versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.82 no.5 São Paulo set./out. 2016
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.09.013
Mucoceles são lesões pseudocísticas benignas comuns da cavidade oral, que se desenvolvem devido ao extravasamento ou retenção de material mucoso advindo das glândulas salivares, mais comumente as menores.1 Esta lesão representa 70% das lesões císticas e pseudocísticas de glândula salivar, podendo surgir, portanto, em qualquer localização da mucosa oral que possua glândula salivar.1,2
Os fatores etiológicos envolvidos na formação das mucoceles são o traumatismo e a obstrução ductal,3,4 os quais poderão levar à formação de duas apresentações histológicas: fenômeno de retenção ou extravasamento de muco.1,5 Os fenômenos de extravasamento de muco (FEM) são, de fato, pseudocistos, visto que são desprovidos de revestimento epitelial. O muco extravasado induz uma reação inflamatória e granular a fim de conter o extravasamento.4,6 Esse tipo de mucocele é comumente encontrada em glândulas salivares menores.7 O fenômeno de retenção de muco (FRM) induz a formação de outro tipo de mucocele: o cisto de retenção de muco ou sialocisto.1 A maioria se desenvolve a partir dos ductos de glândulas salivares maiores e possuem como fatores etiológicos a sialolitiase, as cicatrizes periductais ou os tumores invasivos.5,7 Histopatologicamente, os FRM caracterizam-se por revestimento epitelial oriundo do ducto salivar parcialmente obstruído.4
Clinicamente, não há diferença entre fenômeno de extravasamento e retenção de muco, consistindo em aumento de volume de aparência cística, indolor, macia à palpação e de coloração azulada a transparente.2 A localização mais comum das mucoceles de extravasamento é o lábio inferior, sendo também o local mais sujeito a traumas. Tal localização é a menos comum nas mucoceles de retenção,2,5 as quais podem afetar qualquer outro sítio da cavidade oral.8 As mucoceles de extravasamento acometem pacientes jovens (20 a 30 anos) e normalmente resolvem-se espontaneamente, requerendo excisão cirúrgica em alguns casos.2 Micromarsupialização, criocirurgia, injeções de esteroides e laser de CO2 já foram descritos como formas de tratamento alternativo para essas lesões.2,5,8,9
O objetivo desse trabalho foi realizar um levantamento epidemiológico dos casos de mucoceles orais diagnosticadas no Serviço de Anatomia Patológica da Disciplina de Patologia Oral de uma universidade, no período de 1971 a 2014, bem como conhecer suas principais características clínicas e formas de tratamento, a fim de auxiliar os profissionais da saúde na prática clínica.
Trata-se de um estudo transversal, retrospectivo e de caráter histórico, aprovado pelo comitê de ética e pesquisa com o número de parecer 675.422, que incluiu 719 casos de mucoceles orais selecionadas entre 11.589 casos registrados nos arquivos do Laboratório de Anatomia Patológica, entre o período de junho de 1970 a maio de 2014.
O procedimento de coleta dos dados baseou-se nas informações constantes nos laudos de exames histopatológicos e nas fichas clínicas de biópsias, as quais foram transcritas para uma ficha padrão especialmente confeccionada para esta análise. As variáveis estudadas, relativas ao paciente, foram: sexo, idade e raça. Em relação às características clínicas da mucocele oral, foram colhidos os seguintes dados: localização da lesão, forma da lesão fundamental, superfície, sintomatologia, tempo de evolução, tamanho, história de trauma, variação de tamanho, diagnóstico clínico e tipo de biópsia realizada. Vale ressaltar que, por serem consideradas variantes clínica das mucoceles,8 as rânulas foram agrupadas conjuntamente nesta pesquisa.
Os 719 casos de mucoceles orais corresponderam a 5,8% de todos os casos registrados pelo laboratório de patologia oral, no período supracitado. Quanto à localização anatômica, verificou-se que o lábio inferior foi a região mais acometida (67,3%) (tabela 1). Com relação ao sexo dos pacientes, evidenciou-se maior frequência da lesão no sexo feminino (54,7%). A média de idade dos pacientes acometidos pela mucocele foi de 20,8 anos (DP ± 14,4), havendo variação de 1 a 82 anos idade. Observou-se maior prevalência da lesão em pacientes leucodermas (48,4%) (tabela 2).
