versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.9 no.4 São Paulo out./dez. 2011
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082011ao2042
A síndrome metabólica (SM) caracteriza-se por um conjunto de distúrbios, como obesidade abdominal, dislipidemia, hipertensão e hiperglicemia, e é um importante preditor de diabetes mellitus tipo 2 (DM2) e doença cardiovascular(1). Pesquisas recentes propiciaram evidências de que uma constelação mais ampla de alterações pode fazer parte do conjunto da SM. Esses componentes não tradicionais associados à SM incluem microalbuminúria, inflamação subclínica e doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA)(2,3).
Os pacientes com DHGNA, que é a causa mais comum de níveis cronicamente elevados de transaminase(4), foram descritos como tendo altas taxas de prevalência de SM e de distúrbios associados(5). A alanina aminotransferase (ALT) é o marcador mais específico de disfunção hepática resultante da síndrome de resistência à insulina. A gamaglutamiltransferase (GGT) é considerada um indicador sensível de dano hepático, mas não é específico(6).
Vários estudos transversais mostraram a relação entre GGT e ALT, e SM e resistência a insulina, sugerindo que a combinação GGT/ALT pode servir de marcador da resistência a insulina(7,8). Ademais, os marcadores hepáticos foram associados às variáveis da SM em grandes amostras representativas da população geral(4,9).
Examinar as relações cruzadas entre os marcadores hepáticos (GGT, TGP e TGO) e a SM (e seus componentes) em pacientes morbidamente obesos; determinar a resposta desses fatores metabólicos e enzimas hepáticas após perda de peso induzida pelo bypass gástrico em Y-de-Roux (RYGBP); além de avaliar se os marcadores hepáticos fornecem marcadores complementares úteis na identificação de pacientes com alto risco de DM2, em particular se fornecem informação adicional sobre prognóstico em pacientes com SM.
O trabalho foi realizado em um hospital universitário, localizado em Santo André (SP), Brasil.
Um total de 140 pacientes com obesidade mórbida foi considerado elegível para participar deste estudo segundo os critérios de inclusão: índice de massa corporal (IMC) ≥ 40 kg/m2, idade entre 18 e 60 anos, e sem história pregressa de doença hepática. Os pacientes com história de uso intenso de álcool (três ou mais doses por dia) ou com diabetes mellitus tipo 1 (DM1) foram excluídos. A maioria dos pacientes (68,5%) era de mulheres e seu IMC médio era de 46,1 ± 5,4 kg/m2 (40,0 - 65,6 kg/m2).
Foram colhidas amostras de sangue no pré e pós-operatório (8 meses após a cirurgia bariátrica) após um período mínimo de jejum de 8 horas. O IMC é definido como o resultado do peso do indivíduo dividido pelo quadrado de sua altura. Para definir a SM, usamos os critérios da International Diabetes Federation (IDF): circunferência da cintura ≥ 94 cm em homens, ≥ 80 cm em mulheres ou IMC ≥ 30 kg/m2; níveis de triglicérides ≥ 150 mg/dL (1,7 mmol/L) e/ou tratamento específico; níveis de colesterol HDL < 40 mg/dL (1 mmol/L) em homens, < 50 mg/dL (1,3 mmol/L) em mulheres e/ou tratamento específico; glicemia de jejum ≥ 100 mg/dL (5,6 mmol/L) e/ou paciente com DM2; pressão arterial sistólica ≥ 130 mmHg, pressão arterial diastólica ≥ 85 mmHg e/ou tratamento específico. O indivíduo deve apresentar pelo menos três dos cinco fatores de risco para ter diagnóstico de SM.
Os pacientes obesos foram submetidos a RYGBP e, depois de 8 meses, todos os exames foram repetidos. RYGBP é uma técnica mista mais restritiva e menos disabsortiva. Suas principais características são a formação de uma “bolsa” gástrica (15 ± 5 mL), uma alça alimentar de 100 cm, uma alça biliopancreática de 60 cm, e uma alça comum.
