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Magnetohipertermia para o tratamento de gliomas: estudos experimentais e clínicos

Magnetohipertermia para o tratamento de gliomas: estudos experimentais e clínicos

Autores:

André César da Silva,
Tiago Ribeiro Oliveira,
Javier Bustamante Mamani,
Suzana Mária Fleury Malheiros,
Lorena Favaro Pavon,
Tatiana Taís Sibov,
Edson Amaro Junior,
Lionel Fernel Gamarra

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.8 no.3 São Paulo jul./set. 2010

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082010rw1757

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, um dos grandes desafios de oncologistas e neurocientistas tem sido a compreensão dos mecanismos biológicos subjacentes à formação de tumores no sistema nervoso central (SNC), bem como o desenvolvimento de terapias capazes de estabilizar, diminuir ou mesmo eliminar tais tumores. As neoplasias primárias malignas do SNC representam 1,49% de todas as neoplasias; entretanto, embora relativamente raras, são altamente fatais(1). A maioria desses tumores é originada em células da glia, sendo designados genericamente como gliomas(2). Os gliomas constituem um grupo heterogêneo de neoplasias que pode ser subdividido segundo a célula glial de origem (i.e., astrócitos, oligodendrócitos, célula ependimária e células do plexo coroide)(3). Os gliomas fazem parte do grupo dos tumores neuroepiteliais e correspondem a 33% dos tumores primários e 79% dos tumores malignos do SNC. O grupo dos astrocitomas corresponde a 75% de todos os gliomas, e o glioblastoma representa 51,7% dos casos(1). O glioblastoma é o mais frequente e maligno dos astrocitomas e, apesar de inúmeros avanços no diagnóstico e tratamento desses tumores, seu prognóstico permanece ainda bastante limitado(4,5). Assim, torna-se extremamente necessário o desenvolvimento de terapias alternativas, minimamente invasivas, que impeçam o crescimento ou até mesmo promovam a destruição desses tumores, com maior eficiência do que as já existentes. Neste sentido, a potencialidade do método de hipertermia induzida por nanopartículas magnéticas (NPM) injetadas na região tumoral e expostas a um campo magnético alternado (CMA), denominada magnetohipertermia (MHT), tem sido cogitada como uma ferramenta terapêutica eficaz, devido à sua capacidade de destruir células tumorais(67).

OBJETIVO

O objetivo desta revisão foi buscar na literatura trabalhos que utilizaram a MHT no tratamento de gliomas. Para isso, incluímos trabalhos realizados em ensaios pré-clínicos (aplicação da MHT em modelos de tumores) e até mesmo trabalhos em fase clínica, que utilizaram essa técnica como terapia isolada, ou mesmo somada a outras terapias. Apesar de gliomas serem tumores exclusivos do SNC, optamos por incluir trabalhos com animais, nos quais os tumores foram implantados fora do SNC, desde que estes se originassem a partir de linhagens celulares de gliomas (por exemplo, T-9 rat glioma cells).

MÉTODOS

A busca por literatura foi realizada para publicações no período entre Janeiro de 1990 e Novembro de 2009, tendo como base de dados os bancos eletrônicos ISI Web of Science e PubMed. As palavras-chave de busca utilizadas foram: “[(Brain tumor) ou (glioma) ou (glioblastoma)] e [(magnetic fluid hyperthermia) ou (magnetic hyperthermia) ou (induction heating)]”. Nesta revisão, dois autores (J.B.M. e T.R.O.) verificaram, independentemente, os títulos e os resumos dos artigos obtidos na busca eletrônica. Em seguida, três autores (L.F.G., L.F.P. e T.T.S.) verificaram a qualidade dos métodos, os critérios de inclusão e os dados a serem coletados. Finalmente, três autores (S.M.F.M., A.C.S. e E.A.Jr.) extraíram os dados e tabularam os resultados.

Os trabalhos aqui considerados deveriam satisfazer os seguintes critérios de inclusão: (1) ter sido publicado em língua inglesa; (2) ser um trabalho original; (3) ser um estudo no qual se utilizou a hipertermia com o objetivo de promover a morte de células tumorais de gliomas em humanos e modelos animais; (4) um estudo que tenha utilizado como mediador da hipertermia nanopartículas de óxido de ferro sob a influência de um CMA.

