versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.7 Rio de Janeiro jul. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015207.15272014
Os idosos brasileiros são expostos a fatores de risco que aumentam as taxas de morbidade e mortalidade por doenças crônicas degenerativas nesse estrato etário1, especialmente os referentes ao câncer, que devido a sua alta letalidade são um problema de saúde pública2,3. O câncer bucal gera altas taxas de mortalidade e letalidade2, além disso, tem impacto negativo na qualidade de vida das pessoas4. De acordo com estimativas mundiais do projeto Globocan 2012, da Agência Internacional para Pesquisa em Câncer (IARC, do inglês International Agency for Research on Cancer), da Organização Mundial da Saúde (OMS), houve 14,1 milhões de casos novos de câncer e um total de 8,2 milhões de mortes por câncer, em todo o mundo, em 2012. A carga do câncer continuará aumentando nos países em desenvolvimento e crescerá ainda mais em países desenvolvidos, se medidas preventivas não forem amplamente aplicadas. O câncer bucal é considerado um problema de saúde pública em todo o mundo. Estimam-se, para o Brasil, no ano de 2014, 11.280 casos novos deste câncer em homens e 4.010 em mulheres. Tais valores correspondem a um risco estimado de 11,54 casos novos a cada 100 mil homens e 3,92 a cada 100 mil mulheres. Sem considerar os tumores de pele não melanoma, o câncer bucal em homens é o quinto mais frequente e o décimo primeiro mais frequente em mulheres5. No Brasil, a distribuição de novos casos deste câncer é heterogênea, havendo maior concentração nas regiões sudeste e sul6.
As taxas de mortalidade por câncer bucal destacam-se dentre as demais taxas de mortalidade por outros tipos de neoplasia7-9. A dieta10,11, a baixa renda, a escolaridade11 e as infecções pelo Human papillomavirus (HPV)12, além do sinergismo constatado mediante consumo concomitante de tabaco e álcool13, são fatores de risco para os diversos tipos de câncer bucal. Um ensaio randomizado14 foi conduzido em Kerala, na Índia, entre 167.741 participantes, durante nove anos (1996 a 2004). Os participantes do grupo intervenção (87.655) foram submetidos, em três momentos distintos, a cada três anos, a ações educativas referentes aos efeitos nocivos do tabaco e álcool quanto ao risco para o câncer bucal; aos rastreamentos feitos por profissionais treinados para identificação de lesões cancerizáveis; ao diagnóstico precoce desse câncer bucal, assim como a tratamentos imediatos. Já os participantes do grupo controle (80.086) foram avaliados no início e no final da investigação e receberam as ações rotineiras dos serviços de saúde. As taxas de mortalidade e de letalidade por câncer bucal foram menores no grupo intervenção do que no grupo controle. A associação entre as taxas de mortalidade e a intervenção entre todos os participantes não foi estatisticamente significante, porém entre os homens que tinham hábitos etilistas e/ou tabagistas as taxas de mortalidade no grupo intervenção foram menores14. Sugere-se, portanto que ações educativas, especialmente entre os expostos a fatores de risco, podem minimizar as taxas de mortalidade e de letalidade por câncer bucal. Enfim, ações de promoção da saúde, dentre elas as educativas, de prevenção, de diagnóstico precoce e de tratamento do câncer bucal são importantes.
Ações de promoção de saúde/educação, prevenção, rastreamento, diagnóstico precoce e tratamento do câncer bucal tem importância reconhecida pela OMS15. Nesse sentido, políticas de promoção de saúde/educação e prevenção do câncer bucal foram implantadas16, na atenção primária à saúde (APS). No Brasil a APS é ofertada na Estratégia da Saúde da Família (ESF), sendo esta a estratégia eleita para reorganização da APS do “Sistema Único de Saúde” (SUS)17,18. Dentre as atribuições do SUS, destaca-se a assistência integral à saúde com ênfase nas ações de promoção da saúde, que visam desenvolver processos educativos para a saúde, voltados à melhoria do autocuidado dos indivíduos19. No contexto da promoção da saúde, as intervenções de educação em saúde têm como objetivo o aumento dos níveis de alfabetização em saúde das pessoas. Sørensen et al disponibilizaram um modelo teórico que apresenta variáveis que influenciam e são influenciadas pelos níveis de alfabetização em saúde20 (Figura 1).
Fonte: Sørensen et al., 201220.
Figura 1 Modelo teórico da alfabetização em saúde apresentado por Sørensen et al. em 2012.
O modelo exibe fatores proximais e distais determinantes e/ou determinados pelos níveis de alfabetização em saúde, representado pelas formas ovais concêntricas do núcleo do modelo. As seguintes variáveis foram consideradas na identificação dos níveis de alfabetização em saúde: conhecimentos prévios referentes a um tema de saúde; competências necessárias para o autocuidado e motivação para acessar, compreender, avaliar e aplicar informações relacionadas à saúde. O acesso, condição inicial da alfabetização em saúde refere-se à capacidade de procurar, encontrar e obter informações de saúde; a compreensão refere-se à capacidade de compreender as informações relativas à saúde; a avaliação dessas informações diz respeito à capacidade de interpretar, filtrar e julgar essas informações; já a aplicação refere-se à capacidade de se comunicar e usar as informações para tomar decisões com o intuito de manter e ou melhorar a sua condição de saúde. O modelo ainda exibe fatores associados de forma dinâmica à alfabetização em saúde, ou seja, seus principais determinantes e/ ou consequências. Estão entre eles, os determinantes distais, que podem ser sociais e ambientais (situação demográfica, cultura, língua, forças políticas e sistemas sociais); os proximais, determinantes sociais situacionais (suporte social, influências da família e dos colegas, uso de mídia e condições físicas do meio ambiente) e os pessoais (idade, sexo, raça, condição socioeconômica, estado civil, educação, ocupação, emprego, renda e escolaridade). Apresentam-se ainda outros fatores possivelmente associados à alfabetização em saúde (determinantes e ou consequências): uso dos serviços de saúde, custos com a saúde, comportamentos relacionados à saúde, desfechos de saúde, participação das pessoas, empowerment, equidade e manutenção. Nesse modelo, observa-se uma relação de retroalimentação entre os fatores apresentados e a alfabetização em saúde20. A idade e a raça das pessoas são os únicos fatores que não apresentam uma relação de retroalimentação, ou seja, não podem ser modificados pelos níveis da alfabetização em saúde. No contexto da promoção da saúde, o acesso a informações relacionadas à saúde é indispensável para melhorar os níveis de alfabetização em saúde. Deste modo, identificar a prevalência do acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal e se idosos residentes em domicílios cadastrados na ESF estão tendo maior acesso a essas informações, do que aqueles não cadastrados, pode subsidiar melhorias nas políticas de saúde que consideram a saúde dos idosos uma questão prioritária. Entretanto, não foram identificados estudos sobre essa questão.
