versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.85 no.3 São Paulo maio/jun. 2019 Epub 10-Jul-2019
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2019.02.001
A inflamação alérgica pode afetar as vias aéreas superiores e inferiores1 e doenças alérgicas podem ter um impacto negativo significativo na qualidade de vida e na produtividade do indivíduo.2-4 A rinite alérgica afeta pelo menos 20% da população americana5 e as taxas de prevalência têm aumentado. A relação entre as doenças inflamatórias das vias aéreas superiores e inferiores é cada vez mais reconhecida e tem sido descrita como uma via aérea unificada.1,6 O conceito de via aérea unificada é descrito como uma alteração inflamatória em uma parte da via aérea que causa respostas inflamatórias em outros segmentos.1,6,7 Embora a via aérea unificada seja bem estudada e descrita, a relação entre doença alérgica e sintomas laríngeos e o papel da alergia na laringite crônica são controversos e ainda pouco descritos.8 Estudos recentes têm proposto que a alergia pode causar disfonia por inflamação direta, trânsito de muco através da via aérea superior ou inferior na laringe e comportamentos compensatórios, como tosse, que causam edema laríngeo.9
Os sintomas laríngeos resultantes de laringite alérgica não são específicos e incluem rouquidão, pigarro, tosse e sensação de globus.3 Embora nenhum sintoma laringoscópico específico seja patognomônico para laringite alérgica, os achados associados à laringite alérgica incluem muco denso endolaríngeo, hiperemia e edema de prega vocal.10 Esses sinais e sintomas também são comuns em pacientes com refluxo laringofaríngeo (RLF) e, portanto, alguns estudos discutem a possibilidade de a laringite alérgica ser diagnosticada erroneamente como RLF.10-13
Indivíduos com rinite alérgica apresentam maior prevalência de disfonia do que indivíduos não alérgicos.9,14,15 Cantores com sintomas vocais são 15% a 25% mais propensos a ter rinite alérgica do que aqueles sem sintomas vocais.16 Simberg et al.17 avaliaram estudantes universitários com e sem alergia e verificaram que aqueles com alergia relataram significantemente mais sintomas vocais do que aqueles sem alergia. O diagnóstico de laringite alérgica pode ser desafiador. Os sintomas da laringite alérgica não são específicos, existe a possibilidade de a laringite alérgica coexistir com o RLF ou asma, quando os efeitos da tosse, aumento da viscosidade do muco e uso de medicamentos inalatórios pulmonares podem desempenhar um papel na dificuldade de identificar a laringite alérgica.18 Apesar da suspeita de uma inflamação alérgica como causa da laringite crônica, o termo “laringite alérgica” ainda é controverso.
Qual é o papel da laringe na via aérea unificada? Segundo Krouse,6 o trato respiratório, o da tuba auditiva, os seios paranasais e até os bronquíolos distais funcionam como uma unidade unificada e inter-relacionada. A laringe está localizada entre as vias aéreas superior e inferior; o muco passa pela laringe e desce a vias aérea superior ou sobe pela via aérea inferior. A mucosa da laringe é semelhante à do restante da árvore respiratória e, portanto, seria difícil considerar a inflamação alérgica das vias aéreas superior e inferior poupando a laringe.
A laringite alérgica resulta da exposição a um alérgeno inalado, causa sintomas de tosse e disfonia e provavelmente ocorre através de três mecanismos:6,19 (1) a inflamação local da laringe, nariz ou seios paranasais produz um sistema de up-regulação de mediadores inflamatórios que passam através da circulação e aumentam a produção de muco local; (2) trânsito de muco através da laringe e (3) edema da mucosa resultante de mecanismos compensatórios como pigarro e tosse. De acordo com o conceito de via aérea unificada, a laringite alérgica resultaria de uma disseminação sistêmica da inflamação local que envolve todo o trato respiratório.19,20
Os sintomas clínicos da laringite alérgica incluem sintomas frequentes de qualquer laringite crônica, como tosse, pigarro, sensação de corpo estranho, excesso de muco na laringe, drenagem pós-nasal e disfonia ocasional. Esses sintomas são inespecíficos e comuns em pacientes com RLF, muitas vezes levam ao diagnóstico errôneo de laringite alérgica como RLF.10,18 Esses sintomas também estão presentes em pacientes com infecções agudas do trato respiratório superior e em rinossinusite crônica e não alérgica.
