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LS CE-Chirp® vs. Clique no diagnóstico neuroaudiológico pelo PEATE

LS CE-Chirp® vs. Clique no diagnóstico neuroaudiológico pelo PEATE

Autores:

Michelle Cargnelutti,
Pedro Luis Cóser,
Eliara Pinto Vieira Biaggio

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.83 no.3 São Paulo mai./jun. 2017

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2016.04.018

Introdução

O exame de potenciais evocados auditivos de tronco encefálico (PEATE) registra respostas da via neural, é útil na avaliação da integridade do sistema auditivo. Clinicamente, é usado para estimar os limiares auditivos de adultos e lactentes1 e para detectar, nos níveis periférico e central, as patologias de sistema nervoso.2 É historicamente registrado com o estímulo clique, esse transitório, com rápido começo e de curta duração (100 µs). A sua composição é de banda larga, com pico de energia máxima nas regiões que abrangem 1.000-4.000 Hz.3 Considerando a tonotopia coclear, quando o estímulo clique é apresentado na cóclea, cada região da membrana basilar é estimulada, uma após a outra, da base até o ápice. Dessa forma, o estímulo transiente age na região das frequências altas mais cedo do que nas que correspondem às frequências baixas. Devido ao fato de os componentes de baixa frequência fornecerem picos de resposta atrasados para somar os componentes de resposta às frequências altas, muita informação é perdida na somatória global da resposta. Consequentemente, os resultados da excitação das diferentes fibras neurais em tempos diferentes diminui a sincronia neural, que é necessária para evocar um potencial auditivo.4

Nessa perspectiva, com o objetivo de compensar o atraso da onda sonora em seu trajeto pela cóclea, pesquisadores projetaram um estímulo ao qual denominaram chirp. Esse estímulo tem uma duração que pode ser de até 10,33 ms, muito mais longo do que o clique. Foi projetado de modo que as frequências baixas são apresentadas antes das frequências altas, para que diferentes regiões de frequências cheguem ao seu lugar específico da membrana basilar de forma simultânea. Consequentemente, dessa forma, a resposta neural da cóclea é mais sincronizada e no registro do PEATE é possível visualizar maior amplitude da onda V.4-6

Vários modelos de chirps foram propostos e testados4,6-9 e um dos objetivos dos pesquisadores foi encontrar o estímulo mais adequado para o registro da onda V no PEATE em baixas intensidades.

Ao estudar7 vários modelos de chirps, pesquisadores observaram que os de curta duração foram mais efetivos em fortes intensidades e os de longa duração, mais efetivos em fracas intensidades e que a intensidade do estímulo tem relação direta com a amplitude da onda V. Diante disso, Claus Elberling e seu grupo de pesquisadores concluíram que o modelo do CE-chirp®, apenas com base na compensação do tempo gasto pela onda sonora no seu trajeto pelas diferentes regiões de frequência da cóclea, é insuficiente para gerar uma maior resposta no PEATE em adultos com audição normal. Aprimoraram então o desenho do estímulo, projetaram um modelo chamado direct approach.10 Esse novo modelo levou em consideração o tempo de viagem do som na cóclea e também os diferentes níveis de intensidade. Diferentemente do CE-chirp®, e dos outros que o antecederam, esse novo chirp não tem a duração fixa em todas as intensidades e foi construído com duração variável em cada intensidade de estímulo, constitui assim 20 estímulos com durações diferentes que mudam a cada 5 dB. Esse novo estímulo foi chamado Level Specific CE-chirp® (LS CE-chirp®) e tem sido testado, promete superar as limitações do CE-chirp®11 que mostrava amplitude muito pequena da onda V e não permitia identificar as ondas I e III nas altas intensidades de estimulação.

Observamos que nos únicos trabalhos da literatura sobre esse estímulo11,12 foi apenas mencionada a sua vantagem em detectar ondas V com grande amplitude, mesmo em forte intensidade, e apenas comentado que as ondas I e III também eram encontradas em todos os seus dez indivíduos examinados, decidimos mensurar os valores das latências absolutas das ondas I, III e V, latência interpicos I-III, III-V e I-V, amplitude da onda V, a relação com a amplitude da onda I e diferença interaural V-V com o estímulo LS CE-chirp® e compará-lo com o clique, com o objetivo de verificar se esse novo estímulo poderia ser usado no diagnóstico neuroaudiológico pelo PEATE.