Tabela 1 Distribuição de frequências absolutas e relativas referentes à localização das mucoceles orais
Localização anatômica | Número (n) | Percentual (%) |
Lábio inferior | 484 | 67,3 |
Lábio superior | 2 | 0,3 |
Palato | 4 | 0,6 |
Mucosa jugal | 27 | 3,8 |
Língua | 58 | 8,1 |
Assoalho | 69 | 9,6 |
Outros | 60 | 8,3 |
Sem informação | 15 | 2,1 |
Total | 719 | 100 |
Tabela 2 Distribuição de frequências absolutas e relativas referente à cor da pele dos pacientes acometidos pela mucocele oral
Cor da pele | Número (n) | Percentual (%) |
Leucoderma | 348 | 48,4 |
Melanoderma | 135 | 18,8 |
Feoderma | 133 | 18,5 |
Sem informação | 103 | 14,3 |
Total | 719 | 100 |
O aspecto clínico mais frequente da mucocele oral foi de uma lesão nodular (59,8%), assintomática (70,9%), de superfície lisa (13,1%), medindo em média 0,9 cm (DP ± 0,70), de mesma coloração da mucosa (36,2%) e com tempo médio de evolução de 20 semanas (DP ± 28,7), variando de uma semana a seis anos (tabela 3). Quanto à história clínica, uma parte dos pacientes relata trauma prévio à formação da lesão (23,6%), e apenas 7,2% relataram, no momento da anamnese, observar que a lesão apresentava variação de tamanho no decorrer do curso clínico (tabela 3). Mediante o primeiro contato com a lesão, a maioria dos cirurgiões-dentistas teve mucocele oral/rânula (84,3%) como como primeira hipótese clínica (tabela 4). Por fim, a biópsia excisional foi o tratamento de escolha para a maioria das lesões (83,3%).
Tabela 3 Distribuição de frequências absolutas e relativas referente às características clínicas das mucoceles orais
Características clínicas | Variáveis | Número (n) | Percentual (p ) |
Superfície | Lisa | 94 | 13,1 |
Rugosa | 17 | 2,4 | |
Ulcerada | 3 | 0,4 | |
Sem informação | 605 | 84,1 | |
Coloração | Esbranquiçada | 97 | 13,5 |
Avermelhada | 86 | 12 | |
Amarelada | 13 | 1,8 | |
Azulada/Arroxeada | 75 | 10,4 | |
Translúcida | 66 | 9,2 | |
Mesma da mucosa | 260 | 36,2 | |
Outras | 27 | 3,8 | |
Sem informação | 95 | 13,2 | |
Aspecto | Polipoide | 52 | 7,2 |
Massa elevada | 430 | 59,8 | |
Bolha | 14 | 1,9 | |
Sem informação | 223 | 31 | |
Sintomatologia | Sintomática | 51 | 7,1 |
Assintomática | 510 | 70,9 | |
Sem informação | 158 | 22 | |
Faixa de tamanho | 0 a 2 cm | 622 | 86,5 |
2,1 a 4 cm | 27 | 3,8 | |
A partir de 4,1 cm | 2 | 0,3 | |
Sem informação | 68 | 9,5 | |
Faixa etária | 0 a 10 anos | 163 | 22,7 |
11 a 20 anos | 264 | 36,7 | |
21 a 30 anos | 139 | 19,3 | |
31 a 40 anos | 59 | 8,2 | |
41 a 50 anos | 19 | 2,6 | |
51 a 60 anos | 15 | 2,1 | |
61 a 70 anos | 15 | 2,1 | |
71 a 80 anos | 5 | 0,7 | |
81 a 90 anos | 2 | 0,3 | |
Sem informação | 38 | 5,3 | |
História de trauma | Sim | 170 | 23,6 |
Não | 48 | 6,7 | |
Sem informação | 501 | 69,7 | |
História de mudança de volume | Sim | 52 | 7,2 |
Sem informação | 667 | 92,8 |
Tabela 4 Distribuição de frequências absolutas e relativas referente às principais hipóteses clínicas da mucocele oral
Diagnóstico clínico | Número (n) | Percentual (%) |
Mucocele/Rânula | 606 | 84,3 |
Hiperplasia fibrosa inflamatória | 28 | 3,9 |
Fibroma | 26 | 3,6 |
Papiloma | 12 | 1,7 |
Cisto de retenção de muco | 8 | 1,1 |
Lipoma | 6 | 0,8 |
Hemangioma | 4 | 0,6 |
Granuloma piogênico | 2 | 0,3 |
Outros | 10 | 1,4 |
Sem informação | 17 | 2,4 |
Total | 719 | 100 |
