versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465
Esc. Anna Nery vol.21 no.4 Rio de Janeiro 2017 Epub 07-Ago-2017
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0276
A liderança caracteriza-se como uma competência necessária ao exercício profissional do enfermeiro, tornando-o capaz de influenciar sua equipe com vistas a disponibilizar atendimento focado nas necessidades de saúde dos usuários e familiares.1
No cenário internacional, a liderança representa uma habilidade indispensável na prática de enfermagem, que repercute na qualidade da cultura organizacional das instituições e nas relações de trabalho.2-6 Neste sentido, destaca-se a atuação do enfermeiro diante do gerenciamento do cuidado, da gestão de pessoas e serviços de saúde. Entretanto, existem desafios vivenciados pelos enfermeiros no contexto atual, os quais estão relacionados ao envelhecimento populacional, visto que os cuidados de saúde envolvem a atenção às condições crônicas da população, que elevam as exigências de cuidados e demandam enfermeiros com competências para prestar atenção de qualidade.5 Tal processo ocorre similarmente no contexto nacional, para respondê-lo há necessidade de modificações na formação dos trabalhadores da saúde, especialmente do enfermeiro, a fim de que desenvolva competências, com vistas a assumir novas responsabilidades. Enfatiza-se a importância de sua atuação na atenção à saúde, na tomada de decisão, no estabelecimento de um processo de comunicação horizontalizado, no exercício da liderança e gerenciamento dos serviços e na educação permanente dos profissionais. Competências estas que carecem de um olhar diferenciado tanto por parte dos discentes, dos docentes e gestores, desde o processo de ensino-aprendizagem.
Estudo2 aponta ser preciso investir na formação de lideranças de modo integrado ao currículo de Enfermagem. Cabem, portanto, às institutições de ensino o estímulo ao desenvolvimento de programas de liderança e a busca por maior integração entre os serviços de saúde, com a finalidade de promover melhorias tanto na prática quanto na cultura organizacional.
No que se refere à formação de enfermeiros-líderes no cenário nacional, há movimentos na área acadêmica que buscam desenvolver a liderança de modo transversal no decorrer da graduação, porém, ainda existem fragilidades quanto ao ensino desta competência. No ambiente hospitalar é frequente a sobrecarga de trabalho, a falta de autonomia e a escassez de incentivos dos gestores para o desenvolvimento permanente dos profissionais, interferindo de modo negativo no exercício da liderança.7
Destaca-se a importância do estímulo ao exercício da liderança durante a graduação e após, quando o profissional está inserido no mercado de trabalho. O envolvimento dos docentes e gestores pode colaborar no fortalecimento da liderança enquanto competência relacional.
A liderança quando estimulada durante o processo de ensino-aprendizagem do estudante de enfermagem, contribui para a construção de profissionais politizados, criativos, críticos, reflexivos, bem como auxilia na tomada de decisões, na resolução de situações conflitantes e na potencialização do cuidado prestado aos usuários dos serviços de saúde.7
Diante da relevância do desenvolvimento de líderes na enfermagem, tanto na formação acadêmica como nos serviços de saúde, construiu-se a seguinte questão norteadora para a presente investigação: qual o entendimento dos enfermeiros sobre o ensino da liderança na graduação e o seu exercício no ambiente hospitalar?
Assim, o objetivo deste estudo foi analisar o entendimento dos enfermeiros sobre o ensino da liderança na graduação e o seu exercício no contexto hospitalar.
Trata-se de um estudo qualitativo, do tipo descrito e exploratório, realizado em um hospital público localizado no estado do Rio Grande do Sul, Brasil, referência para os municípios da região.
Trabalhavam na referida instituição 58 enfermeiros. Para definição dos participantes, foram adotados os seguintes critérios de inclusão: trabalhar no hospital há, no mínimo, seis meses e atuar diretamente na assistência, e como critério de exclusão estar afastado por qualquer motivo das atividades laborais (por exemplo: licença saúde, maternidade, etc), que abranja o período de coleta de dados em sua totalidade. A definição do número de participantes ocorreu por inclusão progressiva, sendo estabelecido pelo critério de saturação, isto é, quando a opinião dos enfermeiros sobre o assunto começou a expressar regularidade de apresentação, além de responder ao objetivo do estudo. Com base nos critérios supracitados, compuseram o estudo 37 enfermeiros. Quanto à caracterização dos participantes, 31 eram do sexo feminino e seis do sexo masculino. A idade variou de 22 a 67 anos e o tempo de formação, de um a 32 anos, sendo que dos 37 participantes, três possuíam somente a graduação, 34 cursaram especialização e destes, sete concluíram mestrado acadêmico e três doutorado, haviam representantes de todas as unidades assistencias do hospital.