RESULTADOS

A busca eletrônica identificou 69 publicações e, após a aplicação dos critérios de inclusão, resultou em um número de 11 artigos. Nessa amostragem, obtivemos nove artigos de estudos em animais(816) e dois artigos de estudos em humanos(17,18) (Tabela 1). Apesar de existirem diferentes centros ao redor do mundo que estudam a MHT como terapia oncológica, os estudos de aplicação em tumores do glioblastoma concentram-se basicamente em dois centros de pesquisa, o Departamento de Biotecnologia da Escola de Engenharia da Universidade de Nagoya, no Japão, e o Departamento de Medicina Radiológica da Universidade de Medicina Chariteé, na Alemanha.

Tabela 1 Comparação dos modelos animais de glioma utilizados na avaliação da terapia de magnetohipertermia (MHT) 

Autores Linhagem de células tumorais Animal Gênero Idade (semanas) Local de injeção Inoculação mínima (células) Dias para iniciar a terapia de MHT depois da inoculação de células tumorais Tamanho do tumor (mm)/forma
Yanase M et al.(10) T-9 Rato Fisher F-344 Fêmea 7-8 Subcutânea (região femoral esquerda) 1 × 106 - 3/elipsoide
Yanase M et al.(11) T-9 Rato Fisher F-344 Fêmea 6-7 Subcutânea (região femoral esquerda) 1 × 107 11 13-18/elipsoide
Yanase M et al.(12) T-9 Rato Fisher F-344 Fêmea 6-7 Subcutânea (região femoral direita e esquerda) 1 × 107 11 13-18/elipsoide
Shinkai M et al.(13) T-9 Rato Fisher F-344 Fêmea 6-7 Subcutânea (região femoral direita e esquerda) 1 × 107 11 13-18/elipsoide
Ito A et al.(15) U-251-SP Camundongo Atímico Fêmea 4 Flanco direito 3 × 107 - 8 (-)
Le B et al.(14) U251-SP Camundongo KSN-nu/nu Fêmea 4 Subcutânea (região femoral) - 21 10/elipsoide
Ohno T et al.(16) T-9 Rato Fisher F-344 Fêmea 4 Hemisfério cerebral direito 5 × 106 8 -
Ito A et al.(9) T-9 Rato Fisher F-344 Fêmea 6 Espaço subcutâneo 1 ×107 - 10 (-)
Jordan A et al.(8) RG-2 Rato Fisher F-344 Macho - Região talâmica 1 × 105 4 3-4/circular

Os trabalhos selecionados para esta revisão buscaram avaliar o emprego da técnica de MHT no tratamento de gliomas em modelos animais e testes clínicos. Alguns desses trabalhos apresentaram possíveis mecanismos desencadeados pela hipertermia que levam à morte de células tumorais, além de terem associado a hipertemia às outras modalidades terapêuticas.

DISCUSSÃO

Efetividade da terapia de magnetohipertermia

Dos 11 trabalhos selecionados para esta revisão, 9 avaliaram a técnica de MHT em modelos animais – em ratos e camundongos. Dois trabalhos envolveram humanos. Desta forma, para maior inteligilibidade, a descrição dos resultados foi subdividida em experimentos in vivo em modelos animais e estudos ex vivo e in vivo em humanos.

Experimentos in vivo – modelo animal

a) Protocolo terapêutico em modelos animais

Na tabela 1, na qual é feita a comparação dos modelos animais de glioma, é possível constatar que os estudos selecionados avaliaram os efeitos da terapia de MHT em tumores de dimensões entre 3 e 18 mm – sendo a maior frequência entre 10 e 18 mm – a qual foi utilizada em cinco dos nove artigos. Todavia, existe um trabalho(16) que não informou as dimensões do tumor avaliado. A linhagem celular utilizada para desenvolvimento de tumores na maioria dos trabalhos (seis de nove estudos) foram células T-9 implantadas em ratos Fischer F-344(813,16). O número mínimo de células inoculadas variou de 1 × 105 a 3 × 107 células. Somente em dois estudos houve a implantação das células em regiões cerebrais(8,16), sendo que nos estudos restantes as células foram aplicadas subcutaneamente. Para o intervalo de dimensão tumoral estudado, tem-se que a quantidade de ferro introduzida no tumor foi entre 3 µg e 3 mg, conforme a comparação dos protocolos terapêuticos apresentados na tabela 2, considerando-se os 8 artigos que forneceram esse tipo de informação. Com relação ao tempo de aquecimento, é possível constatar, por meio da tabela 2, que os autores utilizaram protocolos com duração de até 60 minutos. Entretanto, na maioria dos estudos, a duração foi de 30 minutos. Nesta amostragem, sete artigos privilegiaram o aumento no número de aplicações do CMA ao aumentar o tempo de exposição de cada aplicação, sendo três o número máximo de aplicações observadas (Tabela 2). A temperatura terapêutica de escolha foi encontrada entre 43 e 47°C, sendo encontradas com maior frequência as temperaturas de 44(11,13,16) e 45°C (910,12). Foi testada, na maioria dos trabalhos (sete de nove estudos), a MHT isoladamente; entretanto, dois estudos(9,15) verificaram se a terapia gênica somada à MHT promoveria uma redução ainda maior dos tumores.

