versão impressa ISSN 0021-7557versão On-line ISSN 1678-4782
J. Pediatr. (Rio J.) vol.92 no.4 Porto Alegre jul./ago. 2016
http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2015.10.004
A doença falciforme é uma das doenças hematológicas mais comuns do mundo e é um problema de saúde pública grave em muitos países, incluindo o Brasil.1 Há mais de 2 milhões de brasileiros portadores do gene da doença falciforme e estima-se que essa doença tenha uma incidência de um em cada 1.000 nascidos vivos. Em 2001, um decreto do Ministério da Saúde incluiu triagem de hemoglobinopatias nos programas de triagem preexistentes.2
A doença falciforme foi caracterizada como uma doença multissistêmica associada a episódios de doença aguda e dano progressivo em órgãos, que começa na infância e é responsável principalmente por uma expectativa de vida reduzida nos pacientes afetados.3 As taxas de morbidez e mortalidade ainda são altas em pacientes com a doença falciforme. No Brasil, até 25% das crianças afetadas faleceram durante seus primeiros 5 anos de vida, porém o diagnóstico precoce e o tratamento podem reduzir essas taxas e melhorar sua qualidade de vida.4
A hemoglobina falciforme resulta de uma substituição de ácido glutâmico por valina na sexta posição da cadeia β globina.5 A variação ostensivamente mínima é a origem da hemoglobina S e é responsável pelas alterações significativas na estabilidade e na solubilidade da molécula.6 A tendência de a hemoglobina S desoxigenada se submeter a polimerização está na base de inúmeras expressões das síndromes falciformes com hemólise intravascular.7 A hemoglobina plasmática livre pode iniciar a peroxidação lipídica e o heme, que prontamente se dissocia da meta-hemoglobina, pode contribuir significativamente para o estresse oxidativo,8 que pode desempenhar um papel significativo na fisiopatologia da disfunção microvascular relacionada à doença falciforme, na vaso-oclusão e no desenvolvimento de lesões nos órgãos.9 Os biomarcadores do estresse oxidativo podem, portanto, ser potencialmente úteis, tanto para identificar pacientes com alto risco de dano oxidativo quanto para avaliar os efeitos de terapias antioxidantes.10
O objetivo deste trabalho foi avaliar os parâmetros do estresse oxidativo em eritrócitos de crianças com doença falciforme, incluindo percentuais de hemólise, meta-hemoglobina, glutationa reduzida, substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico, atividade da glucose-6-fosfato desidrogenase, espécies reativas de oxigênio e as enzimas antioxidantes catalase e superóxido dismutase.
Ácido metafosfórico, 2-mercaptoetanol, pirogalol, hidrocloreto de 2,2-azobis (2-amidinopropano) (AAPH), ácido etilendiaminotetracético (EDTA) e ácido 5,5-ditiobis 2-nitrobenzoico (DTNB) foram obtidos da Sigma-Aldrich (Saint Louis, MO, EUA). Fosfatos de sódio e de potássio, saponina, ácido tricloroacético e ácido tiobarbitúrico foram fornecidos pela Vetec Ltda. (Rio de Janeiro, RJ, Brasil). Citrato de sódio, tris (hidroximetil) aminometano e metanol foram obtidos da Merck (Darmstadt, Alemanha). A atividade da G6-PD foi determinada com o PD410 dos Laboratórios Randox (Antrim, Reino Unido). Todos os solventes orgânicos eram de alta qualidade e passaram por dupla destilação e todas as outras substâncias químicas eram de grau analítico.
Foram obtidas amostras de sangue de 45 crianças diagnosticadas com doença falciforme (21 meninos e 24 meninas com média de 9 anos; faixa: 3-13) no Departamento de Hematopediatria do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Um grupo de controle consistia em 280 crianças sem hemoglobinopatias (137 meninos e 143 meninas com média de 10 anos; faixa: 8-11), participantes do projeto de extensão universitário intitulado “Incidência de anemias e parasitoses em crianças com idade escolar nas escolas municipais da região metropolitana de Curitiba – Paraná – Brasil”, da UFPR. O uso de seres humanos foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos do Hospital de Clínicas da UFPR. Foi obtido o consentimento informado dos pais ou responsáveis de todas as crianças. As crianças com qualquer alteração hematológica foram excluídas.