Os dados foram primeiramente testados quanto à distribuição normal com o teste de Kolmogorov-Smirnoff. Para comparações transversais, as concentrações de marcadores hepáticos entre os pacientes com e sem a SM basal e seus componentes foram comparadas usando ANCOVA ajustada para idade, sexo e etnia. Os pacientes foram divididos em quatro grupos iguais por distribuições de ALT, AST, proporção AST/ALT e de GGT. A análise de regressão linear foi usada para testar as tendências nos quatro grupos ajustando as variáveis quantitativas para todos eles.
Para a análise prospectiva, as médias basais (com desvio padrão - DP) foram calculadas para os sujeitos por meio de seguimento com testes t, de Wilcoxon, ou do χ2. A associação entre marcadores hepáticos e variáveis antropométricas e metabólicas foi avaliada usando a análise de correlação de Pearson, controlada para idade, etnia e sexo. Modelos de regressão logística multivariada foram usados para avaliar as associações de marcadores hepáticos com risco de SM prevalente e com sua melhora após a perda de peso, levando em consideração potenciais variáveis de confusão. Cada marcador hepático foi modelado ou como variável contínua (com risco expresso segundo o aumento de DP no log natural do marcador) ou como uma variável categórica, comparando o risco entre aqueles no quarto quartil com os do primeiro quartil. Dois modelos foram construídos para cada marcador hepático: no modelo A, os ajustes foram feitos apenas para idade; e no modelo B, para idade, sexo e etnia. Já foi salientado que a proporção AST/ALT pode ser informativa na diferenciação entre doença hepática alcoólica e não alcoólica (pois os sujeitos com DHGNA apresentam uma razão menor que 1); portanto, essa razão foi considerada uma medida adicional de exposição(10). Avaliamos o grau em que os marcadores hepáticos prediziam melhoras da SM após o RYGBP por meio de regressão logística.
Todas as análises estatísticas foram feitas usando o pacote estatístico Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão 16.0 (Chicago, IL) e o programa MedCalc. A significância estatística foi considerada em p < 0,05.
A tabela 1 mostra as características iniciais por quartos (grupos) das distribuições de GGT, ALT e AST. Com exceção do leucograma, todos os marcadores de risco metabólico aumentaram significantemente à medida que aumentavam os níveis de GGT, ao passo que os níveis de HDL diminuíram. A prevalência de diabetes e hipertensão também aumentou com níveis crescentes de GGT. A enzima ALT mostrou associação significante com os valores de glicose e com a prevalência de diabetes, mas manifestou uma relação inversa significativa com o leucograma. AST estava associada apenas com os níveis de glicose. A prevalência da SM não se correlacionou com os valores crescentes de GGT, ALT ou AST. Todavia, GGT e AST aumentaram de maneira significante com o aumento do número de alterações metabólicas (p = 0,003 e p = 0,048, respectivamente). Os valores médios de GGT para aqueles com 1, 2, 3, 4 e 5 anormalidades foram de 31,8, 33,7, 38,0, 64,0, e 51,8 unidades/L, respectivamente, e as médias correspondentes para AST foram 23,9, 27,4, 27,4, 29,6, e 32,4 unidades/L, respectivamente (Tabela 2).