Na ESF, tem-se o contexto adequado para intervenções de promoção de saúde, com ênfase para educação em saúde e estímulo à aplicação das informações relativas à saúde, ou seja, adoção de comportamentos saudáveis. Sendo assim, este estudo objetivou identificar, a partir do modelo teórico conceitual da alfabetização em saúde20, se o acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal é maior entre idosos residentes em domicílios cadastrados na ESF.
Estudo transversal, conduzido em uma amostra probabilística complexa por conglomerado em dois estágios de idosos de Montes Claros, município brasileiro de grande porte populacional, situado no norte de Minas Gerais. Foram considerados idosos aqueles com idade entre sessenta e cinco e setenta e quatro anos, conforme recomendação da OMS21. No cálculo amostral, considerou-se a estimativa para proporções da ocorrência dos eventos ou doenças de 50% da população, um erro de 5,5%, uma taxa de não resposta de 20%, a garantia de proporcionalidade por sexo e um deff (design effect - efeito de desenho) de 2,0. Desta forma, estimou-se uma amostra de 740 idosos22. Conglomerados, setores censitários e quadras, foram selecionados de forma aleatória simples e a coleta foi domiciliar. Os critérios de diagnóstico das condições bucais foram aqueles preconizados pela OMS em 199721. Os exames intrabucais foram realizados nos domicílios dos participantes, por cirurgiões-dentistas, em ambiente amplo, sob iluminação natural, empregando espelho e sonda CPI (Community Periodontal Index) esterilizados21. Participaram da coleta de dados, vinte e quatro entrevistadores/anotadores (acadêmicos do curso de Odontologia) treinados, e vinte e quatro examinadores (cirurgiões-dentistas)23 treinados e calibrados (Kappa e coeficiente de correlação intraclasse superiores a 0,60)24. Foram utilizados computadores de mão com um programa de computador desenvolvido para a coleta e a construção simultânea do banco de dados, denominado Programa Coletor de Dados em Saúde25.
Dentre os que aceitaram participar do estudo, foram excluídos das análises os que relataram nunca ter utilizado serviços odontológicos e os que não responderam à pergunta relativa ao acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal. A construção da variável dependente – acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal – foi obtida somente entre os idosos que não apresentavam problemas cognitivos. A identificação dos idosos com problemas cognitivos foi feita empregando-se a versão validada no Brasil do Mini-exame do Estado Mental (MEEM)26, considerando os níveis de escolaridade do idoso27. Os que responderam positivamente a pergunta Receberam informações sobre como evitar o câncer bucal nos serviços odontológicos? foram considerados idosos que tiveram acesso a informações sobre como evitar o câncer bucal.
Tomando-se o modelo de Sørensen et al., 201220, como referência teórica, reuniu-se as variáveis independentes em cinco grupos: 1) acesso a informações relativas à saúde (condição inicial da alfabetização em saúde), 2) determinantes pessoais, 3) uso dos serviços de saúde/custos com a saúde, 4) comportamentos relacionados à saúde e 5) desfechos de saúde20.
Os determinantes pessoais foram: faixa etária em anos, raça autodeclarada, sexo, estado civil, escolaridade em anos de estudo e renda per capita em salários mínimos. As variáveis referentes aos serviços de saúde/custos com a saúde foram: serviço odontológico utilizado, residir em domicílio cadastrado na ESF, tempo da última visita ao dentista em anos e motivo do uso do serviço odontológico.
Os comportamentos relacionados à saúde foram: hábito tabagista atual ou passado, hábito etilista atual ou passado e autoexame bucal. Ressalta-se que, nesse estudo, o ex-tabagista foi considerado como tabagista. Quanto aos desfechos de saúde, foram considerados dois subgrupos: 1) saúde geral relatada: presença de doenças e uso de medicamentos e 2) condições normativas e subjetivas de saúde bucal. As condições normativas de saúde bucal incluíram as alterações de tecidos moles bucais e uso de prótese dentária removível. Já as condições subjetivas de saúde bucal foram representadas pela autopercepção da necessidade de tratamento odontológico, autopercepção da dor em dentes e gengivas nos últimos seis meses, autopercepção de incômodo na boca, cabeça ou pescoço e identificação de possíveis consequências (impactos) das desordens bucais, através da versão validada no Brasil do Oral Health Impact Profile (OHIP)28. Todos os indivíduos que responderam afirmativamente (repetidamente/ sempre), em pelo menos uma das quatorze questões do OHIP, apresentavam alguma consequência, ou seja, algum impacto decorrente das desordens bucais.
Na análise dos dados, empregou-se o SPSS® 18.0. A correção pelo efeito do desenho amostral nas estimativas obtidas foi realizada. A análise descritiva incluiu frequência relativa corrigida pelo efeito amostral, erro padrão (EP) e o efeito do conglomerado (Deff) para variáveis categóricas. Para as variáveis quantitativas, a média, o EP e o Deff foram estimados. Análises bivariadas foram conduzidas para seleção das variáveis (p < 0,20) a serem consideradas na análise múltipla. Nas análises bivariadas e na múltipla, através de Regressão Logística, foram estimadas as odds ratio e os intervalos de confiança de 95% (OR/IC 95%). No modelo final foram mantidas as variáveis associadas (p < 0,05) ao acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal. Foram respeitados os princípios éticos da Resolução do Conselho Nacional de Saúde n°196/9629.