Foi coletada uma amostra de sangue venoso de 5 mL de cada paciente em tubos revestidos de K3-EDTA. Foram separadas alíquotas (200 µL) de sangue total para determinação da atividade da G6-PD. Então, as amostras foram centrifugadas a 3.000 g por 10 minutos. O plasma e a camada leucoplaquetária (buffy coat) foram removidos por aspiração e os eritrócitos foram lavados com tampão fosfato-salino (PBS) (NaCl, 150 mmol/L; NaH2PO4, 1,9 mmol/L; e Na2HPO4, 8,1 mmol/L) três vezes. Por fim, os glóbulos vermelhos foram suspensos em solução PBS e água para obter suspensões com hematócritos de 10% e 40% para a solução PBS e 40% para a solução de água. A concentração de hemoglobina foi medida em todas as suspensões. Nem todas as análises foram medidas em cada amostra devido aos volumes limitados disponíveis.
O hemograma completo foi determinado com o contador eletrônico de células Pentra 80 (Horiba Medical, Japão).
A concentração de meta-hemoglobina foi determinada de acordo com um método com base em Naoum et al.11 adaptado a pequenos volumes. As alíquotas (100 µL) de suspensões de eritrócitos a 10% foram hemolizadas com 100 µL de saponina a 1% e estabilizadas em 1.000 µL de 60 mmol/L de tampão de fosfato; então, a absorbância foi determinada a 630 nm (para metemoglobina) e 540 nm (para oxi-hemoglobina). A concentração de metemoglobina foi expressa em termos percentuais em relação à concentração de hemoglobina.
A concentração de glutationa reduzida (GSH) foi determinada por um método anteriormente descrito por Beutler,12 ao avaliar a redução do ácido 5,5′-ditiobis(2-nitrobenzoico) (DTNB) por compostos de sulfidrila a partir da formação de um produto aniônico de coloração amarela cuja absorbância foi medida em 412 nm. Foram usadas alíquotas de 50 µL de suspensão de células vermelhas a 40% no PBS. A concentração de GSH foi expressa em µmol/gHb.
A peroxidação lipídica de membranas de células vermelhas foi avaliada com base em Cesquini et al.13 Foram adicionadas alíquotas (600 µL) de uma suspensão de glóbulos vermelhos a 10% a 250 µL de ácido tricloroacético a 25% e 600 µL de ácido tiobarbitúrico a 1%, fervidas por 15 minutos a 100 °C e resfriadas por 5 minutos a 0 °C. Então, a absorbância das substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico (TBARS) formadas foi lida a 532 nm com o uso de ɛ = 156/(mmole.cm) e as concentrações foram expressas em nmol/gHb.
A hemólise da hemácia foi feita conforme descrito por Banerjee et al.,14 adaptada a microplacas por meio da mistura de uma suspensão de glóbulos vermelhos a 10% com PBS com quantidades variáveis de soluções de AAPH (obtiveram-se as concentrações finais de 50, 100 e 150 mmol/L). A mistura da reação foi incubada por 3 horas a 37 °C, com agitação. A extensão da hemólise foi determinada por espectrofotometria por meio da medição da absorbância do hemolisado a 540 nm em um leitor de microplacas (Thermo Scientific, Thermo Plate, EUA). Glóbulos vermelhos em uma solução de 200 mmol/L de AAPH foram o controle de 100% de hemólise.
Alíquotas (200 µL) de sangue total antes do isolamento de eritrócitos foram lavadas com PBS de 2 mL três vezes. A atividade da G6-PD foi determinada com o analisador automático Cobas Mira (Roche, Mannheim, Alemanha) com o kit comercial PD410 (Randox, Antrim, Reino Unido) conforme descrito no manual do fabricante.
A atividade enzimática teve como base um método adaptado a partir da auto-oxidação de pirogalol de Beutler.12 Alíquotas de 200 µL de glóbulos vermelhos embaladas foram hemolisadas com 300 µL de água deionizada fria e foi preparado um extrato de clorofórmio e etanol. A mistura foi centrifugada a 2300 g por 10 min. Quantidades variáveis do extrato sobrenadante límpido (0, 20, 40, 60, 80, 100 e 300 µL) foram adicionadas a uma solução de tris-hidrocloreto (tris-HCl) e água. Após 10 min, 20 µL de uma solução de pirogalol a 1 mmol/L foram adicionados a cada tubo e a absorbância foi aferida a 412 nm em uma microplaca. A quantidade de extrato necessária para inibir a auto-oxidação do pirogalol em 50% é usada para determinar o nível de atividade enzimática.