Método

Estudo transversal com delineamento descritivo, vinculado a um projeto mais amplo aprovado pelo comitê de ética em pesquisa em seres humanos, com parecer n° 610.506, em 8 de abril de 2014, e CAAE 14804714.2.0000.5346. Cabe ressaltar que se respeitou a Resolução n° 66/12, que versa sobre pesquisas com seres humanos. Todos os indivíduos foram previamente informados sobre o objetivo do estudo, bem como dos procedimentos envolvidos. Todos os sujeitos assinaram o TCLE e consentiram em participar deste estudo.

Os critérios de inclusão adotados foram indivíduos sem história clínica de doença otológica ou neurológica e limiares audiométricos ≤ 25 dB NA para as frequências de 250-8.000 Hz. Participaram do estudo 30 indivíduos (18 mulheres e 12 homens) com audição normal, na faixa de 12 a 42 anos.

Os registros do PEATE com os estímulos clique e LS CE-chirp® foram feitos no equipamento Eclipse EP25 ABR System®, da marca Interacoustics A/S, Dinamarca. Os parâmetros usados para os registros foram: polaridade alternada; taxa de apresentação 17,1 estímulos/s; filtro passa banda de 100-3.000 Hz para os estímulos clique e LS CE-chirp®; janela de 10 milissegundos (ms); e estimulação por fones de inserção ER-3A, na intensidade de 85 dBnNA, não foi feita qualquer filtragem adicional após a aquisição das respostas.

Os indivíduos foram acomodados em uma maca e mantidos confortavelmente deitados. Os locais de fixação dos eletrodos foram limpos com pasta abrasiva NuPrep e os eletrodos foram fixados à pele. Os eletrodos de referência foram dispostos nas mastoides direita (A2) e esquerda (A1) e os eletrodos ativo (Fz) e terra (Fpz) na fronte. O registro só foi iniciado com a impedância dos eletrodos abaixo de 3 kΩ.

O registro do PEATE foi monoaural, iniciou pela orelha direita com o estímulo clique. Após, o registro foi feito na orelha esquerda. Na sequência foi usado o estímulo LS CE-chirp®, também iniciado pela orelha direita, e, para finalizar, na orelha esquerda. O registro foi interrompido com um mínimo de 1.000 estímulos e a duplicação de cada registro foi feita para assegurar a reprodutibilidade e fidedignidade das ondas.

Foi analisada a presença/ausência das ondas I, III e V, foram comparados os valores de latência absoluta das ondas I, III e V, os valores de amplitude da onda V e da onda I e os valores das latências interpicos (LIPs) I-III, III-V, I-V e diferença interaural V-V entre os estímulos LS CE-chirp® e clique.

Para a comparação das variáveis latência e amplitude entre os estímulos foi usado o teste t de Student para amostras independentes. Na análise das variáveis, diferença interaural V-V e razão V/I foi usado o teste U de Mann-Whitney, para a comparação entre os estímulos clique e LS CE-chirp®.

Em todas as análises, o nível de significância adotado foi de 0,05 (5%) e os intervalos de confiança construídos com 95% de confiança estatística.

Resultados

Na comparação dos resultados das latências absolutas das ondas I, III e V e da amplitude da onda V entre as orelhas direita e esquerda, observou-se que as diferenças encontradas entre as orelhas não foram significativas tanto para o estímulo clique quanto para LS CE-chirp®. Dessa forma, para análise dos dados foram sempre considerados os valores de ambas as orelhas e dobrou-se o tamanho amostral.

A tabela 1 compara as latências absolutas das ondas I, III e V entre os estímulos, na intensidade de 85 dBnNA, não existe diferença estatística significativa na comparação entre clique e LS CE-chirp®.

