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Malformações congênitas em municípios de grande utilização de agrotóxicos em Mato Grosso, Brasil

Malformações congênitas em municípios de grande utilização de agrotóxicos em Mato Grosso, Brasil

Autores:

Noemi Pereira Oliveira,
Gisele Pedroso Moi,
Marina Atanaka-Santos,
Ageo Mário Candido Silva,
Wanderlei Antônio Pignati

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123

Ciênc. saúde coletiva vol.19 no.10 Rio de Janeiro out. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320141910.08512014

ABSTRACT

Mato Grosso is the largest agricultural producer and the largest national consumer of pesticides in Brazil. Maternal exposure to pesticides in the periconceptional period has been associated with increased risk of congenital malformations. This article aims to analyze the association between the use of pesticides and congenital malformations in cities with highest exposure to pesticides in Mato Grosso. It was a case-control study conducted with 219 live births with congenital malformations and 862 live births. The average use of pesticides was estimated in the prior and subsequent trimester to the date of fertilization and throughout the periconceptional period per city, month and year of use. Subsequently, these measures were quartilized and transformed into indicator-type (dummy) variables, attributing an exposure level for each interquartile interval. Bivariate and multivariate logistic regression analysis was conducted. Significant associations were observed (p < 0.05) in the third (OR = 1.66, 95% CI 0.98 to 2.79) and fourth quartile (OR = 1.88, 95% CI 1.09 to 3.24) of the post-fertilization period and the fourth quartile (OR = 2.04, 95% CI 1.17 to 3.56) throughout the periconceptional period. Maternal exposure to pesticides was associated with higher incidence of congenital malformations.

Key words: Pesticide; Birth defects; Environmental exposure

Introdução

O estado de Mato Grosso tem se destacado por ser um dos maiores produtores agrícolas do Brasil e consequentemente um dos maiores consumidores de fertilizantes e agrotóxicos do país1,2. Isto porque a maior parte do solo deste estado é pouco fértil para a agricultura, sendo necessário o uso intenso de agentes químicos para a obtenção de boa produtividade, gerando, como consequência, sérios problemas ambientais3-6. O estado se destaca ainda por ser o primeiro em consumo de agrotóxicos quando comparado aos demais estados brasileiros1,2. Durante o ano de 2009, dos 725 milhões de litros de herbicidas, inseticidas, e fungicidas utilizados no Brasil, Mato Grosso consumiu 103 milhões de litros de agrotóxicos nas suas culturas1,7.

As aplicações de agrotóxicos nesta região são realizadas através de pulverizações por tratores e aviões agrícolas, sendo que as névoas destes pesticidas, além da lavoura, atingem também seus trabalhadores e moradores das circunvizinhanças8. Dores et al.9 analisaram amostras de água potável superficial e subterrânea utilizadas para o consumo humano em Primavera do Leste (MT), detectando a presença de uma variedade de resíduos de agrotóxicos tóxicos para o homem. Moreira et al.10 observaram a presença de agrotóxicos em águas de rio e poços artesianos e em amostras de sangue e urina de professores da rede publica de ensino em Lucas do Rio Verde (MT). Entre os diversos resultados, foram detectados agrotóxicos em todas as águas analisadas e presença de resíduos de agrotóxicos em 88% das amostras biológicas dos professores da rede pública de educação, sendo que nos das escolas da zona rural estes níveis foram mais que o dobro do encontrado entre os das áreas urbanas. Outros grupos populacionais que também estão expostos aos agrotóxicos são as famílias dos agricultores, a população em geral residente em lugares de grande uso de agrotóxicos e até mesmo as populações urbanas distantes destas lavouras, devido à contaminação destes alimentos por agrotóxicos11.

