versão impressa ISSN 1676-2444versão On-line ISSN 1678-4774
J. Bras. Patol. Med. Lab. vol.55 no.1 Rio de Janeiro jan./fev. 2019 Epub 09-Maio-2019
http://dx.doi.org/10.5935/1676-2444.20190010
Segundo estatísticas norte-americanas, a malignidade endometrial é a mais prevalente entre as neoplasias pélvicas do trato genital feminino (cerca de 24/100.000 mulheres). Sua taxa de mortalidade chega a 16%. Acomete principalmente mulheres na pós-menopausa - entre 60 e 85 anos(1). Os principais fatores de risco implicados são obesidade, dieta hiperlipídica, nuliparidade e terapia de reposição hormonal (TRH)(2).
O câncer de ovário é menos prevalente (cerca de 12/100.000 mulheres), entretanto, seu desfecho é muito mais desfavorável - mais de 60% das pacientes evoluem para óbito(3). A maioria das mulheres é diagnosticada aos 60 anos ou mais. Os fatores de risco mais comumente relacionados são idade, obesidade, síndrome dos ovários policísticos e fatores genéticos, especialmente a mutação dos genes BRCA1 e BRCA2(4).
O estadiamento tumoral tem grande relevância para o tratamento dessas pacientes, visto que a abordagem terapêutica depende fundamentalmente da extensão da lesão(5). O sistema mais utilizado em países ocidentais é o TNM, recomendado pela International Union Against Cancer (UICC) e pelo American Joint
Committee on Cancer (AJCC). Esses sistema classifica os tumores com base em extensão primária (T), envolvimento de linfonodos regionais (N) e presença de metástases a distância (M)(6). Essa classificação pode ser clínica, quando se baseia em evidências adquiridas antes do tratamento definitivo (cTNM), ou patológica (pTNM), quando consiste em evidências coletadas por meio de análise cirúrgica e histopatológica(7).
Um dos critérios utilizados no estadiamento patológico, tanto no adenocarcinoma de ovário quanto no de endométrio, é o resultado da citologia de lavado peritoneal. Trata-se de um exame citológico para lavados intraoperatórios, com o objetivo de detectar metástases tumorais subclínicas(8). Foi inicialmente proposto em 1956, por Keetle e Elkins, e incorporado ao protocolo da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) no estadiamento do câncer de ovário, em 1975, e no de endométrio, em 1989(9). Embora o lavado peritoneal seja utilizado no estadiamento dessas neoplasias ginecológicas, a literatura nacional é escassa na abordagem do tema.
O objetivo deste trabalho foi verificar a prevalência de lavados peritoneais positivos em uma amostra de pacientes com adenocarcinoma ovariano e/ou endometrial, bem como a associação entre a positividade do lavado e as variáveis idade da paciente, grau de diferenciação tumoral e tipo histológico da neoplasia.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade Evangélica do Paraná, Brasil, em outubro de 2011. Trata-se de um estudo retrospectivo e prospectivo de corte transversal, no qual foram analisados 43 laudos de exames anatomopatológicos e de citologia de lavado peritoneal de pacientes com diagnóstico de adenocarcinoma ovariano e/ou endometrial.
Esses laudos datam de janeiro de 2009 a abril de 2012 e foram obtidos de arquivos eletrônicos do Centro de Patologia de Curitiba, situado no Hospital Nossa Senhora das Graças, Curitiba, Paraná, Brasil.
O estudo incluiu pacientes diagnosticadas com adenocarcinoma ovariano ou endometrial, submetidas a cirurgia para estadiamento da lesão e coleta de líquido peritoneal. Este foi processado por citocentrifugação (Citospin Shandon 3®), com três preparações coradas por Papanicolau para a análise. Os relatórios que não continham todas as informações relevantes para a pesquisa foram excluídos. Quando os critérios foram cumpridos, os dados necessários para a pesquisa foram coletados e catalogados em planilha.