Tabela 1 GGT, AST, ALT e fatores de risco metabólicos e cardiovasculares
GGT (UI/L) | Quartis | Valor de p | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
≤ 27 | 28 - 35,9 | 36 - 42,9 | ≥ 43 | |||
Idade (anos) | 35,4 ± 10,2 | 37,2 ± 9,9 | 37,3 ± 10,0 | 39,3 ± 10,1 | 0,120 | |
IMC (kg/m2) | 44,3 ± 4,5 | 43,0 ± 3,1 | 43,7 ± 3,7 | 45,3 ± 5,6 | 0,287 | |
Diabetes mellitus (%) | 8,3 | 15,6 | 11,1 | 33,3 | 0,012 | |
Hipertensão (%) | 36,1 | 37,5 | 41,7 | 72,2 | 0,002 | |
Marcadores metabólicos | ||||||
HDL (mg/dL) | 49,1 ± 11,8 | 49,8 ± 10,2 | 46,0 ± 9,8 | 44,6 ± 11,4 | 0,037 | |
Triglicérides (mg/dL) | 139,8 ± 73,1 | 137,4 ± 74,2 | 166,1 ± 95,2 | 180,3 ± 95,5 | 0,021 | |
Glicose (mg/dL) | 91,5 ± 17,6 | 95,8 ± 21,9 | 98,6 ± 21,2 | 109,6 ± 30,0 | 0,001 | |
Leucograma (109/L) | 7,7 ± 1,8 | 7,6 ± 2,0 | 6,9 ± 1,4 | 7,2 ± 2,2 | 0,143 | |
Síndrome metabólica (%) | 66,7 | 53,1 | 50,0 | 47,2 | 0,098 | |
ALT (UI/L) | ≤ 22 | 23 - 29,9 | 30 - 39,6 | ≥ 39,7 | ||
Idade (anos) | 35,5 ± 10,3 | 38,3 ± 9,5 | 36,9 ± 9,9 | 38,7 ± 10,4 | 0,265 | |
IMC (kg/m2) | 43,3 ± 3,4 | 44,1 ± 3,5 | 43,9 ± 4,0 | 45,2 ± 6,1 | 0,104 | |
Diabetes (%) | 10,8 | 9,1 | 22,9 | 25,7 | 0,041 | |
Hipertensão (%) | 43,2 | 51,5 | 37,1 | 57,1 | 0,463 | |
Marcadores metabólicos | ||||||
HDL (mg/dL) Triglicérides (mg/dL) | 47,3 ± 11,5 136,1 ± 66,0 | 46,8 ± 9,6 163,0 ± 80,7 | 49,5 ± 12,2 154,6 ± 101,2 | 45,7 ± 10,3 173,5 ± 93,8 | 0,793 0,105 | |
Glicose (mg/dL) | 91,8 ± 18,4 | 97,4 ± 25,8 | 100,5 ± 22,9 | 106,4 ± 26,8 | 0,009 | |
Leucograma (109/L) | 8,1 ± 1,8 | 7,2 ± 2,0 | 7,3 ± 1,6 | 6,8 ± 2,0 | 0,008 | |
Síndrome metabólica (%) | 64,9 | 57,6 | 40,0 | 54,3 | 0,184 | |
AST (UI/L) | ≤ 20 | 21 - 24,9 | 25 – 33,9 | ≥ 34 | ||
Idade (anos) | 36,5 ± 8,8 | 37,1 ± 10,5 | 36,3 ± 10,8 | 39,2 ± 9,8 | 0,336 | |
IMC (kg/m2) | 43,8 ± 4,4 | 43,6 ± 3,6 | 43,9 ± 3,4 | 45,2 ± 5,8 | 0,163 | |
Diabetes (%) | 13,3 | 8,6 | 20,5 | 25,0 | 0,096 | |
Hipertensão (%) | 53,3 | 34,3 | 46,2 | 55,6 | 0,557 | |
Marcadores metabólicos | ||||||
HDL (mg/dL) | 47,8 ± 12,8 | 48,1 ± 10,7 | 47,9 ± 10,8 | 45,5 ± 9,8 | 0,406 | |
Triglicérides (mg/dL) | 143,0 ± 85,3 | 165,3 ± 81,5 | 142,7 ± 76,9 | 173,9 ± 100,2 | 0,313 | |
Glicose (mg/dL) | 97,1 ± 20,0 | 93,2 ± 18,0 | 95,7 ± 21,7 | 109,5 ± 30,8 | 0,023 | |
Leucograma (109/L) | 8,0 ± 1,7 | 7,3 ± 1,7 | 7,1 ± 2,0 | 7,1 ± 2,0 | 0,068 | |
Síndrome metabólica (%) | 60,0 | 60,0 | 48,7 | 50,0 | 0,281 |
Valor de p: tendência entre os grupos (regressão linear); IMC: índice de massa corporal.