A incidência da mucocele na população é geralmente alta, sendo de 2,5 lesões por 1.000 pacientes.2 Esta lesão foi a 17ª mais comum da cavidade oral, representando 0,08% das lesões orais, em um estudo realizado no Brasil.10 O termo mucocele é estritamente clínico e serve para descrever aumentos de volume causados por saliva advinda do ducto de glândula salivar menor rompido ou obstruído. Mucoceles orais localizadas no assoalho da boca são denominadas de rânulas e comumente advêm do corpo da glândula sublingual e, ocasionalmente, do ducto de Rivini ou do de Wharthon.11
Dentre as lesões benignas das glândulas salivares menores, a mucocele é a mais comum.8,12,13 Pesquisa realizada por Re Cecconi et al.5 constatou que a mucocele representa 4,61% das biópsias da cavidade oral, mostrando que ela é uma lesão comumente encontrada em serviços de medicina oral. Similarmente, estudo retrospectivo de 15 anos, realizado por Mohan et al.,14 detectou 393 lesões de glândula salivar, das quais 216 casos foram relatadas como lesões não neoplásicas, sendo a mucocele a mais prevalente (54,5%). Estes achados se assemelham aos dados dessa pesquisa, na qual a mucocele oral correspondeu a 5,8% de todas as lesões diagnosticadas durante 44 anos de serviço do Laboratório de Anatomia Patológica do Departamento de Odontologia de uma universidade.
As glândulas salivares menores são encontradas em qualquer local da cavidade oral, exceto na gengiva.8 Dessa forma, as mucoceles de retenção e extravasamento são comumente encontradas em diferentes localizações, não havendo diferenças clínicas entre elas.2,15,16 Para Bhargava et al.,6 o exame histopatológico é crucial para confirmar o diagnóstico clínico. Microscopicamente, os fenômenos de extravasamento de muco são pseudocistos, pois não possuem parede epitelial de revestimento e ocorrem sob três fases evolutivas. Na primeira, há o derramamento de mucina para o tecido circundante, onde alguns leucócitos e histiócitos são vistos. Na segunda fase, a reação de granulação aparece devido à presença de histiócitos, macrófagos e células gigantes multinucleadas associadas à reação de corpo estranho. Mais tarde, na terceira fase, há a formação de pseudocápsula sem epitélio em volta da mucosa, devido às células do tecido conjuntivo.2 Os cistos de retenção são caracterizados por apresentarem cavidade cística revestida por epitélio cuboidal e possuírem menos reação inflamatória.6 De acordo com Bhargava et al.,6 quando é observado, no momento cirúrgico, que a parede fibrosa da lesão é espessa, pode se tratar de neoplasia de glândula salivar. Porém, independentemente da espessura da parede e dos achados clínicos característicos da lesão, recomenda-se o envio da peça para análise histopatológica, a fim de confirmar a suspeita clínica.
Mucoceles de extravasamento são o subtipo mais comum8,13 e frequentemente aparecem no lábio inferior.2 Já as mucoceles de retenção são raramente encontradas nessa localização,5 podendo aparecer em qualquer outro sítio da cavidade oral,2 estando mais relacionadas com glândulas salivares maiores.4,6 Pesquisa mostra que os locais mais comumente acometidos pelas mucoceles de retenção, quando em glândula salivar menor, são o lábio superior, o palato, as bochechas, o assoalho oral e o seio maxilar.5,8 Neste estudo, todos os casos analisados foram de mucocele de extravasamento.