Dentre os 740 avaliados (taxa de resposta 92%), 492 idosos foram considerados neste estudo por atenderam aos critérios de inclusão. Desses, 58,9% relataram que obtiveram acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal. A média de idade dos idosos foi de 68,35 anos, EP 0,16 e Deff 1,47; a maioria tinha idade entre 65-68 anos; declarou pertencer à raça parda; ser do sexo feminino e ser casado ou ter união estável. A escolaridade média dos idosos foi de 5,07 anos, EP 0,36, Deff 4,04; a renda per capita média em reais foi de R$ 404,17, EP R$ 34,37, Deff 2,65. A maioria relatou residir em domicílio cadastrado na ESF e a maior parte relatou comportamentos favoráveis referentes a hábitos tabagistas e etilistas. A maioria relatou ter doença crônica diagnosticada por um médico. A maior parte não apresentava alterações de tecidos moles bucais, usava próteses removíveis e não relatou impacto consequente das desordens bucais (Tabela 1).
Tabela 1 Acesso a informações relativas à saúde, determinantes pessoais, uso dos serviços de saúde/custos com a saúde; comportamentos relacionados à saúde, desfechos de saúde, entre idosos de Montes Claros/MG, 2008/2009. n = 492.
n | % | %a | Erro-padrão | Deff | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Acesso a informações relativas à saúde | ||||||||||
Acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucalb | ||||||||||
Não | 201 | 40,9 | 41,1 | |||||||
Sim | 291 | 59,1 | 58,9 | 5,5 | 6,891 | |||||
Determinantes pessoais | ||||||||||
Faixa etária (em anos) | ||||||||||
69 a 74 | 209 | 42,5 | 41,5 | |||||||
65 a 68 | 283 | 57,5 | 58,5 | 2,6 | 1,495 | |||||
Raça autodeclaradab | ||||||||||
Pardo | 232 | 47,3 | 45,4 | 3,7 | 2,949 | |||||
Negro | 70 | 14,3 | 16,1 | 2,2 | 1,903 | |||||
Indígena | 2 | 0,4 | 0,5 | 0,4 | 1,653 | |||||
Amarelo | 5 | 1,0 | 0,9 | 0,5 | 1,319 | |||||
Branco | 182 | 37,1 | 37,1 | 4,7 | 5,133 | |||||
Sexo | ||||||||||
Masculino | 231 | 47,0 | 47,8 | |||||||
Feminino | 261 | 53,0 | 52,2 | 2,7 | 1,645 | |||||
Estado Civil | ||||||||||
Solteiro/Viúvo/Divorciado | 170 | 34,6 | 30,8 | |||||||
Casado/União estável | 322 | 65,4 | 69,2 | 3,4 | 2,972 | |||||
Escolaridade (anos de estudo) | ||||||||||
0 a 4 anos | 285 | 57,9 | 59,1 | |||||||
5 ou mais | 207 | 42,1 | 40,9 | 5,2 | 3,958 | |||||
Renda per capita em salários mínimosb, c | ||||||||||
Um salário ou menos | 310 | 65,1 | 66,8 | |||||||
Mais de um salário | 166 | 34,9 | 33,2 | 4,0 | 3,842 | |||||
Serviços de Saúde/custos com a saúde | ||||||||||
Serviço odontológico utilizadob | ||||||||||
Serviços supletivos/Serviços particulares | 360 | 73,5 | 72,1 | |||||||
Serviços prestados pelo SUS/Serviços filantrópicos | 130 | 26,5 | 27,9 | 4,4 | 5,229 | |||||
Domicílio cadastrado na ESF | ||||||||||
Não | 242 | 49,2 | 43,6 | |||||||
Sim | 250 | 50,8 | 56,4 | 8,4 | 15,885 | |||||
Tempo da última visita ao dentista (anos) | ||||||||||
Um ou mais | 360 | 73,2 | 72,9 | |||||||
Há menos de um | 132 | 26,8 | 27,1 | 2,8 | 2,112 | |||||
Motivo do uso do serviço odontológicob | ||||||||||
Atendimento para tratamento | 296 | 60,4 | 62,9 | |||||||
Atendimento por rotina | 194 | 39,6 | 37,1 | 3,6 | 2,994 | |||||
Comportamentos relacionados à saúde | ||||||||||
Hábito tabagista atual ou passado | ||||||||||
Sim | 175 | 35,6 | 36,4 | |||||||
Não | 317 | 64,4 | 63,6 | 3,2 | 2,500 | |||||
Hábito etilista atual ou passadob | ||||||||||
Sim | 188 | 38,2 | 39,9 | |||||||
Não | 304 | 61,8 | 60,1 | 2,7 | 1,718 | |||||
Autoexame da boca | ||||||||||
Não | 391 | 79,5 | 77,6 | |||||||
Sim | 101 | 20,5 | 22,4 | 2,9 | 2,604 | |||||
Desfechos de saúde | ||||||||||
Saúde geral relatada | ||||||||||
Presença de doenças crônicasb | ||||||||||
Sim | 405 | 82,3 | 79,7 | |||||||
Não | 87 | 17,7 | 20,3 | 3,2 | 3,520 | |||||
Uso de medicamentos | ||||||||||
Sim | 344 | 69,9 | 68,7 | |||||||
Não | 148 | 30,1 | 31,3 | 2,8 | 1,942 | |||||
Condições normativas de saúde bucal | ||||||||||
Alterações de mucosasb | ||||||||||
Sim | 81 | 17,1 | 16,5 | |||||||
Não | 393 | 82,9 | 83,5 | 2,4 | 2,193 | |||||
Uso de prótese dentária removível | ||||||||||
Não | 94 | 19,1 | 17,7 | |||||||
Sim | 398 | 80,9 | 82,3 | 2,9 | 3,170 | |||||
Condições subjetivas de saúde Autopercepção…. | ||||||||||
… da necessidade de tratamento odontológicob | ||||||||||
Sim | 278 | 56,7 | 59,7 | |||||||
Não | 212 | 43,3 | 40,3 | 3,9 | 3,489 | |||||
… da dor em dentes e gengivas nos últimos 6 mesesb | ||||||||||
Sim | 125 | 25,6 | 25,2 | |||||||
Não | 364 | 74,4 | 74,8 | 2,8 | 2,229 | |||||
… de incômodo na boca, cabeça ou pescoço | ||||||||||
Sim | 98 | 19,9 | 19,2 | |||||||
Não | 394 | 80,1 | 80,8 | 2,6 | 2,360 | |||||
OHIPb | ||||||||||
Impactou | 92 | 18,7 | 17,8 | |||||||
Não impactou | 399 | 81,3 | 82,2 | 2,0 | 1,568 |
aValores estimados com a correção pelo efeito desenho.