A coleta dos dados ocorreu de janeiro a março de 2014, por meio de entrevistas semiestruturadas, individuais, realizadas no próprio local do estudo, com data e hora preestabelecidas. Os participantes foram questionados sobre a liderança no que concerne ao entendimento, as percepções sobre ensino na graduação e o aperfeiçoamento no contexto hospitalar.
Optou-se por categorizar os dados pelo software Nvivo, versão 10.0®. Para a análise dos resultados, procedeu-se à interpretação codificada, utilizando a modalidade de Análise Temática, realizando-se pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados obtidos e interpretação.8
O estudo recebeu a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Santa Casa de Misericórdia de Pelotas, sob o protocolo de número 200/2013. Cabe informar que, no desenvolvimento da pesquisa, foram respeitados os princípios éticos estabelecidos pela Resolução nº. 466/129 do Conselho Nacional de Saúde, que trata de pesquisas envolvendo seres humanos. Com a finalidade de assegurar o anonimato, os participantes foram identificados pela letra E (enfermeiro), seguida do número ordinal referente à ordem de realização das entrevistas.
Da análise dos dados, emergiram duas categorias denominadas: Entendimento dos enfermeiros sobre o ensino da liderança na graduação; e Exercício da liderança no ambiente hospitalar, as quais serão apresentadas na sequência.
Com relação ao ensino da liderança durante a formação universitária, os enfermeiros destacaram aspectos relevantes como: os docentes abordaram teoricamente o papel do enfermeiro, ou seja, sua posição e postura, além dos aspectos éticos, atitudes e maneiras de liderar a equipe de enfermagem, conforme revelam os depoimentos a seguir:
Acho que a gente é bem preparado. Claro que o dia a dia te expõe a realidades que são diferentes da realidade acadêmica, em que tu tens que pegar o que é ensinado dentro da academia, deparar com a realidade e tentar fazer um meio termo disso tudo, tentar adequar junto a tua realidade (E4).
Sim, com certeza a faculdade ajudou. Na verdade, o que me baseou mais na minha formação para eu pensar nessa forma foi o tempo de estágio, quando eu conheci várias equipes que trabalhavam de várias maneiras diferentes. É durante a formação que tu decides o tipo de profissional que tu queres ser (E5).
Achei que foi bem boa. Quando a gente vê a teoria é uma coisa, mas na prática a gente vê que uns são chefes e outros são líderes. Mas a faculdade para mim foi excelente, não tenho queixas (E15).
Durante a faculdade, a gente teve bastante apoio nessa parte, conversava bastante. Na teoria, a gente vê o que tem que fazer, os aspectos éticos que a gente não pode esquecer e que, às vezes, muita gente depois de formada esquece. Mas a formação deu uma boa base sobre liderança (E19).
Os depoimentos apresentados apontam aspectos positivos relacionados a formação da liderança na graduação, pelo significativo aporte teórico fornecido pelos docentes de enfermagem. Constata-se que o conteúdo programático oferece subsídios para que o discente possa se aproximar da temática liderança e, desta forma, poderá subsidiar seu exercício na prática, por meio do respaldo teórico. Além disso, destaca-se neste sentido, a importância da integração docente assistencial, com vistas a dimuir os distanciamentos que possam existir entre a academia e os serviços.
Com o intuito de facilitar o ensino da liderança, defende-se uma educação baseada no diálogo e na autonomia, que busque despertar no educando, independentemente de sua realidade, um olhar crítico e o potencial para intervir no mundo, consciente de seu poder de transformação.7 Para tanto, são necessárias mudanças de âmbito acadêmico, que permitam uma reestruturação didático-pedagógica inovadora,10,11 tendo o docente papel fundamental nesse processo de aprendizagem.