Para avaliar a associação entre as variáveis qualitativas e a positividade da amostra, adotou-se o teste exato de Fisher. Valores dep < 0,05 indicaram significância estatística.
Laudos de 28 pacientes foram acessados, apresentando idade média de 62,9 ± 13,5 anos, (variação: 20-82 anos). Entre estas, duas apresentaram células tumorais na análise citológica (Tabela 1).
Tabela 1 Relação entre resultado do lavado peritoneal e grau de diferenciação tumoral (n = 28)
Grau de diferenciação | Positividade de amostra | |
---|---|---|
Negativo | Positivo | |
Alto Grau | 11 | 0 |
Moderado grau | 9 | 2 |
Baixo grau | 6 | 0 |
Total | 26 | 2 |
p = 1.
Pacientes com citologia positiva tiveram média de idade menor (60,5 ± 17,7 anos) do que as com citologia negativa (63 ± 13,6 anos). Essa diferença, no entanto, não foi significativa(p = 0,804).
O tipo histológico mais comum foi endometrioide - em 24 dos 28 casos -, seguido pelo tipo seroso, com três casos, e o tipo mucinoso, com apenas um. Não foi possível verificar associação com a positividade do lavado devido à ausência de casos positivos no tipo mucinoso e de casos negativos no tipo seroso.
Os tumores foram estratificados de acordo com o grau de diferenciação. Não foi encontrada associação significativa entre o grau de diferenciação e a presença de células neoplásicas no lavado (p = 1). A Tabela 1 mostra a distribuição dos casos com citologia positiva e negativa conforme o tipo histológico.
Laudos de 15 pacientes com adenocarcinoma ovariano foram analisados, com média de idade de 55,3 ± 18,2 anos (variação: 27-83 anos). Entre estas, três apresentaram células tumorais na análise citológica (Tabela 2).
Tabela 2 Relação entre resultado do lavado peritoneal e grau de diferenciação tumoral do adenocarcinoma de ovário (n = 15)
Grau de diferenciação | Positividade de amostra | |
---|---|---|
Negativo | Positivo | |
Alto grau | 3 | 3 |
Moderado ou baixo grau | 9 | 0 |
Total | 12 | 3 |
p = 0.044.
Pacientes com citologia positiva tiveram média de idade maior (69 ± 15,7 anos) do que as com citologia negativa (51,8 ± 17,6 anos). Essa diferença, contudo, não foi significativa(p = 0,233).
O tipo histológico seroso foi o mais frequente, com nove casos, seguido pelo tipo mucinoso, com dois casos, e o tipo endometrioide, com apenas um. Nessas pacientes também não foi possível verificar a associação com a positividade do lavado peritoneal devido à ausência de casos positivos no tipo endometrioide e de casos negativos no tipo mucinoso.
De todas as associações propostas, apenas o grau de diferenciação tumoral dos adenocarcinomas ovarianos demonstrou associação significativa com a positividade do lavado peritoneal (p = 0,044). A comparação foi feita entre as neoplasias bem diferenciadas e um grupo composto por neoplasias moderadas e pouco diferenciadas. A distribuição dos casos está elencada naTabela 2.
O carcinoma endometrial é o sétimo mais frequente entre as mulheres, com cerca de 290 mil novos casos por ano no Brasil(10). A incidência desse câncer aumenta proporcionalmente à expectativa de vida. Como o estadiamento é um fator determinante no prognóstico e no tratamento das neoplasias(11), este trabalho teve como objetivo avaliar se idade, tipo histológico e grau de diferenciação tumoral são fatores que alteram a positividade do lavado.
A positividade no lavado peritoneal é bastante controversa na literatura(12). No entanto, é uma importante ferramenta para o manejo pós-operatório na indicação do tratamento adequado quando há boa preparação citológica(13). A presença de células malignas no lavado eleva o estadiamento endometrial para pelo menos o estadio HIC(5), entretanto, Lin (2009)(14) afirma que não é um método sensível nem específico para esses casos. Segundo o autor, as células podem passar despercebidas pela quantidade de mesotélio e/ou macrófagos, ou podem ser confundidas com células mesoteliais reativas.
