versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.45 no.5 São Paulo 2019 Epub 17-Out-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1806-3713/e20180311
A obesidade é considerada um problema de saúde pública em todo o mundo, apresentando um importante crescimento na última década.(1) Sua gênese é multifatorial e pode estar relacionada a alterações nutricionais, fatores genéticos, psicológicos, socioeconômicos e sedentarismo.(2) A classificação de obesidade é realizada por meio do índice de massa corporal (IMC), sendo considerados os intervalos de: 30 a 34,9 kg/m2 como obesidade classe I; 35 a 39,9 kg/m2 como obesidade classe II; e ≥ 40 kg/m2 como obesidade classe III, também denominada obesidade mórbida.(3,4) Com o aumento da prevalência de obesos com IMC > 50 kg/m2, percebeu-se a necessidade da ampliação dessa classificação, considerando-se os intervalos de 50 a 60 kg/m2 como superobeso e > 60 kg/m2 como super-superobeso.(5)
As repercussões da obesidade sobre a função respiratória estão associadas, sobretudo, à alteração restritiva causada pelo excesso de tecido adiposo.(6,7) O aumento da massa gorda no tórax e no abdômen pode deslocar o ponto de equilíbrio elástico entre tórax e pulmões, reduzindo a capacidade residual funcional (CRF). Esse baixo volume de relaxamento do sistema respiratório (SR) favorece o deslocamento da curva pressão-volume para sua região menos complacente. Além disso, a redução da capacidade residual funcional está associada à redução do calibre das vias aéreas, resultando no aumento da resistência.(8,9)
Diversos métodos podem ser utilizados para o estudo da mecânica respiratória em indivíduos respirando espontaneamente, porém a oscilometria de impulso (IOS), que é uma forma de aplicação da técnica de oscilações forçadas, destaca-se por não ser uma avaliação esforço-dependente, não necessitar de manobras especiais e fornecer valores de resistência central, periférica e tecidual do sistema respiratório, bem como de resistência de vias aéreas.(10,11) Recentemente, Albuquerque e cols.(6) utilizaram a IOS para avaliar a mecânica respiratória de pacientes com obesidade mórbida e observaram aumento da resistência periférica do SR e da reatância do SR em 5 Hz. No entanto, esses autores não investigaram as resistências média (que se associa à resistência de vias aéreas) e tecidual, bem como a ocorrência ou não de limitação de fluxo expiratório em pacientes obesos e a força muscular respiratória. Dessa forma, o presente estudo teve por objetivo avaliar os diferentes componentes da resistência do sistema respiratório e a força muscular respiratória de pacientes com obesidade mórbida, além de investigar a ocorrência de limitação de fluxo expiratório (LFE) na posição sentada.
Estudo transversal que utilizou uma amostra composta de pacientes obesos mórbidos (IMC ≥ 40 kg/m2) do Programa de Cirurgia Bariátrica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PROCIBA/HUCFF-UFRJ) e de um grupo de indivíduos não obesos pareados por idade e sexo com IMC entre 18 e 30 kg/m2. Todos os participantes foram voluntários e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. Além disso, o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, conforme a Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil.
Foram adotados como critérios de exclusão: história de doença pulmonar ou cardíaca, história de tabagismo, doenças neurológicas e musculoesqueléticas, incapacidade de realizar os testes propostos e padrão espirométrico obstrutivo (VEF1/CVF ≤ 70%) para ambos os grupos.
O protocolo de estudo foi composto da avaliação antropométrica, da composição corporal e da função respiratória por meio de espirometria, pressões respiratórias estáticas e oscilometria de impulso. Todos os testes foram realizados no Laboratório de Fisiologia da Respiração do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBCCF-UFRJ).
