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Itinerário terapêutico de pessoas com tuberculose diante de suas necessidades de saúde

Itinerário terapêutico de pessoas com tuberculose diante de suas necessidades de saúde

Autores:

Aliéren Honório Oliveira,
Antonio Germane Alves Pinto,
Maria do Socorro Vieira Lopes,
Tânia Maria Ribeiro Monteiro de Figueiredo,
Edilma Gomes Rocha Cavalcante

ARTIGO ORIGINAL

Escola Anna Nery

versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465

Esc. Anna Nery vol.23 no.3 Rio de Janeiro 2019 Epub 05-Set-2019

http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2019-0034

INTRODUÇÃO

A tuberculose (TB) permanece como um problema de saúde pública no contexto mundial. O Brasil encontra-se entre os 30 países com alta carga da doença e entre os 20 países com maior número estimado de TB e TB/HIV, para o período de 2016-2020. Mesmo diante dessa incidência, o País tem apresentado progresso quanto ao alto índice de cobertura de tratamento, que foi maior de 80,0% e com maior cobertura de serviço acima de 70,0%, em 2017.1

Na busca de controle da TB, grupos nacionais e internacionais têm elaborado planos e estratégias, considerando como principais ferramentas o diagnóstico precoce e o início do tratamento.1 Na busca de responder ao acesso e monitoramento dos casos, no Brasil as ações de controle foram descentralizadas para a Atenção Primaria à Saúde (APS), em acordo com as recomendações do Ministério da Saúde. Embora tenham ocorrido de maneira verticalizada e com fragilidades no processo, dentre elas a necessidade de articulação entre os pontos de atenção e monitoramento.2

Nesse contexto, se reconhece a importância da atuação das equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF), que é tomada como um espaço legítimo para implementação de ações de vigilância, prevenção e controle da doença. Quanto às ações de regulação de fluxo apresentam-se ainda pouco resolutivas, pois a investigação, o diagnóstico e o tratamento dos casos da doença são redirecionados para a atenção especializada.3

Além desse cenário, lançados à estruturação da rede assistencial e responsabilidade do Programa de Controle de Tuberculose, requer clareza sobre os aspectos relacionados ao contexto e aos serviços que os pacientes percorreram durante seu itinerário terapêutico. Assim, é fundamental contribuir para a reorganização dos serviços de saúde que prestam assistência às pessoas com TB de modo a contemplar suas necessidades de saúde.4

Os recursos disponíveis nos serviços de saúde para a atenção à TB não podem se limitar ao acesso do diagnóstico, à disponibilidade do medicamento e à supervisão de sua ingesta. Essas estratégias são insuficientes, porque, diante das necessidades de saúde e vulnerabilidades dos indivíduos frente ao adoecimento, deve ser priorizado o acesso ao tratamento, garantido por meio de vínculo e do apoio da equipe de saúde.4,5

Nesse contexto, os fluxos assistenciais programáticos visam orientar o percurso dos cidadãos pelo sistema de saúde, que nem sempre corresponde àquele realizado ou almejado pelas pessoas, resultando em peregrinações malsucedida por diferentes serviços de saúde.

Os conceitos de itinerários terapêuticos têm sido explorados sob diferentes perspectivas, mas, na maioria das vezes, isto é feito de modo fragmentado e circunscrito à descrição de percursos ou fluxos, ou à busca e oferta em serviços formal ou informal da Rede de Atenção à Saúde (RAS).6 A investigação dos itinerários terapêuticos é uma prática potencialmente reveladora e eficaz para compreender a complexidade da busca pelo cuidado. Ainda, os estudos dos itinerários terapêuticos possibilitam avaliar a RAS, considerando as dimensões subjetivas, e não apenas indicadores de desempenho, que dificilmente dão conta da complexidade da vida cotidiana e de suas repercussões na saúde dos assistidos.7

Diante da escassez de estudo em relação à temática, é fundamental conhecer o itinerário terapêutico das pessoas com TB na rede de atenção, pois se faz essencial que a oferta dos serviços de saúde garanta a universalidade, a equidade e a integralidade e das redes de cuidados. Assim, o objetivo desta pesquisa foi descrever o itinerário terapêutico de pessoas com TB, diante de suas necessidades de saúde.

