versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.15 no.3 São Paulo jul./set. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082017ao3991
Células-tronco derivadas do tecido adiposo (CTTA) vem sendo amplamente investigadas, pois são acessíveis após lipoaspiração subcutânea, encontram poucos questionamentos éticos e apresentam potencial de diferenciação múltipla. Estas características as tornam uma opção viável para a medicina regenerativa.(1)
Com o desenvolvimento da terapia celular e da engenharia de tecidos, um grande número de células tornou-se necessário. Neste sentido, diversos estudos avaliaram o efeito da irradiação de laser de baixa intensidade (LBI) na proliferação de células-tronco mesenquimais (CTM) obtidas de diferentes fontes,(2) com resultados satisfatórios relatados em CTTA.(3-7) Assim, a terapia a laser aparece como alternativa para a estimulação de proliferação celular in vitro.
Outra possibilidade para a coleta de CTM é seu armazenamento por longos períodos para subsequente aplicação clínica, sem perda de função, o que requer que elas sejam criopreservadas. O objetivo da criopreservação é cessar, reversivelmente, todas as funções biológicas de tecidos vivos em temperaturas entre -80 e -196°C. Esta técnica já é utilizada há muitas décadas com CTM obtidas de diferentes fontes, como medula óssea,(8) tecido adiposo,(9,10) cordão umbilical,(11) polpa dentária(12,13) e ligamento periodontal.(14)
Avaliar o efeito do laser de baixa intensidade na proliferação e na viabilidade da cultura primária de células-tronco derivadas do tecido adiposo murinas previamente submetidas à criopreservação.
Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa com Animais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (protocolo 036/2012) e cumpriu as diretrizes da Declaração de Helsinque. Os experimentos foram realizados nos Departamentos de Morfologia e Bioquímica da instituição, em 2013 e 2014. Fragmentos do tecido adiposo foram isolados da região inguinal de três camundongos albinos (Swiss) de 2 meses de idade, de acordo com um protocolo previamente descrito.(9) De forma breve, os fragmentos foram lavados com meio essencial mínimo (α-MEM; Cultilab, Brasil), suplementados com agentes antibióticos e antifúngicos (Gibco, Estados Unidos) e, então, submetidos à digestão enzimática com solução contendo 3mg/mL de colagenase I (Gibco, Estados Unidos) por 1 hora, a 37°C. As células foram cultivadas em α-MEM suplementadas com 10% de soro fetal bovino (FBS; Gibco, Estados Unidos) e mantidas a 37°C, em 5% de dióxido de carbono, até atingirem confluência entre 70 e 90%.
A natureza multipotencial das células foi confirmada na segunda passagem (P2), após criopreservação e descongelamento, por expressão de CD44 e CD29 (BD Biosciences, Estados Unidos) em mais de 98% das células. Além disto, após cultivo das células em meio de diferenciação osteogênica e adipogênica (StemPro® Differentiation Kits, Invitrogen Corp., Estados Unidos) por 21 dias, as células apresentaram a morfologia característica de células osteoblásticas e adiposas quando observadas em microscópio de luz.
Na primeira passagem (P1), as células foram submetidas a criopreservação em FBS com 10% dimetilsulfóxido com diminuição gradual de temperatura (2 horas a 4°C, 18 horas a -20°C e, então, armazenadas a -80°C). Estas células foram criopreservadas por 30 dias e, então, descongeladas e mantidas em condições normais de cultura.
Na terceira passagem (P3), as células foram divididas em três grupos de acordo com o tratamento: (1) controle: sem irradiação; (2) 0,5J/cm2: células irradiadas com dose de 0,5J/cm2; e (3) 1,0 J/cm2: células irradiadas com dose de 1,0J/cm2. As irradiações foram realizadas nos momentos zero e 48 horas com laser de diodo InGaAlP (Kondortech Bio Wave LLLT Dual, Brasil), de acordo com os parâmetros listados no quadro 1. As células foram plaqueadas de tal modo que foram deixados poços vazios entre aqueles semeados para a prevenção de dispersão acidental de luz durante a irradiação do laser.