A avaliação antropométrica foi realizada para obtenção das medidas de massa corporal, estatura, IMC, circunferência abdominal (CA), circunferência de quadril (CQ) e relação cintura-quadril (RCQ). A estatura foi verificada por meio de um estadiômetro (Cardiomed, WCS-Wood, Curitiba/PR, Brasil). A mensuração da CA foi realizada na posição ortostática com postura ereta, sem roupas e sapatos, no ponto médio da distância entre o rebordo costal inferior e a crista ilíaca anterior. A CQ foi mensurada tomando-se o maior diâmetro da região glútea, passando sobre os trocânteres maiores do fêmur, com utilização de uma fita métrica metálica (Sanny® SN-4010, São Paulo/SP, Brasil) de 2 m de extensão e precisão de 0,1 cm. Posteriormente, calculou-se a RCQ dividindo-se a medida da circunferência da cintura em centímetros pela medida da circunferência do quadril em centímetros, segundo as orientações da OMS.(12)
A espirometria foi realizada de acordo com as recomendações da American Thoracic Society(13) e da Sociedade Brasileira de Pneumologia,(14) utilizando-se o espirômetro computadorizado e seus componentes: pneumotacógrafo tipo Lilly (Erich Jaeger, Hoechberg, Alemanha) e transdutores de fluxo e pressão (Sensym SLP004D, Honeywell Sensing and Control, Golden Valley, MN, Estados Unidos), respeitando-se as orientações de calibração fornecidas pelo fabricante. Os valores previstos de capacidade vital forçada (CVF), volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) e pico de fluxo expiratório (PF) foram calculados de acordo com as equações de Pereira et al.(14) Adicionalmente, foi verificada a ventilação voluntária máxima (VVM)(15) utilizando o mesmo equipamento. Para essa variável, os valores previstos foram calculados de acordo com as equações de referência brasileiras descritas por Neder et al.(16)
A avaliação da força muscular respiratória foi realizada por meio das medidas das pressões inspiratória e expiratória máximas (PIM e PEM, respectivamente), de acordo com as recomendações da ATS/ERS.(16) Foi utilizado um manovacuômetro analógico (M120 – Comercial Médica, São Paulo/SP, Brasil), com o bocal apresentando orifício de 2 mm, objetivando dissipar as pressões geradas pela musculatura da face e da orofaringe. Foram realizadas no mínimo três aferições aceitáveis e no máximo cinco. Foram definidas como critério de aceitação e reprodutibilidade as manobras com valores que não diferiram entre si por mais de 10% do valor mais elevado. Foi instituído um intervalo de 1 minuto e 30 segundos entre cada verificação. Para aferição da PIM, os indivíduos foram instruídos a inspirar profundamente no bocal do manovacuômetro a partir do volume residual, sustentando a pressão por no mínimo 2 segundos. Para aferição da PEM, os participantes foram instruídos a inspirar profundamente até a CPT e fazer uma expiração forçada no equipamento, sustentando a pressão por no mínimo 2 segundos. Os valores previstos foram calculados de acordo com as equações de referência brasileiras descritas por Neder et al.(17)
Para a avaliação da mecânica respiratória, foi utilizado um oscilômetro de impulso (Erich Jaeger, Hoechberg, Alemanha) e seus componentes. Após a calibração do equipamento, os participantes permaneceram na posição sentada, mantendo a cabeça em posição neutra, com apoio manual sobre as bochechas e com as narinas ocluídas por um clipe nasal. Foram coletadas 5 sequências de 40 segundos de sinais respiratórios. Foram adotados como critério de aceitabilidade sinais de no mínimo 15 segundos, sem artefatos, e com ao menos 80% da faixa de frequência utilizada apresentando uma função de coerência igual ou superior a 0,9. Foram medidas as seguintes variáveis: resistência em 5 Hz (R5), resistência em 20 Hz (R20), reatância inspiratória em 5 Hz (X5ins), reatância expiratória em 5 Hz (X5exp), reatância média em 5 Hz (X5), frequência de ressonância (f0) e integral da reatância entre 5 Hz e f0 (AX). Os três últimos parâmetros podem refletir o deslocamento da curva de frequência versus reatância para a direita, o que costuma se associar ao aumento da resistência periférica ou da elastância do sistema respiratório.(10) Além dos parâmetros diretamente fornecidos pelo equipamento, foram calculadas a resistência extrapolada para 0 Hz (R0), a resistência periférica (RP = R5 – R20), a resistência média (Rm), a resistência tecidual (RT = R5 – Rm) e a derivada da resistência em função da frequência (dR/dF), que também se associa à resistência periférica.(11,12)
Os resultados foram apresentados como média ± desvio-padrão (DP) ou proporções (%). Como os dados apresentaram distribuição normal (Kolmogorov-Smirnov), a comparação entre os resultados obtidos pelo grupo de obesos mórbidos e não obesos foi realizada pelo teste T para amostras não pareadas. As correlações foram avaliadas por meio do teste de correlação de Pearson, e o nível de significância foi estabelecido em 5%. O software SigmaStat 3.1 (Jandel Scientific, San Rafael, CA, Estados Unidos) foi utilizado para todas as análises.