Tabela 1 Estatísticas descritivas para as latências absolutas das ondas I, III e V do PEATE com os estímulos clique e LS CE‐chirp®, a 85 dBnNA, em adultos normo‐ouvintes (n = 60) 

Variáveis Estímulos Valor‐p
Clique LS CE‐chirp®
Onda I 1,29 (±0,09) 1,29 (±0,13) 0,921
Onda III 3,42 (±0,15) 3,42 (±0,18) 0,978
Onda V 5,27 (±0,18) 5,19 (±0,24) 0,885

dBnNA, decibel nível normal de audição; PEATE, potencial evocado auditivo de tronco encefálico.

Os valores médios das latências interpicos I-III, III-V e I-V para os estímulos usados neste estudo estão apresentados na tabela 2.

Tabela 2 Estatísticas descritivas para as latências interpicos I-III, III-V e I-V do PEATE, entre os estímulos clique e LS CE‐chirp® a 85 dBnNA, em adultos normo‐ouvintes (n = 60) 

Variáveis Estímulos
Clique LS CE‐chirp®
Md (DP) Md (DP)
I-III 2,13 (±0,14) 2,13 (±0,14)
III-V 1,85 (± 0,18) 1,77 (±0,22)
I-V 3,98 (±0,21) 3,90 (±0,25)

dBnNA, decibel nível normal de audição; DP, desvio padrão; Md, média; PEATE, potencial evocado auditivo de tronco encefálico.

A tabela 3 mostra que, na intensidade pesquisada (85 dBnNA), a amplitude da onda V nos registros do PEATE com o estímulo LS CE-chirp® foi maior do que a amplitude dos registros com o estímulo clique e essa diferença foi significativa.

Tabela 3 Estatísticas descritivas para a amplitude da onda V do PEATE com os estímulos clique e LS CE‐chirp® a 85 dBnNA, em adultos normo‐ouvintes 

Estímulo Valor‐p
Clique LS CE‐chirp®
Amplitude onda V 0,50 (±0,19) 0,61(±0,23) 0,004

dBnNA, decibel nível normal de audição; PEATE, potencial evocado auditivo de tronco encefálico.

Na comparação entre os valores de amplitude da razão V/I entre os estímulos, foram verificados valores maiores com o estímulo LS CE-chirp®, esse dado foi estatisticamente significante (tabela 4).

Tabela 4 Estatísticas descritivas para a razão V/I do PEATE com os estímulos clique e LS CE‐chirp® a 85 dBnNA, em adultos normo‐ouvintes 

Estímulo Valor‐p
Clique LS CE‐chirp®
Razão V/I 1,63 (± 1,3) 2,07 (±1,3) 0,004

dBnNA, decibel nível normal de audição; PEATE, potencial evocado auditivo de tronco encefálico.

A tabela 5 mostra que, na comparação dos valores de latência interaural da onda V entre os estímulos usados neste estudo, não houve diferença estatisticamente significante.

Tabela 5 Estatísticas descritivas entre V-V entre os estímulos clique e LS CE‐chirp® no PEATE a 85 dBnNA, em adultos normo‐ouvintes 

Estímulo Valor‐p
Clique LS CE‐chirp®
Md DP Md DP
V-V 0,08 (± 0,09) 0,10 (±0,09) 0,273

dBnNA, decibel nível normal de audição; DP, desvio padrão; Md, média; PEATE, potencial evocado auditivo de tronco encefálico.

De acordo com os resultados obtidos, sugere-se que é possível usar como valores máximos (média acrescida de dois desvios padrões) de normalidade para diagnóstico neuroaudiológico os valores da tabela 6 abaixo, tanto para o clique como para o LS CE-chirp®, apresentados a 85 dBnNA.

Tabela 6 Valores máximos para as latências absolutas das ondas e latências interpicos do PEATE para diagnóstico neuroaudiológico com ambos os estímulos - clique e LS CE‐chirp®, a 85 dBnNA 

Latências Onda I Onda III Onda V
1,55 ms 3,79 ms 5,67 ms
Intervalos I-V I-III III-V V-V
4,40 ms 2,40 ms 2,20 ms 0,28 ms

dBnNA, decibel nível normal de audição; ms, milissegundos; PEATE, potencial evocado auditivo de tronco encefálico.