A atividade enzimática foi determinada por meio de um método adaptado de Beutler,12 a partir da medida da taxa de decomposição do peróxido de hidrogênio pela catalase por espectrofotometria a 240 nm. Alíquotas de 50 µL de uma suspensão de glóbulos vermelhos a 40% foram adicionadas a 450 µL de uma solução hemolisante de β-mercaptoetanol (0,7 mmol/L) e EDTA (0,27 mol/L). Essa solução foi diluída em PBS na proporção 1:100 e 10 µL da solução final foram adicionados a 990 µL da solução de peróxido de hidrogênio. A diminuição da absorbância do sistema foi aferida por 10 min.
Espécies reativas de oxigênio foram determinadas de acordo com um método com base em López-Revuelta et al.,15 adaptado a pequenos volumes de amostras de sangue em microplacas. Eritrócitos (995 µL de uma suspensão de PBS a 10% v/v) foram incubados com 5 µL de diclorodihidrofluoresceína diacetato (DCFDA, 10 mol/L) a 37 °C por 30 minutos. Essa suspensão foi diluída em 9,0 mL de PBS e 37,5 µL dessa solução foram, então, adicionados a 112,5 µL de PBS em placas de 96 poços. As espécies reativas de oxigênio foram determinadas por meio de um fluorímetro GloMax®-Multi Microplate Multimode Reader (Promega Corporation, EUA). Nessas condições, o DCFDA foi hidrolisado a 2′,7′-diclorodihidrofluoresceína (DCFH2), que, então, foi disponibilizado para oxidação pelas espécies reativas de oxigênio (ERO) para produzir 2,7-diclorofluoresceína (DCF). A fluorescência foi determinada a 530 nm após excitação a 495 nm. A formação de espécies reativas de oxigênio foi expressa como unidades de fluorescência (UF)/gHb.
Foi feita com o software Statistica 8.0 (StatSoft, EUA). Não foi identificado valor atípico. O teste de Kolmogorov-Smirnov foi usado para avaliar a normalidade e todos os parâmetros foram distribuídos normalmente. Os dados foram expressos como média ± desvio padrão e comparados entre grupos que usam o teste t de Student; um valor de p < 0,05 foi considerado significativo.
Os dados provenientes de hemogramas de crianças saudáveis e pacientes com doença falciforme estão ilustrados na tabela 1. Foram observadas as diferenças estatisticamente significativas para todos os parâmetros, exceto para a hemoglobina corpuscular média (HCM) (p < 0,05).
Tabela 1 Valores hematológicos em crianças saudáveis (grupo de controle) e em pacientes com doença falciforme
Grupo de controle | CV | Pacientes | CV | p | |
---|---|---|---|---|---|
n = 280 | n = 45 | ||||
GV (106/mm3)a | 4,8 ± 0,3 | 7,0 | 3,2 ± 0,9 | 29,2 | < 0,001 |
Hemoglobina (g/dL)a | 13,5 ± 0,9 | 6,6 | 8,9 ± 1,9 | 21,5 | < 0,001 |
Hematócrito (%)a | 39,4 ± 2,7 | 6,7 | 26,7 ± 5,6 | 20,9 | < 0,001 |
VCM (fl)a | 82,3 ± 3,9 | 4,8 | 86,3 ± 11,8 | 13,7 | < 0,05 |
HCM (pg) | 28,2 ± 1,6 | 5,5 | 28,9 ± 4,64 | 16,1 | > 0,05 |
CHCM (g/dL)a | 34,3 ± 1,2 | 3,6 | 33,5 ± 2,1 | 6,2 | < 0,01 |
GB (103/mm3)a | 6,6 ± 1,4 | 21,2 | 13,8 ± 6,1 | 44,3 | < 0,001 |
PLA (103/mm3)a | 292,4 ± 58,3 | 19,9 | 458,5 ± 199,0 | 43,4 | < 0,001 |
GV, glóbulos vermelhos; VCM, volume corpuscular médio; HCM, hemoglobina corpuscular média; CHCM, concentração de hemoglobina corpuscular média; GB, glóbulos brancos; PLA, plaquetas; CV, coeficiente de variação de Pearson (%). Os dados são apresentados como média ± desvio padrão.
aDiferença estatisticamente significativa (teste t de Student).
Os dados provenientes de parâmetros de estresse oxidativo estão ilustrados na tabela 2, que compara os pacientes com doença falciforme e crianças saudáveis. Foram observadas as diferenças estatisticamente significativas para meta-hemoglobina, TBARS, percentual de hemólise, atividade da G6-PD e espécies reativas de oxigênio (p < 0,05).
