versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.14 no.4 São Paulo out./dez. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082016rc3770
O lipossarcoma é um dos sarcomas de tecidos moles mais comuns em adultos, ocorrendo em 15 a 20% de todos os pacientes com sarcoma. A marca patofisiológica do lipossarcoma trata-se de células adiposas imaturas ou lipoblastos. Em geral, o lipossarcoma afeta os membros, o retroperitônio e o tronco. Raramente envolve as vísceras. O lipossarcoma primário de estômago é especialmente raro e menos de 15 casos foram relatados até hoje na literatura desde o primeiro relato em 1941.(1)
O lipossarcoma gástrico é geralmente caracterizado por crescimento tumoral exótico aderente à parede gástrica. Quase 75% dos lipossarcomas gástricos são localizados no antro e comumente se originam da submucosa.
Em geral seu diagnóstico é incorreto devido à raridade e à ausência de sintomas. O diagnóstico é confirmado apenas após exame histopatológico de espécime cirúrgica. As biópsias pré-operatórias padrões são comumente inadequadas, por conta da localização do tumor na submucosa.(2)
Relatamos o caso recente de lipossarcoma gástrico, e realizamos a revisão da literatura e a discussão do diagnóstico diferencial.
Paciente masculino de 76 anos que procurou o serviço de emergência devido a sangramento gastrintestinal. Os exames laboratoriais não detectaram anemia e distúrbios de coagulação.
O indivíduo apresentou quadro de diverticulite aguda 4 anos antes, quando a tomografia computorizada (TC) mostrou tumor de tecido gorduroso de 5,0cm adjacente à parede gástrica. A ultrassonografia endoscópica realizada com biópsia por agulha fina sugeriu apenas lipoma. Devido às comorbidades, como obesidade mórbida, diabetes, dislipidemia e hipertensão sistêmica, a cirurgia não foi indicada, já que revelou lesão benigna.
O histórico familiar foi significante. O pai do paciente teve leiomiossarcoma gástrico sendo operado aos 61 anos de idade, vindo a óbito por lipossarcoma retroperitoneal gigante 20 anos mais tarde. A irmã do paciente, aos 68 anos de idade, foi diagnosticada com tumor do estroma gastrintestinal (GIST), outro tumor de partes moles. Os exames laboratoriais são descritos na tabela 1.
Tabela 1 Exames laboratoriais na internação
Hemoglobina | 15,4 |
---|---|
Hematócrito | 44,2 |
Leucócitos | 9.870 |
Plaquetas | 168.000 |
INR | 1,0 |
CA 19.9 | 8,73 |
CEA | 1,29 |
CA 15.3 | 5,1 |
A endoscopia alta revelou massa mole (Figura 1), extensa, ulcerada da submucosa em antro gástrico e a parede gástrica posterior pareceu estar comprimida. Múltiplas biópsias foram obtidas, mas todas foram superficiais e mostraram inflamação inespecífica da mucosa gástrica.
Figura 1 Grande curvatura de lesão ulcerada pré-pilórica (8mm), aspecto da submucosa e visão endoscópica
A imagem de TC abdominal (Figura 2) revelou massa gástrica antral redonda, bem circunscrita, medindo aproximadamente 7,5cm em diâmetro erguendo-se a partir da menor curvatura gástrica e protrusão além da parede gástrica, que estava em contato com pâncreas e bexiga. Não foram observados metástase ou envolvimento nodal. Os achados pré o perioperatórios sugeriram lipoma benigno da parede do estômago. O PET-C no pré-operatório não revelou qualquer capitação.
Figura 2 Tomografia computadorizada mostrando massa bem circunscrita com densidade de partes moles e protrusão no lúmen gástrico
O paciente realizou gastrectomia laparoscópica parcial seguida de gastrenteroanastomose. O estudo da espécime congelada da patologia intraoperatória revelou margens livres. A recuperação não apresentou eventos adversos, e o paciente recebeu alta após 4 dias.
O paciente não foi submetido a qualquer tratamento adjuvante. A imagem de TC, 6 meses após o procedimento, não revelou recidiva. O paciente deve permanecer em seguimento por imagem pelos próximos anos.
Os cortes necroscópicos mostraram massa extensa, bem circunscrita medindo 7,5 versus 7,0cm, a partir da parede gástrica e ulceração da mucosa.
O exame histopatológico revelou lipossarcoma bem diferenciado. A neoplasia foi predominantemente composta de adipócitos maduros que variaram em tamanho e formato, e apresentavam núcleo hipercromático atípico aumentado. Os lipoblastos foram distribuídos espaçadamente ao longo da lesão. Observou-se septo espesso hipercelular (Figuras 3 a 5). Não se detectaram mitoses. Não houve áreas de diferenciação ou mixoide.