A maioria dos pacientes com distúrbios vocais decorrentes de laringite crônica apresenta vários sintomas que estão presentes em diferentes condições inflamatórias, é então um desafio definir a causa dos sintomas, uma vez que mais de uma causa pode coexistir.18 A asma e seu tratamento podem causar disfonia e o uso de medicamentos que causam secura, como anti-histamínicos, descongestionantes e inaladores pulmonares, pode causar sintomas laríngeos.9 Os sintomas da laringite alérgica são, portanto, inespecíficos e incluem rouquidão, pigarro, sensação de globus, muco excessivo, dor de garganta e sensação de gotejamento pós-nasal. Como mencionado acima, esses sintomas são comuns a outros distúrbios inflamatórios e estudos recentes têm discutido a possibilidade de um sobrediagnóstico de RLF e um subdiagnóstico de laringite alérgica. 8,10,11,13
Apesar de algumas controvérsias em relação ao RFL, que é definido como um fluxo retrógrado do conteúdo gástrico para a laringe e a faringe, que entra em contato com tecidos do trato aerodigestivo superior,21 o monitoramento de pH de 24 horas com duas sondas e impedância intraluminal multicanal e manometria é considerado o padrão-ouro no diagnóstico de refluxo e RLF. Esses testes, no entanto, não são usados rotineiramente devido ao desconforto para o paciente e o custo.21,22 Mais comumente, o diagnóstico é feito com base nos sintomas clínicos que sugerem refluxo, a resposta a um tratamento empírico comportamental e medicamentoso e os achados endoscópicos de alterações da mucosa.23
Belafsky et al.24 desenvolveram um questionário com base no paciente para avaliar os sintomas relacionados à RLF, o Reflux Symptom Index (RSI), e também uma escala de classificação dos achados da laringoscopia para prever a presença de RLF, o Reflux Finding Score (RFS).25 Devido à subjetividade dos resultados dessas avaliações, a baixa especificidade e a confiabilidade interobservadores, essas escalas não são usadas rotineiramente na prática clínica.18,26,27 Entretanto, no estudo de Erdem et al.,10 eles encontraram uma alta taxa de confiabilidade interobservadores para o muco laríngeo espesso como um preditor de alergia.
Brook et al.8 demonstraram haver alta positividade no teste de alergia in vitro em pacientes com sintomas de laringite crônica, semelhante aos de pacientes com rinite e sinusite, doenças mais associadas à alergia. No estudo de Randhawa et al.,13 os pacientes com disfonia apresentaram maior incidência de alergia, diagnosticada pelo teste cutâneo de puntura (TCP) comparado ao RLF, diagnosticado por RSI e RFS. Todos os pacientes com RLF apresentaram alergia concomitante. Em um estudo subsequente, Randhawa et al.,28 constataram que o grau de alergia dos pacientes alérgicos correlacionou-se com a gravidade dos sintomas vocais avaliados pelo escore do questionário Voice Handicap Index (VHI).
No estudo de Koc et al.,29 os achados estroboscópicos e acústicos da laringe e os escores do questionário VHI foram investigados em 30 pacientes com rinite alérgica, em comparação com 30 controles sem rinite alérgica pareados por idade e sexo. Nenhuma diferença foi observada entre os pacientes com rinite alérgica e o grupo controle em relação aos achados estroboscópicos, mas os valores do VHI e da razão S/Z (o tempo durante o qual uma pessoa pode sustentar o som “s”, sobre o tempo que ela pode sustentar o som “z”), que muitas vezes está aumentado em distúrbios laríngeos, foram significantemente maiores no grupo com rinite alérgica, sugeriram uma relação entre alergia e disfonia.