Entre a população que poderia ter sido afetada por essa exposição encontram-se as crianças com malformações congênitas devido à exposição materna aos agrotóxicos no período gestacional. Isto porque alguns estudos têm associado a malformação congênita ao fato da mãe residir em lugares próximos às áreas de lavoura12-17. Pesquisa realizada por Heeren et al.18 no sul do continente africano sugere forte relação entre exposição a agrotóxicos e ocorrência de malformações congênitas em filhos de mulheres que trabalhavam no meio rural, uma vez que as crianças filhas de mães residentes nas áreas rurais tiveram sete vezes mais ocorrência de malformação quando comparadas às filhas de mães que não relataram ter tido algum tipo de exposição aos agrotóxicos. Além disso, algumas evidências têm sugerido que a exposição ocupacional materna e paterna aos agrotóxicos podem também estar associadas à ocorrência de malformações19-21. Adicionalmente, as exposições a alguns tipos de agrotóxicos estão associadas à maior ocorrência de malformações que acometem os órgãos genitais masculinos, o sistema nervoso central, o sistemas circulatório, o sistema respiratório e o sistema musculoesquelético22-25. Contudo, são raros os estudos realizados no Brasil sobre este tema, em especial nas áreas de uso extensivo de agrotóxicos. Assim, o objetivo deste estudo foi investigar a associação entre exposição materna passada aos agrotóxicos e a ocorrência de malformações congênitas em alguns municípios do estado de Mato Grosso.

Metodologia

População e Tipo de Estudo

Trata-se de um estudo de caso-controle de base populacional onde foram selecionados os oito municípios que apresentaram as maiores exposições humanas aos agrotóxicos no estado de Mato Grosso, conforme demonstrado em estudo prévio realizado por estes mesmos pesquisadores26. Esses municípios têm sido impactados de forma similar pela degradação socioambiental em decorrência do uso do solo imposto pelos incentivos governamentais aos biomas do cerrado e da floresta amazônica, conforme apontado em alguns estudos27,28.

As informações sobre os nascidos vivos foram obtidas do Sistema de Informação de Nascidos Vivos do Ministério da Saúde29. Este, por sua vez, é um sistema de informação de base populacional que agrega os registros contidos na declaração de nascidos vivos, o que permite diversas análises na área de saúde materno-infantil. Este estudo considerou como "casos" todos os nascidos vivos com malformação dos municípios selecionados nos anos de 2000 a 2009 e como "controles" os nascidos vivos com mais de 37 semanas de gestação e sem nenhuma malformação congênita. A priori, foram selecionados quatro controles para cada caso através de amostragem aleatória simples, pareados segundo município e ano de ocorrência das malformações congênitas. Foram excluídos todos os nascidos vivos gemelares ou com ausência de informação para qualquer uma das variáveis estudadas. A amostra final foi de 219 casos e 862 controles.

As variáveis referentes aos nascidos vivos selecionadas para ajuste foram: sexo do recém-nascido, faixa etária da mãe (recategorizada em até 18 a 37 anos e menor de 18 anos e 38 anos ou mais), estado civil (dicotomizada em solteira e com companheiro), escolaridade da mãe (categorizada em até 3 anos e 4 anos ou mais de estudo), número de consultas pré-natal (categorizada em até 3 consultas e 4 consultas ou mais), número de filhos mortos (classificados em nenhum ou 1 ou mais) e raça/cor da pele (categorizada em branca e outras). As informações sobre o número de habitantes foram obtidos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, considerando a média dos anos de 2006 e 2007.

Os dados sobre a utilização de agrotóxicos foram obtidos a partir dos receituários agronômicos das notas fiscais enviadas via internet para o escritório central em Cuiabá (MT)7 e posteriormente organizado em um Sistema de Informação de Agrotóxicos por Moreira et al.10. Para a construção da variável de exposição levou-se em consideração a quantidade de lavouras por hectare plantadas de acordo com o ano de plantio para cada um dos oito municípios selecionados30. Conhecendo-se a quantidade de uso de agrotóxicos durante cada ano e utilizando-se o calendário agrícola de cada lavoura31 estimou-se, então, o total de agrotóxicos utilizados mês a mês segundo ano de utilização, por município estudado. O calendário agrícola orienta sobre cada fase de plantio, tratos culturais, adubação, início da colheita, secagem, informações climáticas e outras a serem seguidas, mês a mês.