Tabela 2 Comparação dos diferentes protocolos de tratamento (MHT) aplicados em modelos animais de glioma 

Grupos/número de animais por grupo Tamanho do tumor (mm) Quantidade de Fe3O4 administrado Tempo para aplicação de CMA após a administração de Fe3O4 (h) *Tempertura terapêutica máxima (°C) Tempo para alcançar a temperatura terapêutica (min) Tempo de aplicação do CMA por sessão (min) Número de aplicações de CMA por grupo Métodos para avaliar a eficácia da terapia de MHT Terapia combinada
Yanase M et al.(10) 3/5 3 3 µg/150 µl N/I ≅ 45 20 60 1 e 3 “Tumor take” Não
Yanase. M et al. (11) 4/10-13 13-18 3 mg/400 µl 24 ≅ 44 15 30 1, 2 e 3 Azul de Berlin contracorado com Kernechtrot ou HE, “Volume tumoral” Não
Yanase M et al.(12) 2/8, 21 13-18 3 mg/400 µl 24 ≅ 45 10 30 3 “Volume tumoral”, HE, Imunohistoquímica (CD3, CD4, CD8 e NK) Não
Shinkai M et al.(13) 4/5 13-18 3 mg /400 µl N/I ≅ 44 15 30 1, 2 e 3 HE, Imunohistoquímica (CD3, CD4, CD8 e NK) Não
Le B et al.(14) 2/5 10 0,5 mg/100 µl 24 ≅ 43 20 30 3 Imunohistoquímica (G22–FML) Não
Ito A et al.(15) 4/5 8 3 mg/200 µl 24 ≅ 46 3 30 1 Imunohistoquímica (TNF-α), TNF - α ELISA Terapia gênica (TNF-α)
Ohno T et al.(16) 3/5 N/I N/I 24 ≅ 44.4 N/I 30 1 e 3 HE, Azul de Berlin, “Taxa de sobrevivência”, Azul de Berlin contracorado com Kernechtrot ou HE Não
Ito A et al.(9) 4/5 10 3 mg /400 µl 24 ≅ 45 4 30 1, 2 e 3 HE, Imunohistoquímica (HSP70), TUNEL Terapia gênica (HSP 70)
Jordan A et al.(8) 10/12 3-4 1,8 mol/l 2,0 mol/l 0 39,43-47 10 40 1 Azul de Berlin/imunohistoquímica (PCNA e GFAP) Não

CMA: campo magnético alternado; MHT: magnetohipertermia; N/I: não informado

*Temperatura máxima alcançada durante aplicação do CMA.

b) Eficácia da magnetohipertermia em modelos animais

A eficácia da MHT em modelos de gliomas foi relatada pela primeira vez por Yanase et al.(10) Nesse estudo foram utilizados ratos Fisher F-344, nos quais foram injetadas subcutaneamente culturas de células tumorais T-9 préincubadas com NPM – denominadas magneto lipossomas catiônicos (MLC) – com posterior desenvolvimento do tumor. Após 20 minutos de CMA, a temperatura alcançou 43°C, chegando até 45°C. Entretanto, a temperatura retal manteve-se entre 35 e 36,5°C. A aplicação de CMA, 3 vezes durante 60 minutos, em intervalos de 12 horas, foi capaz de inibir o crescimento das células tumorais completamente em ratos observados por até 90 dias.

No ano seguinte, Yanase et al.(11) obtiveram resultados semelhantes ao relato anterior, porém, com as MLC injetadas em tumores previamente desenvolvidos em ratos Fisher. Após 15 minutos de CMA, a temperatura máxima tumoral chegou a 44°C, com pequena variação da temperatura retal (35 e 37°C). O grupo que recebeu 3 aplicações de irradiação magnética de 30 minutos, com intervalos de 24 horas, teve uma redução do tumor de 87,5%. A análise histológica revelou que no grupo controle, que não recebeu CMA, as MLC estavam restritas à região de administração destas. Entretanto, os grupos que receberam CMA mostraram uma distribuição homogênea das MLC que coincidiram com regiões necróticas também observadas.