Nesse sentido, garantir que os futuros enfermeiros sejam capazes de visualizar a liderança em enfermagem de forma clara, coerente com as necessidades dos usuários e serviços, analisando-a de forma crítica-reflexiva, capaz de promover mudanças sociais e intervir na atenção à saúde,10,12 desponta como um dos desafios centrais no ensino de enfermagem em todo mundo.
Além disso, cabe mencionar que a liderança consiste em uma das competências gerais instituídas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em enfermagem, o que sinaliza para a necessidade de sua abordagem consistente na academia, bem como a adesão pelos docentes de práticas pedagógicas horizontalizadas, coerentes com a dinamicidade do ensino atual e que fortaleçam a formação de líderes, o pensar crítico e a autonomia dos discentes, com vistas a atuarem de modo resolutivo frente as demandas de saúde da população, pela manutenção do Sistema Único de Saúde e nas lutas em prol da categoria profissional.
No presente estudo, os entrevistados afirmaram não se considerarem prontos para liderar, por medo, insegurança, falta de preparo e/ou conhecimentos. A juventude dos enfermeiros também foi relacionada à dificuldade de liderar, sendo reconhecidos pelos participantes o tempo de vivências e a prática como aspectos que potencializam a capacidade para o trabalho em equipe e exercício da liderança. Destaca-se que, por vezes, ambas as capacidades estão intimamente relacionadas.
Eu acho que não. Eu acho que eu fui aprender aos poucos. Tu não vens da faculdade "ah, porque eu me formo, sou enfermeira e agora vou liderar", tem muita gente que não sabe liderar, tem muita gente recém-formada que bota os pés pelas mãos, briga com funcionário, se estressa por qualquer coisa ou chega querendo dar mil e uma ordens e que, na verdade, às vezes, nem conhece o local que está trabalhando (E9).
Não, porque eu acho que a gente aprende mesmo isso é depois, no dia a dia, tu trabalhando. Porque nos estágios, tu és acadêmica, mas não é a mesma coisa que depois tu assumires como enfermeira. Então eu acho que tu aprendes mesmo depois que tu começas a trabalhar e a atuar como enfermeiro, que aí tu tens que analisar e ver o que tu estás fazendo, o que está dando certo, o que está dando errado, para ti ir mudando e adaptando as situações (E13).
Não, muito pouco. Geralmente a gente vai adquirir essa experiência é no dia a dia. Em termos de curso, no caso assim, eu acho que a parte de liderança a gente vai adquirindo a experiência, vai adquirindo no dia a dia, me deu mais base na minha época mesmo, pelo menos foi assim. Eu acho que o meu dia a dia de trabalho é que fez adquirir essa experiência toda (E14).
Os enfermeiros consideram que a liderança vai se fortalecendo ao longo do tempo e, por este motivo, mencionaram dificuldades para exercê-la no início da profissão. Resultado semelhante foi evidenciado em estudo realizado na África do Sul, que destacou a falta de coordenação e liderança por parte dos profissionais enfermeiros. Com base nos resultados, alertou-se para a necessidade de reestruturação acadêmica que possibilitasse capacitar melhor os enfermeiros por meio de uma formação e prática de qualidade.13 Além disso, acredita-se que a experiência mencionada pelos participantes está relacionada ao tempo necessário para compreensão do processo de trabalho, familiarização com os integrantes da equipe, domínio de habilidades técnicas e relacionais, que oportunizem maior segurança e conhecimento para enfermeiro planejar e intervir de modo ético e profissional.
Estudo realizado na Austrália com acadêmicos de enfermagem assinalou a importância da liderança como estratégia para fortalecer e preparar futuros profissionais, o que torna imprescindível que sejam capazes de desenvolver uma compreensão clara sobre liderança.12
Nessa perspectiva, resgata-se a potencialidade da inclusão de um ensino transversal da liderança, que deve ser adotado ao longo da graduação. Ainda, que haja a preocupação em aprimorar o profissional e aproximá-lo da realidade do processo de trabalho, da assistência ao cenário atual, além de investir em estratégias que facilitem a formação de enfermeiros-líderes.7 Esse aspecto ganha elevada importância no debate sobre a reformulação das Diretrizes Curriculares para os cursos de enfermagem e provoca reflexões de como operacionalizar o ensino contínuo da liderança, de modo problematizador e provocador.