Foram recrutados 107 indivíduos para o estudo conforme descrição na Figura 1. Após a aplicação dos critérios de exclusão, permaneceram 50 obesos mórbidos, dos quais 25 obesos com IMC = 40-44,9 kg/m2, 19 obesos com IMC = 50-59,9 kg/m2 e 6 obesos com IMC ≥ 60 kg/m2, e 30 não obesos. Os dados antropométricos e demográficos dos indivíduos estão descritos na Tabela 1.
Figura 1 Fluxograma de seleção dos pacientes incluídos no estudo. SAF: Síndrome do anticorpo antifosfolipídeo; VEF1/CVF: relação volume expiratório forçado no primeiro segundo-capacidade vital forçada; IMC: índice de massa corporal.
Tabela 1 Características antropométricas e demográficas dos componentes da amostra.
Variáveis |
Obesos mórbidos (n = 50) |
Não obesos (n = 30) |
P |
---|---|---|---|
Idade (anos) | 40,0±10,4 | 37,6±11,5 | 0,2947 |
Sexo feminino % (n) | 79 (39) | 70 (21) | 0,4103 |
Altura (m) | 1,64±0,09 | 1,67±0,09 | 0,3004 |
Massa corporal (kg) | 138,8±33,6 | 65,2±10,3 | < 0,0001 |
IMC (kg/m2) | 50,7±8,9 | 23,2±2,2 | < 0,0001 |
CC (cm) | 136,3±18.8 | 80,5±9,9 | < 0,0001 |
CQ (cm) | 143,4±17,5 | 97,5±5,9 | < 0,0001 |
RCQ | 0,95±0,09 | 0,84±0,08 | < 0,0001 |
IMC: índice de massa corporal; RCQ: relação cintura-quadril; CC: circunferência da cintura; CQ: circunferência do quadril.
Ao analisar os valores espirométricos obtidos por obesos mórbidos e não obesos, observou-se que existem diferenças significativas em algumas variáveis em valores absolutos, porém não foi notada diferença significativa entre as variáveis em relação ao percentual dos valores previstos. Os valores das pressões respiratórias máximas – PIM e PEM – não apresentaram diferenças significativas entre os grupos (em valores absolutos ou percentual do previsto), conforme a Tabela 2.
Tabela 2 Variáveis espirométricas, pressões respiratórias máximas e mecânica respiratória de obesos mórbidos e não obesos.
Variáveis |
Obesos mórbidos (n = 50) |
Não obesos (n = 30) |
P |
---|---|---|---|
Espirometria | |||
CVF (L) | 3,5±0.7 | 4,0±0.8 | 0,0275 |
CVF (% pred) | 78,7±6,9 | 100,9±10,6 | 0,4198 |
VEF1 (L) | 2,8±0,6 | 3,2±0,6 | 0,0157 |
VEF1 (% pred) | 80,5±7,6 | 97,4±8,0 | 0,0978 |
VEF1/CVF | 80,4±6,6 | 82,6±5,8 | 0,5384 |
PF (L/s) | 7,0±1,9 | 7,8±2,0 | 0,0582 |
PF (% pred) | 83,4±20,3 | 86,6±13,3 | 0,5750 |
VVM (L) | 114,2±26,1 | 126,6±24,2 | 0,2435 |
VVM (% pred) | 89,2±23,4 | 89.9±15,6 | 0,3236 |
Pressões respiratórias máximas | |||
PIM (cmH2O) | 102,0±23,5 | 116,5±22,5 | 0,5862 |
PIM (% pred) | 100,2±31,5 | 121,7±25,5 | 0,0572 |
PEM (cmH2O) | 107,5±21,2 | 122,7±24.4 | 0,3084 |
PEM (% pred) | 107,8±30,5 | 102.0±11,3 | 0,2359 |
Mecânica respiratória | |||
R0 (kPa/L/s) | 0,6±0,2 | 0,4±0,1 | 0,0001 |
R5 (kPa/L/s) | 0,5±0,1 | 0,1±0,1 | <0,0001 |
R20 (kPa/L/s) | 0,38±0,16 | 0,28±0,08 | 0,0010 |
Rm (kPa/L/s) | 0,50±0,18 | 0,33±0,09 | <0,0001 |