Quadro 1 Parâmetros do laser
Parâmetros | Referência |
---|---|
Potência | 30mW |
Comprimento de onda | 660nm |
Modo de ação | Contínuo |
Área de saída | 0,03cm2 |
Diâmetro da ponta | 0,01cm2 |
Densidade de energia | 0,5 e 1,0J/cm2 |
Tempo de irradiação | 16 segundos (0,5J/cm2) e 33 segundos (1,0J/cm2) |
Modo de aplicação | A sonda foi direcionada em ângulo perpendicular a cada placa, a uma distância de 0,5cm das células |
As análises de proliferação celular foram feitas em intervalos de zero, 24, 48 e 72 horas, após a primeira aplicação do laser no Grupos Controle (sem irradiação) e nos Grupos Irradiados por meio do método de exclusão do azul de tripan e do ensaio de redução do brometo de 3-(4,5-dimetiltiazol-2-il)-2,5-difeniltetrazólio (MTT). Para coloração com azul de tripan, as células foram cultivadas em placas com 24 poços, na densidade de 3x104 células por poço. A contagem celular foi realizada em quatro placas por grupo por intervalo, por dois examinadores calibrados cegos usando uma câmara de Neubauer. Para o ensaio MTT, as células foram cultivadas em placas de 96 poços a uma densidade de 5x103 células por poço por grupo (controle, 0,5J/cm2 e 1,0J/cm2). As células foram incubadas em 100μL de meio de cultura com 1mg/mL de MTT durante 4 horas e, então, o produto colorimétrico (formazan) foi solubilizado com 100μL de dimetilsulfóxido. A absorbância das amostras foi monitorada em leitor de ELISA a 570nm.
A viabilidade e a apoptose celulares de células previamente criopreservadas e submetidas à terapia com laser foram avaliadas por citometria de fluxo usando o kit FITC/Annexin V Dead Cell Apoptosis Kit with FITC annexin and propidium iodide (PI; Invitrogen Corp., Carlsbad, CA, Estados Unidos). Para isto, as células foram cultivadas em triplicata em placas de seis poços a uma densidade de 2x105 células por poço. Após 72 horas de cultura, as células foram tripsinizadas, coletadas e lavadas com FBS gelado. O sobrenadante foi descartado, e as células foram ressuspensas em 200μL de tampão de ligação 1X. Depois, foram adicionados 3μL de anexina V-FITC e 1μL de PI em 100μg/mL. As células foram incubadas por 15 minutos em temperatura ambiente e protegidas da luz. Após incubação, adicionaram-se 400μL de tampão de ligação 1X para anexina V, e as células foram analisadas em um citômetro de fluxo, medindo a fluorescência emitida a 530 e 575nm.
As diferenças entre os grupos em cada momento foram analisadas pelos testes Kruskal-Wallis e Mann-Whitney, considerando-se nível de significância de 5% (p<0,05).
As médias de CTTA analisadas pelo método de exclusão de azul de tripan nos diferentes grupos são mostradas na figura 1. Os Grupos Irradiados (0,5 e 1,0J/cm2) apresentaram elevação na proliferação celular (p<0,05) em comparação ao Grupo Controle nos intervalos de 24, 48 e 72 horas (Figura 1). Porém, não foi observada diferença significativa entre as duas densidades de energia.
* p<0,05, teste de Mann-Whitney.
Figura 1 Número de células-tronco derivadas do tecido adiposo nos diferentes momentos estudados. Os dados estão expressos em média±desvio padrão de quatro poços/grupo
O padrão da atividade mitocondrial analisado pelo ensaio MTT apresentou resultados similares ao da contagem celular por ensaio com azul de tripan, com Grupos Irradiados demonstrando atividade de MTT significativamente mais alta nos intervalos de 48 e 72 horas (p<0,05) em comparação ao Grupo Controle (Figura 2).
* p<0,05, teste de Mann-Whitney.