Tabela 2 Parâmetros de estresse oxidativo em crianças normais (grupo de controle) e em pacientes com doença falciforme
Grupo de controle | Pacientes | p | |
---|---|---|---|
n = 100 | n = 45 | ||
METHb (%)a | 2,2 ± 0,4 | 4,5 ± 1,1 | < 0,001 |
GSH (µmol/gHb) | 6,4 ± 1,4 | 6,6 ± 2,3 | > 0,05 |
TBARS (nmol/gHb)a | 24,6 ± 5,8 | 41,5 ± 20,1 | < 0,001 |
HEMO 0a,b | 1,1 ± 0,4 | 4,7 ± 1,7 | < 0,001 |
HEMO 50a,b | 25,0 ± 7,9 | 49,2 ± 19,4 | < 0,001 |
HEMO 100a,b | 55,5 ± 10,2 | 80,7 ± 13,6 | < 0,001 |
HEMO 150a,b | 80,1 ± 7,5 | 92,6 ± 5,1 | < 0,001 |
G6‐PD (U/gHb)a | 6,2 ± 1,1 | 13,2 ± 3,3 | < 0,001 |
SOD (U/gHb) | 1,846,1 ± 457,2 | 1,832,4 ± 647,1 | > 0,05 |
CAT (U/gHb) | 2,6 105 ± 6,6 104 | 2,9 105 ± 8,5 104 | > 0,05 |
ERO (UF/gHb)a | 1.468,0 ± 296,2 | 2.427,5 ± 1110,3 | < 0,001 |
METHb, meta‐hemoglobina; GSH, glutationa reduzida; TBARS, substâncias reativas ao ácido tiobarbitúrico; HEMO, hemólise; G6‐PD, glucose 6‐fosfato desidrogenase; SOD, superóxido dismutase; CAT, catalase; ERO, espécies reativas de oxigênio. Os dados são apresentados como média ± desvio padrão.
aDiferença estatisticamente significativa (teste t de Student).
bPercentuais de hemólise com acréscimo de 0‐150 mmol/L de soluções de AAPH.
Os eritrócitos normais sofrem estresse oxidativo devido à produção de espécies reativas de oxigênio que resultam do metabolismo de oxigênio. Contudo, isso é restaurado de forma eficiente pelos sistemas antioxidantes altamente poderosos da célula, sem qualquer efeito problemático. O estresse oxidativo ocorre como resultado de um desequilíbrio entre a produção de espécies reativas de oxigênio e as defesas antioxidantes.16
Na doença falciforme, o estresse oxidativo poderá ser resultado de níveis elevados de meta-hemoglobina S, que é menos estável do que a meta-hemoglobina A e leva à hemólise intravascular,17 à lesão de isquemia-reperfusão, à inflamação crônica e a uma maior auto-oxidação da hemoglobina falciforme.18,19 Muitos antioxidantes potenciais são de interesse com relação à doença falciforme20 e vários estudos demonstraram aumentos significativos em marcadores de estresse e comportamentos diferentes em sistemas de defesa antioxidante em pacientes com doença falciforme quando comparados com indivíduos saudáveis.21
Nossos resultados para as amostras de sangue confirmam várias características da doença falciforme já conhecidas, como a anemia hemolítica,21 comprovada por baixos níveis de hemoglobina,7 e o aumento nos níveis dos glóbulos brancos e das plaquetas.6
Conforme demonstrado anteriormente,8 os níveis de meta-hemoglobina aumentam em indivíduos com a doença falciforme. Existe uma transferência de elétrons na interação de ligação entre o heme e o oxigênio (O2) na hemoglobina oxigenada. Quando a hemoglobina está desoxigenada, o ferro heme normalmente continua no estado ferroso.20 Nessa troca, quando ocorre a auto-oxidação da hemoglobina, as alterações resultam em meta-hemoglobina, com o ferro heme no estado férrico.8 As alterações na função ou na estrutura dos eritrócitos podem levar a um fluxo maior de meta-hemoglobina, que pode levar ao estresse oxidativo.15
O aumento do estresse oxidativo intra e extraeritrocitário induz a peroxidação lipídica e a instabilidade da membrana.14 As TBARS são um dos biomarcadores existentes e essa avaliação é uma quantificação indireta dos processos de peroxidação lipídica, o que faz disso um bom indicador de estímulos pró-oxidantes. De acordo com os resultados registrados anteriormente,19,20,22 observamos níveis significativamente mais elevados de TBARS em pacientes com a doença falciforme do que nos controles.