O lipossarcoma é um tumor encontrado com maior frequência em adultos que apresenta alta incidência entre as idades de 50 e 65 anos. É dos sarcomas de tecido mole mais comuns que podem aparecer em qualquer parte do corpo.
Os tumores adiposos são raros no trato gastrintestinal. Diferenciar os tumores malignos de benignos é, em geral, dificultado pelas características morfológicas.
O lipossarcoma é histologicamente definido como tumor composto de lipoblastos. São classificados, histologicamente, em cinco subcategorias, cada uma com características e comportamentos únicos:
- O lipossarcoma bem diferenciado é um dos subtipos mais comuns e geralmente inicia-se como tumor de baixo grau. As células de tumores de baixo grau parecem-se muito mais com células gordurosas em microscópico e tendem a crescer e mudar lentamente.
- O lipossarcoma mixoide é um tumor de grau intermediário a alto. Suas células parecem menos normais em microscópicos e podem apresentar componente de alto grau.
- A maioria das células redondas ocorre nos membros, com proliferação excessiva de pequenas células redondas.
- O lipossarcoma pleomórfico é um dos subtipos mais raros e trata-se de tumor de alto grau com células que parecem muito diferentes das normais.
- O lipossarcoma diferenciado ocorre quando um tumor de baixo grau sofre alteração, e as novas células no tumor são de alto grau.
O lipossarcoma gástrico ocorre pela proliferação de células mesenquimais indiferenciadas na submucosa e por túnica muscular do estômago. Apesar de 30% dos lipossarcomas bem diferenciados apresentarem recidiva local, a metástase é, virtualmente, não observada, com exceção aos casos em que ocorre diferenciação.
A taxa de mortalidade geral varia de zero para tumor lipomatoso atípico de extremidade para quase 80% em tumores ocorrendo nas vísceras e retroperitônio.
A citologia é importante no diagnóstico já que, em tumores de tecidos gordurosos com menos de 75% de gordura do volume do tumor, o lipossarcoma é um dos diagnósticos mais prováveis.(3)
Quando o tumor é extenso, há uma tendência progressiva para massa submucosa de extrusão no lúmen, levando a mudanças traumáticas e inflamatórias e resultando em necrose, ulceração e hemorragia. Fato que ocorreu com nosso paciente.
A terapia padrão é excisão cirúrgica. Tal tratamento é, porém, baseado nas publicações limitadas disponíveis, e a ressecção cirúrgica parece ser a melhor modalidade de tratamento com aumento significativo das taxas de sobrevida livre da doença e sobrevida geral.
Em casos difíceis, nos quais a ressecção completa não é possível ou por conta da identificação tardia nas margens, a melhora opção é a cirurgia citorredutora em bloco. A ressecção completa de sucesso do lipossarcoma retroperitoneal pode aumentar em 5 anos a taxa de sobrevida. Além disso, conforme o conhecimento dos autores deste estudo, não há evidencias atuais de que a quimioterapia ou a radioterapia melhore as taxas de sobrevida.
Apesar das causas dos tumores de tecido mole serem bem conhecidas, alguns fatores de risco do ambiente são conhecidos ou sugeridos como fatores de risco, como radiação ionizante, medicamentos imunossupressores, herbicidas de fenóxidos, pesticidas de arsênico e dioxinas.(4)
Nosso paciente apresentou histórico familiar de tumores de partes moles − um lipossarcoma gigante de retroperitônio em seu pai e tumor gastrintestinal (GIST) em sua irmã, portanto, trazendo possibilidade de estudo genético. Uma pequena fração dos tumores de partes moles pode ser atribuída a algumas síndromes neoplásicas hereditárias raras, incluindo retinoblastoma,(5) síndrome de Li-Fraumeni(6) neurofibromatose tipo 1, e síndromes Gardner e Werner.(7)
Os genes suscetíveis para todas essas síndromes têm sido identificados. Os tumores de partes moles são caracterizados por reorganização de cromossomos somáticos frequentes.(4,7)
O diagnóstico diferencial do lipossarcoma gástrico inclui tumores estromais gástricos, carcinoma peritoneal, lipossarcoma peritoneal, carcinoma envolvendo a gordura perivisceral, metástase hepática adjacente ao estômago, linfoma e tumor primário do omento.(8,9) Recentemente, a ultrassonografia endoscopia é indicada como ferramenta diagnóstica mais útil em casos que a neoplasia se origina na submucosa, além do uso para exclusão diagnóstica. No entanto, outros estudos são necessários para o desenvolvimento desse método.(10)
Considerando que a natureza benigna ou maligna da lesão submucosa não pode ser diagnosticada com assertividade, o lipossarcoma gástrico e o tumor mesenquimal da parede do estômago devem ser incluídos no diagnóstico.