RP (kPa/L/s) | 0,18±0,12 | 0,064±0,043 | 0,0027 |
RT (kPa/L/s) | 0,03±0,02 | 0,01±0,01 | 0,0002 |
f0 (Hz) | 20,9±4,5 | 13,7±3,5 | <0,0001 |
AX (kPa/L*Hz) | 1,6±1,3 | 0,4±0,31 | <0,0001 |
dR/dF | 0,021±0,012 | -0,01±0,001 | <0,0001 |
X5 (kPa/L/s) | 0,20±0,10 | 0,09±0,02 | 0,0007 |
X5ins (kPa/L/s) | -0,19±0,08 | 0,12±0,09 | 0,0013 |
X5exp (kPa/L/s) | -0,20±0,12 | 0,10±0,04 | 0,0007 |
∆X5 (kPa/L/s) | 0,07±0,12 | 0,03±0,02 | 0,0739 |
CVF: capacidade vital forçada; VEF1: volume expiratório forçado no primeiro segundo; PF: pico de fluxo expiratório; VVM: ventilação voluntária máxima; PIM: pressão inspiratória máxima; PEM: pressão expiratória máxima; R0: resistência extrapolada para 0 Hz; R5: resistência em 5 Hz; R20: resistência em 20 Hz; RP: resistência periférica (R5 – R20); Rm: resistência média; RT: resistência tecidual; f0: frequência de ressonância; AX: integral da reatância entre 5 Hz e frequência de ressonância; dR/dF: dependência da resistência do sistema respiratório em função da frequência; X5ins: reatância inspiratória em 5 Hz; X5exp: reatância expiratória em 5 Hz; ∆X5: diferença entre a reatância inspiratória e expiratória. Valores apresentados por meio de média ± desvio-padrão.
Quanto aos resultados referentes à mecânica respiratória (Tabela 2), observou-se que obesos mórbidos apresentaram maiores valores de resistência total (R0 e R5), central (R20), de vias aéreas (Rm), tecidual (RT) e periférica (dR/dF e RP) quando comparados aos não obesos. As diferenças observadas nos valores de AX e X5 são sugestivas de aumento da resistência ou da elastância do sistema respiratório no grupo de obesos mórbidos. Nenhum paciente apresentou LFE.
A CA nos indivíduos obesos não se correlacionou com variáveis de mecânica respiratória, mas sim com as seguintes variáveis: CVF (%), VEF1 (%), PF (L/s), VVM (L), PIM (%) e PEM (%), conforme a Tabela 3. Quanto aos não obesos, foram observadas correlações da CA com a variável de mecânica respiratória R20, e para espirometria, com as variáveis de CVF (L), VEF1/CVF, PF (L) VVM (% e L).
Tabela 3 Correlação das variáveis de mecânica respiratória, espirometria e pressões respiratórias estáticas com a circunferência abdominal.
Variáveis |
Obesos mórbidos (n = 50) |
Não obesos (n = 30) |
|||
---|---|---|---|---|---|
r | P | r | P | ||
R0 (kPa/L/s) | 0,0959 | 0,5072 | 0,1961 | 0,2990 | |
Rm (kPa/L/s) | 0,1278 | 0,3763 | 0,2431 | 0,1956 | |
RT (kPa/L/s) | 0,0464 | 0,7487 | 0,2274 | 0,2268 | |
R5 (kPa/L/s) | 0,0526 | 0,7163 | 0,1976 | 0,2953 | |
R20 (kPa/L/s) | 0,2080 | 0,1472 | 0,3933 | 0,0316 | |
X5 (kPa/L/s) | 0,0364 | 0,8016 | 0,2273 | 0,2270 | |
f0 (Hz) | -0,1918 | 0,1821 | 0,3093 | 0,0963 | |
AX (kPa/L*Hz) | -0,0932 | 0,5196 | 0,0444 | 0,8156 | |
X5ins (kPa/L/s) | 0,1523 | 0,2910 | 0,1521 | 0,4225 | |