MÉTODO

Estudo descritivo de abordagem qualitativa, realizado em um município situado na mesorregião do Sul cearense. Utilizou-se o conceito teórico de Itinerário Terapêutico, considerado um dos conceitos centrais nos estudos socioantropológicos da saúde. Utilizado para designar as atividades desenvolvidas pelo indivíduo na busca de tratamento para a doença ou aflição.8

O Itinerário Terapêutico apresenta duas grandes ordens de explicações que são cognitivase socioeconômicas. Por meio destas, pode-se analisar quatro grandes temáticas relacionadas ao seu significado que se entrecruzam: a) identificação de estratégias desenvolvidas para resolução de problemas de saúde; b) caracterização de modelos ou padrões nos percursos de tratamento ou cura; c) trânsito de pacientes nos diferentes subsistemas de cuidados à saúde; e d) funcionamento e organização de serviços de cuidado à saúde.8

A população participante do estudo foi constituída de dez pessoas em tratamento para TB, sendo sete da zona urbana e três da rural. Estas atenderam aos seguintes critérios de elegibilidade: ser cadastrado no Programa Municipal de TB; ser maior de 18 anos e estar acompanhado pela Equipe Saúde da Família ou centro de referência para o tratamento de TB.

Para o acesso aos participantes, realizou-se contato com a coordenação da vigilância epidemiológica do município, que autorizou a busca dos casos de TB cadastrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Foram localizadas 27 pessoas em tratamento para a doença, destas, cinco encontravam-se de alta, quatro abandonaram o tratamento, duas recusaram participar do estudo, duas não foram localizadas, uma teve mudança de diagnóstico e três não atenderam aos critérios de inclusão.

Utilizou-se como técnica para coleta dos dados a entrevista semiestruturada, composta pelas seguintes questões norteadoras: Quais sintomas você apresentava e quanto tempo demorou a realizar seu atendimento? Qual serviço de saúde você utilizou, quais unidades percorridas para concluir o diagnóstico e realizar o tratamento da TB? Onde você realizou seu tratamento e para quais serviços foi encaminhado? Você escolheu de como e onde realizar o seu tratamento para a TB junto com a equipe de saúde? Como a sua família participou na decisão do seu tratamento?

A produção do material empírico ocorreu no período entre março e julho de 2015. Para tanto, as entrevistas foram agendadas previamente. O Agente Comunitário de Saúde mediou o primeiro contato do pesquisador com os participantes no âmbito domiciliar e, nesse contexto, foram apresentados o objetivo, os riscos e os benefícios da pesquisa. Após o esclarecimento das dúvidas e da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As entrevistas foram registradas em um gravador digital com chip e tiveram duração média de 35 minutos. Posteriormente, foram transcritas na íntegra, compondo um material autêntico para a análise.

Para análise dos dados, utilizou-se a hermenêutica-dialética, proposta por Minayo, que aproxima o objeto estudado da realidade, por meio da interpretação dos significados, da subjetividade e das relações do indivíduo, contrapondo suas práticas individuais e sociais.9 Tal técnica foi executada por etapas, a saber: ordenação dos dados, classificação dos dados, leitura transversal e análise final. Na garantia de cumprir o sigilo, a confidencialidade e o anonimato dos participantes do estudo, estes foram identificados pela letra "S" e pelo número do quantitativo de entrevistados (S1, S2... S10).

O estudo atendeu à Resolução 466/2012, sendo respeitados os princípios éticos da autonomia, da beneficência, da não maleficência e da justiça.10 Foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Regional do Cariri (URCA), com número do parecer: 974.841.