Para a caracterização do período de exposição utilizou-se como ponto de referência o dia e o mês do nascimento do recém-nascido de acordo com o município de residência da mãe, estimando-se, retrospectivamente, a provável data de fecundação, através da informação "semanas de gestação" do SINASC. A partir do conhecimento da data de fecundação foram estimados os períodos de pré-fecundação (trimestre anterior à fecundação), pós-fecundação (trimestre posterior à fecundação) e período periconcepcional (os seis meses ao redor da fecundação). Para cada um dos três períodos foi calculada as utilização mensal média de agrotóxicos por hectare.

Análise de dados

Foram realizadas análises descritiva, bivariada e regressão logística. Na análise bivariada, as associações foram testadas pelo teste do qui-quadrado de Mantel-Haenszel. Foram obtidos três modelos finais, um para cada período estudado, por meio da análise de regressão logística não condicional, incluindo-se, inicialmente, todas as variáveis que apresentaram p-valor menor que 0,20 na análise bivariada. Finalmente, foram inseridas as variáveis de exposição média aos agrotóxicos, transformadas em variáveis indicadoras do tipo dummy e recategorizadas em quatro intervalos interquartis. Atribuiu-se então um nível de exposição aos agrotóxicos para cada intervalo, tendo como referência o primeiro intervalo interquartil, classificando-o como o nível de menor exposição. Optou-se por se ajustar as três análises múltiplas pelas variáveis estado civil, faixa etária da mãe e sexo do recém-nascido, mantendo-se estas variáveis no modelo final. As análises foram realizadas nos programas estatísticos Epi Info 7 e STATA 13.0.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller.

Resultados

As médias da quantidade de agrotóxico em milhões de litro segundo tipo de lavouras temporárias e municípios selecionados encontra-se na Tabela 1. Nota-se que no período de 2000 a 2009, os municípios que mais utilizaram agrotóxicos foram Sorriso (7,2 milhões de litros), Nova Mutum (5,4 milhões de litros) e Campo Novo do Parecis (4,7 milhões de litros).

Tabela 1 Estatística descritiva da quantidade de agrotóxico (milhões de litros) utilizado nas lavouras temporárias nos municípios selecionados, Mato Grosso, 2000 e 2009. 

Municípios Média Mediana Desvio padrão Mínimo Máximo
Campo Novo dos Parecis 4.701 4.933 0,453 3.938 5.145
Campo Verde 3.207 3.396 0,550 2.061 3.788
Diamantino 3.980 4.244 0,725 2.642 4.891
Lucas do Rio Verde 3.445 3.592 0,482 2.583 3.997
Nova Mutum 5.403 4.780 4.041 2.340 16.564
Pedra Preta 1.129 1.145 0,147 0,846 1.380
Primavera do Leste 3.630 3.660 0,538 2.664 4.458
Sorriso 7.219 7.572 1.265 5.032 8.721

Fonte : IBGE30; INDEA-MT7; Moreira et al.10.

A Tabela 2 apresenta os Odds Ratios Brutos e Intervalos de Confiança de nascidos vivos com malformação congênita para as variáveis de ajuste. As malformações fetais se associaram estatisticamente com sexo masculino (OR = 1,50, IC95%= 1,11 - 2,04) e crianças filhas de mães que viviam com companheiro (OR = 1,34 IC95% = 1,02 - 1,85).

Tabela 2 Odds Ratios Brutos e intervalos de confiança de nascidos vivos com malformação congênita para variáveis controle dos municípios selecionados, Mato Grosso, 2000 e 2009. 