A figura 1 apresenta os traçados do PEATE registrados com os estímulos LS CE-chirp® e clique de um dos sujeitos do estudo.

Figura 1 Exemplo do registro de PEATE com os estímulos clique e LS CE‐chirp® em um dos sujeitos do estudo. Observam‐se a amplitude bem maior da onda V em resposta ao LS CE‐chirp® e as latências semelhantes em resposta ao clique e ao LS CE‐chirp® dos dois lados. 

Discussão

No presente estudo, observamos que, em todos os registros, as ondas I, III e V foram identificadas tanto no PEATE com estímulo clique quanto com LS CE-chirp®, em nível de estimulação de 85 dBnNA. Outro estudo12 registrou PEATE em adultos ouvintes normais com os estímulos clique, CE-chirp® e LS CE-chirp® e observou que a 80 dBnNA todos os picos das ondas I, III e V foram identificados, quando usados os estímulos clique e LS CE-chirp®. Quando usado o estímulo CE-chirp® nesse nível de estimulação, a onda I não foi observada, a onda III apareceu em 35% e a onda V em 90% dos traçados. Em outra pesquisa,13 foram comparados registros de PEATE com clique e CE-chirp® em adultos ouvintes. As pesquisadoras analisaram presença/ausência das ondas I, III e V a 80 dBnNA e concluíram que as ondas I e III tenderam a desaparecer com o uso do estímulo CE-chirp®. No estudo de Lewis & Rodrigues, não foi usado o estímulo LS CE-chirp®. Quando comparados os valores para as latências absolutas entre os estímulos, observamos valores mais curtos para o estímulo CE-chirp® em relação ao estímulo clique.

Entretanto, em estudo que registrou PEATE a 80 dBnNA, as latências da onda V foram mais longas para o estímulo LS CE-chirp®, em comparação com o clique. De acordo com os pesquisadores do estudo, esse resultado ocorreu devido à maioria dos componentes de frequência, no LS CE-chirp®, chegar à cóclea 1,5 milissegundos mais tarde do que os componentes correspondentes no clique e, assim, a latência no PEATE com estímulo LS CE-chirp® foi maior, comparada com o clique.12

Entretanto, a versão comercial do LS CE-chirp®, do equipamento Eclipse EP25 ABR System®, da marca Interacoustics, mudou a forma de apresentar o LS CE-chirp®, colocou como ponto zero do estímulo o local do chirp que corresponde à frequência de 2.500 Hz, em vez do local da frequência final de 10.000 Hz do LS CE-chirp® usado nas pesquisas. Essa mudança resultou em respostas com latências iguais às obtidas com o clique nas suas diversas intensidades. Em relação à amplitude da onda V, encontramos valores significativamente maiores nos registros com o estímulo LS CE-chirp®. Esses resultados estão de acordo com estudo que comparou a amplitude entre LS CE-chirp® e clique e concluiu que o estímulo LS CE-chirp® em registros do PEATE fornece maiores amplitudes quando comparado com o clique, em níveis mais elevados de estimulação (80 dBnNA).12

O estudo atual corrobora vários estudos4,13 que também observaram resposta maior para a amplitude da onda V nos registros de PEATE, em adultos com audição normal, quando usado o estímulo chirp.

É interessante que estudos que usaram o estímulo LS CE-chirp® sejam feitos em indivíduos com patologias cocleares e retrococleares, a fim de verificar melhor suas contribuições para a prática clínica.

Conclusão

O estímulo LS CE-chirp® é tão eficiente quanto o clique na obtenção das ondas I, III e V do potencial evocado auditivo de tronco encefálico, em níveis elevados de estimulação. Ficou evidente que esse estímulo pode ser útil do diagnóstico neuroaudiológico, pois, diferentemente do CE-Chirp®, que evoca apenas as ondas III e V em grande parte das vezes, ele evocas as três ondas necessárias para esse tipo de diagnóstico, com a vantagem adicional de que a onda V tem amplitude maior do que quando evocada pelo clique.

REFERÊNCIAS

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