RESULTADOS

Os entrevistados tinham idade de 20 a mais de 65 anos. Seis pessoas tinham menos de quatro anos de estudos, e sete dos entrevistados contavam com renda mensal de até um salário mínimo (R$ 788,00).

Na análise do itinerário de cada indivíduo em tratamento para a TB, emergiram as seguintes categorias: Início dos sintomas e diagnóstico da tuberculose; Porta de entrada e acesso ao diagnóstico; Descentralização do tratamento e encaminhamentos para outros serviços e conduta de doentes e familiares em relação ao tratamento.

Início dos sintomas e diagnóstico da tuberculose

Quanto aos sintomas relacionados à TB, os participantes do estudo afirmaram a presença de sinais e sintomas clássicos tais como febre, tosse, cansaço e até hemoptise.

No começo eu vivia com muita febre, tossia muito, vivia muito cansada [...], eu emagreci muito [...](S1).

Eu tossia sangue e os doutores suspeitaram, mas a doutora disse que aquele sangue era muito para ser da tuberculose, porque era muito, quando eu tossia (emocionada) que eu conheço a tosse. Primeiro saía aquele bolo de sangue coalhado, aí depois começa aquele sangue vindo e tossindo e tossindo (S4).

Na maioria dos relatos, o diagnóstico de TB ocorreu em tempo oportuno, pois os participantes apresentavam tosse a menos de um mês. Em discordância, o tempo inoportuno do diagnóstico ocorreu para os que referiram tosse por mais de um ano, e os entrevistados afirmaram que houve atraso na decisão do diagnóstico e no tratamento, apesar da insistência do usuário pela busca da resolução do problema sentido.

Demorou a descobrir a doença uns 15 a 20 dias, por aí (S8).

[...] Já vai fazer três anos agora em junho, que eu me bato atrás de descobrir o que é que eu sentia. Porque foi assim: quando eu subia qualquer rampinha eu cansava logo, se eu me alterasse ou andasse ligeiro, eu ficava cansada, aí eu queria descobrir o que era (S9).

Para os casos em que o diagnóstico foi tardio, a dificuldade foi identificada em cada relato, pois mesmo com sintomas iniciais e clássicos da doença, ocorreram erros nos diagnósticos e, consequentemente, nas prescrições médicas e até internamento. Segundo relato, isso ocorreu devido a um equívoco do profissional de saúde do hospital quanto ao diagnóstico diferencial da TB entre pneumonia e asma, mesmo com o amparo de exames complementares (raios X) no ambiente de Atenção Secundária.

Primeiro fui para o hospital, tava cansada, ele (médico plantonista) disse que eu tava com começo de asma, aí eu tomei três aerossóis, tomei três injeções e vim para casa (S3).

No começo, eu vivia com muita febre, tossia muito, vivia muito cansada, ia para o hospital, me consultava, batia raio X, e o médico só dizia que era uma pneumonia. Ficava internada, tomava medicação 8 dias e vinha embora. Eles só diziam isso até que eu fui só fazendo esse tratamento, pensando que era pneumonia e nada. Quando eu fiz o exame dessa doença foi que acusou essa doença séria (S1).

Porta de entrada e acesso ao diagnóstico

Os participantes apontaram que a porta de entrada no serviço de saúde foi preferencialmente a ESF, que facilitou o acesso ao diagnóstico e aos exames como a baciloscopia e o raio X. O monitoramento e o tratamento também foram facilitados, pois foram realizados pela própria ESF, sem que o paciente se dirigisse a outros lugares.

Começou com uma tosse muito forte e foram passando os dias e nada de passar. Procurei o posto (ESF) e a médica passou o exame para eu fazer. Fiz o raio-X e acusou. Fiz os outros exames de escarro, aí foi comprovado. Eu comecei o tratamento e até agora não precisou eu sair para outro lugar (S8).