Dentre as 719 mucoceles analisadas nesta pesquisa, a maioria delas (67,2%) ocorreu no lábio inferior. Vários estudos epidemiológicos publicados embasam esse achado.2,5,10,12,13 O lábio inferior é o sítio anatômico da cavidade oral mais sujeito a traumas, especialmente na região de pré-molares.2,17 Tal fato justifica a grande incidência de mucoceles de extravasamento nessa região, visto que o trauma é sugerido como principal fator etiológico dessas lesões.5,14 Para Khanna et al.,18 hábitos parafuncionais, como morder e succionar o lábio inferior, também estão relacionados ao maior acometimento dessa região; porém, tais movimentos acabam levando a traumas locais, o que converge para um fator etiológico único. Pesquisa com 2.788 casos de lesões comprovadamente advindas de trauma mostrou que o lábio inferior não somente é a região que mais frequentemente ocorrem mucoceles (n = 676; 64,5%), como também o sítio de maior acometimento de todas as lesões de tecido mole associadas a trauma (n = 815; 29,5%).12 Apesar de não ser possível coletar, nesta pesquisa, a informação relativa à história de trauma em 69,7% das fichas de biópsia, considerável parte dos pacientes (23,6%) relatou história de trauma prévio à formação da lesão. O trauma é o fator etiológico mais bem documentado e aceito em pesquisas com mucoceles orais.6
De acordo com alguns estudos da literatura, não há diferença na incidência das mucoceles orais entre os gêneros,6,17,19 assim como na presente pesquisa. No entanto, em outros estudos, a incidência da mucocele entre os gêneros é bastante variável, havendo casos de maior predomínio, tanto entre as mulheres20 quanto entre os homens.10,12,16 De acordo com pesquisa indiana, homens na segunda década de vida são mais acometidos pela mucocele por passarem a enfrentar muitos problemas psicológicos, levando-os ao hábito de morder o lábio, o que ocasionaria a lesão.21 Apesar dessas diferenças entre os estudos, todos eles reconhecem que o trauma é o principal agente etiológico para esse tipo de lesão, havendo variações entre os sexos sobre a origem deste trauma (estresse, fator psicológico, mordida etc.).
As mucoceles de extravasamento acometem pacientes de todas as idades com alta incidência na segunda década de vida.2,6,8,10,12,19,20 Em contrapartida, os fenômenos de retenção de muco comumente afetam indivíduos mais velhos.1,4,20 Em concordância com a literatura, a faixa etária mais acometida nesta pesquisa foi a segunda década de vida (tabela 3). Além disso, foi encontrado, no presente estudo, um caso de mucocele em uma criança de um ano de idade. As mucoceles podem ser congênitas ou surgir logo após o nascimento, mas são raras em crianças com menos de um ano de vida.6,13
A apresentação clínica da mucocele oral pode variar, dependendo da profundidade da lesão.10 Aquelas localizadas logo abaixo da mucosa originam mucoceles superficiais, que possuem característica clínica de vesícula ou bolha; já as localizadas abaixo da submucosa dão origem às mucoceles clássicas, apresentando-se clinicamente como um nódulo.8 Essas variações são vistas detalhadamente na tabela 3. Os aspectos clínicos de cor das mucoceles variam entre mesma coloração da mucosa (róseo) a azulado, sendo que a profundidade da lesão nos tecidos também tem influência sob esse aspecto.5,7 Lesões superficiais causam estiramento tecidual, o que torna o tecido mais fino e cianótico e causa congestão vascular, resultando em lesões de coloração azulada.2,5,8 Em contrapartida, mucoceles mais profundas apresentam-se como um nódulo bem circunscrito, recoberto por mucosa oral normal.8 O tamanho da lesão e a elasticidade do tecido de revestimento também são fatores que influenciam clinicamente esse aspecto.7,21 As mucoceles orais deste estudo assemelham-se a esses achados (tabela 3).