Estudo14 versa acerca dos avanços na área da educação em enfermagem, a partir das Diretrizes Curriculares. Destacam-se avanços na construção de um processo formativo vinculado às necessidades de saúde da população, focado na perspectiva interdisciplinar, na utilização de metodologias ativas centradas no discente enquanto protagonista de seu processo de ensino-aprendizagem para a reorganização dos componentes curriculares e fortalecimento da articulação entre teoria e prática; na indissociabilidade do tripé pesquisa, ensino e extensão; na diversificação dos cenários de aprendizagem visando a integração ensino-serviço; na avaliação formativa e formação de profissionais generalistas capacitados para atuar nos diversos cenários, buscando evitar visões fragmentadas da realidade.
Diante disso, pode-se afirmar que tais avanços repercutem de forma positiva no ensino da liderança, tendo em vista a ampliação das possibilidades de aprimoramento do discente em sua multidimensionalidade, no entanto, ainda torna-se necessário discussões contínuas sobre a formação na enfermagem, a fim de preservar e fortalecer os avanços já adquiridos e o enfrentamento de novos desafios que surgem a todo momento, frente a conjuntura de saúde atual.
Outro resultado encontrado diz respeito às relações interpessoais no ambiente de trabalho. Um participante expressou que, no decorrer de sua formação, os docentes estimulavam o distanciamento entre o enfermeiro e a sua equipe, com vistas a evitar uma aproximação mais afetiva, o que poderia prejudicar o andamento da assistência.
Eu não me lembro de ter muito estímulo assim, mas o que era muito marcante na minha disciplina, era em função de tu não ser amigo das pessoas com quem tu trabalhas, de não dar muita entrada, de não dar muita, digamos, ousadia, intimidade. Era isso que ensinavam, não se ter muita relação. Então, jamais tu te sentas e tomas um cafezinho junto, isso não era comportamento de uma enfermeira junto com os técnicos de enfermagem [...]. E eu acho que hoje mudou, pelo que eu tenho visto, parece que mudou (E1).
Já sob a perspectiva da atual formação do enfermeiro, devem ser estimulados o vínculo e a aproximação entre os integrantes das equipes, a fim de que possam se sentir valorizados, bem como facilitar o processo de comunicação.15,16
Desta forma, torna-se necessário que o enfermeiro trabalhe suas potencialidades de modo a desenvolver as habilidades necessárias relacionadas à liderança, principalmente no processo de comunicação e para desenvolvimento de um clima organizacional de apoio, favorável ao exercício da liderança.17 A liderança do enfermeiro em uma cultura institucional é refletida no engajamento ao diálogo e na criação de uma atmosfera de abertura; assim, cabe a este profissional apoiar e promover atitudes que possibilitem uma prestação de cuidados atenta aos usuários e consoante com as melhores evidências. No exercício da liderança, o enfermeiro precisa considerar valores, normas e história da organização, bem como os indivíduos.18
O estudo permitiu discutir também o suporte técnico ou prático sobre liderança e a formação permanente ofertada pela instituição hospitalar. Esses aspectos possibilitam compreender como se dá o processo de continuidade do ensino e exercício da liderança. Os depoimentos a seguir expressam o entendimento dos enfermeiros sobre o assunto.
Eu acho muito fraca, eu acho que a gente não tem treinamento, não tem condições de ir fazer um curso, um congresso. Eu fui em um congresso e tive que arcar com todas as despesas, por que eles não estimulam e ainda tem a dificuldade de conseguir a liberação para poder ir. Então eu acho que a instituição não ajuda (E3).
Não oferece. Como eu trabalho em dois [hospitais], aqui no hospital não se tem quase nada (E6).
Pouca ou nenhuma porque não existe uma formação continuada. Hoje tem um setor no hospital, mas eu ainda acho que ele está se desenvolvendo, pode ser que melhore. Muitas vezes, os enfermeiros não são liberados para sair para fazer cursos. Eu acredito que ainda precisa melhorar e muito (E8).