X5exp (kPa/L/s) | 0,0953 | 0,5101 | 0,1181 | 0,5342 | |
∆X5 (kPa/L/s) | -0,0777 | 0,5917 | -0,0314 | 0,8689 | |
dR/dF | 0,0519 | 0,7204 | 0,0263 | 0,8900 | |
CVF (L) | -0,1056 | 0,4656 | -0,4564 | 0,0112 | |
CVF (% pred) | -0,4257 | 0,0021 | -0,1484 | 0,4339 | |
VEF1 (L) | -0,1164 | 0,4206 | -0,3559 | 0,0536 | |
VEF1 (% pred) | -0,3671 | 0,0087 | -0,0108 | 0,9545 | |
VEF1/CVF | -0,0650 | 0,6536 | -0,4240 | 0,0195 | |
PF (L/s) | -0,3633 | 0,0095 | -0,5788 | 0,0008 | |
PF (% pred) | -0,2031 | 0,1573 | -0,3334 | 0,0718 | |
VVM (L) | -0,2788 | 0,0499 | -0,4633 | 0,0099 | |
VVM (% pred) | -0,0065 | 0,9637 | -0,3712 | 0,0434 | |
PIM (cmH2O) | -0,2311 | 0,1063 | -0,4446 | 0,0138 | |
PIM (% pred) | -0,3758 | 0,0072 | -0,1731 | 0,3603 | |
PEM (cmH2O) | -0,0545 | 0,7067 | -0,2068 | 0,2730 | |
PEM (% pred) | -0,3878 | 0,0054 | -0,1667 | 0,3787 |
CVF: capacidade vital forçada; VEF1: volume expiratório forçado no primeiro segundo; PF: pico de fluxo expiratório; VVM: ventilação voluntária máxima; PIM: pressão inspiratória máxima; PEM: pressão expiratória máxima; R0: resistência extrapolada para 0 Hz; R5: resistência em 5 Hz; R20: resistência em 20 Hz; Rm: resistência média; RT: resistência tecidual; f0: frequência de ressonância; AX: integral da reatância entre 5 Hz e frequência de ressonância; dR/dF: dependência da resistência do sistema respiratório em função da frequência; X5ins: reatância inspiratória em 5 Hz; X5exp: reatância expiratória em 5 Hz; ∆X5: diferença entre a reatância inspiratória e expiratória.
Não foram observadas associações entre a circunferência de quadril e as variáveis de mecânica respiratória, pressões respiratórias estáticas máximas e espirometria para obesos mórbidos e não obesos.
Constatou-se correlação entre a RCQ de obesos mórbidos e as seguintes variáveis respiratórias: AX, f0, PF (%), PIM (%) e PEM (%). Para os não obesos, foi percebida correlação da RCQ com R20, X5ins, delta X5, CVF (L), PF (L), VVM (L) e PEM (%), conforme mostra a Tabela 4.
Tabela 4 Correlação das variáveis de mecânica respiratória, espirometria e pressões respiratórias estáticas com a relação cintura-quadril.
Variáveis |
Obesos mórbidos (n = 50) |
Não obesos (n = 30) |
|||
---|---|---|---|---|---|
r | P | r | P | ||
R0 (kPa/L/s) | 0,2162 | 0,1315 | 0,3472 | 0,0601 | |
Rm (kPa/L/s) | 0,1843 | 0,2002 | 0,3495 | 0,0584 | |
RT (kPa/L/s) | 0,2531 | 0,0761 | 0,06626 | 0,7279 | |
R5 (kPa/L/s) | 0,1109 | 0,4431 | 0,3367 | 0,0689 | |
R20 (kPa/L/s) | 0,1719 | 0,2325 | 0,3887 | 0,0338 | |
X5 (kPa/L/s) | 0,1613 | 0,2632 | 0,1907 | 0,3127 | |
f0 (Hz) | -0,4358 | 0,0016 | -0,06562 | 0,7304 | |
AX (kPa/L*Hz) | -0,3176 | 0,0246 | -0,1066 | 0,5749 | |
X5ins (kPa/L/s) | 0,2266 | 0,1135 | 0,4051 | 0,0264 | |
X5exp (kPa/L/s) | 0,2353 | 0,0999 | 0,1052 | 0,5801 | |
∆X5 (kPa/L/s) | -0,1408 | 0,3294 | -0,4040 | 0,0268 | |