Tabela 2 Concentrações de marcadores hepáticos em pacientes obesos mórbidos, com e sem síndrome metabólica e seus componentes, como definida pela International Diabetes Federation, no início do estudo e 8 meses após bypass gástrico em Y-de-Roux
Marcadores hepáticos | Sim/Não | AST (UI/L) | ALT (UI/L) | GGT (UI/L) | Proporção AST/ALT (UI/L) | |
---|---|---|---|---|---|---|
Antes do bypass gástrico em Y-de-Roux | ||||||
Síndrome metabólica definida pela IDF | Não | 28,1 ± 10,6 | 33,6 ± 11,6 | 41,0 ± 22,1 | 0,86 ± 0,22 | |
Sim | 27,5 ± 12,4 | 34,3 ± 21,2 | 41,2 ± 35,2 | 0,90 ± 0,33 | ||
Hiperglicemia de jejum | Não | 27,0 ± 11,8 | 32,5 ± 18,6 | 35,8 ± 19,1 | 0,91 ± 0,30 | |
Sim | 29,3 ± 11,2 | 36,6 ± 14,9 | 50,6 ± 41,6¶ | 0,84 ± 0,24 | ||
Triglicérides elevados | Não | 27,0 ± 12,3 | 31,8 ± 18,2 | 38,9 ± 35,0 | 0,92 ± 0,31 | |
Sim | 28,6 ± 10,9 | 36,1 ± 16,5 | 43,3 ± 23,8 | 0,85 ± 0,25 | ||
HDL diminuído | Não | 27,3 ± 9,2 | 34,6 ± 15,1 | 37,2 ± 21,3 | 0,87 ± 0,33 | |
Sim | 28,2 ± 13,2 | 33,5 ± 19,0 | 44,0 ± 34,6¶ | 0,89 ± 0,24 | ||
Hipertensão | Não | 27,4 ± 12,0 | 33,1 ± 18,9 | 35,3 ± 17,6 | 0,89 ± 0,25 | |
Sim | 28,3 ± 11,2 | 34,9 ± 15,7 | 47,7 ± 38,5¶ | 0,87 ± 0,31 | ||
Após bypass gástrico em Y-de-Roux | ||||||
Síndrome metabólica definida pela IDF | Não | 21,2 ± 8,4 | 21,6 ± 12,0 | 21,5 ± 16,2 | 1,08 ± 0,42 | |
Sim | 26,8 ± 9,9 | 24,4 ± 12,7 | 35,3 ± 25,4 | 1,29 ± 0,67 | ||
Hiperglicemia de jejum | Não | 21,8 ± 8,8 | 22,0 ± 12,0 | 22,5 ± 17,8 | 1,09 ± 0,42 | |
Sim | 22,8 ± 8,0 | 21,6 ± 13,9 | 37,6 ± 18,6 | 1,51 ± 1,11 | ||
Triglicérides elevados | Não | 21,7 ± 8,5 | 21,9 ± 11,8 | 23,0 ± 17,3 | 1,09 ± 0,45 | |
Sim | 25,6 ± 12,6 | 23,6 ± 17,0 | 24,8 ± 29,6 | 1,33 ± 0,63 | ||
HDL diminuído | Não | 21,3 ± 7,6 | 23,9 ± 15,4 | 22,1 ± 15,3 | 0,99 ± 0,29 | |
Sim | 22,2 ± 9,2 | 20,9 ± 9,8 | 23,6 ± 19,2 | 1,17 ± 0,52 | ||
Hipertensão | Não | 21,6 ± 8,9 | 22,0 ± 12,5 | 21,9 ± 17,8 | 1,08 ± 0,44 | |
Sim | 23,7 ± 7,4 | 21,7 ± 9,33 | 29,4 ± 18,1 | 1,23 ± 0,58 |
Ajustado para idade, sexo e etnia. p < 0,05.
