Print version ISSN 0103-2100On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.32 no.4 São Paulo July/Aug. 2019 Epub Aug 12, 2019
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201900049
O objetivo deste editorial é chamar a atenção às questões relacionadas a saúde mental e bem-estar materno. Durante a gravidez, parto, e após o parto nota-se aumento do risco de problemas de saúde mental entre puérperas. Normalmente, durante a gestação e no período pós-parto, observa-se aumento dos níveis de ansiedade e estresse. Tal aumento pode ser isolado ou vir acompanhado de outros problemas que afetam a saúde mental da mulher.1
A saúde mental está relacionada ao estado emocional, psicológico e ao bem-estar dos indivíduos e pode, portanto, influenciar sentimento e o funcionamento de gestantes ou puérperas.
A Organização Mundial da Saúde (OMC) define saúde mental como “…estado de bem-estar em que o indivíduo é consciente de suas próprias capacidades, pode lidar com o estresse normal da vida, trabalhar de maneira produtiva, e contribuir para sua comunidade”.2
Contudo, o bem-estar não é frequentemente avaliado, e muitas gestantes e puérperas que estão sob risco não são diagnosticadas quando em estado negativo de bem-estar, e, portanto, perde-se a oportunidade de identificar situações de ansiedade, estresse e problemas de enfrentamento. Contudo, a depressão pós-parto (DPP) está sendo objeto de avaliação em muitos países e em alguns, inclusive, há suporte para diagnóstico da depressão pré-natal.3-5
Porém, algumas preocupações existem sobre a eficácia da estratégia de avaliação da depressão para detectar problemas de saúde mental entre gestantes e novas mães6, considerando que a avaliação é, em geral, realizada em um período específico e, portanto, tem limitações e pode disponibilizar somente uma descrição do estado emocional dos indivíduos. Além disso, há também dúvidas de que a avaliação das mulheres colabora para medicalização do parto e da maternidade,7 sendo importante reconhecer que há um possível estigma associado a identificação da DPP.8,9
Portanto, não seria melhor avaliar o estado de bem-estar e permitir as mulheres grávidas um auto-acompanhamento e possiblidade de continuar seguimento após o parto?
A escala de bem-estar mental de Warwick-Edinburgh (WEMWBS, abreviatura em inglês)10foi utilizada com eficácia por gestantes e novas mães em estudo conduzido na Inglaterra que mediu o bem-estar por meio de investigação de como a resiliência para melhoria a saúde mental.11 A WEMWBS é baseada em cinco conceitos principais: satisfação com relacionamentos interpessoais, funcionamento positivo, afeto positivo, perspectiva hedónica e perspectiva eudemónica.
Há também estudos recentes realizados na Austrália que indicam o potencial positivo do auto-acompanhamento do bem-estar materno. A ferramenta visual “Capture My Mood” (CMM) (registro de estado de ânimo) que inclui cinco descritores (conexão, segurança, animação, satisfação e capacidade) está alinhada aos cinco principais conceitos da WEMWBS mencionados acima e possuem designação especifica em relação as mulheres para que realizem auto-acompanhamento de seu bem-estar durante e após o parto.7 A ferramenta CMM tem sido utilizada como piloto, sendo que outros avanços e pesquisas estão em andamento para disponibilizar versão online já que muitas gestantes e novas mães possuem celulares e acesso à internet.
É interessante notar que o conceito “igualdade de oportunidades” tem sido relatado.1 Esse conceito enfatiza a importância de avaliar a saúde mental e dar importância similar aos problemas de saúde física. A piora na saúde física materna após o parto pode levar à problemas de saúde mental e piora da saúde mental pode levar a problemas de saúde física, considerando que essas questões são inter-relacionadas. Por exemplo, quando o indivíduo está ansioso e estressado, muitos sintomas físicos poderão estar presente como, tensão muscular, tontura, enxaquecas, palpitações, problemas gástricas e urinárias, inquietação, insônia, e aumento da susceptibilidade à dor.12 Durante a gravidez, os altos níveis de cortisol podem aumentar as chances das mulheres de desenvolverem hipertensão, pré-eclâmpsia, restrição de crescimento uterino, nascimento de feto prematuro e também dificuldade durante o parto.13
Portanto, é vital que os links entre a saúde mental e saúde física sejam levadas em consideração na gestação e após o parto no momento da assistência à saúde materna. Parece ser evidente a necessidade de disponibilizar importância igualitária a saúde mental e a saúde física da mulher, também como promover o bem-estar durante a gravidez e após o parto.
A depressão é um dos distúrbios mentais mais prevalentes na gravidez e no pós-parto, afetando cerca de um quinto das mulheres.14 A depressão pré-natal é o principal fator de risco para depressão pós-parto, e é geralmente uma continuidade da depressão que se iniciou no período pré-natal.15-18
No Brasil, a prevalência das depressões pré-natais é cerca de 20%19 o que é similar em países de alta renda, e considerando os problemas de algumas mulheres em idade reprodutiva que tem de enfrentar problemas para acessar o sistema de saúde, a assistência pré-natal é vital para prevenção da depressão pós-parto e promoção do bem-estar mental das gestantes e puérperas.
Um importante aspecto da assistência materna é o apoio à gestante para capacidade de adquirir, desenvolver e manter a resiliência e estratégias de enfrentamento para promoção da saúde e bem-estar. Ser resiliente contribui para gestante desenvolver estratégias de enfrentamento, lidar com a ansiedade e estresse, reduzir o medo associado ao parto e ajuda-las a manter saúde e bem-estar ao longo da maternidade.11
É, portanto, muito importante considerar a promoção do bem-estar e as formas de mantê-lo tais como as “cinco formas de bem-estar”20 e também a assistência contínua à saúde.21
O estado de saúde mental de uma mãe afeta o desenvolvimento físico, emocional e psicológico da criança e deve ser considerado durante a assistência à saúde materna.22
É importante avaliar o bem-estar das mulheres durante o período pré-natal e pós-parto. O auto-acompanhamento pode ser benéfico e as ferramentas como o “CMM” podem auxiliar no reconhecimento dos indivíduos que estão sob risco e, deste modo, possibilitar que procurem apoio de profissional de saúde ou busque ajuda de membros da família ou amigos. É importante considerar a promoção do bem-estar e de ações que ajudem a mantê-lo. Além disso, devem-se desenvolver estratégias de enfrentamento e formas para lidar com situações de ansiedade e estresse, e também como construir redes de apoio. A assistência continuada à saúde e o apoio de grupos da comunidade podem auxiliar as gestantes e as novas mães no desenvolvimento da confiança para relatarem qualquer problema de saúde mental, aquisição de resiliência e na prevenção do isolamento social. O aumento da consciência do conceito de igualdade de oportunidades e de que a saúde mental requer o mesmo cuidado que a saúde física ajudará as mães a manter-se resilientes e satisfeitas.