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Manejo da trombose aguda de fístulas arteriovenosas de pacientes em hemodiálise: relato de experiência em um centro brasileiro

Manejo da trombose aguda de fístulas arteriovenosas de pacientes em hemodiálise: relato de experiência em um centro brasileiro

Autores:

Ricardo Portiolli Franco,
Domingos Candiota Chula,
Marcia Tokunaga de Alcantara,
Eduardo Camargo Rebolho,
André Ricardo Ampessan Melani,
Miguel Carlos Riella

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Nephrology

versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239

J. Bras. Nefrol. vol.40 no.4 São Paulo out./dez. 2018 Epub 30-Ago-2018

http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2018-0036

INTRODUÇÃO

A fístula arteriovenosa (FAV) é considerada o acesso de escolha para hemodiálise devido à menor taxa de complicações infecciosas e não infecciosas e ao menor custo de tratamento se comparada às próteses e cateteres centrais.1 A trombose de um acesso definitivo para hemodiálise, seja uma fístula ou prótese, é um evento agudo que pode interromper o tratamento dialítico, com necessidade de implante de cateteres caso não tratado. A maior causa das tromboses de FAV é a presença de estenoses venosas por hiperplasia intimal, causando baixo fluxo e finalmente trombose do acesso.2,3 O tratamento das tromboses de FAV pode ser cirúrgico, com trombectomia, ou farmacológico, com trombolíticos, seguido de angioplastia da estenose causadora, com resultados semelhantes entre essas modalidades.4-9 No Brasil, existem poucos centros com acesso imediato à fluoroscopia e pessoal capacitado para tratamento das tromboses de FAV, e a conduta é, em geral, implante de um cateter até a confecção de novo acesso. Esse fluxo, além de esgotar o leito vascular do paciente, parece ser mais oneroso ao sistema de saúde devido à maior necessidade de intervenção e internamento de pacientes com cateteres.10 Está aqui descrita a experiência inicial do Centro de Nefrologia Intervencionista da Fundação Pró-Renal no manejo de trombose de acessos vasculares por meio de trombólise farmacológica e angioplastia de estenoses venosas.

MATERIAIS E MÉTODOS

DESENHO DO ESTUDO

Estudo retrospectivo utilizando dados tabulados prospectivamente do programa de acessos vasculares do Centro de Nefrologia Intervencionista (CNI) da Fundação Pró-Renal, Brasil.

POPULAÇÃO DE PACIENTES

Este CNI atende aproximadamente 700 pacientes em 4 clínicas de hemodiálise crônica, e a partir de março de 2014 instituiu um programa de acessos vasculares, constituído de vigilância dos acessos com Doppler, angioplastia de estenoses venosas e trombólise farmacológica seguida de angioplastia de acessos trombosados.

Foram incluídos 40 pacientes em hemodiálise por FAV ou prótese com trombose do acesso vascular e submetidos à trombólise farmacológica de agosto de 2014 a janeiro de 2017.

PROCEDIMENTOS

Os procedimentos de salvamento foram realizados no CNI em regime ambulatorial, com alta do paciente no mesmo dia. Os acessos foram avaliados por ultrassonografia no pré-operatório imediato para diagnóstico da trombose, avaliação da extensão do trombo e presença de estenoses venosas. As contraindicações ao salvamento foram: história de estenose resistente ou intratável em angioplastia prévia e grande volume de trombos (por exemplo, uma veia cefálica aneurismática com trombo estendendo-se por todo o braço).

O procedimento consistiu resumidamente de punção da FAV, colocação de introdutor 7F pela técnica de Seldinger e passagem de guia hidrofílico pela estenose. Infusão de alteplase 1 mg/mL (Actilyse®, Boehringer Ingelhein, Alemanha) via cateter ou pelo introdutor na região próxima à anastomose. Foram realizadas angiografias seriadas e ultrassonografia transoperatória para acompanhamento da resolução do trombo e estenoses (Figura 1). Após retorno de fluxo ou resolução parcial dos trombos, foi realizada angioplastia da lesão causadora da trombose com balão não complacente (Mustang®, Boston Scientific, USA). Dois procedimentos foram guiados exclusivamente com uso de ultrassonografia (Figura 2), e não por fluoroscopia.