IDF: International Diabetes Federation.
Os transtornos da SM, quando avaliados individualmente, foram caracterizados por diferenças significantes apenas em GGT, antes da cirurgia bariátrica (Tabela 2). Após a cirurgia, nenhum marcador hepático foi diferente entre os sujeitos com SM ou transtornos metabólicos avaliados individualmente. Algumas situações se aproximaram de significância, entretanto, em função do número mediano de pacientes e do efeito restritivo do modelo (sexo, idade e etnia), a significância não foi alcançada.
As associações entre marcadores hepáticos e variáveis antropométricas e metabólicas em pacientes com obesidade mórbida antes e depois do RYGBP foram analisadas. Antes da cirurgia, os níveis de AST, ALT, e GGT mostraram correlações positivas com a glicemia de jejum; GGT apresentou uma correlação inversa com HDL; ALT tinha uma correlação inversa com o leucograma; e a proporção AST/ALT mostrou uma correlação positiva com o leucograma. A magnitude dessas associações foi mais forte para GGT, especialmente para glicemia de jejum e HDL. Após a cirurgia, apenas a idade se correlacionou com marcadores hepáticos.
As taxas de prevalência e odds ratio do DM2 pelos quatro grupos de ALT, GGT e AST, usando aqueles no quartil inferior como o grupo de referência, foram analisadas. Apenas os valores de GGT, quando ajustados para idade, foram significantemente preditivos de DM2. Examinamos ainda mais a relação com ajustes para sexo, etnia e idade. Ta l ajuste, conforme se encontra na Tabela 2 coluna B, reduziu o risco a níveis abaixo de significância estatística. Em uma curva ROC (do inglês receiver-operating characteristics, característica operativa do receptor), GGT mostrou ter a área maior quando comparado a AST e ALT (0,670, 0,627, e 0,639, respectivamente) (Figura 1).
Figura 1 Curva da característica operativa do receptor (ROC) para diagnóstico de diabetes tipo 2. Área sob a curva para AST (0,627 [0,541 – 0,707]), ALT (0,639 [0,554 – 0,718]) e GGT (0,670 [0,585 – 0,747]). Comparações de área sob a curva: AST x ALT (p = 0,629), AST x GGT (p = 0,879) e ALT x GGT (p = 0,798). GGT (¬…), ALT (___) e AST (–––)
Na análise de marcadores hepáticos e predição de componentes individuais da SM, apenas os valores de GGT tiveram associação significante com a hipertensão prevalente. Essas associações foram significantes independentemente de as exposições terem sido modeladas como variáveis contínuas (risco por aumento de DP: 1,23 [1,02 - 1,33]) ou categóricas (quartil 4 versus quartil 1: 3,95 [1,33 - 11,69]).
Oito meses após a cirurgia, todos os marcadores hepáticos (com a exceção da bilirrubina) mostraram uma queda significante (Tabela 3). O declínio foi mais acentuado nos valores de GGT, seguidos de ALT. A proporção AST/ALT mostrou uma razão inversa antes da cirurgia (0,88 versus 1,11). Após a cirurgia, ΔIMC correlacionou com ΔFatores SM (Pearson r = 0,195; p = 0,021) e ΔGGT correlacionou com ΔGlicose (Pearson r = 0,286; p = 0,001).
Tabela 3 Marcadores hepáticos antes e oito meses após bypass gástrico em Y-de-Roux
Marcadores | Antes de RYGB | Após RYGB | Valor de p* |
---|---|---|---|
ALT (IU/L) | 33,99 ± 17,47 | 22,00 ± 12,09 | < 0,0001 |
AST (IU/L) | 27,85 ± 11,65 | 21,92 ± 8,75 | < 0,0001 |
GGT (IU/L) | 41,15 ± 29,9 | 23,10 ± 17,99 | < 0,0001 |
Proporção AST/ALT | 0,88 ± 0,28 | 1,11 ± 0,46 | < 0,0001 |
Bilirrubina (mg/dL) | 0,61 ± 0,52 | 0,62 ± 0,41 | 0,870 |
*Amostras pareadas Teste t.