Olha, a gente já teve algumas palestras, umas e outras, duas no máximo a respeito disso, mas muito superficial. Já teve duas ou três etapas de curso, assim, período de seis meses que falava algumas coisas sobre de enfermagem. Alguns bem específicos para grau superior e que falou alguma coisa sobre a diferença do liderar, mas nada muito específico (E18).
Olha, eu acho que às vezes tem uma palestra, mas eu nem considero educação permanente porque eu acho que educação permanente tem um cronograma que tenha que ser seguido (E20).
Com base nos depoimentos, pode-se afirmar que todos os participantes consideram que a instituição possui fragilidades no que se refere a incentivos para o desenvolvimento permanente dos profissionais. Nos depoimentos, evidenciam-se entraves importantes para a educação permanente destes trabalhadores.
Cabe destacar que a educação permanente tem sido considerada um importante instrumento em prol do desenvolvimento do trabalhador, por estimular seu pensamento crítico e suas ações pautadas no conhecimento em constante transformação.
Desta forma, a educação permanente parte das necessidades do ambiente de trabalho e desenvolve-se a partir dos problemas diários identificados na realidade, buscando contribuir com o mundo do trabalho, transformando-o e transformando o trabalhador. Entretanto, mesmo com a criação da Política Nacional de Educação Permanente, há mais de dez anos, ainda há dificuldades para implementá-la nos serviços de saúde;19 contudo, pode-se evidenciar que seu legado maior está envolto não no modo de operacionalizar/implantar estratégias de educação permanente nos diferentes cenários de saúde no complexo e diversificado território brasileiro, mas nas reflexões, no arcabouço teórico que fomenta a formação dos profissionais de saúde no Brasil.
Mesmo diante das fragilidades destacadas, alguns participantes acreditam que a gerência de enfermagem está se mobilizando para investir na educação permanente dos profissionais, embora conscientes de ainda se tratar de uma proposta incipiente.
A questão da liderança, nós estamos em outro processo, de trazer um pouco mais de atualização e de inovações para dentro do nosso processo de trabalho. Acredito que, atualmente, a instituição, com a nova direção e com as questões até da gerência de enfermagem, está buscando possibilidades para que se discuta um pouco mais com os enfermeiros em relação a estas questões (E10).
Há pouco tempo foi implantado um projeto de educação permanente aqui no hospital, onde eles querem inserir os próprios profissionais para serem os formadores da educação permanente, então todo profissional que quer apresentar algum assunto, algum tema relevante, demonstrar interesse nisso; ele liga para o setor de comunicação e marca um horário [...]. Agora a gente está tendo algum suporte maior, mas isso é uma coisa bem recente, foi após a mudança na direção do hospital (E28).
O hospital vem mudando um pouco com a nova gestão. Ele vem investindo mais na formação profissional. Quando eu entrei aqui no hospital, eles não investiam tanto na preparação do profissional, hoje eles já oferecem cursos, a gente já tem uma gestão mais aproximada com a equipe. Então, hoje, já tá começando assim, de uma forma bem lenta, mas já ta começando a preparar mais o profissional pras questões do dia a dia. Então não é o ideal, mas já melhorou bastante (E32).
O entendimento dos gestores sobre a educação permanente e a forma como conduzem este processo podem impulsionar ou inviabilizar sua implementação. Estudo realizado no Japão destaca que os gestores têm compreendido a importância do estímulo intelectual nos serviços de saúde. Esse incentivo, por sua vez, permite tanto aumentar o comprometimento afetivo dos enfermeiros diante da equipe quanto distribuir igualitariamente as funções, pois o aprimoramento afeta a satisfação pessoal e o atendimento ao usuário, o que se reflete em melhor prestação do serviço de saúde.6
Por esse motivo, reforça-se a importância de incluir a educação permanente nos serviços de saúde, por meio da sensibilização de gestores e profissionais, além de estimular a participação das instituições de ensino, tanto no desenvolvimento de cursos de pós-graduação como na criação de estratégias de controle social. Deve-se oportunizar o aprimoramento profissional, a fim de ampliar a qualidade da assistência, promover espaços para crescimento e aprimoramento profissional, compreendendo que os trabalhadores são agentes de transformação da realidade.7 Além disso, a educação permanente pode abrir novas formas de diálogo e interação com a equipe, resgatar lacunas do processo formativo e compartilhamento de saberes, agregando olhares sobre o modo de liderar e assistir.