bVariação no n = 492 por perda de informações.
cBaseada no salário mínimo em 2008, no valor de R$ 415,00.
Na análise bivariada, constatou-se associação (p ≤ 0,20) do acesso à informação sobre como prevenir o câncer bucal com: raça autodeclarada, estado civil, escolaridade, renda per capita, residência em domicílio cadastrado na ESF, hábito tabagista atual ou passado, autoexame da boca, presença de doenças crônicas, autopercepção de incômodo na boca/cabeça ou pescoço e impacto da saúde bucal em suas dimensões (Tabela 2).
Tabela 2 Análise bivariada entre acesso a informações sobre como evitar o câncer de boca e determinantes pessoais, uso de serviços de saúde/custos com a saúde, comportamentos relacionados à saúde, desfechos de saúde entre idosos de Montes Claros/MG, 2008/2009. n = 492
Acesso | Não % a |
sim %a |
ORa | IC 95%a | P | Erro Padrão | Deff | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Determinantes pessoais | ||||||||||
Faixa etária (em anos) | ||||||||||
69-74 | 60,6 | 39,4 | 1,00 | |||||||
65-68 | 57,8 | 42,2 | 1,12 | 0,70-1,79 | 0,607 | 0,23 | 1,69 | |||
Raça autodeclaradab | ||||||||||
Pardo/Negro/Indígena | 51,2 | 48,8 | 1,00 | |||||||
Branco/ Amarelo | 71,7 | 28,3 | 0,41 | 0,23-0,71 | 0,002 | 0,27 | 2,11 | |||
Sexo | ||||||||||
Masculino | 59,4 | 40,6 | 1,00 | |||||||
Feminino | 58,5 | 41,5 | 1,03 | 063-1,70 | 0,876 | 0,24 | 2,00 | |||
Estado Civil | ||||||||||
Solteiro/Viúvo/Divorciado | 54,4 | 45,6 | 1,00 | |||||||
Casado/União estável | 61,0 | 39,0 | 0,76 | 0,54-1,07 | 0,118 | 0,16 | 0,80 | |||
Escolaridade (anos de estudo) | ||||||||||
0 a 4 anos | 65,0 | 35,0 | 1,00 | |||||||
5 anos ou mais | 50,1 | 49,9 | 1,85 | 1,06-3,22 | 0,030 | 0,27 | 2,40 | |||
Renda per capita salários mínimosb, c | ||||||||||
Até um salário | 63,8 | 36,2 | 1,00 | |||||||
Mais de um salário | 50,6 | 49,4 | 1,71 | 1,05-2,78 | 0,030 | 0,23 | 1,64 | |||
Uso dos Serviços de Saúde/custos com a saúde | ||||||||||
Serviço odontológico utilizadob | ||||||||||
Serviços supletivos/Serviços particulares | 59,2 | 40,8 | 1,00 | |||||||
Serviços prestados pelo SUS/Serviços flantrópicos | 58,3 | 41,7 | 1,03 | 0,54-1,98 | 0,905 | 0,32 | 2,75 | |||
Domicílio cadastrado na ESF | ||||||||||
Não | 72,7 | 27,3 | 1,00 | |||||||
Sim | 48,3 | 51,7 | 2,85 | 1,25-6,49 | 0,014 | 0,40 | 4,86 | |||
Tempo da última visita ao dentista (anos) | ||||||||||
Um ou mais | 57,6 | 42,4 | 1,00 | |||||||
Há menos de um | 62,6 | 37,4 | 0,81 | 0,45-1,45 | 0,471 | 0,29 | 2,16 | |||
Motivo do uso do serviço odontológicob | ||||||||||
Atendimento para tratamento | 57,6 | 42,4 | 1,00 | |||||||
Atendimento por rotina | 60,7 | 39,3 | 0,88 | 0,56-1,38 | 0,570 | 0,22 | 1,53 | |||
Comportamentos relacionados à saúde | ||||||||||
Hábito tabagista atual ou passado | ||||||||||
Sim | 69,7 | 30,3 | 1,00 | |||||||
Não | 52,8 | 47,2 | 2,05 | 1,30-3,23 | 0,003 | 0,22 | 1,43 | |||
Hábito etilista atual ou passadob | ||||||||||
Sim | 60,3 | 39,7 | 1,00 | |||||||
Não | 58,1 | 41,9 | 1,09 | 0,63-1,89 | 0,738 | 0,27 | 2,33 | |||
Autoexame da boca | ||||||||||
Não | 68,3 | 31,7 | 1,00 | |||||||
Sim | 26,4 | 73,6 | 5,99 | 3,14-11,44 | 0,000 | 0,32 | 1,94 | |||
Desfechos de saúde | ||||||||||
Saúde geral relatada | ||||||||||
Presença de doenças crônicasb | 61,1 | 38,9 | 1,00 | |||||||
Sim | 50,5 | 49,5 | 1,53 | 0,79-2,99 | 0,199 | 0,32 | 2,38 | |||
Não | ||||||||||
Uso de medicamentos | 58,7 | 41,30 | 1,00 | |||||||
Sim | 59,4 | 40,6 | 0.97 | 0,53-1,75 | 0,919 | 0,29 | 2,45 | |||
Não | ||||||||||
Condições normativas de saúde bucal | ||||||||||
Alterações de mucosasb | 72,0 | 28,0 | 1,00 | |||||||
Sim | 55,7 | 44,3 | 2,04 | 1,00-4,14 | 0,048 | 0,35 | 1,86 | |||
Não | ||||||||||
Uso de prótese dentária removível | 69,7 | 30,3 | 1,00 | |||||||
Não | 56,6 | 43,4 | 0,56 | 0,24-1,34 | 0,190 | 0,42 | 3,13 | |||
Sim | ||||||||||
Condições subjetivas de saúde Autopercepção…. | ||||||||||
… da necessidade de tratamentob | ||||||||||
Não | 63,3 | 36,7 | 1,00 | |||||||
Sim | 55,5 | 44,5 | 1,37 | 0,77-2,43 | 0,264 | 0,28 | 2,50 | |||
… de dor em dentes e gengivasb | ||||||||||
