Compartilhar

Investigação qualitativa na área da saúde: por quê?

Investigação qualitativa na área da saúde: por quê?

Autores:

Jaime Ribeiro,
Dayse Neri de Souza,
António Pedro Costa

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.21 no.8 Rio de Janeiro ago. 2016

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015218.15612016

As idiossincrasias da investigação qualitativa ainda recebem olhares de soslaio de investigadores da área da saúde, onde prevalece a hegemonia dos ensaios clínicos. Persiste a incerteza do que é a investigação qualitativa e qual o seu contributo nesta área. Ouve-se frequentemente que “Não dá para generalizar”, “É pouco rigorosa”, “Estudam-se poucos indivíduos” e, até depreciativamente “Isso é muito subjetivo”. Estas críticas contribuíram para a sua evolução, alertando para o rigor que pauta os estudos bem conduzidos. Embora não se corporize a generalização estatística, constata-se a aposta na validade interna que traduz as especificidades do grupo/fenómeno/caso estudado. São incontornáveis os seus contributos para a construção do conhecimento, pois o que eventualmente se desaproveita em extensão rentabiliza-se em profundidade e compreensão. A descrição detalhada de fenómenos, a subsequente desconstrução e reconstrução, possibilitam a mobilização de conhecimento, a transferibilidade crítica, permitindo assim a generalização analítica.

A inseparabilidade dos fenômenos do seu contexto alicerça a investigação qualitativa, pois é impossível discernir opiniões, perceções e significados dos indivíduos silenciando o contexto. É a particularização contextualizada que permite almejar a maiores níveis de compreensão.

Passado este “abre-olhos” acerca da investigação qualitativa, surge a questão: Por que fazer investigação qualitativa na área da saúde? Porque os métodos qualitativos têm muito a oferecer àqueles que estudam os serviços de saúde. Em primeiro lugar, hoje a credibilidade crescente nos estudos mistos fará ruir paulatinamente a dicotomia quantitativo-qualitativo, seja usando-se a investigação qualitativa como exploratória para a quantitativa ou, ao contrário, esclarecendo, a partir de questionários, opiniões e comportamentos no ambiente natural de ocorrência do fenômeno estudado.

Em segundo lugar, porque os estudos qualitativos se focam nas pessoas, naquilo que as faz recorrer aos cuidados e nas vivências pessoais com impacto na sua condição de saúde. A natureza da investigação qualitativa se centra na procura de significados, na medida em que os fenômenos, as manifestações, as ocorrências, os fatos, os eventos, as ideias, os sentimentos e os assuntos moldam as vivências humanas. Os significados que sobrevêm passam também a ser partilhados culturalmente e assumem-se como estruturadores do grupo social que orbita em torno destas representações e destes simbolismos.

Conhecer as significações dos fenômenos do processo saúde-doença pode contribuir de sobremaneira para melhorar a qualidade da relação entre consumidores e fornecedores de serviços de saúde; fomentar maior adesão em ações de saúde implementadas individual e coletivamente; e, entender mais profundamente emoções e comportamentos dos doentes, famílias e profissionais de saúde. Indubitavelmente, a saúde é das pessoas, para as pessoas e pelas pessoas, pelo que, uma auscultação profunda da “subjetividade” permite um maior conhecimento e, consequentemente, respostas ajustadas às pessoas, usuários e profissionais de saúde.

Esta edição especial compila trinta e um artigos de elevada qualidade, integrando nove oriundos do 4º Congresso Ibero-Americano em Investigação Qualitativa. Os trabalhos aqui publicados são o rosto das premissas apresentadas, através dos quais os autores indagam as vivências e a qualidade de vida dos que utilizam os serviços, as experiências dos que os prestam, a importância da relação entre os profissionais de saúde e os clientes e, não menos importante, a avaliação de programas de intervenção e de formação profissional e pessoal dos futuros técnicos de saúde e da própria comunidade que é participe e sujeito dos serviços e dos cuidados.

Jaime Ribeiro 1,2, Dayse Neri de Souza 2, António Pedro Costa 2
1Instituto Politécnico de Leiria
2Universidade de Aveiro