Figura 1 Trombólise de prótese arteriovenosa femoral guiada por angiografia. A. Injeção de contraste via cateter na anastomose arterial mostrando fluxo apenas em artéria femoral, sem contrastar a prótese. B e C. Após infusão de alteplase na anastomose arterial, ocorre retorno de fluxo parcial na prótese. D. Angioplastia de estenose de anastomose venosa da prótese. E. Resultado final com retorno de fluxo no corpo da prótese. 

Figura 2 Trombólise e angioplastia de fístula arteriovenosa guiada por ultrassonografia (US). A. US de região justa-anastomótica mostrando fluxo ao Doppler colorido e trombo ecogênico (seta) no interior da FAV. B. US mostrando acesso da FAV com introdutor vascular. C. Fio guia hidrofílico introduzido através do trombo (seta). D. Após infusão de Alteplase, ocorreu resolução do trombo. US mostrando vaso com ausência de conteúdo e região de estenose. E, F, G. Imagens sequenciais da insuflação do balão de angioplastia. Note na imagem F a presença de "cintura" no balão (*), confirmando a presença de estenose durante a dilatação, até a dilatação total em G. H. Confirmação de fluxo sanguíneo na fístula através de Doppler de potência. I. Mensuração do fluxo intra-acesso com Doppler espectral, com fluxo quantificado em 964 mL/min ao término do procedimento. 

Nos casos de trombólise com sucesso, porém persistência de trombo residual ou resistente à angioplastia, os pacientes foram mantidos em uso de ácido acetilsalicílico 100 mg e bisulfato de clopidogrel 75 mg até a resolução dos trombos, verificada por ultrassonografia no seguimento.

Foi considerado sucesso clínico o uso do acesso para hemodiálise por no mínimo 3 sessões subsequentes.

SEGUIMENTO

Os pacientes foram reavaliados dentro de 15 dias após a trombólise e colocados em vigilância trimestral com Doppler do acesso para mensuração de fluxo sanguíneo intra-acesso e diagnóstico de estenoses. Foi indicada nova angiografia nos casos com fluxo < 600 mL/min ou queda de 25% em relação ao basal, ou alteração clínica, como dificuldade de punção ou sangramento prolongado, associada ao diagnóstico de estenose > 50% ao Doppler.

DESFECHOS

A sobrevida dos acessos foi avaliada por curvas de Kaplan Meier. As patências primária e secundária foram definidas conforme as publicações mais recentes.11

ANÁLISE ESTATÍSTICA

Foi utilizado o teste qui-quadrado, com nível de significância de 0,05, para avaliação da correlação entre as características dos pacientes (diabetes, gênero do paciente, local do acesso ou faixa etária) com o sucesso ou insucesso do procedimento. Para as funções de sobrevida, foi utilizado o estimador não paramétrico de Kaplan Meier, e diferenças entre as curvas de sobrevida foram consideradas significativas se p < 0,05, por meio do teste de Log Rank. Foram censurados das análises os pacientes que foram a óbito, submetidos a transplante, que trocaram de modalidade dialítica ou de centro com acesso funcionante.

RESULTADOS

No período de agosto de 2014 a janeiro de 2017, 41 acessos com diagnóstico confirmado de trombose, de 40 pacientes em hemodiálise, foram submetidos a um total de 45 procedimentos.

Os pacientes do sexo masculino compuseram 62,5% da amostra, a idade média era de 57,4 ± 18,0 anos. Como comorbidade, 75% dos pacientes apresentavam hipertensão, 40% diabetes, 10% doença arterial coronariana e 7,5% história de acidente vascular encefálico. A maioria dos acessos abordados era FAV (90%), sendo 56% FAV proximais (braquiocefálicas, braquimedianas e braquiobasílicas), 34% FAV distais (radiocefálicas de punho) e 10% próteses. Treze acessos abordados (28%) tinham menos de 3 meses da confecção, sendo que 84% estavam em uso por até 24 meses. O acesso mais precocemente abordado tinha 3 semanas da confecção e o mais antigo, 51 meses.