No mesmo ano, Yanase et al.(12) investigaram uma possível resposta imunitária antitumoral induzida por hipertermia no mesmo modelo de tumor em ratos (T-9) descrito acima; entretanto, a indução tumoral foi realizada em ambos os lados do animal. A indução de calor mostrou-se eficaz e alcançou-se 43°C na região do tumor após 10 minutos de aplicação de CMA. O grupo que recebeu 3 sessões de irradiação magnética de 30 minutos, com intervalos de 24 horas, teve uma regressão completa do tumor do lado esquerdo. Apesar de o lado direito não ter recebido a aplicação das MLC, houve também a regressão total do tumor. A análise histológica revelou a presença de imunócitos (CD3, CD4, CD8 e células natural killers – NK) no grupo exposto a hipertermia no tecido tumoral tanto do lado esquerdo como do direito. Ratos curados após a irradiação magnética foram desafiados novamente com células T-9 e também com linhagens celulares de histiocitoma fibroso maligno, nos quais só puderam observar o desenvolvimento destas, mostrando uma resposta imunitária específica do tecido para as células T-9.

A mesma resposta imunitária antitumoral desencadeada por hipertermia, a qual foi proposta por Yanase et al.(11), foi confirmada por Shinkai et al.(13) Logo após o crescimento tumoral (células T-9) em ratos Fisher, observou-se que após 15 minutos de aplicação do CMA, a temperatura tumoral máxima alcançada foi de 44°C. A duração máxima de aplicação do CMA foi de 30 minutos, sendo que, nesse intervalo de tempo, em animais do grupo que recebeu múltiplas vezes a irradiação magnética obteve-se regressão completa do tumor. Após a regressão, não foi observado o reaparecimento do tumor em um período de três meses; 80 a 90% das MLC injetadas acumularam-se no tecido tumoral. Sugeriu-se que a regressão e o não reaparecimento do tumor se deram por uma resposta imunitária (ativação de CD4, CD8 e células NK) ativada pela hipertermia (14).

Em 2001, Ito et al.(15) sugeriram que a hipertermia combinada à terapia gênica poderia ser uma terapia eficiente no tratamento de tumores. Para o desenvolvimento dos tumores, foram implantadas no flanco de camundongos células de glioma humano (U251-SP). A aplicação do CMA no tumor sob presença de MLC foi capaz de produzir aquecimento de até 46°C após 3 minutos. A injeção concomitante no tumor de pGadFNT, um promotor de fator de necrose tumoral (FNT) que é ativado por hipertermia e MLC, promoveu, após a aplicação do CMA, um aumento da expressão do gene FNT-α. A aplicação de pGadFNT e MLC – e subsequente aplicação de CMA – reduziu drasticamente o tumor, sendo essa a maior redução quando comparada aos grupos nos quais esses compostos foram administrados isoladamente.

Ainda em 2001, Le et al.(14) demonstraram que a eficácia das MLC na destruição de tumores poderia ser aumentada quando estas fossem conjugadas a um fragmento de um anticorpo específico para tumores (fragmento Fab). Assim, desenvolveram tumores em camundongos com células de glioma humano (U251-SP). Verificou-se que as MLC conjugadas ao anticorpo Fab foram captadas pelas células tumorais sete vezes mais do que a MLC sem um anticorpo específico e que, após aplicação do CMA, houve um aumento rápido da temperatura tumoral, alcançando-se 40°C em 5 minutos e 43°C após 30minutos. Além disso, o crescimento tumoral foi inibido por até duas semanas.

Já em 2002, Ohno et al.(16) testaram a eficácia de uma nova NPM à base de magnetita na geração de calor: carboximetilcelulose (CMC) stick type. Essa NPM foi avaliada em tumores desenvolvidos no cérebro de ratos Fisher com inoculação de células T-9. A nanopartícula foi efetiva aquecendo o tecido tumoral a 44,4°C frente à aplicação do CMA, além de estar vastamente distribuída após três aplicações. Verificou-se que a nanopartícula não invadiu o tecido cerebral normal circunvizinho ao tumor. Em apenas um animal do grupo em que foram aplicadas três sessões de MHT, observou-se a remissão total do tumor. Ainda nesse grupo verificou-se maior sobrevida em relação aos grupos restantes. Assim, os dados mostraram um bom desempenho dessa nanopartícula na indução da hipertermia.

