versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.45 no.5 São Paulo 2019 Epub 16-Set-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1806-3713/e20180412
Paciente do sexo masculino, 14 anos, com história de derrame pericárdico e infiltrado pulmonar compareceu a uma consulta médica de rotina queixando-se de dispneia. O exame físico revelou sinais de derrame pleural (murmúrio vesicular abolido e macicez à percussão) na parte inferior do hemitórax direito. Nenhuma outra anormalidade foi observada. A radiografia e a ultrassonografia de tórax confirmaram a presença de derrame pleural, e foi realizada toracocentese diagnóstica. A análise do líquido pleural mostrou altos níveis de triglicerídeos (136 mg/dl), e foi diagnosticado quilotórax. Uma TC de tórax realizada anteriormente mostrava espessamento dos septos interlobulares e espessamento peribroncovascular, bem como infiltração de tecido mole em pleura e mediastino (Figuras 1A-C). O paciente foi internado para maior investigação, e foi realizada biópsia pleural. Microscopicamente, a lesão se caracterizava pela proliferação e dilatação dos canais linfáticos e apresentou imunopositividade para CD31 (Figura 1D), CD34, antígeno relacionado ao fator VIII, actina, desmina e vimentina. Com base nos achados, confirmou-se o diagnóstico de linfangiomatose pulmonar difusa (LPD).
Figura 1 Imagens de TC de tórax com contraste e reconstrução nos planos axial (em A) e coronal (em B), bem como imagem axial com janela para o mediastino (em C), mostrando espessamento peribroncovascular e dos septos interlobulares, associado a extensa infiltração de tecido mole pleural e mediastinal. Em D, fotomicrografia mostrando proliferação difusa de canais linfáticos (asteriscos) ao longo da pleura e imunopositividade das células endoteliais dos canais linfáticos para CD31 (H&E e coloração imuno-histoquímica; aumento, 100×).
A LPD é uma doença benigna extremamente rara, caracterizada por proliferação anormal, dilatação e espessamento dos canais linfáticos nos pulmões, pleura e tecido mole mediastinal. A doença pode afetar pessoas de todas as idades, mas ocorre predominantemente em crianças e adultos jovens, independentemente do sexo. Embora a patogênese permaneça controversa, a doença parece resultar de desenvolvimento linfático anormal. O aspecto linfoproliferativo sugere etiologia neoplásica, e a desorganização estrutural indica origem hamartomatosa. A maioria dos sintomas é leve; os pacientes apresentam tosse, falta de ar, hemoptise (com ou sem derrame quiloso), derrame pleuropericárdico e pneumotórax.1-4
A proliferação de canais linfáticos explica os achados de imagem torácica mais comuns na LPD. Nas TCs de tórax, os achados incluem espessamento dos septos interlobulares e feixes broncovasculares, opacidades em vidro fosco irregulares, infiltração difusa de tecido mole mediastinal e hilar e derrame pleural.1,2,4 Em nosso caso, os achados de imagem foram espessamento dos septos interlobulares e feixes broncovasculares, infiltração mediastinal e pleural e derrame pleural associado, todos compatíveis com LPD. O principal diagnóstico diferencial é a linfangiectasia pulmonar, uma condição rara caracterizada por dilatação difusa dos linfáticos pulmonares. É classificada como congênita, aparecendo logo após o nascimento e sendo associada a alta morbidade e mortalidade neonatal, ou secundária, quando há evidência de hipertensão pulmonar ou obstrução venosa. Embora os achados de TC de tórax na LPD e na linfangiectasia pulmonar sejam praticamente idênticos, histopatologicamente, a linfangiomatose se caracteriza pelo aumento do número de vasos linfáticos de tamanhos variados. De forma contrária, o exame microscópico revela canais linfáticos dilatados não proliferativos nos casos de linfangiectasia pulmonar.5
A biópsia com estudo histológico e imuno-histoquímico garante o diagnóstico definitivo de LPD. O exame patológico mostra a proliferação de espaços complexos, anastomóticos, revestidos de endotélio, com feixes assimetricamente espaçados de células fusiformes e colágeno ao redor dos canais revestidos de endotélio. Na coloração imuno-histoquímica, as células endoteliais nos casos de linfangiomatose geralmente são positivas para D2-40, CD31 e antígeno relacionado ao fator VIII.3 Nosso paciente apresentou positividade para CD31 e antígeno relacionado ao fator VIII, entre outros, levando ao diagnóstico de LPD.
Nenhum tratamento específico para LPD é universalmente aceito. As terapias atuais são de suporte e essencialmente paliativas, tendo o objetivo de aliviar os sintomas clínicos. A doença é progressiva, e o prognóstico geralmente é ruim. A evolução é frequentemente lenta, com efusão quilosa recorrente e compressão mediastinal. Insuficiência respiratória secundária a infecção e acúmulo de líquido quiloso são as principais causas de morte entre pacientes com LPD.2,4