Com vistas a garantir o desenvolvimento de habilidades necessárias para o exercício da liderança, os enfermeiros precisam ter acesso fácil à educação por meio de programas educacionais contemporâneos e de alta qualidade, que fortaleçam a clínica e as competências gerenciais.3,4,20 Para tanto, é necessário propiciar um ambiente de trabalho seguro, eficaz e encorajador, bem como reconhecer a importância de líderes com condutas positivas que assumem as responsabilidades da liderança.21 Identificar e desenvolver líderes de enfermagem é inestimável, em virtude do ambiente dinâmico e moderno entrelaçado à profissão.22
Evidencia-se a necessidade de liderança em todos os níveis de enfermagem. Esta tem sido associada com melhor cultura de trabalho, satisfação pessoal e, sobretudo, mais qualidade no cuidado disponibilizado aos usuários. Estudo destaca a importância da adoção de programas de desenvolvimento de líderes, com ênfase na prática clínica. O impacto na liderança clínica é essencial porque afeta a satisfação pessoal e a qualidade dos cuidados de saúde.23
Além disso, enfermeiros-líderes, com conhecimentos clínicos, são essenciais para o sucesso das iniciativas de cuidado, pois bons líderes ajudam a produzir bons cuidados. Já profissionais com dificuldades para liderar prestam atendimento deficiente, aspecto também observado nos campos acadêmicos, políticos e de gerenciamento em enfermagem. Com a identificação apropriada, o suporte e o desenvolvimento dos futuros líderes de enfermagem, estes profissionais estarão empoderados e poderão colaborar para alcance do objetivo final da excelência na profissão: o cuidado em enfermagem centrado na pessoa.22
Este estudo buscou analisar o entendimento dos enfermeiros sobre o ensino da liderança na graduação e o seu exercício no contexto hospitalar. Quanto à formação acadêmica, os participantes mencionaram aspectos positivos relacionados a formação da liderança na graduação, pelo significativo aporte teórico fornecido pelos docentes de enfermagem. Cabe considerar que o conteúdo programático disponibilizado no processo ensino-aprendizagem oferece subsídios para que o discente possa se aproximar da temática liderança e, por consequência, poderá subsidiar seu exercício na prática.
Porém, ficou evidente que o desenvolvimento da liderança é fortalecido com as experiências vividas no cotidiano de trabalho dos enfermeiros. A experiência mencionada pelos participantes pode estar relacionada ao tempo necessário para melhor entendimento do processo de trabalho, aproximação com a equipe, domínio de habilidades técnicas e relacionais, oportunizando segurança e conhecimento para enfermeiro planejar e intervir nos serviços de saúde. Evidenciou-se que a instituição hospitalar oferece poucos investimentos para o suporte teórico-prático sobre liderança e promoção de educação permanente dos profissionais, por se limitar a atividades pontuais e sem periodicidade.
A educação permanente poderia ser pensada como uma estratégia em prol do processo de formação de líderes, bem como para a qualificação do cuidado prestado pelos enfermeiros; contudo, os hospitais precisam promover o processo de educação permanente, uma vez que potencializa a qualificação do trabalho em equipe e torna mais eficientes as práticas assistenciais. Estas instituições devem ainda se engajar na implantação de programas de desenvolvimento de líderes.
A adoção da entrevista como única técnica de coleta de dados pode ser considerada uma limitação do estudo. Ademais, sugere-se a realização de outras pesquisas, com vistas a observar, na prática, o exercício da liderança do enfermeiro, ou até mesmo, a utilização de técnicas grupais para que possam contribuir ainda mais para a construção de estratégias com vistas à formação do enfermeiro-líder.
Destaca-se que os resultados deste estudo implicam na prática profissional do enfermeiro, tendo em vista que possibilitou analisar os aspectos que precisam ser aprimorados na formação, com vistas a fortalecer o desenvolvimento da liderança, ainda na graduação e após, quando o profissional já está inserido no mercado de trabalho. Tais resultados merecem um olhar atento, tanto no cenário acadêmico como nos serviços de saúde.