Variável Caso % Controle % OR p-valor
Sexo do RN            
  Feminino 82 37,8 411 47,7 1,00  
  Masculino 135 62,2 451 52,3 1,50(1,11- 2,04) 0,009
Raça Cor RN            
  Branca 127 58,3 524 60,9 1,00  
  Outras 91 41,7 337 39,1 1,11(0,82 - 1,50) 0,480
Faixa Etária (anos)            
  18 a 37 anos 177 81,2 727 84,3 1,00  
  < 18 anos e 38 anos ou mais 41 18,8 135 15,7 1,24(0,84 - 1,83) 0,260
Estado Civil            
  Solteira 95 43,6 443 51,6 1,00  
  Com companheiro 123 56,4 416 48,4 1,37(1,02 - 1,85) 0,035
Escolaridade materna            
  Até 3 anos de estudo 15 6,8 71 8,3 1,00  
  4 ou mais anos 204 93,2 788 91,7 1,22(0,68 - 2,18) 0,490
Nº de Consultas Pré-natal            
  4 ou + 207 94,5 834 96,9 1,00  
  1 - 3 12 5,5 27 3,1 1,79(0,89 - 3,59) 0,096
Nº de Filhos Mortos            
  1 ou + 14 6,6 88 11 1,00  
  Nenhum 197 93,4 712 89 1,73(0,96 - 3,12) 0,061

Fonte : IBGE30; INDEA-MT7; Moreira et al.10.

Nas análises múltiplas, em todos os trimestres de exposição foram encontradas associações positivas entre exposição aos agrotóxicos e malformação. Contudo, os efeitos com associações estatísticas significantes foram observados no terceiro quartil (OR= 1,88; IC95% 1,09 - 3,24) e quarto quartil (OR=1,66; IC95% 0,98 - 2,79) do período pós-fecundação e no quarto quartil (OR=2,04, IC95%1,17-3,56) do período periconcepcional, tendo sido esta última a maior associação encontrada em todas as análises (Tabela 3).

Tabela 3 Odds Ratios ajustados por variáveis controle* e Intervalos de Confiança para variável agrotóxico segundo quartis de exposição nos municípios selecionados de Mato Grosso. 

Variável Período Pré-fecundação Período Pós-fecundação Período Periconcepcional
Agrotóxico Odds Ratio IC95% Odds Ratio IC95% Odds Ratio IC95%
Q1 1,00 1,00 1,00
Q2 1,35 (0,81 - 2,24) 1,26( 0,76 - 2,10) 1,28 (0,78 - 2,10)
Q3 1,05 (0,64 -1,70) 1,88(1,09 - 3,24) 1,12 (0,68 - 1,86)
Q4 1,50 (0,90 - 2,51) 1,66(0,98 - 2,79) 2,04(1,17 - 3,56)

*Estado civil, faixa etária da mãe e sexo do RN.

Discussão

O presente estudo encontrou 100% a mais de ocorrência de malformação congênita entre as crianças de mães expostas aos agrotóxicos durante o período periconcepcional em relação às demais. Corroborando com estes achados, Garcia et al.32 evidenciaram maior ocorrência de determinados tipos de malformação de nascidos vivos de mães que trabalhavam na agricultura em períodos de exposição semelhantes; Lacasaña et al.33 identificaram quatro vezes mais ocorrência de malformações entre recém-nascidos de mães que trabalharam em atividades agrícolas em períodos pós-fecundação em relação às gestantes que não tiveram estas atividades neste mesmo período. Nossos resultados também são concordantes com Kristensen et al.34, Garcia et al.32, Rull et al.24, Winchester et al.35, Brender et al.20 que identificaram exposição das mães aos agrotóxicos nesse período associada à malformação congênita.

A associação estatística entre mães que vivem com companheiro e ocorrência de malformações congênitas poderia ser justificada pelo manuseio de roupas e ferramentas contaminadas trazidas pelo marido, que usualmente é quem está mais exposto aos agrotóxicos. Caviares36 encontrou risco maior para filhos com malformações de mulheres casadas, afirmando que isto se deu pelo seu contato com vestimentas e utensílios usados pelo pai, comumente trabalhando com agrotóxicos. Resultados similares foram observados por Benitez-Leite et al.37 maior ocorrência de filhos com malformações congênitas em mulheres que conviviam com cônjuges que trabalhavam com agrotóxicos e lavavam suas roupas contaminadas. Existe também a possibilidade de que exposição materna esteja relacionada diretamente ao seu próprio trabalho, já que alguns estudos referem que mães que trabalham na agricultura tiveram mais filhos com malformações congênitas19,21,32,34,38.