Todos os pacientes apresentavam trombose do acesso vascular confirmada por ultrassonografia e foram submetidos à trombólise farmacológica seguida de angioplastia. Considerando o número de procedimentos realizados, 27 apresentaram desfecho de trombólise com sucesso, 17 sem sucesso e 1 apresentou oclusão da FAV, impedindo a progressão do material e tratamento. Para fins do estudo, o paciente com desfecho oclusão foi considerado sem sucesso, totalizando 18 procedimentos sem sucesso e 27 com sucesso, contabilizando uma taxa de sucesso de 60%. Os pacientes foram acompanhados por até 18 meses. A presença de diabetes, o gênero do paciente, o local da fístula e a faixa etária não se correlacionaram significativamente com a determinação de sucesso no procedimento.

ANÁLISES DE SOBREVIDA

Para análise de sobrevida dos acessos, foram incluídos os pacientes com trombólise com e sem sucesso no momento inicial do estudo. A Figura 3 mostra as curvas de sobrevida para as patências primária e secundária dos acessos.

Figura 3 Curvas de sobrevida de Kaplan Meier dos acessos vasculares segundo a patência primária (PP) e patência secundária (PS). 

ANÁLISE DE PATÊNCIA PRIMÁRIA

Do total das 41 fístulas, 25 apresentaram desfecho de patência primária (nova angioplastia, óbito ou perda do acesso) no período. A patência primária dos acessos, ou seja, sem necessidade de nova intervenção ou perda do acesso em 3, 6, 12 e 18 meses, foi de 53%, 42%, 39% e 33%, respectivamente.

ANÁLISE DE PATÊNCIA SECUNDÁRIA

Durante o seguimento de 18 meses, 15 acessos foram abandonados por insucesso do procedimento inicial e 4 por trombose definitiva do acesso após a trombólise inicial. A patência secundária, ou seja, acessos funcionantes em uso, independentemente da realização de novas angioplastias ou trombólises em 3, 6, 12 e 18 meses foi de 58%, 55%, 52% e 52%, respectivamente.

Se considerarmos apenas os acessos submetidos à trombólise inicial com sucesso, ou seja, 60% dos casos, a patência secundária em 18 meses foi de 80,63%.

COMPLICAÇÕES

Ocorreram um total de 9 complicações (20%), sendo 3 (6%) delas complicações maiores: um hematoma grau III, uma rotura de anastomose e um choque anafilático, as duas últimas com necessidade de internamento. Ocorreram 4 casos de hematomas grau I, ou seja, sem prejuízos para o acesso. Um paciente apresentou hematoma grau III, devido à perfuração do arco cefálico que se apresentava ocluído. Esse caso foi manejado com compressão e suspensão do procedimento, sem necessidade de internamento, porém com perda definitiva do acesso e necessidade de cateter. Ocorreu um caso de embolia arterial sintomática da mão, com dor durante o procedimento, tratada com infusão de alteplase na artéria radial e melhora dos sintomas, sem necessidade de internamento ou prejuízo funcional. Dois pacientes apresentaram complicações clínicas importantes, um com choque anafilático, provavelmente devido ao contraste, com necessidade de intubação e internamento em UTI, e outro com bacteremia após o início do procedimento, com necessidade de suspensão da trombólise, provavelmente por trombo infectado na FAV. Esse paciente não necessitou de internamento. Ocorreu um caso de rotura de anastomose durante abordagem precoce de um trombo em região justa-anastomótica. Esse paciente foi abordado com 3 semanas após confecção da FAV e optou-se pela realização do procedimento devido à ausência de leito vascular para confecção de nova FAV. Nesse caso, houve necessidade de arteriorrafia, realizada pelo cirurgião vascular da equipe no centro cirúrgico ambulatorial, e internamento para observação do paciente. Não houve prejuízo funcional.

Ocorreram 3 óbitos durante o acompanhamento, nenhum relacionado aos procedimentos e todos após mais de 30 dias da intervenção.