Os participantes também obtiveram acesso ao diagnóstico em hospital e centro de especialidades médicas, especificamente com pneumologistas. Nesses locais, realizaram exames complementares como o PPD e outros, que embora não tenham sido especificados, não estavam disponíveis pelo serviço público e foram custeados pelo próprio paciente.

Eu fui para o hospital com tosse e cansaço e lá me internei. Depois que sai me encaminhou para o posto da grota (centro de especialidades médicas) e o doutor (pneumologista) me pediu os exames e mostrei ao médico do posto (médico da ESF) que me encaminhou para o posto da grota novamente, porque ele disse: Não, quem tem que ver é o doutor (pneumologista), porque foi ele quem pediu. (S10).

A doutora pediu um raio-X do tórax, eu fiz e deu uma lesão. Eu faço tratamento com doutor dos ossos (reumatologista), e fui para ele mostrar o raio. Ele olhou e disse: Nós vamos aprofundar e descobrir o que é isso aí, e pediu uma tomografia. Quando eu fiz deu uma extensa lesão e tuberculose. Ele me encaminhou para o pneumologista, que pediu um bocado de exames. Os exames eram muito caro e eu não tive como pagar. Fui lá ao hospital que eu tinha que fazer uma do nódulo, eu paguei R$200,00, aí quando eu recebi era tuberculose (S9).

Primeiro, eu fui para o posto da grota e a doutora (pneumologista) pediu os exames do escarro, o de sangue, o raio-X, e o daqui (mostra o braço esquerdo; teste tuberculínico − PPD). Aí, eu fui mostrar para o doutor (pneumologista do centro de especialidades médicas), (...) tava em 20 (20mm) e o do escarro não tinha dado nada. Eu sei que esse do braço foi a suspeita (PPD). Ele passou um exame do nariz (broncoscopia), onde deu que a bactéria que tava se gerando (S4).

Descentralização do tratamento e encaminhamentos para outros serviços

O tratamento de grande parte dos entrevistados foi realizado de forma descentralizada, na ESF da sua localidade, próxima ao seu domicílio, tal qual o monitoramento dos exames de baciloscopias, que foram facilitados e realizados em domicílio ou na Unidade Básica de Saúde.

Faço o meu tratamento no posto de saúde daqui mesmo. A baciloscopia eu faço, (...) faço em casa e mando para doutora enfermeira (S2).

Em contraponto ao tratamento descentralizado na ESF, foi possível conhecer participantes que realizaram seu tratamento no Centro de Especialidades Médica do Município. A escolha desse serviço de saúde ocorreu por conta do vínculo estabelecido com o profissional de saúde ou pela ausência de ESF próxima ao seu domicílio.

Eu fui para o doutor no posto da grota (centro de especialidades médicas), porque sempre é ele que mais me atende, desde quando eu tive a primeira pneumonia, entendeu? Não fui proposto (ESF da sua localidade), porque não gosto muito do médico de lá (S4).

Vou para o posto da grota porque aqui no bairro não tem posto de saúde (S6).

A maior parte dos entrevistados foi encaminhada para o nível de Atenção Secundária, nesse caso, o centro de especialidades, por este oferecer atendimento com médicos pneumologista. A justificativa do encaminhamento foi devido à necessidade de confirmação do diagnóstico, no caso de dúvidas, ou de investigação da doença, nos casos atípicos.

Eu fui aqui para o posto (ESF) e falei para o doutor daquela tosse e do cansaço que eu tava sentindo. Aí, o doutor pediu imediatamente os exames para essa doença, antes de receber os resultados ele já desconfiava que era tuberculose. Aí, ele me mandou para o posto da grota (centro de especialidade médica) só para confirmar (S7).

Só agora, para pneumologista. A médica me encaminhou para o posto da grota (S9).