As malformações congênitas acometeram mais os nascidos vivos do sexo masculino, assim como os achados de Bell et al.39; Lin et al.40; Kristensen et al.34; Snijder et al.41. Alguns autores afirmam que os ingredientes ativos dos agrotóxicos aumentam o risco de malformações nos fetos humanos masculinos34,42-46. Além disso, alguns agrotóxicos, por serem desreguladores esteroidais, podem atuar na diferenciação sexual e levar à masculinização do feto47,48, à criptorquidia que ocorre quando se dá a decida incompleta dos testículos49,50, e hipospadia, efeito no qual a uretra não se prolonga até o final do pênis51-54.

A maior ocorrência de malformação também pode ser explicada pela proximidade das residências das futuras mães às áreas de cultivo, quando em período periconcepcional20,24. Essa situação é comum nos municípios do estudo, por serem os maiores produtores agrícolas e consumidores de agrotóxicos do estado de Mato Grosso. As fronteiras urbano-rurais destes municípios são muito próximas às lavouras, propiciando uma sobre-exposição dos moradores periurbanos à contaminação de agrotóxicos55.

A exposição aos agrotóxicos raramente se limita a um único princípio ativo. Nas grandes propriedades dos municípios estudados são cultivadas várias lavouras concomitantemente, com diversas safras durante o ano, levando a uma exposição ainda maior destas populações aos agrotóxicos. Desta maneira, torna-se bastante árduo determinar as prováveis interações desta exposição múltipla aos agrotóxicos e sua associação aos efeitos específicos de teratogenicidade24. Além disso, os agrotóxicos atravessam facilmente a barreira placentária devido à sua alta lipossolubilidade56, aumentando a suscetibilidade do embrião aos seus múltiplos efeitos tóxicos e teratogênicos46,57.

Alguns estudos experimentais em animais e outros observacionais em humanos sugerem, para melhor compreensão dos efeitos do agrotóxico durante a gestação, a divisão dos períodos de exposição materna em período pré-fecundação, pós-fecundação e periconcepcional22,58-62. O período da organogênese, que se dá ate o final do terceiro trimestre de gestação é o de maior risco para a ocorrência de mutagênese e teratogênese fetal33,63,64. Nesta fase ocorre a diferenciação celular e a formação dos órgãos do embrião, sendo muito suscetível à ação de agentes tóxicos que causam malformações estruturais65. Outros efeitos podem ocorrer após este período, incluindo déficit do desenvolvimento do sistema nervoso central e diminuição do crescimento fetal33,63,64,66. Neste estudo, em todos os trimestres de exposição foram encontradas associações positivas entre exposição aos agrotóxicos e malformação. Porém, os efeitos com associações estatísticas significantes foram observados no terceiro e no quarto quartil do período pós-fecundação e no quarto quartil do período periconcepcional, tendo sido esta última a maior associação encontrada em todas as análises.

Em relações às limitações da presente pesquisa, não se pode excluir a possibilidade da falácia ecológica porque uma associação observada entre agregados não significa, obrigatoriamente, que a mesma associação ocorra em nível de indivíduos67,68. O estudo também não pode garantir o gradiente de exposição da população por desconhecer a distância exata das áreas onde foram aplicados os agrotóxicos e os indivíduos expostos. Apesar dessas limitações, a presente pesquisa estudo traz importantes contribuições para o entendimento dos efeitos deletérios da intensa exposição aos agrotóxicos sobre a saúde humana.

Conclusão

Os resultados deste estudo demonstram que a exposição materna aos agrotóxicos nos períodos pós-fecundação (primeiro trimestre gestacional) e no período total (soma dos três meses antes da fecundação e o primeiro trimestre gestacional) está associada às malformações congênitas dos municípios selecionados, sugerindo que populações intensamente expostas aos agrotóxicos apresentam maior risco de malformação fetal, trazendo um alerta sobre a necessidade da maior atenção à saúde da população, bem como a importância de se realizar o monitoramento da utilização dos agrotóxicos e contaminação humana e ambiental nesses municípios.

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