Figura 2 Atividade mitocondrial de células-tronco derivadas do tecido adiposo medida por ensaio MTT. Dados expressos em média±desvio padrão da absorbância de quatro poços/grupo
A citometria de fluxo revelou uma porcentagem de células viáveis acima de 99% em todos os grupos (Figura 3), indicando que a viabilidade das células previamente criopreservadas não foi afetada pela terapia com laser durante o experimento.
Q1: anexina V negativa/PI positivo; Q2: anexina V positiva/PI positivo; Q3 anexina V positiva/PI negativo; Q4: anexina V negativa/PI negativo.
Figura 3 Imunomarcação com anexina V/PI de células-tronco derivadas do tecido adiposo previamente submetidas a criopreservação. (A) Controle, (B) irradiadas com 0,5J/cm2 e (C) irradiadas com 1,0J/cm2
Considerando-se o crescente número de procedimentos de lipoaspiração nos últimos anos, o que facilita a obtenção de tecido adiposo, a criopreservação deste tecido para uso clínico subsequente vem sendo amplamente estudada.(15-17) Para o armazenamento de órgãos e células durante longos período, diferentes protocolos de criopreservação foram testados. No presente estudo, CTTA foram criopreservadas durante 30 dias, tendo mantido sua viabilidade após descongelamento e obtendo resultados similares aos de outros estudos.(9,15,17,18)
Neste estudo, decidimos criopreservar as células a -80°C, já que se trata de uma técnica mais simples, acessível e de baixo custo. Estudos anteriores avaliaram a criopreservação de células-tronco da polpa dentária por 6 meses,(13,19) e do ligamento periodontal, por 30 dias,(14) concluindo que a criopreservação a -80°C apresenta taxas de viabilidade celular similares às de células criopreservadas em nitrogênio líquido.
Uma das dificuldades encontradas no processo de criopreservação é a recuperação de propriedades biológicas após o descongelamento. Geralmente, o rendimento celular inicial é baixo e, portanto, o LBI pode auxiliar na promoção da bioestimulação de diversos tipos de células. Este trabalho é o primeiro a demonstrar o efeito positivo de LBI na proliferação de CTM previamente submetidas à criopreservação, confirmando a taxa proliferativa elevada, previamente demonstrada em CTM frescas (não criopreservadas) obtidas de diversas fontes, como medula óssea,(20) tecido adiposo,(4) ligamento periodontal(21) e polpa dentária.(22,23) Há apenas uma exceção: um estudo verificou um número mais elevado de unidades formadoras de colônias (UFC) em células progenitoras de sangue periférico criopreservadas expostas a uma única irradiação de 1,0J/cm2.(24)
Quando o objetivo for a bioestimulação celular, o comprimento de onda e a densidade de energia são parâmetros que precisam ser considerados. A literatura relata que o espectro de luz visível (600 a 700nm) proporciona resultados mais efetivos para a bioestimulação celular in vitro, sendo o mais utilizado em estudos com LBI em células-tronco.(2) Com relação à densidade de energia, sabe-se que o processo de bioestimulação pode ser alcançado com doses muito baixas, como 0,001J/cm2 até doses mais altas de 10J/cm2.(25) No presente estudo, utilizando-se um comprimento de onda de 660nm, observou-se que doses de 0,5 e 1,0J/cm2 foram efetivas no aumento da proliferação de CTM criopreservadas em comparação ao grupo não irradiado, corroborando achados prévios em CTTA frescas irradiadas com as mesmas densidades de energia (0,5 e 1,0J/cm2).(8) Outros estudos mostraram o efeito bioestimulante de LBI em CTTA frescas usando um comprimento de onda de 660nm e uma dose única de 5J/cm2.(3-5) O único estudo que avalia o efeito de LBI com comprimentos de onda acima de 800nm em CTTA mostrou que um laser de 830nm (0,05J/cm2) promoveu um aumento na proliferação celular de CTTA em comparação ao Grupo Controle.(7)
O laser de baixa intensidade tem efeitos estimulantes na proliferação de células-tronco derivadas de tecido adiposo murinas previamente submetidas à criopreservação. Portanto, a associação entre criopreservação e terapia com laser pode representar um avanço importante para procedimentos técnicos de terapia celular e engenharia de tecidos.