Sim | 58,4 | 41,6 | 1,00 | |||||||
Não | 59,1 | 40,9 | 0,97 | 0,59-1,58 | 0,906 | 0,24 | 1,44 | |||
… de incômodo na boca, cabeça ou pescoço | ||||||||||
Sim | 75,2 | 24,8 | 1,00 | |||||||
Não | 55,1 | 44,9 | 2,47 | 1,40-4,38 | 0,003 | 0,28 | 1,33 | |||
OHIPb | ||||||||||
Impactou | 71,9 | 28,1 | 1,00 | |||||||
Não impactou | 56,3 | 43,7 | 1,98 | 1,00-3,91 | 0,047 | 0,33 | 1,89 |
aValores estimados com a correção pelo efeito desenho.
bVariação no n = 492 por per da de informações.
cBaseada no salário mínimo em 2008, no valor de R$ 415,00.
Na análise múltipla, constatou-se associação do acesso à informação sobre como prevenir o câncer bucal com: determinantes pessoais, uso dos serviços de saúde/custos com a saúde, comportamentos relacionados à saúde e desfechos de saúde (Tabela 3).
Tabela 3 Análise multivariada entre acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal ajustada por variáveis estaticamente significantes (p ≤ 0,05), entre idosos de Montes Claros/MG, 2008/2009.
OR | IC 95% | p | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Determinantes pessoais | ||||||
Renda per capita salários mínimosa | ||||||
Até um salário | 1,00 | |||||
Mais de um salário | 2,016 | 1,182-3,437 | 0,011 | |||
Serviços de Saúde/custos com a saúde | ||||||
Domicílio cadastrado na ESF | ||||||
Não | 1,00 | |||||
Sim | 3,137 | 1,353 −7,277 | 0,009 | |||
Comportamentos relacionados à saúde | ||||||
Hábito tabagista atual ou passado | ||||||
Sim | 1,00 | |||||
Não | 2,005 | 1,161-3,461 | 0,014 | |||
Autoexame da boca | ||||||
Não | 1,00 | |||||
Sim | 6,350 | 3,462 −11,646 | 0,000 | |||
Desfechos de saúde | ||||||
Saúde geral relatada | ||||||
Autopercepção de incômodo na boca, cabeça ou pescoço | ||||||
Sim | 1,00 | |||||
Não | 2,063 | 1,021 – 4,170 | 0,044 |
aBaseada no salário mínimo em 2008, no valor de R$ 415,00.
A avaliação dos níveis de “alfabetização em saúde” é uma proposta relativamente nova no campo da promoção da saúde, pois avança na concepção de educação em saúde para além da oferta de informação, enfocando a capacidade das pessoas de acessar, compreender, avaliar e aplicar ou não tais informações eficientemente. A melhoria dos níveis de alfabetização em saúde depende de inúmeras variáveis, dentre elas, destaca-se o empowerment20, que se refere a ações sociais que promovem a participação das pessoas, de organizações e das comunidades no controle do seu próprio destino e do destino da sociedade. Deste modo, as pessoas criam ou são dadas a elas oportunidades para cuidar de sua própria saúde, a partir de uma série de experiências através das quais elas aprendem a ver uma correspondência mais estreita entre os seus objetivos e um senso de como alcançá-los, e assim ganham maior acesso e controle sobre os seus próprios recursos, sobre os recursos disponíveis nas organizações governamentais/não governamentais e/ou sobre os recursos disponíveis em comunidades que buscam a promoção da saúde e a prevenção das doenças30.
A prevalência do acesso a informações sobre como evitar o câncer bucal, condição inicial da alfabetização em saúde, foi de 58,9%. A chance de ter apresentado tal acesso entre idosos que residiam em domicílios cadastrados na ESF foi aproximadamente três vezes àquela verificada entre os que não residiam, mesmo depois de ser controlada por determinantes pessoais, por comportamentos relacionados à saúde e por desfechos de saúde. A chance de acesso a essas informações foi maior entre aqueles com maior renda per capita, entre os que não apresentavam hábitos tabagistas, os que realizaram autoexame bucal e entre os que não perceberam incômodo na boca, cabeça ou pescoço. Não foram encontrados estudos que tenham identificado fatores associados ao acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal entre idosos, impossibilitando o confronto dos resultados encontrados entre os idosos de Montes Claros com resultados encontrados em outros estudos. Por outro lado, alguns estudos identificaram diferentes níveis de conhecimento e/ou conscientização sobre o câncer bucal, seus fatores determinantes e suas medidas preventivas31-34.