Conduta de doentes e familiares em relação ao tratamento

O protagonismo do participante também foi examinado, quando foi interpelado sob a escolha de como e onde realizou seu tratamento junto com a equipe da ESF e se sua família participou na decisão do seu tratamento. Conforme, o que convergiu nos discursos foi uma determinada submissão, na qual os participantes relataram certa passividade no momento decisório do tratamento, atendendo aos encaminhamentos e obedecendo aos comandos dados pelos profissionais da saúde. Destacados nos discursos:

O doutor (enfermeiro) do postinho perto da casa da minha mãe, que botou para eu fazer o tratamento perto de onde eu moro, mas e eu gostei, não gosto de andar muito. (S3)

Divergente do exposto pode-se observar que apenas um dos entrevistados teve liberdade de escolha, pois optou onde e como realizar o seu tratamento. A escolha pelo acompanhamento no centro de especialidades ocorreu pela relação de vínculo com o profissional de saúde do serviço, enquanto que na ESF o distanciamento foi pela falta de confiança no atendimento.

Sim, escolhi o posto de especialidade,porque o que Dr. X sempre que eu sinto uma coisa vou lá. Ele é que mais me atende desde quando eu tive a primeira pneumonia. Eu não fui para o posto perto lá de casa porque o médico errou a minha receita. Uma vez fui pegar meu remédio da pressão e quando fui comprar o farmacêutico disse: aqui é um xarope. Depois disso eu fiquei com medo (S4).

Nesse contexto, prevaleceu à participação da família na decisão do tratamento. Observando-se uma fragilidade dos participantes, que se sustentaram na família como base de apoio emocional e de auxílio no cuidado à saúde diante das dificuldades que apareceram.

Mãe e todas as minhas irmãs. Foi no posto avisar o doutor que eu estava doente e marcaram uma visita para ver o que era aquela tosse. Falam com a enfermeira que eu não to melhor, ficam atrás de remédio para eu melhorar, me ajudam muito. (S2)

Participou. A minha mulher e os meus filhos, que me ajudaram em tudo, me levavam para fazer exame e tudo. (S7)

Observou-se a ausência da participação familiar, especialmente, para um dos participantes, que destaca o preconceito das pessoas em relação à TB, aparentando-se fragilidade diante da sua situação de saúde.

Eu resolvi tudo sozinha mesmo, sem a ajuda de ninguém, nem da minha família, o povo daqui tem tudo preconceito com essa doença. (S8)

DISCUSSÃO

O estudo de itinerário terapêutico buscou identificar a dimensão organizacional do sistema de saúde e das tecnologias assistenciais ofertadas às pessoas com TB. Verificou-se o trânsito de paciente nos diferentes subsistemas de cuidados à saúde para o atendimento das necessidades de saúde dos participantes do estudo e a garantia do acesso às tecnologias que melhorem e prolonguem a vida.

O diagnóstico precoce da TB constitui uma das ações importantes para o controle e o rompimento da cadeia de transmissão. Nesse estudo, o tempo decorrido para o diagnóstico foi de dias a anos. Em pesquisas brasileiras, observou-se diferença considerável no tempo para conclusão do diagnóstico da doença, que incluem fragilidades de acesso ao diagnóstico relacionado aos serviços de saúde com tempo mediano de atraso de 15 dias,11 ou com mediana de tempo menor ou igual a 30 dias.3 Além da influência dos determinantes individuais no retardo do diagnóstico da TB, tais como indivíduos solteiros, com até oito anos de estudo e desempregados que atrasaram de 20 a mais de 30 dias para procurar os serviços de saúde.12 Estes achados demonstram a necessidade de investigação do retardo do tratamento, para elaboração de planejamento, investigação e articulação dos serviços de saúde. Assim como a necessidade de desempenho mais efetivo por parte dos profissionais de saúde principalmente da APS, em investigar os casos da doença em sua área de abrangência.