Millquvist et al.29 também avaliaram 30 pacientes alérgicos e 30 controles não alérgicos com o questionário VHI para avaliar a incapacidade vocal. Durante o período sazonal alérgico, os pacientes alérgicos tiveram um aumento significante nos sintomas respiratórios e vocais em comparação com os controles não alérgicos. Krouse et al.30 avaliaram os resultados estroboscópicos e escores do VHI em indivíduos que eram alérgicos aos ácaros do pó (diagnosticados por TCP) em comparação com indivíduos não alérgicos. Os indivíduos alérgicos apresentaram escores significantemente maiores no VHI, mas não foram observadas diferenças na aparência ou na função laríngea entre os grupos. O estudo de revisão de Garret et al.31 relatou que o tratamento empírico para RLF é amplamente usado por otorrinolaringologistas e clínicos em pacientes com sintomas inespecíficos de laringite crônica. Este estudo enfatiza a importância de se fazer o diagnóstico diferencial com laringite alérgica, asma e até mesmo disfonia por tensão muscular (DTM) para evitar tratamentos desnecessários e atrasos no diagnóstico correto.
A relação causal entre a introdução direta do alérgeno e o aparecimento de sintomas laringofaríngeos tem sido investigada. Reidy32 e Dworkin et al.33 fizeram dois estudos para investigar essas relações. No primeiro,32 eles desenvolveram um teste de provocação oral com antígenos de ácaros em nebulização (1:200) e placebo em pacientes sensibilizados. Não houve diferença significante entre os pacientes nebulizados com ácaros e aqueles com placebo nas análises vocais, videoestroboscopia e VHI. Na segunda investigação,33 um estudo randomizado, controlado por placebo e duplo-cego, os autores introduziram concentrações baixas (1: 100) e altas (1:40) de ácaros do pó doméstico em pacientes sensibilizados. O estudo foi suspenso prematuramente após dois pacientes desenvolverem edema vocal, aumento de secreções, disfonia, tosse e disfunção respiratória. Nenhuma reação ocorreu na exposição dos pacientes a antígeno em baixa concentração e em um controle que completaram o estudo.
Roth et al.34 conduziram um estudo prospectivo, duplo-cego, controlado por placebo, no qual os indivíduos serviram como controles. Inalantes transorais foram usados em cinco pacientes sem evidência de reação das vias aéreas inferiores ao teste de provocação com metacolina. Todos os pacientes apresentaram aumento do limiar de pressão fonatória (LPF) quando comparados à inalação com placebo. Em um estudo mais recente, Belafsky et al.35 usaram um modelo animal experimental para laringite crônica. Porquinhos-da-índia foram sensibilizados com alérgenos de ácaros de pó doméstico (HDMA) e expostos a eles isoladamente e também em associação com fuligem de ferro por seis semanas. A combinação de fuligem de ferro com alérgeno de ácaros (HDMA) causou eosinofilia na submucosa e no epitélio da glote, subglote e traqueia. Por fim, Silva Merea et al.4 investigaram uma grande coorte de 879 pacientes alérgicos positivos in vitro e verificaram que 9,8% desses pacientes tinham diagnósticos alérgicos simultâneos. Desses, 78% apresentavam disfonia, 21% com laringite não infecciosa e 15% com sensação de globus. Ao combinar os alérgenos em categorias, a sensibilização aos ácaros foi a mais comum (50%), seguida de gramínea e pelos de animais (49% cada).
Como demonstrado nesta revisão, vários pesquisadores têm procurado encontrar uma relação entre os sintomas da laringite crônica e a sensibilização alérgica. Apesar das evidências encontradas por esses pesquisadores, a patogênese dessa relação ainda não está claramente definida. Os sinais e sintomas laríngeos atribuídos à laringite alérgica são inespecíficos e se sobrepõem a outras doenças, principalmente o RLF. A maioria dos autores relata que a presença de muco endolaríngeo denso deve alertar para a presença de laringite alérgica. Alguns pesquisadores demonstraram que a introdução de alérgenos diretamente na laringe causa alterações físicas e funcionais na laringe. A laringite alérgica também tem sido associada à pioria da qualidade vocal (aumento do escore no VHI) e o tratamento da alergia está associado à melhoria desses índices.
Esta revisão sugere que a sensibilização alérgica deve ser considerada no diagnóstico diferencial de pacientes com sintomas de laringite crônica e o RLF não deveria ser o único diagnóstico considerado pelo otorrinolaringologista ou pela avaliação clínica. Estudos prospectivos clínicos randomizados são necessários para estabelecer mais claramente a associação entre doença alérgica e sintomas laríngeos. Com uma melhor compreensão do papel da inflamação alérgica na laringe, diretrizes mais eficazes de tratamento de laringite alérgica podem ser desenvolvidas.