A hipertermia continuou sendo apontada como uma indutora de fatores imunitários antitumorais em estudos de Ito et al.(9) Nesse estudo, hipotetizou-se que a hipertermia ativaria as proteínas do tipo heat shock (HSP) que, por sua vez, desencadeariam uma resposta imunitária antitumoral. Tumores em ratos Fisher foram desenvolvidos a partir da inoculação de células T-9 no espaço subcutâneo. A aplicação do CMA no tumor sob presença das MLC foi capaz de produzir aquecimento de 42°C após 4 minutos, chegando até 45°C. Com o aquecimento, houve um aumento na expressão da proteína HSP70. Observou-se que esta é capaz de desencadear uma resposta imune antitumoral. Além disso, verificou-se que as células mortas pela hipertermia liberavam a proteína HSP70.

Por último, Jordan et al.(8) verificaram em um modelo animal de tumor cerebral (RG-2) a eficiência da hipertermia promovida por NPM com dois tipos de revestimento diferentes: carboxidextran e aminosilana. Em relação aos seus controles, os tumores não diferiram em dimensão ou histopatologia após a MHT. Houve decréscimo no nível de proliferação celular no grupo em que se utilizaram nanopartículas revestidas com aminosilana. Nesse mesmo grupo houve um aumento da média de sobrevivência dos animais. O ganho da sobrevida foi correlacionado ao aumento da temperatura intratumoral observada durante o tratamento. Nanopartículas revestidas com aminosilana permaneceram estáveis dentro do tumor quando comparadas às revestidas com carboxidextran, além de estarem bem distribuídas no tecido tumoral após análise histológica. Concluiu-se que a termoterapia utilizando NPM revestidas com aminosilana foi eficaz, causando um prolongameto da sobrevivência de animais submetidos ao modelo de tumor.

Os principais achados observados em trabalhos que utilizaram modelos animais para a avaliação da MHT no tratamento de gliomas foram sumarizados na tabela 1.

Experimentos in vivo e ex vivo em humanos

Estudos para aplicação da técnica de MHT em seres humanos iniciaram-se com Jordan et al.(19), que apresentaram um novo sistema de aplicação de campo magnético para geração de hipertermia utilizando fluidos magnéticos para futuras aplicações no tratamento de glioblastomas e carcinoma de próstata. Entretanto, a aplicação pioneira da técnica em pacientes foi realizada por Maier-Hauff et al.(17), na qual foi avaliada em 14 pacientes a eficácia e tolerabilidade da hipertermia induzida por NPM revestidas com aminosilana associada à radioterapia no tratamento de glioblastoma multiforme recorrente. Os critérios de elegibilidade para o estudo foram: idade maior ou igual a 18 anos; expectativa de vida maior que 3 meses; diâmetro tumoral menor que 5 cm; nenhum crescimento multilocular; nenhum material metálico próximo ao foco tumoral. Cada paciente recebeu em média seis sessões de termoterapia. Essas sessões foram antecedidas com a instilação de 0,2 ml, em média, de fluido magnético por ml de volume tumoral. A temperatura intratumoral alcançada durante as sessões foi, em média, de 44,6°C. Após cada sessão termoterápica, os pacientes foram submetidos a fração simples (2 Gy) de séries radioterápicas de 30 Gy, em média. Todos os pacientes mostram-se tolerantes à instilação da NPM, não apresentando complicações ou efeitos adversos. A aplicação do CMA trouxe poucos efeitos colaterais, salvo em alguns pacientes que se queixaram de uma suave sensação de aquecimento na cabeça. Foram analisados aspectos de sobrevida e controle tumoral local. Nove pacientes tiveram suas mortes relacionadas à progressão tumoral; entretanto, quatro mortes não se relacionaram ao crescimento tumoral ou à termoterapia, mas sim em consequência da prescrição medicamentosa. Concluiu-se que a MHT pode ser satisfatoriamente utilizada no tratamento de tumores cerebrais, pois puderam ser aplicadas com segurança nos pacientes com glioblastoma, com mínimo ou nenhum sintoma local. A aplicação da MHT está sendo validada atualmente por meio de um estudo da fase II em 65 pacientes que sofreram recidiva do glioblastoma.