Identificaram-se ainda, dois diagnósticos equivocados especialmente no diagnóstico diferencial entre TB e pneumonia. Tais dados estão de acordo com pesquisa realizada em serviços públicos municipais de três grandes capitais do país, segundo a qual os indivíduos sintomáticos respiratórios atendidos têm rotineiramente erros no diagnóstico. Assim, são frequentemente tratados para gripe, resfriado, alergia e pneumonia. Isso tem ocorrido porque os profissionais de saúde não têm a TB como hipótese diagnóstica.13 Percebe-se, então, um longo percurso dos doentes, entre hospitais e unidades de saúde, até se confirmar o diagnóstico tardio da TB. Além de os profissionais de saúde lançar mão de exames mais complexos, em detrimentos aos mais específicos e de menor custo, para confirmarem a doença.

Referente à porta de entrada, os participantes buscaram diferentes níveis de atenção Primária ou Secundária. Esses resultados destacam a realidade encontrada em outros estudos,14,15 que sinalizam como porta de entrada a APS, o serviço de pronto atendimento, o serviço de saúde privado e o serviço de atenção especializada. Esse último como melhor desempenho para o diagnóstico em população idosa.15 Embora na análise do programa de melhoria do acesso e qualidade da atenção básica o número de casos confirmados de TB e sintomáticos respiratórios atingiu 81,1% na ESF, em todo o Brasil.16

Em tese, todos constituem porta de entrada, tanto para o diagnóstico da doença quanto para amenizar sintomas mais graves, além de poder oferecer acesso direto à consulta médica e/ou outros serviços.17 Contudo, é necessária a melhoria da atenção primária à saúde, como organizadora da assistência e garantia do acesso para evitar o retardo do diagnóstico e tratamento que repercutem no controle da doença.

Ressalta que o trânsito de cada paciente pode ocorrer de diferentes formas na busca de subsistema de saúde, que estão relacionadas aos aspectos cognitivos e socioeconômicos.8 A escolha desses serviços, também, foi motivada pelo vínculo, pela facilidade de acesso, pela orientação de familiares e pela busca de resolutividade do problema, também constatado em outro estudo.17

Compondo a lógica da atenção integral, a APS deve ser capaz de diagnosticar e resolver a maior parte dos casos. Estudo de análise dos fluxos dos sintomáticos respiratórios e resultados alcançados em unidade de APS, em dois municípios do Rio Grande do Sul, de modo geral, detectou a fragmentação com baixa detecção de casos e a resposta ao diagnóstico em 8,8% e 50,0% nesse nível de atenção entre os Municípios de Pelotas e Sapucaia do Sul, respectivamente.18 Esse dado reflete uma inversão do fluxo no atendimento, uma vez que a APS é ordenadora da assistência em saúde e porta de entrada preferencial. Em destaque, caberia a ela priorizar o cuidado às pessoas com essas condições crônicas.

Nesse estudo, logo no primeiro contato, foram solicitados a baciloscopia e os raios X, para a comprovação da doença. Pesquisas similares conferem que a baciloscopia é o método de escolha,19 com destaque para sua realização nas unidades de saúde.20 De fato, aos exames supracitados são os preconizados para o diagnóstico da TB, devendo ser de fácil acesso, baixo custo e ofertados pelo Sistema Único de Saúde, contudo o acesso imprime a conduta do caso que pode conferir atraso no diagnóstico e tratamento da doença.

Outros exames diagnósticos mais complexos também foram solicitados, como tomografia, broncoscopia e biópsia, que geraram mais custos para alguns participantes e, consequentemente, atraso no diagnóstico. Corroborando essa realidade, a pesquisa identificou outros exames realizados, além da baciloscopia e dos raios X, como o teste tuberculínico (PPD), biópsia e cultura do escarro.21 De fato, apesar do serviço gratuito para TB, na Índia, os custos substanciais para a procura e tratamento incorreram em encargos financeiros para o paciente. Esses custos podem ser minimizados quando se promove a procura precoce de cuidados e com a descentralização de diagnósticos eficientes e serviço de tratamento.22

Os exames complementares devem ser solicitados quando necessários, mas cabe a articulação na rede de atenção disponibilizá-los e facilitar o acesso, sem ônus ao usuário.