RYGB: bypass gástrico em Y-de-Roux.
A tabela 4 e a figura 2 mostram sensibilidade e especificidade para valores de limiar selecionados de ALT, GGT e AST, que predizem melhoria da SM, 8 meses após o RYGBP, em obesos mórbidos. As análises da curva ROC sugerem valores de corte para AST, ALT e GGT de 23, 33, e 31 UI/L, respectivamente, com sensibilidade correspondente de 51,4, 64,2, e 44,2%, respectivamente. A área sob a curva para os três marcadores foi semelhante.
Figura 2 Curva ROC para síndrome metabólica após bypass gástrico em Y-de-Roux. Comparações de área sob a curva: AST x ALT (p = 0,826), AST x GGT (p = 0,531) e ALT x GGT (p = 0,658). GGT (¬…), ALT (___) and AST (–––)
Tabela 4 Sensibilidade e especificidade para limiares selecionados de GGT, ALT e AST para prever melhora na síndrome metabólica
Marcadores | Sensibilidade (IC95%) | Especificidade (IC95%) | AUC (IC95%)* | |
---|---|---|---|---|
GGT (UI/L) | 0,56 (0,47 - 0,64) | |||
Limiar 27 | 31,4 (20,9 - 43,6) | 80,0 (68,7 - 88,6) | ||
Limiar 35 | 50,0 (37,8 - 62,2) | 52,8 (40,6 - 64,9) | ||
Limiar 43 | 77,1 (65,6 - 86,3) | 28,5 (18,4 - 40,6) | ||
Limiar 54 | 84,2 (73,6 - 91,9) | 18,5 (10,3 - 29,7) | ||
Limiar 31¶ | 44,2 (32,4 - 56,7) | 70,0 (57,9 - 80,4) | ||
ALT (UI/L) | 0,57 (0,48 - 0,65) | |||
Limiar 22 | 32,8 (22,1 - 45,1) | 80,0 (68,7 - 88,6) | ||
Limiar 30 | 58,5 (46,2 - 70,2) | 58,5 (46,2 - 70,2) | ||
Limiar 40 | 75,7 (64,0 - 85,2) | 21,4 (12,5 - 32,9) | ||
Limiar 52 | 87,1 (77,0 - 93,9) | 8,5 (3,2 - 17,7) | ||
Limiar 33¶ | 64,2 (51,9 - 75,4) | 52,8 (40,6 - 64,9) | ||
AST (UI/L) | 0,55 (0,46 - 0,63) | |||
Limiar 20 | 31,4 (20,9 - 43,6) | 78,5 (67,1 - 87,5) | ||
Limiar 25 | 55,7 (43,3 - 67,6) | 54,2 (41,9 - 66,3) | ||
Limiar 35 | 78,5 (67,1 - 87,5) | 18,5 (10,3 - 29,7) | ||
Limiar 40 | 90,0 (80,5 - 95,9) | 12,8 (6,1 - 23,0) | ||
Limiar 23¶ | 51,4 (39,2 - 63,6) | 64,2 (51,9 - 75,4) |
*Área sob a curva derivada das análises de característica operativa do receptor
¶Limiar maximize a soma de sensibilidade e especificidade
Neste estudo, documentamos, em pacientes com obesidade mórbida, associações transversais significativas entre marcadores hepáticos, principalmente GGT, e alterações metabólicas, mais notavelmente hiperglicemia em jejum. Ademais, no início do estudo, os níveis de GGT e ALT se elevaram significativamente com o aumento em número de anormalidades metabólicas. Também demonstramos que concentrações de GGT estavam associadas com um aumento de quase quatro vezes na prevalência de DM2 e um aumento de três vezes na prevalência de hipertensão após o ajuste para a idade. Em contraste, não foram observadas associações significantes com ALT/AST e alterações metabólicas na análise multivariada. Finalmente, os marcadores hepáticos diminuíram de forma significante 8 meses após a cirurgia de RYGBP, e a redução dos níveis de GGT foi associada à redução dos níveis de glicose.
