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Lesão ulcerativa gigante no alto do dorso: diagnóstico diferencial para formulação de abordagem clínica

Lesão ulcerativa gigante no alto do dorso: diagnóstico diferencial para formulação de abordagem clínica

Autores:

Ryan David Wagner,
Harrison Phu Nguyen,
Stephen Keith Tyring

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.14 no.1 São Paulo jan./mar. 2016

http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082016AI3405

Homem branco, 57 anos, sem histórico médico significante, admitido no serviço de emergência queixando-se de fadiga aumentada e tontura iniciada há 1 ano. Durante a consulta, o paciente mencionou extensa lesão ulcerativa no alto do dorso, que iniciou como pequena úlcera e progrediu ao longo de 16 anos. Durante esse período, o paciente não procurou tratamento.

Não havia histórico de malignidade, condições imunossupressoras, exposição a doença contagiosa, ou relato de viagem para fora dos Estados Unidos. Os sinais vitais estavam dentro dos padrões normais. O exame físico revelou lesão ulcerativa medindo 26cmx16cm, abrangendo os corpos vertebrais de T1 a T8, com exposição dos processos espinhosos e musculatura paravertebral mais proeminente no nível de T5. A lesão continha áreas de sangramento pontilhados, tecido granulado e drenagem copiosa de seroma. As margens estavam bem definidas e sem lesões satélites (Figura 1). Além da palidez da pele no restante do exame físico, que incluiu avaliação neurológica completa, não foram observados outros fatores significantes. Na emergência, realizou-se tomografia computadorizada do tórax/abdômen, pélvis, além de duas biópsias individuais por punção do leito da úlcera. A tomografia computadorizada mostrou erosão dos processos espinhosos torácicos, porém não havia evidência de doença metastática. O hemograma relevou hemoglobina e leucócitos de 4,6g/dL e 6,9 células x 103/µL, respectivamente. Na internação, o paciente recebeu transfusão devido à sua anemia assintomática e iniciou terapia com sulfato ferroso.

Figura 1 Carcinoma basocelular gigante ulcerado no alto do dorso medindo 26cmx16cm com exposição de musculatura paravertebral e processos espinhosos torácicos. O paciente possuía tatuagem no dorso desde sua adolescência, antes do desenvolvimento da lesão 

Apesar da ausência de sinais neurológicos no exame físico, foi solicitada ressonância magnética do dorso, para avaliar o envolvimento da coluna vertebral. Mesmo sem diagnóstico patológico, a invasão da coluna vertebral sinalizou necessidade de conduta de emergência. Foi administrada dexametasona até que os resultados da ressonância magnética confirmassem ausência de envolvimento da coluna vertebral (Figuras 2 e 3).1 Além disso, a ressonância mostrou quadro mais detalhado da profundidade da invasão e da extensão do local, do que os resultados da tomografia computadorizada.

Figura 2 Visão da linha média sagital da espinha, por meio de ressonância magnética, demostrando ausência do envolvimento do cordão espinhal 

Figura 3 Visão axial de espinha em T5, por meio de ressonância magnética, demostrando ausência de envolvimento do cordão espinhal 

Formular um diagnóstico diferencial apropriado é crucial para guiar os próximos passos da conduta. Os processos patogênicos mais prováveis de úlceras cutâneas subjacentes são imunomediados, infecciosos e neoplásicos, apesar de a úlcera também poder se desenvolver secundariamente à insuficiência venosa ou a arterial crônicas.2 A piodermite gangrenosa, que é associada como hospedeira de doenças autoimune, incluindo doença inflamatória intestinal e artrite reumatoide, pode normalmente carregar morfologia ulcerativa similar, porém sem outras comorbidades e sintomas, como hábitos intestinais anormais ou dores articulares. O diagnóstico de piodermite gangrenosa de modo independente é improvável.3Para um processo infecioso, o diagnóstico diferencial deve incluir úlcera de Buruli, que é focalmente endêmica na África Subsaariana e causada por Mycobacterium ulcerans ; úlcera fagedênica, infecção polibacteriana com alta incidência em regiões tropicais; e fasciite necrosante, causada por cocosGram -positivos.4,5 Dessas infecções, a fasciite necrosante é associada com febre alta e progressão rápida. Devido ao não histórico de viagem do paciente, a ausência de febre e a leucocitose sugeriram processo de doença não infeciosa e, portanto, tratamento antibiótico empírico e culturas bacterianas não foram indicados. Também era improvável um etiologia vascular, dada a localização da lesão e a ausência de qualquer trauma anterior ou radiação na área.

Depois de 2 dias, os resultados histopatológicos das biópsias retornaram, e ambas as espécimes foram consistentes com carcinoma basocelular ulcerado. O paciente recebeu instruções para cuidar da ferida, teve suprimentos disponibilizados e recebeu alta, sendo encaminhado para tratamento de doença infeciosas, radiação oncológica e reabilitação física. Solicitou-se biópsia óssea, para avaliar suspeita de osteomelite. A biópsia guiada por imagem de processo espinhoso T3 confirmou osteomielite aguda com coloração de metenamina prata de Gomori negativa para elementos fúngicos, e coloração para a detecção de micobactérias negativa para bactérias ácido-álcool resistentes. Após exclusão da ressecção cirúrgica do tumor pela equipe multidisciplinar avaliadora, devido à sua extensão, foi agendada a radioterapia. A radioterapia já se mostrou efetiva para reduzir o tamanho de lesões e também para alívio dos sintomas em câncer de pele não melanoma, utilizando regime de 0-7-21 dias.6

REFERÊNCIAS

1. Ruckdeschel JC. Early detection and treatment of spinal cord compression. Oncology (Williston Park). 2005;19(1):81-6; discussion 86, 89-92. Review.
2. Kelechi TJ, Johnson JJ, Yates S. Chronic venous disease and venous leg ulcers: An evidence-based update. J Vasc Nurs. 2015;33(2):36-46.
3. Wong WW, Machado GR, Hill ME. Pyoderma gangrenosum: the great pretender and a challenging diagnosis. J Cutan Med Surg. 2011;15(6):322-8. Review.
4. Huang GK, Johnson PD. Epidemiology and management of Buruli ulcer. Expert Rev Anti Infect Ther. 2014;12(7):855-65. Review.
5. Aribi M, Poirriez J, Breuillard F. Guess what! Tropical phagedenic ulcer. Eur J Dermatol. 1999;9(4):321-2.
6. Barnes EA, Breen D, Culleton S, Zhang L, Kamra J, Tsao M, et al. Palliative radiotherapy for non-melanoma skin cancer. Clin Oncol (R Coll Radiol). 2010; 22(10):844-9.