DISCUSSÃO

A experiência aqui relatada no manejo de trombose de acessos vasculares demonstra que esses casos podem ser conduzidos pelo nefrologista em caráter ambulatorial, desde que haja estrutura necessária e equipe treinada para o procedimento. Esse modelo de tratamento ambulatorial das disfunções de acesso é significativamente mais econômico que o modelo hospitalar, levando a menos perda de sessões de diálise e menor necessidade de hospitalização.12,13

Em nosso estudo, foi utilizada a técnica endovascular com uso de trombolítico e angioplastia de estenoses venosas, sendo a maioria dos acessos fístulas arteriovenosas nativas (90%). A literatura mostra taxa de sucesso de 76% a 94%,5-7,14-18 com maiores chances de sucesso para as fístulas distais em alguns estudos.7,14 Na Tabela 1 podem ser verificados os dados da literatura mais recente. Neste estudo não houve diferença de sucesso entre os diferentes tipos de fístulas. Entretanto, foi alcançado sucesso clínico de 60%, abaixo dos estudos previamente citados. Isso pode ter ocorrido devido à curva de aprendizado e ao fato de ter sido considerado como desfecho o sucesso clínico, ou seja, uso do acesso para hemodiálise, enquanto alguns desses estudos consideram apenas sucesso radiológico. No entanto, apesar do aparente menor sucesso inicial, nossas taxas de patência estão próximas às de outros estudos semelhantes. As duas maiores séries de casos publicadas com fístulas arteriovenosas nativas, realizadas em diferentes centros por Nassar e Nikam, alcançaram patências primárias em 12 meses de 17% e 44%.14,15 Nossa patência primária em 12 meses foi de 39%, comprovando que a maioria dos acessos necessita de reintervenção.

Tabela 1 Resumo de referências bibliográficas recentes. Linhas brancas: estudo com fístulas como maioria dos acesos. Linhas cinzas: estudo como próteses como maioria dos acesso 

Autor
(Ano)
Realização do procedimento Prospectivo N FAV Prótese Objetivos Uso de trombolítico? Horas da trombose Device Técnica(s) Sucesso Pat. Primária Pat. Secundária Complicações Conclusões Notas
Maioria FAV
Nassar
(2015)
Nefrologista 404 casos retrospectivos
116 prospectivos
520 procedimentos
465 pacientes
100% 0% Reportar resultados de coorte de 520 casos de trombose de FAV em 8 anos. Ocasional
*Não cita %
- - Trombectomia Mecânica
(Embolectomia / Tromboaspiração / Angioplastia)
91% 1 m: 80%
3 m: 60%
6 m: 40%
12 m:, 17%
24 mo: 0,06%
**** Pat. Primária assistida
1 m: 87%
3 m: 81%
6 m: 73%
12 m:, 54%
24 mo: 37%
Total 1.3%
0.8% maiores
7 roturas
Perda de 3 FAV por hematoma grau III.
Salvamento é possível em 90% dos casos, com baixa taxa de complicações. FAV distais tiveram maior patência que as proximais. Regime ambulatorial
Nikam
(2015)
Radiologista Sim 410 procedimentos
232 pacientes
73% 27% Resultados a longo prazo de salvamento de FAV/próteses com disfunção aguda.
*58% com trombose confirmada.
16% - AngioJet / Tretola (15%) Maceração / Angioplastia 59%
Mecânica (Angiojet, Tretola)15%
Farmacomecânica (RTPA) 16%
94% (FAV)
92% (Prótese)
FAV: 1 m: 82%
6 m: 64%
12 m: 44%
24 m: 34%
36 m: 26%
Prótese: 1 m: 50%
6 m,: 14%
12 m: 8%
- Total 6%
2 hematomas grau III
1 Bacteremia
Embolia arterial 1,2%
Nenhuma embolia pulmonar
Maceração com balão (técnica preferida no estudo) é método seguro e custo-efetivo. Aspirina associada com maior patência primária e secundária.
Presença de trombose foi fator de risco para perda de patências primária e secundária.
Moossavi (2007) Radiologista Sim 49 pacientes
49 acessos
100% 0% Determinar o sucesso do salvamento endovascular de trombose de fístulas arteriovenosas. Sim < 48hs AngioJet Trombectomia Mecânica
(Endovascular/Angioplastia)
96% 1 m: 85%
6 m: 55%
12 m:, 50%
24 mo: 43%
1 m: 97%
6 m: 95%
12 m:, 75%
24 mo: 55%
88,4%
2 hematomas grau I
2 embolias arteriais
Nos casos de trombose de fístulas, 96% podem ter sua patência restaurada se o salvamento for realizado em 48 horas. Regime hospitalar
Turmel-Rodrigues (2000) Radiologista Sim 93 proc. em FAV1
68 proc. prótese
151 acessos
48% 52% Estudar segurança e efetividade do salvamento percutâneo de acessos para hemodiálise trombosados. Ocasional, Urokinase
* "Lyse and wait”, não cita %
< 72hs
*Exceto 2 casos
- Trombectomia Mecânica
(Tromboaspiração / Angioplastia)
93% FAV proximal
76% FAV distal
*Sucesso clínico
FAV proximal: 12 m: 49%
FAV distal 12 m: 9%
Próteses 12 mo: 14%
FAV proximal: 12 m: 81%
FAV distal 12 m: 50%
Próteses 12 mo: 83%
1 Embolia pulmonar
1 Pseudoaneurisma agudo
1 sangramento com necessidade de transfusão
Salvamento percutâneo por tromboaspiração manual por cateter é efetivo em mais de 90% dos casos, com resultados melhores para fístulas distais. Regime ambulatorial
Lee
(2014)
Nefrologista Não 75 procedimentos
42 pacientes
11% 89% Avaliar os resultados de trombectomia percutâneas realizadas por nefrologistas. Sim < 24 hs - Trombectomia Farmacomecânica (Endovascular/Angioplastia) 89% 1 m: 79%
3 m: 56%
6 m:, 25%
*Incluiu somente casos de sucesso inicial
1 m: 92%
3 m: 85%
6 m:, 83%
*Incluiu somente casos de sucesso inicial
Total 6,6%
0% maiores
2 hematomas
2 embolias arteriais
Trombectomia percutânea por nefrologistas intervencionistas é segura e efetiva. Regime hospitalar
Ponce
(2014)
Cirurgião e Nefrologista Sim 354 procedimentos
336 acessos
0% 100% Comparar taxa de sucesso de salvamento cirúrgico e endovascular em próteses. Sim < 24 hs Arrow Tretola Salvamento endovascular (n=126)
/ Cirurgia (n=228)
87% / 100% 1 m: 74% / 74%
3 m : 63% / 67%
6 m: 53% / 55%
- Não cita Resultado de ambas as técnicas é comparável. Regime ambulatorial