Alguns autores(14,15) argumentam que os resultados positivos da lavagem dependem da técnica corretamente utilizada e da experiência do observador. Na literatura pesquisada, encontrou-se variação de positividade entre 2% e 33%(5,15-19), embora o presente estudo apresente incidência de 7,14%. Segundo Ito etal. (1992)(18), a positividade do lavado pode estar relacionada com a histeroscopia prévia, pois no procedimento pode ocorrer descamação celular e, como a cavidade uterina tem comunicação com a cavidade pélvica, por meio das trompas uterinas, implante de células neoplásicas pode ocorrer no peritônio.
As neoplasias endometriais têm dois subtipos reconhecidos: tipo I associado ao estrogênio e tipo II independente do estrogênio. O tipo I é mais prevalente e apresenta melhor prognóstico. Isso implica que, em pacientes mais velhos, há mais exposição a estrogênios(20).
Para alguns pesquisadores(21,22), essa doença tem pico de incidência aos 55 anos. Porém, os pacientes incluídos neste estudo tinham média de idade de 62 anos (60 para casos de lavagem peritoneal positiva e 63 para negativa), aproximando-se dos relatos de Tangjitgamol et al. (2010)(21), em que o pico mais alto ocorreu entre 61 e 64 anos. É possível que a idade, como fator interferente no resultado da lavagem peritoneal, esteja mais relacionada com os fatores de risco que coincidem com o aumento da exposição aos estrogênios sem antagonismo da progesterona(11), como obesidade, TRH, menopausa tardia e menarca precoce(20).
O tipo histológico mais comumente identificado nas neoplasias endometriais é o adenocarcinoma endometrioide, encontrado em cerca de 80% dos casos(21,23), seguido por adenocarcinoma mucinoso, em 5%; seroso papilífero em 3%-4%(21); e adenocarcinoma de células claras, em menos de 5%(11). Nossos resultados foram concordantes com esses estudos, considerando que 85% (24 de 28) dos casos eram do tipo adenocarcinoma endometrioide; 10% (três de 28), adenocarcinoma mucinoso; e 3%, seroso papilífero (um de 28).
Os carcinomas endometrioides são caracterizados como mais agressivos, seguidos pelos carcinomas serosos(11). Em nosso estudo, ambos os tipos histológicos apresentaram lavado peritoneal positivo. No entanto, não foi possível fazer análise estatística dos dados devido ao número reduzido de casos.
Em geral, os tumores G1, ou seja, aqueles com 95% ou mais de estruturas glandulares (bem diferenciadas), apresentam maior frequência em relação às demais categorias(13,18,24), diferindo apenas dos resultados de Salvesen et al. (1998)(23), que encontraram maior frequência em G2 (moderadamente diferenciado). Quando esse tópico foi comparado no presente estudo, verificamos que G1 apresentou frequência em 11 das 27 pacientes (40,74%); G2 também apresentou o mesmo percentual; enquanto G3 (pouco diferenciados) apenas em cinco das 27 (22,22%).
Comparando a relação de positividade no lavado peritoneal e os graus de diferenciação tumoral, a literatura encontrada mostra uma relação de 14 em 50 para G1 (28%); quatro em 11 para G2 (36,36%); e seis em 13 para G3 (46,15%)18. Em nosso trabalho, obtivemos tumores classificados como G2. Para testes estatísticos, agrupamos G1 e G2; mas, mesmo assim, não houve correlação entre grau de diferenciação tumoral e positividade da lavagem.
Embora alguns autores(14,16) tenham demonstrado utilidade no procedimento de lavagem peritoneal como fator de estadiamento para neoplasias endometriais, outros estudos(5,19) demonstram que as lavagens peritoneais podem superestadiar as neoplasias, levando ao tratamento dispensável de quimioterapia.