A maior parte dos participantes foi encaminhada para o especialista, na perspectiva da definição do diagnóstico, especificamente, nos casos de dúvida. Os encaminhamentos para os serviços especializados apresentam melhor desempenho em relação ao diagnóstico da doença, pois essas instituições contam com equipes especializadas e oferta dos testes de apoio diagnóstico.23 Embora os encaminhamentos sejam estratégias utilizadas pelos profissionais da ESF para suporte no diagnóstico correto, há necessidade de qualificar e sensibilizar esses profissionais sobre a importância do manejo adequado da pessoa com TB.

Constatou-se ser limitado o protagonismo da pessoa com TB quanto à escolha de seu itinerário terapêutico, pois foram em parte trilhados pelos profissionais de saúde. Em contrapartida, prevaleceu participação da família, principalmente, realizado pela mãe, esposa, filhos e irmãs. Estas colaboraram na gestão do cuidado à saúde mediando à comunicação entre os profissionais da ESF e o pacientes. Resultados identificados em um estudo, realizado em Ribeirão Preto-São Paulo, apontaram a importância da participação da família para obtenção de êxito no tratamento da TB e na efetividade da estratégia de enfrentamento da doença.24

Corroborando, estudo na Índia, também, constatou a influência das famílias no controle da TB, relacionadas ao apoio diante do tempo prolongando do tratamento e condições clínicas; da necessidade de suporte nutricional e de subsistência e a na adesão ao tratamento.25

Entende-se que na prática assistencial, a análise de itinerário terapêutico requer profissionais qualificados e capazes de realizarem ações articuladas, de modo que atendam às necessidades de saúde das pessoas com TB. Na busca de implementar cuidados por meio de vínculo e uma rede social de apoio que agrupam atores na prática de processos de adoecimentos e tratamento diretamente observado. Esse conjunto de acontecimentos difere pela possibilidade de laços frágeis, incertos e controversos que o itinerário terapêutico explicita entre o mundo de práticas e ontologias práticas.8 Para isso, é necessário a interação social entre profissionais de saúde, paciente e família para diminuir o percurso, especialmente do diagnóstico. Além da necessidade de promover uma abordagem congruente nos serviços de saúde públicos e privados, assemelhando o compromisso com as metas para o "fim da TB".

CONSIDERAÇÕES E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA

O itinerário das pessoas com TB, na Atenção Primária, revela fragilidades quando os percalços para obterem o diagnóstico e o cuidado à saúde, que requer necessidade de maior sensibilização dos profissionais de saúde em todos os níveis de atenção.

Na gestão do cuidado, deve ser estabelecida maior integração dos serviços de saúde, fluxograma de atendimento para o acesso as tecnologias necessárias e o monitoramento dos pacientes, no sentido de assegurar o cuidado apoiado e integral.

O vínculo interativo entre paciente, família e profissionais foram potencializados para negociação do cuidado diante da condição dos enfermos. Embora se identifique pessoa que não conseguiu apoio de familiares ocasionado pelo estigma e preconceito em relação à doença. Além de outras informações fornecidas pelos pacientes por se encontrarem em outros tipos de tratamento e custos que podem ser obstáculos para a condução do tratamento em acordo com o seu contexto social.

O estudo apresenta limitações relacionadas ao número de participantes e ao local do estudo, o que impede a generalização dos achados. No entanto, os aspectos elucidados pelo desafio do itinerário terapêutico dos pacientes, em seu aspecto mais amplo e em pesquisas de maior abrangência, destacam-se diante da necessidade de estudos complementares, pois existe uma carência de pesquisa sobre a prática de cuidados ao paciente com TB.

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