principal forma de atenção à saúde e acompanhamento de crianças nessas comunidades, e as estratégias de divulgação do estudo não limitaram-se apenas aos usuários destes serviços de saúde, o que aumenta a probabilidade de selecionar a população infantil representativa desses municípios. Outra limitação é que a idade de introdução de alimentos foi considerada em meses, sem informações sobre a quantidade ou frequência de alimentos oferecidos às crianças. Entretanto, o método de coleta retrospectivo poderia diminuir a fidedignidade das respostas. Por esse motivo, optou-se pela introdução ou não dos alimentos de acordo com a idade em meses. A lista de alimentos previamente definida pode não ter contemplado todos os que são oferecidos antes dos quatro meses de idade, o que reforçaria ainda mais as conclusões deste estudo.
O presente trabalho possibilitou identificar a prevalência da introdução de alimentos não recomendados no primeiro ano de vida entre crianças residentes em municípios de alta vulnerabilidade socioeconômica da Região Sul do Brasil. Essa prática foi associada à menor escolaridade materna e menor renda mensal familiar, o que sugere que estes aspectos são fatores de risco para as famílias introduzirem alimentos não saudáveis na alimentação da criança. O acompanhamento de saúde frequente no primeiro ano de vida e com profissionais capacitados é fundamental para intervir nesse quadro, de forma a melhor orientar mães e cuidadores quanto à introdução da alimentação complementar de forma adequada. Adicionalmente, ações governamentais que restrinjam a publicidade e regulamentem a rotulagem desses alimentos também constituem importantes instrumentos para a garantia de práticas de introdução da alimentação complementar oportuna e saudável.