Apesar das variações clínicas das mucoceles apontadas no estudo, estas são pequenas, sendo, no entanto, seus aspectos clínicos patognomônicos8: lesão nodular, assintomática, superfície lisa e com uma variedade de cores, como azulada, transparente, rósea e esbranquiçada.2,5,6 São lesões solitárias ou múltiplas que não apresentam duração constante, podendo variar de poucos dias a três anos.8 Dessa forma, apesar do seu diagnóstico ser praticamente clínico,2,8,10 não há grandes dificuldades para o cirurgião-dentista em realizá-lo, o que facilita o direcionamento do tratamento de forma direta para esse tipo de lesão. Estes achados podem ser evidenciados nesta pesquisa, na qual a maior parte dos profissionais (78,4%) apontou a mucocele como primeira hipótese clínica, o que refletiu na biópsia excisional como principal tratamento de escolha (83,4%). Dessa forma, a história clínica do paciente, aliada a informações acerca da localização, história de trauma, rápido aparecimento, variação no tamanho, coloração da lesão e sua consistência, levam ao correto diagnóstico da lesão e conduta clínica do profissional.6 Ressalta-se que alguns casos específicos podem necessitar de meios auxiliares para o diagnóstico clínico, como radiografias de rotina, ultrassonografia ou métodos de diagnóstico avançado (tomografia computadorizada e imagem de ressonância magnética), a fim de melhor visualizar a forma, o diâmetro, a posição e determinar a origem da lesão.1,8 A técnica citológica de aspiração por agulha fina é uma útil ferramenta para o diagnóstico de pacientes com nódulos e aumentos de volume nas glândulas salivares, especialmente quando é considerado o diagnóstico diferencial com lesão angiomatosa.1,2
Embora o diagnóstico clínico das mucoceles, na maioria das vezes, não ofereça dificuldades ao profissional, é comum sua semelhança com outras lesões que podem acometer a cavidade oral. A mucocele superficial pode ser confundida com penfigoide cicatricial, líquen plano bolhoso ou herpes.22,23 As mucoceles mais profundas fazem diagnóstico diferencial com lipoma, hemangioma, linfangioma oral, neoplasias malignas e benignas de glândula salivar, variz venosa, fibroma de irritação, cisto linfoepitelial oral, cisto gengival do adulto, abcesso tecidual, cisticercose, granuloma piogênico e outros.8
Vale ressaltar que algumas mucoceles superficiais com histórico de recorrência têm sido relacionadas com o líquen plano oral e doença do enxerto vs. hospedeiro.22,23 Para Bermejo et al.,22 a mucosa oral do paciente com líquen plano erosivo sofre constante erosão e re-epitelização, permitindo a ruptura da saída de um pequeno ducto de glândula salivar, o que causa acúmulo de muco abaixo do epitélio. Existe ainda a hipótese de que o processo inflamatório possa exercer um papel na patogênese das mucoceles recorrentes, já que o infiltrado linfocítico pode bloquear o ducto da glândula acessória, o que induziria sua ruptura e o extravasamento subepitelial de muco.23 Identificar corretamente a mucocele superficial recorrente, bem como outras condições que possam estar associadas à mesma, contribuirá para um melhor manejo clínico do paciente.