Em resultados anteriores, nosso grupo mostrou os efeitos benéficos de RYGBP na SM(11,12) e na função renal de obesos mórbidos(13). No entanto, como já foi demonstrado em estudos anteriores, observamos que RYGBP pode reduzir os marcadores hepáticos até níveis normais(14,16). A obesidade é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento da doença do fígado gorduroso, e vários estudos associaram níveis elevados de enzimas hepáticas, obesidade e DM2(17). Existem evidências cada vez maiores que também sustentam a ideia de que a DHGNA seja um dos aspectos da SM e que as elevações de marcadores hepáticos encontradas nessa situação, particularmente de ALT, estão prospectivamente associadas ao DM2 incidente, uma importante sequela da SM(9,18-21).
Há vários mecanismos possíveis para explicar as associações entre marcadores hepáticos e a SM e seus fatores. Em primeiro lugar, esses marcadores são sabidamente correlacionados de maneira significante com conteúdo hepático lipídico aumentado, um transtorno que tem efeitos deletérios sobre componentes da SM(22). Já foi demonstrado que o conteúdo lipídico hepático, medido diretamente por espectroscopia de prótons, está associado a vários fatores de resistência à insulina independente do peso corpóreo. Em particular, a gordura hepática foi associada a defeitos na supressão pela insulina da produção endógena de glicose(23), que é notável no contexto dos nossos resultados, que mostram que todos marcadores hepáticos relacionados à hiperglicemia de jejum. Também é possível que essas associações reflitam uma resistência à insulina mais generalizada.
O acúmulo de gordura no fígado pode estimular a produção de citocinas, e já foi constatado que citocinas inflamatórias, como o fator alfa de necrose tumoral (TNF-α) e a interleucina-6 (IL-6) podem influenciar o metabolismo de ácidos graxos no fígado, predispondo para a formação do fígado gorduroso(24). Portanto, outro mecanismo possível seria que enzimas hepáticas elevadas podem refletir inflamação, que, por sua vez, dificulta a sinalização da insulina, tanto no fígado como em outros órgãos. A inflamação foi associada com o desenvolvimento de diabetes(25). Também foi sugerido que a GGT possa ser um marcador precoce de estresse oxidativo(26,27). A inflamação é uma manifestação de estresse oxidativo, e as vias que geram os mediadores da inflamação, como as moléculas de adesão e interleucinas, são todas induzidas pelo estresse oxidativo(28). Isso pode explicar a associação entre inflamação, que pode revelar esteato-hepatite não alcoólica e GGT.
A contribuição do presente estudo é a demonstração de que os marcadores hepáticos, principalmente GGT, estão associados de forma significante com as alterações metabólicas, e que a GGT também se correlaciona com DM2 e a prevalência de hipertensão em uma coorte multiétnica bem caracterizada, com pacientes com obesidade mórbida. A perda de peso induzida pela RYGBP pode reduzir os marcadores hepáticos para níveis na faixa de normalidade, e esse declínio em GGT está associado com melhora no metabolismo de glicose. A principal limitação do nosso estudo está no número de pacientes, que prejudica o achado de um resultado estatisticamente significante em um modelo de regressão logística muito restrito.
Níveis elevados de marcadores hepáticos, principalmente GGT, em pacientes com obesidade mórbida, estavam associados a alterações metabólicas. Além dos já conhecidos benefícios da cirurgia bariátrica, o bypass gástrico em Y-de-Roux reduziu os níveis dos marcadores hepáticos a valores normais.