Mais de um terço dos idosos avaliados relataram não ter tido qualquer acesso à informação sobre como prevenir o câncer bucal proveniente dos serviços de saúde, fato preocupante, visto que a aquisição de informações consistentes sobre o câncer bucal, seus fatores determinantes e suas medidas preventivas pode subsidiar a adoção de hábitos saudáveis que contribuam para a prevenção e diagnóstico precoce desse câncer20, 31-36. Entre os participantes da Campanha de Prevenção e Diagnóstico Precoce do Câncer Bucal, em um município brasileiro, Taubaté-SP, avaliou-se o conhecimento sobre esse câncer nos anos de 2001, 2003 e 2005. O relato de conhecimento das causas desse câncer variou de 32,68% a 40,52%. Em 2001, 16,52% referiram saber o que é autoexame bucal; em 2003, 31,97% e em 2005, 22%31, ressaltando uma baixa prevalência do conhecimento sobre essa medida entre os entrevistados31. Possivelmente, conforme propõe o modelo teórico de Sørensen et al.20, o baixo conhecimento pode ter sido influenciado pelos níveis de conhecimentos prévios, pela competência e motivação das pessoas que tiveram acesso a informações relacionadas à saúde. Melhorias dependiam ainda da compreensão dessas informações, considerando as diversidades demográficas, culturais e educacionais que mediante avaliação dos participantes da investigação poderiam ou não gerar a aplicação desses conhecimentos sobre as doenças20.
No contexto da promoção da saúde, ações educativas influenciam a percepção das pessoas sobre sua condição bucal, subsidiam o autodiagnostico e o autocuidado em busca da prevenção e/ou em busca da cura das doenças bucais ainda em seus estágios iniciais37. A maioria dos idosos brasileiros percebeu sua saúde bucal como satisfatória, mesmo apresentando problemas bucais38. Talvez por causa dessa percepção positiva da saúde bucal, o idoso não ache necessário buscar informações sobre sua saúde bucal, comprometendo assim o acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal. Por outro lado, em estudos conduzidos nos Estados Unidos, alguns cirurgiões-dentistas justificaram o não fornecimento de orientações sobre prevenção de agravos bucais, incluindo o câncer, por falta de tempo39, por não achar necessário ou por não serem remunerados para realizar tal procedimento40. Além disso, a adesão de estratégias de educação permanente por parte dos profissionais está associada à adequação do espaço físico, à abordagem multidisciplinar e aos aspectos epidemiológicos da população41. Possivelmente, tais questões (tempo e remuneração), entre outras, como a formação profissional, sejam a explicação para o fato dos cirurgiões dentistas não garantirem aos seus pacientes o acesso a informações preventivas sobre o câncer bucal.
Em um estudo conduzido em uma localidade rural da região sul do Brasil, mais da metade dos participantes (65%) relataram ter recebido informações sobre como evitar problemas bucais. Entretanto, apesar da grande maioria (83%) estar satisfeita com o recebimento, observou-se que 42,6% acharam que o cirurgião-dentista poderia ter fornecido mais informações. Tal estudo revelou que essa medida educativa nem sempre vem acompanhada da satisfação com sua qualidade42. Os profissionais de saúde ao repassarem informações sobre saúde precisam conhecer previamente os níveis de “alfabetização em saúde” dos pacientes e familiares com o intuito de aperfeiçoar as ações educativas. Questões referentes à alfabetização em saúde/empowerment20,36,43 não avaliadas entre os idosos investigados, possivelmente são responsáveis pela explicação da ausência das associações entre o acesso a informações sobre como evitar o câncer bucal e algumas variáveis consideradas no modelo teórico adotado20. Provavelmente, os profissionais que realizaram o atendimento desses idosos não consideraram todas as variáveis propostas no modelo teórico adotado, que preconiza ações de educação em saúde contextualizadas no âmbito da promoção da saúde20. Entre os idosos de Montes Claros, a prevalência da oferta de medidas educativas relacionadas à prevenção do câncer bucal, por parte dos dentistas, não foi investigada. Talvez uma maior proporção de idosos tenham tido acesso, mas como não geraram conhecimento, eles não se lembram de tê-las recebido. Por outro lado, os que foram orientados e obtiveram conhecimentos podem ou não tê-los colocado em prática, conforme avaliação e ou consideração dos seus níveis de empowerment20.
A maior chance de acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal entre idosos que residiam em domicílios cadastrados na ESF, possivelmente é decorrente da maior ênfase dada às ações de promoção da saúde e prevenção dos agravos no contexto da ESF44. A formação dos profissionais que trabalham nesse serviço também pode ter contribuído nesse sentido. Este achado é digno de nota e sugere avanço no desempenho dos serviços públicos de saúde bucal, fato que merece ser reconhecido. Ainda assim, 48,3% dos idosos que residiam em domicílios cadastrados na ESF relataram que não tiveram acesso a tais informações, o que merece atenção. Embora tenham sido registrados avanços nas políticas públicas implantadas nos últimos anos, tais como a inclusão da equipe de saúde bucal na ESF, ainda são necessários esforços para que seja efetivada uma política ampla capaz de reduzir desigualdades sociais no acesso e no processo do cuidado, assim como na avaliação dos resultados na área de saúde bucal45, uma vez que o cirurgião-dentista desempenha papel fundamental na difusão das medidas de prevenção32. Os serviços de saúde, especialmente os públicos, precisam contribuir para o alcance dos almejados princípios da equidade e universalidade, conferindo ao ambiente clínico maiores oportunidades de aprendizado e procurando assegurar a todos o acesso aos recursos necessários para que cuidados odontológicos sejam um direito humano46. Destaca-se ainda que diferentes condições devem ser consideradas nas ações que visam a melhoria dos níveis de alfabetização, dentre elas destaca-se a renda per capita das pessoas.