No estudo de Nikam, que utilizou técnica bastante semelhante à utilizada neste estudo, existe um importante viés para comparação, pois foram incluídos casos de disfunção aguda por estenoses graves, gerando fluxo muito baixo e impossibilidade de uso do acesso, porém sem presença de trombos (42%), e casos com trombose confirmada (58%). Neste importante estudo, a presença de trombose conferiu pior patência primária e secundária aos casos submetidos a salvamento (HR 1,9/IC 1,2-3), podendo explicar nossos resultados inferiores, visto que toda a casuística aqui apresentada teve trombose confirmada por ultrassonografia. Quanto à patência secundária, nossos resultados em 3, 6 e 12 meses foram de 58%, 55% e 52%, respectivamente. A literatura mostra taxas de patência secundária de 44 a 89% em 12 meses.5,15,16,19

A interpretação desse dado é que, em nossa casuística, mais da metade dos acessos com evento de trombose e submetida à tentativa de salvamento pôde continuar em uso em até 12 meses, o que reduz a necessidade de cateteres centrais.

Em nosso estudo, a grande maioria dos casos foi abordada em 48 horas da trombose, sendo os casos mais tardios com intervenção após 7 e 30 dias. Considera-se um intervalo de 24 a 48 horas após a trombose uma boa janela terapêutica, apesar de haver divergência na literatura, com alguns autores mostrando bons resultados mesmo após esse período.20,21