Corroborando esses achados, a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) propôs recentemente a retirada da lavagem peritoneal como critério de estadiamento patológico do adenocarcinoma endometrial(20).
Embora o câncer de ovário não seja o mais prevalente entre as mulheres, é o mais letal dos tumores do trato genital feminino(25). Mais de 70% das pacientes com câncer de ovário serão diagnosticadas com doença avançada. Este é um fator agravante, considerando que a sobrevida dessas pacientes está diretamente relacionada com o estadio cirúrgico da neoplasia. Dessa forma, a utilização da lavagem peritoneal como método de detecção precoce de disseminação microscópica é de grande valor na redução da mortalidade e da morbidade da doença(26).
Sabendo que a conduta terapêutica depende, em determinados momentos, da citologia positiva da lavagem, a incidência desse comportamento foi verificada na amostra. Zuna e Behrens (1996)(8), por exemplo, relataram 80,9% de positividade. Ozkara (2011)(26), em pesquisa mais recente, relatou 62,2% e Colgan et al. (2002)(27), 50%. Em contrapartida, Fadare et al. (2004)(28) e Mulvany (1996)(29) encontraram apenas 25% e 12%, respectivamente. O presente trabalho, corroborando o de Fadare et al, encontrou 20% de positividade. Isso explica parcialmente que a alta positividade de alguns estudos, como os de Zuna e Behrens e Colgan et al., ocorre devido à inclusão de fluidos ascíticos na amostra, uma vez que eles demonstram maiores quantidades de células malignas que a lavagem pélvica(28).
Considerando a idade e a positividade na lavagem peritoneal, Ozkara demonstrou ausência de associação entre essas variáveis e confirmou o achado do presente estudo. Embora seja notório que a idade é um fator de risco isolado para a câncer de ovário(4), é possível que a disseminação peritoneal tenha mais relação com a história natural da doença do que com a idade de seu surgimento.
Quanto ao impacto do tipo histológico na positividade da lavagem, os estudos encontrados foram discordantes. Fadare et al. demonstraram forte associação positiva entre o carcinoma seroso e a positividade da lavagem. Rubin et al. (1988)(21) e Ozkara, em contrapartida, não observaram associação entre qualquer tipo histológico. Em nossa amostra, não houve número de casos suficientes para realização do teste estatístico visando essa comparação. O carcinoma seroso é mais frequentemente diagnosticado em estadios avançados, com evolução desfavorável. Os carcinomas mucinoso e endometrioide, por outro lado, são diagnosticados, em geral, em estadios iniciais(25). Portanto, é possível que a associação encontrada por Fadare et al. seja relevante. Em nossa casuística, a baixa prevalência dos subtipos histológicos menos comuns pode ter dificultado a análise estatística.
Por fim, ao avaliar a associação entre o grau de diferenciação celular e a citologia positiva, a pesquisa encontrou correlação positiva (p = 0,044). Ozkara encontrou forte correlação positiva entre as variáveis. O autor não argumenta a respeito, mas, considerando que o grau histológico correlaciona-se com a agressividade do tumor e é um fator independente na sobrevida de mulheres com câncer de ovário(25), a correlação é bem fundamentada. No entanto, é preciso estar atento para que a variável estadio tumoral possa ter influenciado no resultado da pesquisa, pois a amostra não foi estratificada.
Embora a associação entre grau de diferenciação tumoral e positividade da lavagem peritoneal em neoplasias ovarianas tenha sido encontrada, estudos mais amplos são necessários para determinar a validade dos resultados obtidos em uma população maior.
Em relação ao adenocarcinoma endometrial, a prevalência de lavagens positivas foi de 7,1%. Tanto grau de diferenciação quanto idade não demonstraram associação significativa. Quanto ao adenocarcinoma ovariano, a prevalência de citologias positivas de lavagem peritoneal foi de 20%. O grau de diferenciação demonstrou associação positiva significativa com essa positividade(p = 0,044). O mesmo não ocorreu a idade da paciente.