A chance do acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal foi maior entre idosos com maior renda per capita, tal associação indica iniquidade no acesso a estas informações. Entre pacientes de um hospital-escola brasileiro, identificou-se que o câncer bucal foi associado a piores condições sociais, como baixa renda e baixa escolaridade11. Em um estudo do tipo caso controle conduzido em Kerala, na Índia, constatou-se uma menor chance de ocorrência das lesões bucais cancerizáveis entre aqueles com melhores condições socioeconômicas47. Os resultados apresentados nesse estudo47 são possivelmente explicados pelo maior acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal, assim como por maior possibilidade de colocar em prática tais informações entre aqueles com maior renda per capita. Por outro lado, estudos prévios evidenciaram maior preocupação dos cirurgiõesdentistas em garantir o acesso a informações de saúde para os desfavorecidos quanto aos aspectos socioeconômicos, por acharem que essas pessoas são mais desinformadas11,47. Sugere-se que, em Montes Claros, boa parte dos cirurgiões-dentistas não considera piores condições socioeconômicas como pré-requisito para oferta de informações relacionadas à saúde. No contexto da promoção da saúde, estratégias de educação em saúde que considerem as condições socioeconômicas das pessoas são importantes na programação sobre como a população será orientada quanto a prevenção do câncer bucal10, pois os desfavorecidos podem apresentar dificuldade de compreensão, avaliação e aplicação das mensagens repassadas20. Enfim, esperava-se maior prevalência de acesso a informações preventivas sobre o câncer bucal entre os idosos de Montes Claros, uma vez que a maioria apresentou condições socioeconômicas desfavoráveis, características que influenciam o desenvolvimento do câncer bucal11,47.
Dentre as informações a serem repassadas nas ações que visam melhorar os níveis de alfabetização em saúde, destacam-se as referentes ao tabagismo. O tabaco é um importante fator de risco relacionado à ocorrência do câncer bucal7,39, porém a avaliação da associação entre o acesso à informação sobre como prevenir o câncer bucal e esse fator de risco em estudos transversais é complexa. Se por um lado, espera-se que o dentista seja motivado a repassar essas informações, especialmente entre os que têm comportamento de risco (maior acesso à informação entre tabagistas), por outro espera-se que a pessoa que tem acesso a informações sobre o comportamento de risco para a sua saúde mude de comportamento adotando hábitos mais saudáveis (o acesso leva ao abandono do hábito, maior acesso a informação entre não tabagistas).
Entre os idosos de Montes Claros, constatouse que o acesso a informações sobre a prevenção do câncer bucal foi maior entre aqueles que não eram tabagistas, ressalta-se, entretanto, que entre os considerados tabagistas havia ex-tabagistas, não podendo ser descartada a possibilidade de que esses indivíduos possam ter abandonado tal hábito como consequência do maior acesso a informações preventivas. Há que se considerar ainda que o tabagista atual possa relatar falta de acesso a informações preventivas por mecanismo de defesa, já que mudanças de hábitos são difíceis e que o conhecimento, por si só, pode ser incapaz de mudar hábitos comportamentais. Tabagistas e etilistas usuários de próteses odontológicas removíveis mal adaptadas podem apresentar ferimentos na mucosa bucal e ou lesões cancerizáveis. Esta observação está de acordo com a hipótese de que a irritação física recorrente da mucosa contribui para o efeito tópico carcinogênico do tabaco na boca, o que deve ser levado em consideração no planejamento de ações de promoção de saúde/educação em saúde, de ações preventivas e curativas nos serviços odontológicos11. Os tabagistas podem preocupar-se menos com a própria saúde por não abandonarem este hábito nocivo e, portanto, sugere-se que podem preocupar-se menos com o diagnóstico precoce do câncer bucal. Por outro lado, os tabagistas com altos níveis de alfabetização em saúde que não conseguem abandonar este hábito nocivo, podem preocupar-se mais com o diagnóstico precoce de doenças decorrentes do tabagismo. Um estudo evidenciou que a demora no diagnóstico precoce desse tipo de câncer foi maior entre os não tabagistas48, observando-se, portanto, a associação entre o tabagismo e o diagnóstico precoce do câncer bucal, que pode ser precedido pelo autoexame bucal.
Apesar de não ter sido encontrado estudo que comprove a associação entre autoexame bucal e redução das taxas de mortalidade e letalidade por câncer bucal, em um ensaio randomizado constatou-se que o rastreamento feito por profissionais treinados para identificação de lesões suspeitas de câncer bucal e a confirmação através de exames histopatológicos permitem o diagnóstico precoce do câncer bucal; e que quando este diagnóstico precoce é sucedido por tratamento imediato observa-se uma diminuição dessas taxas14.
O diagnóstico precoce do câncer bucal pode ocorrer mediante consultas odontológicas por livre demanda, rastreamentos ou consultas odontológicas consequentes da identificação de lesões suspeitas de câncer bucal após autoexame da boca. Existem localidades nas quais os rastreamentos não são conduzidos, assim como existem outras onde tal procedimento é feito periodicamente em diferentes espaços de tempo. Se as pessoas forem orientadas e fizerem o autoexame bucal, inclusive nos intervalos existentes entre as consultas e ou rastreamentos, poderão maximizar a possibilidade de diagnóstico precoce e tratamento desse câncer. Enfim, nos locais onde o rastreamento não é uma política perene, onde esta política não foi implantada e/ou onde o rastreamento configura-se como uma política perene sugere-se que a pratica do autoexame bucal pode minimizar a morbimortalidade por câncer bucal. Essa situação é revestida de importância, pois o acesso à informação sobre como prevenir o câncer bucal associado ao autoexame bucal, seguido por exame bucal feito por um profissional, aumenta a chance do diagnóstico precoce do câncer bucal. A chance do acesso a informações sobre como evitar o câncer bucal entre os que realizaram autoexame bucal foi seis vezes àquela verificada entre os que não realizaram esse autoexame, mesmo após controle por outras variáveis. Dentre os idosos que realizam autoexame bucal, mais de 70% afirmaram ter tido acesso a informações sobre como prevenir o câncer bucal. Sugere-se que as orientações recebidas foram eficazes, pois podem ter gerado mudanças quanto a esse hábito comportamental, já que este comportamento pode ter sido adotado após o acesso. Deve-se considerar ainda a possibilidade de retroalimentação nesta associação, uma vez que a identificação de alterações na cavidade bucal durante o autoexame pode levar as pessoas a buscarem informações relacionadas à saúde bucal.