Posteriormente, van Landeghem et al.(18) apresentaram o primeiro estudo neuropatológico pós-morte de três pacientes com glioblastoma submetidos à MHT (Tabela 3). Neste estudo, os critérios de elegibilidade foram: maior ou igual a 18 anos; expectativa de vida maior que 3 meses; diâmetro tumoral menor que 5 cm; nenhum crescimento multilocular; nenhum material metálico próximo ao foco tumoral. A MHT foi aplicada como uma segunda linha de tratamento após reincidência do tumor e sempre esteve associada a outras terapias (Tabela 3). A quantidade de líquido magnético instilado no tumor variou de 4,2 a 4,5 ml. Com a aplicação do CMA, a temperatura alcançada entre os pacientes variou de 49,5 a 65,6°C. Observou-se, após a aplicação da MHT, uma sobrevida de 2,1 a 7,9 meses (para mais detalhes, veja a tabela 3). Os resultados anatomopatológicos descreveram, entre outros achados listados na tabela 3, a presença de muitas nanopartículas na região tumoral, macrófagos na extensão principal e subsequente área necrótica inerente ao tumor. A análise histológica mostrou que as nanopartículas injetadas apresentavam-se dispersas ou na forma de agregados e que as regiões necróticas estavam restritas ao local de instilação das nanopartículas, indicando a necessidade de instilação em múltiplos locais. Dados imunoistoquímicos revelaram que a internalização das nanopartículas deu-se principalmente por macrófagos e minimamente pelas células tumorais. Foi sugerido que a internalização pelos macrófagos seria promovida pela aplicação da MHT e que esta ainda promoveria necrose com subsequente infiltração e ativação dos fagócitos.

Tabela 3 Relato de caso e resultados das autópsias de três pacientes com glioblastoma, os quais foram submetidos à terapia de MHT 

Pacientes Sexo Idade (anos) Glioblastoma 1a Linha de tratamento 2ª Linha de tratamento Quantidade de fluido magnético instilado (ml) Temperatura intratumoral (°C) Sobrevida após MHT (meses) Massa cerebral (g) Autópsia(*) Média da taxa de mitose/proliferação ()
P1 Masculino 41 Frontoparietal esquerdo Cirurgia, radioterapia e quimioterapia Radioterapia e seis sessões de MHT 4,5 49,5 7,9 1.780 Sinais de hérnia transtentorial e subfoice 1,2 ± 0,1/0,0625 µm2/10,3 ± 1,4%
P2 () Masculino 57 Temporo-occipital esquerdo Não tratado - 4,2 - - 1.610 Sinais de hérnia transtentorial 1,3 ± 0,3/0,0625 µm2/15,3 ± 2,5%
P3 Masculino 69 Temporal esquerdo Cirurgia e radioterapia Quimioterapia e seis sessões de MHT 4,6 65,6 2,1 1.640 Edema generalizado com hérnia transtentorial e tonsilar 1,2 ± 0,3/0,0625 µm2/11,8 ± 1,8%

Fonte: van Landeghem et al.(18)

MHT: magnetohipertermia.

*Todas as lesões apresentaram aspecto de tumor sólido com áreas necróticas e hemorrágicas, além da deposição multifocal de nanopartículas magnéticas predominantemente em regiões necróticas. Os aspectos morfo-histológicos foram similares entre os pacientes, os quais expressaram GFAP em 1/3 das células tumorais e S100 em muitas células;

Não houve diferença entre os pacientes 1 e 3 com relação à taxa de mitose e proliferação;

O paciente faleceu em consequência de pneumonia 14 dias após a instilação do fluido magnético.

CONCLUSÃO

Nesta revisão discutimos a aplicação da MHT no tratamento de gliomas. A MHT teve sua eficácia demonstrada em modelos experimentais em roedores, em que foi observado um aumento na sobrevida de animais nos quais foram induzidos tumores e, em alguns casos, houve a diminuição ou regressão total da massa tumoral. Já em ensaios clínicos, a MHT mostrou ser promissora como uma terapia complementar associada às outras terapias clássicas, assim podendo contribuir para tornar mais efetivo o tratamento de tumores cerebrais. Assim, podemos concluir que a MHT foi efetiva na destruição de células tumorais cerebrais e que o desenvolvimento, bem como o aperfeiçoamento dos nanocompósitos e equipamentos geradores de campo magnético, contribuirão para o refinamento da técnica de MHT, o que a tornará, de maneira estabelecida, uma ferramenta terapêutica auxiliar no tratamento de gliomas em seres humanos.

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