Achados clínicos de suma importância muitas vezes não são transcritos para a ficha de biópsia, o que acarreta prejuízos a qualquer estudo epidemiológico. Nesta pesquisa, as variáveis "história de trauma" e "história de mudança de volume" não estavam presentes nas fichas de biópsias, que são estruturadas, sendo livremente acrescentadas pelo cirurgião-dentista ou aluno de graduação. A variável "história de mudança de volume" foi transcrita como presente em somente 7,2% das fichas de biópsias. Acreditamos que tal porcentagem não corresponda à realidade desse achado, pois, como grande parte das fichas de biópsias são estruturadas, não há espaços para informações adicionais que possam ser relevantes não só para o correto diagnóstico histopatológico, como também para futuras pesquisas epidemiológicas que utilizem tais fichas como ferramentas. Além disso, a variação de tamanho é um achado clínico bastante característico das mucoceles orais. Para Re Cecconi et al.,5 isso ocorre devido à ruptura da lesão, principalmente naquelas superficiais, ou reabsorção da saliva e subsequente reacúmulo de mucina.5,8 Da mesma forma, a ocorrência de um trauma na região da lesão foi transcrita na ficha em apenas 23,6% dos casos, enquanto que 69,7% não adicionaram essa informação (tabela 3). Assim como o dado anterior, este não corresponde ao esperado, podendo se tratar, também, de ausência de informação. A história de trauma já é amplamente divulgada na literatura como principal causa de mucoceles de extravasamento.8
Esta pesquisa verificou que a maioria das mucoceles orais (n = 510; 70,9%) eram assintomáticas, enquanto que apenas 7,1% (n = 51) apresentavam alguma sintomatologia (tabela 3). Pesquisa clínico-patológica realizada por Bagán Sebastian et al.24 com 25 mucoceles orais encontrou que apenas 4% dos pacientes apresentavam alguma sensação de desconforto, mas não dor. Para Baurmash,7 mucoceles maiores do que 1,5 cm estão localizadas mais profundamente nos tecidos. Dessa forma, lesões menores trazem menos desconforto ao paciente, pois são mais superficiais, estando localizadas nos estratos teciduais menos vascularizados e menos ricos em estruturas nervosas. Além disso, lesões grandes podem causar dificuldade de falar ou mastigar.5,7 De alguma forma isso também justificaria os dados desta pesquisa, que mostram uma longa média de tempo para a procura de tratamento dos pacientes portadores de mucoceles orais (quatro meses), havendo relatos de lesões com até cinco anos de evolução. Para Bhargava et al.,6 devido à ausência de sintomatologia dolorosa dessa lesão, geralmente, é o próprio profissional que a detecta num exame oral de rotina.
Não existem diferenças no tratamento entre mucoceles de retenção e de extravasamento, sendo a remoção cirúrgica convencional o método mais usado para ambas.2,6 Para Romeo et al.,25 a excisão cirúrgica é o único tratamento para esta lesão, sendo observadas constantes recidivas nas mucoceles tipo extravasamento quando este procedimento não é realizado. Nesta pesquisa, a biópsia excisional foi a forma de tratamento mais utilizada para as mucoceles de extravasamento, estando este dado de acordo com o recomendado pela literatura.1,2,4-8,10,13,20 Uma estratégia para evitar recorrências é a excisão de lesões pequenas até a linha muscular, juntamente com o tecido glandular salivar marginal. No caso de lesões grandes, a marsupialização ajudará a evitar danos a estruturas vitais, como o ramo labial do nervo mentoniano.17 A micromarsupialização pode ser considerada como um método cirúrgico alternativo no caso de pacientes pediátricos, pois consiste em uma técnica simples, pouco traumática, relativamente indolor e com menos chances de recorrência.6,17
Outro método cirúrgico de tratamento das mucoceles orais é a ablação a laser de CO2, a qual diminui as chances de recorrência e complicação e permite uma ablação rápida e simples da lesão. Tal procedimento é também indicado para pacientes que não toleram procedimentos longos.17 Essa técnica é questionada, pois não admite o exame histopatológico da lesão.
A mucocele oral é uma lesão bastante comum, que afeta principalmente pacientes jovens e acomete, preferencialmente, o lábio inferior. A mucocele de extravasamento é o subtipo mais comum, acometendo pacientes em torno da segunda década de vida e não oferecendo grandes dificuldades ao profissional em seu diagnóstico clínico. O tratamento cirúrgico conservador é o mais utilizado, porém, formas alternativas têm sido relatadas na literatura, como marsupialização, dissecção, criocirurgia, laser de dióxido de carbono, eletrocauterização, injeção intralesional de agentes esclerosantes e injeções de esteroides.
O estudo possui limitações, como todos os estudos retrospectivos. Determinar alguns dados clínicos não foi possível devido à falta de preenchimento correto das fichas de biópsia. O manuseio correto desse documento constitui importante instrumento de aprendizagem do aluno e da pesquisa epidemiológica, assim como para o acompanhamento do paciente. Ressalta-se a importância do profissional e estudante universitário dispensarem maior rigor não só na anamnese do paciente, como também no preenchimento de suas documentações clínicas.