Pesquisas realizadas na Alemanha49 e nos Estados Unidos50 mostraram que a maioria dos dentistas concorda com a importância do exame preventivo para câncer bucal, mas menos da metade trocam informações sobre essa questão com seus pacientes. Em Montes Claros, principalmente entre os dentistas que não trabalham na ESF, há necessidade de melhorias quanto à atualização profissional, no que diz respeito à importância da alfabetização em saúde. Há ainda, necessidade de incremento nas ações de promoção de saúde/educação em saúde, prevenção e diagnóstico precoce do câncer bucal. A assistência pública odontológica, principalmente aquela destinada a idosos, precisa ser reavaliada. Propõe-se a elaboração de políticas de saúde que incluam ações de promoção de saúde/educativas voltadas para o autodiagnóstico e autocuidado, além de ações preventivas, de manutenção da saúde e reabilitadoras37. Além disso, sabe-se que a insatisfação com o serviço odontológico utilizado pode estar associado aos problemas no acesso a informações preventivas sobre como evitar problemas bucais51 De forma contraditória àquela possivelmente registrada nos idosos de Montes Claros, entre pessoas com mais de 40 anos da Itália, em um estudo prospectivo com intervenção, verificou-se mais conhecimento no grupo instruído sobre prevenção do câncer bucal do que no grupo controle, mas esse conhecimento não levou ao aumento significativo do autoexame no grupo instruído52. Sugere-se que as abordagens feitas na Itália possam não ter considerado questões propostas no modelo teórico da alfabetização em saúde20,30, ou mesmo que para estas pessoas outras questões são mais importantes do que a mudança de hábitos com o intuito de prevenir doenças. Pesquisas transversais no Brasil também mostram que, apesar de ter conhecimento sobre o câncer bucal e sobre seus fatores de risco, muitas pessoas continuam com hábitos nocivos à saúde e não realizam o autoexame35,53. Sendo assim, é necessário que estratégias diversas sejam utilizadas e avaliadas, considerando questões propostas no modelo teórico da alfabetização em saúde20, dentre elas o empowerment das pessoas assistidas30, buscando a aquisição de conhecimentos e práticas que visem controlar os problemas de saúde.
A chance de acesso a informações preventivas sobre o câncer bucal foi maior entre os que não relataram incômodo na boca, cabeça ou pescoço. Há possiblidade de retroalimentação nessa associação, ou seja, o incômodo poderia levar a pessoa a buscar pela informação, assim como a informação poderia aumentar os níveis de alfabetização em saúde das pessoas que poderiam identificar uma lesão não sintomática como um incômodo. Investigações longitudinais poderiam elucidar melhor essa associação, pois a presença de incômodos deveria gerar uma maior preocupação por parte dos profissionais da saúde em oferecer informações preventivas. Já foi evidenciada associação entre presença de úlceras bucais recorrentes por dentaduras mal ajustadas e câncer bucal11,54, sendo assim sugere-se a importância do acesso a informações relacionadas a incômodos na boca e o câncer bucal.
É provável que condições desfavoráveis se somem num contexto de menor acesso a informações relacionadas à saúde, já que o acesso a essas informações foi menor entre os com menor renda, os que apresentaram piores comportamentos relacionados à saúde e entre aqueles que relataram presença de incômodos. Estudo prévio verificou que indivíduos com menor status socioeconômico foram menos propensos a utilizar serviços odontológicos e, quando o utilizaram, apresentaram menor possibilidade de receber tratamentos mais conservadores, receberam menos informações e relataram menor conhecimento de certos tratamentos que poderiam prevenir a perda de dentes55. Esses resultados sugerem um paradoxo quanto à iniquidade na assistência à saúde bucal do idoso. Por um lado sugere-se iniquidade, uma vez que foi observado menor acesso entre aqueles com menor renda, por outro, se observou maior acesso entre os residentes em domicílios cadastrados na ESF, que possivelmente são os que apresentam menor renda, uma vez que a proposta da ESF deve ser prioritária entre os que mais necessitam de assistência à saúde.
Aumentar os níveis de alfabetização em saúde representa um caminho promissor para melhorar a capacitação das pessoas dentro dos domínios dos serviços de saúde, da prevenção das doenças e da promoção da saúde com o intuito de incentivar as pessoas a adotar de forma rotineira práticas preventivas saudáveis de autocuidado. Porém a adoção das teorias propostas no modelo de Sørensen et al.20, na prática, apresenta desafios, ainda pouco explorados. No contexto da alfabetização em saúde, as qualidades cognitivas específicas a serem atingidas dependem tanto da qualidade da informação fornecida20 quanto da motivação individual e consciente de cada indivíduo30.
Algumas variáveis consideradas no modelo teórico proposto por Sørensen et al.20 não foram avaliadas entre os idosos de Montes Claros. Por outro lado, este trabalho seguiu o rigor metodológico exigido em uma pesquisa transversal: planejamento amostral, calibração e análises estatísticas com correção pelo efeito desenho.
A maioria dos idosos teve acesso à informação sobre como prevenir o câncer bucal, a prevalência foi maior entre os residentes em domicílios cadastrados na ESF. Há necessidade de incremento na oferta dessas informações preventivas por parte dos profissionais dos serviços odontológicos, especialmente entre os que não residem em domicílios cadastrados, os desfavorecidos socialmente, os tabagistas, os que não realizam autoexame bucal e os que relataram a presença de incômodo na boca, cabeça ou pescoço. Sugere-se que houve implementação prática dos conhecimentos adquiridos, no contexto do modelo teórico de alfabetização em saúde adotado, quanto ao tabagismo, quanto à importância do autoexame bucal e quanto a existência de possível associação do câncer bucal com a presença de incômodos na boca. Há que se considerar ainda que as associações entre o acesso a informações sobre como evitar o câncer bucal e o tabagismo, a realização do autoexame bucal e os relatos da presença de incômodo na boca devem ser avaliadas considerando-se a possibilidade de retroalimentação.