versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.7 Rio de Janeiro jul. 2019 Epub 22-Jul-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018247.15392019
A má nutrição em todas as suas formas é um dos principais problemas de saúde coletiva na atualidade. A obesidade, a desnutrição e as mudanças climáticas (e seus efeitos sobre a saúde das pessoas e sobre os sistemas naturais de que dependemos) são hoje reconhecidas como uma sindemia global que afeta a maioria das pessoas em todos os países do mundo1. Os sistemas alimentares são um dos principais determinantes desta sindemia. Eles abrangem três componentes fundamentais: as cadeias que vão da produção à comercialização de alimentos, os ambientes alimentares e as práticas alimentares2. Os ambientes alimentares podem ser definidos como os contextos físico, econômico, político e sociocultural em que cada consumidor se relaciona com o sistema alimentar e que influenciam suas escolhas alimentares e seu estado nutricional. Eles são os mediadores entre o sistema alimentar e as práticas alimentares. A depender de como estejam organizados, podem aprofundar ou reduzir iniquidades sociais e de saúde.
Os esforços globais para conter o agravamento da obesidade, elemento central desta sindemia, não têm se mostrado efetivos. Os principais motivos têm sido: a forte oposição do setor privado comercial à implementação de políticas públicas que firam seus interesses econômicos, a falta de habilidade e/ou vontade política e/ou liderança dos governos para implementar medidas dirigidas aos determinantes deste agravo e a fragilidade (ou ausência) de pressão da sociedade civil para a implementação de políticas1,3.
O Brasil, país marcado por profundas desigualdades (sociais, econômicas, de raça, de gênero e outras) e com uma história de expressivas prevalências de fome, desnutrição e outras deficiências nutricionais, também vem registrando o aumento acelerado da obesidade da população em todas as faixas de idade e de renda. Nas últimas décadas, de forma pioneira, o país buscou responder às diversas formas de má nutrição de forma integrada. Assumindo como princípio a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), em um processo crescente de reconhecimento da desnutrição e da obesidade como distintas expressões da insegurança alimentar e nutricional, foram implementadas políticas estruturantes para a superação da pobreza e da desnutrição e empreendidos esforços intersetoriais na construção de respostas à epidemia da obesidade. Essas iniciativas se deram no bojo da constituição do Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan)4, que investiu em políticas públicas articuladas e convergentes entre os setores e, também, em mecanismos de governança que incluíam instâncias de diálogo que superassem as barreiras das políticas setoriais. São características desse processo o compromisso de governantes em fazer avançar esta agenda, a atuação de uma sociedade civil plural e a existência de espaços de participação e controle social. Como resultado, ocorreram melhorias nos indicadores de pobreza, insegurança alimentar, desnutrição infantil, desigualdades de renda e de raça, entre outros, e processos virtuosos para enfrentamento da obesidade ganharam força no âmbito das políticas públicas.
Uma inflexão nesse percurso foi iniciada em 2016 e vem se aprofundando a partir das eleições presidenciais de 2018. Políticas públicas de garantia de direitos, de proteção a grupos populacionais em situação de vulnerabilidade, de fortalecimento de sistemas alimentares sustentáveis e de ambientes alimentares saudáveis estão sendo enfraquecidas ou desmontadas; mecanismos de enfrentamento da obesidade estão sendo questionados; e indicadores sociais e de saúde já apontam deterioração das condições de vida e aumento da pobreza. Urge produzir evidências sobre este cenário e manter e fortalecer políticas públicas voltadas à garantia do DHAA e da segurança alimentar e nutricional e à redução das desigualdades.