Os eritrócitos falciformes rígidos e deformados têm uma vida útil reduzida e são submetidos a hemólise tanto intravascular quanto extravascular.23 Observamos percentuais mais elevados de hemólise em eritrócitos de crianças com a doença falciforme do que no grupo de controle, tanto em suspensões de base de eritrócitos quanto em suspensões incubadas com um agente oxidante.
A G6-PD é uma enzima importante relacionada à defesa antioxidante em eritrócitos.20 Observamos uma atividade mais elevada dessa enzima em pacientes com a doença falciforme do que no grupo de controle. Foi registrado anteriormente que os eritrócitos de pacientes com a doença falciforme apresentam um percentual cada vez maior de reticulócitos, ao passo que a atividade da G6-PD nos reticulócitos é normal, mas cai exponencialmente conforme as células vermelhas envelhecem.24
As células falciformes geram espontaneamente cerca de duas vezes mais espécies reativas de oxigênio do que os glóbulos vermelhos normais.25 Em conformidade com os achados de George et al.,26 também demonstramos níveis elevados de espécies reativas de oxigênio em eritrócitos falciformes.
A glutationa reduzida (GSH) está presente em altas concentrações em eritrócitos e atua sozinha ou por meio da glutationa peroxidase como principal fonte redutora para manter a integridade da célula.17 As medições de GSH e de sua forma oxidada glutationa dissulfeto (GSSG) foram consideradas indicadores úteis de estresse oxidativo in vivo.27 A maior parte dos estudos em adultos com doença falciforme relatou alguns déficits na síntese endógena de GSH, provavelmente devido a seu consumo por meio do aumento na produção de oxidantes.26,28 Embora Rusanova et al.22 tenham apresentado altos níveis de GSH em pacientes pediátricos com doença falciforme, no presente estudo não encontramos diferença nos níveis de GSH entre crianças com doença falciforme e o grupo de controle.
A superóxido dismutase pode converter o superóxido em peróxido de hidrogênio e a catalase pode remover o peróxido de hidrogênio excedente.16 Segundo Silva et al.,20 o aumento na geração de pró-oxidantes em doença falciforme resulta em uma deficiência de antioxidantes. Contudo, existem algumas discrepâncias entre estudos sobre superóxido dismutase e níveis de catalase nessa doença, alguns estudos observam o aumento da atividade e outros observam a diminuição dos níveis.29 Um aumento na atividade dessas enzimas possivelmente constitui um mecanismo de defesa em resposta ao aumento do estresse oxidativo19 ou pode ser consequência de um aumento no conteúdo de reticulócitos em amostras de sangue de pacientes com doença falciforme. Contudo, uma diminuição nos níveis das enzimas estava relacionada à gravidade da doença nos pacientes.20,22 Esses achados aparentemente contraditórios podem dever-se às diferenças na extensão do estresse oxidativo, da gravidade da doença, do polimorfismo enzimático e do cofator enzimático.29 Nossos resultados não mostraram diferença entre as atividades dessas enzimas em crianças com doença falciforme e em crianças saudáveis, de acordo com Cho et al.,30 com relação à catalase. Esses resultados podem dever-se à grande variabilidade individual encontrada nos pacientes.
Em vista de evidências que sugerem que um excesso de estresse oxidativo tem implicações na fisiopatologia da doença falciforme, a avaliação de parâmetros de estresse oxidativo nesses pacientes poderá fornecer informações úteis sobre o uso de medicações atuais e poderá levar ao desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas.10,19,20 O monitoramento do estresse oxidativo envolve a observação de diferentes parâmetros associados a biomarcadores pró-oxidantes e antioxidantes.27 Contudo, o uso de um biomarcador isolado e a medição de antioxidantes individuais provavelmente não são índices úteis de estado oxidativo. O equilíbrio oxidante-antioxidante envolve reações bioquímicas que exigem a avaliação de muitos resultados.26
Este estudo avaliou oito marcadores de estresse oxidativo, incluindo parâmetros pró-oxidantes e antioxidantes. Os resultados indicam a presença de um estado hiperoxidativo em crianças com doença falciforme, que pode ser observado por seus níveis elevados de metemoglobina, TBARS, hemólise, espécies reativas de oxigênio e atividade da G6-PD. Foram usadas técnicas simples para determinar esses parâmetros com pequenos volumes de sangue. Os parâmetros que apareceram alterados em crianças com doença falciforme podem ser úteis em avaliações de progressão da doença e tratamentos.