As técnicas para salvamento de acessos incluem trombectomia cirúrgica, trombectomia endovascular associada à angioplastia de estenoses com ou sem uso de trombolíticos, além do uso de dispositivos específicos para tromboaspiração e lise dos coágulos (Angiojet®, Boston Scientific, USA; Arrow-Terotola®, Arrow Medical, Inglaterra; Aspirex®, Straub Medical, Suíça). É consenso que a quase totalidade das tromboses está relacionada a estenoses venosas e que estas devem ser tratadas para evitar a recorrência precoce.1 Nas maiores séries de caso recentemente publicadas, apenas 1% das tromboses não estava associado a nenhuma alteração angiográfica, e apenas 3% não foram relacionados a estenoses.14,15 Portanto, mesmo que seja realizada uma trombectomia cirúrgica, é essencial a correção de estenoses venosas. Em uma metanálise publicada em 2009, as patências secundárias em 1 ano para salvamento endovascular, como o realizado por nós, variaram de 50% a 89%.6 Este estudo comparou os resultados de técnicas cirúrgicas e endovasculares e concluiu que as duas modalidades são comparáveis no tratamento de trombose de próteses, com vantagem para tratamento cirúrgico em longo prazo apenas nas fístulas nativas de punho.

Digno de nota, Turmel-Rodrigues7 encontrou melhor patência secundária em 12 meses nas fístulas distais em relação às proximais (81% contra 50%). Em nosso estudo, apesar de termos encontrado diferença na patência secundária com vantagem para as fístulas distais, não atingiu significância estatística (p = 0,3012).

A importância do salvamento dos acessos para hemodiálise foi muito bem exposta por Coentrao,10 que comparou uma coorte histórica, em que os pacientes com trombose de acesso vascular eram submetidos a implante de cateteres e confecção de nova FAV, a um grupo de pacientes submetidos a trombectomia percutânea seguida de angioplastia. Após os 6 meses de seguimento, 91% dos pacientes do grupo submetido a trombectomia estavam realizando diálise por FAV, contra apenas 33% da coorte histórica dos cateteres, apesar de a maioria (22 de 24 pacientes) ter sido submetida à confecção de nova FAV. Essa diferença também pode ser devido, além de ao efeito do salvamento dos acessos, a outros fatores envolvidos após a implementação de um melhor cuidado com os acessos vasculares em relação à coorte histórica, fato também observado em nosso serviço após introdução de angioplastia eletivas de acessos com disfunção e vigilância com Doppler, o que reduziu a necessidade de confecção de novas fístulas.

Em nossa casuística ocorreram complicações menores em 13% (6 casos) dos procedimentos e maiores em 6% (3 casos). Dois dos pacientes com complicações maiores precisaram de internamento (4%), um por choque anafilático e outro por rotura da anastomose arteriovenosa com necessidade de arteriorrafia. Ambos receberam alta em alguns dias. Em nossa casuística, consideramos alta a taxa de complicações, especialmente as maiores. As taxas de complicações são mais altas nos casos de trombólise de acesso, em relação às angioplastias eletivas. A literatura mostra uma taxa de complicação de até 8,4%, dependendo da técnica utilizada.7,14,15,16,22 Diversos estudos citaram a realização dos procedimentos por nefrologistas intervencionistas,8,14,18,22,23-25 com taxas de complicações semelhantes às dos demais.

Até o presente momento, e para nosso conhecimento, esta é a primeira série de casos de procedimentos de salvamento de acessos vasculares realizados por nefrologistas no Brasil. Os procedimentos foram realizados em regime ambulatorial, abrindo a possibilidade de um sistema de cuidado mais ágil e menos oneroso. Um dos pontos fortes deste estudo é que todos os casos de trombose foram confirmados por ultrassonografia, excluindo casos apenas com estenoses graves e baixo fluxo, com possível melhor desfecho e melhor prognóstico.

Como pontos negativos, este é um estudo retrospectivo, com pequeno número de pacientes e que avaliou os primeiros procedimentos de salvamento realizados pelos nefrologistas intervencionistas, incluindo, portanto, a curva de aprendizado deles.

Concluímos que os procedimentos de salvamento de acessos vasculares podem ser realizados por nefrologistas em regime ambulatorial após treinamento específico, alcançando-se índice de complicações e patência dos acessos em longo prazo condizente com a literatura existente. A maioria dos acessos submetidos a salvamento pode continuar em uso em longo prazo, reduzindo assim a necessidade de cateteres centrais, e possivelmente a morbidade e custos associados. No entanto, é frequente a necessidade de procedimento repetidos para manutenção desses acessos.

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