dR/dF | 0,2677 | 0,0602 | 0,2670 | 0,1538 | |
CVF (L) | -0,1046 | 0,4695 | -0,4276 | 0,0184 | |
CVF (% pred) | -0,2612 | 0,0669 | -0,1596 | 0,3995 | |
VEF1 (L) | -0,1525 | 0,2904 | -0,4045 | 0,0266 | |
VEF1 (% pred) | -0,1902 | 0,1859 | -0,08580 | 0,6521 | |
VEF1/CVF | -0,1829 | 0,2036 | -0,2069 | 0,2727 | |
PF (L/s) | -0,1386 | 0,3370 | -0,3995 | 0,0287 | |
PF (% pred) | -0,3715 | 0,0079 | -0,01331 | 0,9443 | |
VVM (L) | -0,3663 | 0,0089 | -0,3824 | 0,0370 | |
VVM (% pred) | -0,1856 | 0,1968 | -0,1457 | 0,4424 | |
PIM (cmH2O) | -0,1979 | 0,1682 | -0,1133 | 0,5511 | |
PIM (% pred) | -0,3036 | 0,0321 | -0,2380 | 0,2054 | |
PEM (cmH2O) | -0,1061 | 0,4633 | -0,06478 | 0,7338 | |
PEM (% pred) | -0,3764 | 0,0071 | -0,3791 | 0,0388 |
CVF: capacidade vital forçada; VEF1: volume expiratório forçado no primeiro segundo; PF: pico de fluxo expiratório; VVM: ventilação voluntária máxima; PIM: pressão inspiratória máxima; PEM: pressão expiratória máxima; R0: resistência extrapolada para 0 Hz; R5: resistência em 5 Hz; R20: resistência em 20 Hz; Rm: resistência média; RT: resistência tecidual; f0: frequência de ressonância; AX: integral da reatância entre 5 Hz e frequência de ressonância; dR/dF: dependência da resistência do sistema respiratório em função da frequência; X5ins: reatância inspiratória em 5 Hz; X5exp: reatância expiratória em 5 Hz; ∆X5: diferença entre a reatância inspiratória e expiratória.
O IMC apresentou correlação com as variáveis espirométricas CVF (%), VEF1 (%) e PF (L/s) no grupo de indivíduos obesos e com VEF1/CVF, PIM (cmH2O) e PEM (%) no grupo de não obesos (Tabela 5).
Tabela 5 Correlação das variáveis de mecânica respiratória, espirometria e pressões respiratórias máximas com o índice de massa corporal.
Variáveis |
Obesos mórbidos (n = 50) |
Não obesos (n = 30) |
|||
---|---|---|---|---|---|
r | P | r | P | ||
R0 (kPa/L/s) | 0,00009 | 0,9995 | 0,07414 | 0,6970 | |
Rm (kPa/L/s) | 0,03030 | 0,8346 | 0,00081 | 0,9966 | |
RT (kPa/L/s) | 0,1091 | 0,4506 | 0,4199 | 0,1209 | |
R5 (kPa/L/s) | 0,03077 | 0,8320 | 0,05901 | 0,7567 | |
R20 (kPa/L/s) | 0,1275 | 0,3777 | -0,1790 | 0,3438 | |
X5 (kPa/L/s) | 0,06057 | 0,6760 | 0,1759 | 0,3526 | |
f0 (Hz) | -0,02165 | 0,8813 | 0,4168 | 0,2219 | |
AX (kPa/L*Hz) | -0,01857 | 0,8982 | 0,2543 | 0,1751 | |
X5ins (kPa/L/s) | 0,01404 | 0,9229 | -0,03390 | 0,8589 | |
X5exp (kPa/L/s) | 0,00568 | 0,9687 | -0,1060 | 0,5773 | |
∆X5 (kPa/L/s) | -0,07194 | 0,6195 | -0,1080 | 0,5702 | |
dR/dF | 0,04433 | 0,7599 | 0,2786 | 0,1360 | |
CVF (L) | -0,04447 | 0,7591 | -0,3361 | 0,0694 | |
CVF (% pred) | -0,3847 | 0,0058 | -0,2972 | 0,1107 | |
VEF1 (L) | -0,02432 | 0,8669 | -0,2320 | 0,2174 | |
VEF1 (% pred) | -0,3517 | 0,0122 | -0,06050 | 0,7508 | |
VEF1/CVF | -0,05293 | 0,7151 | -0,4029 | 0,0273 | |
PF (L/s) | -0,2939 | 0,0383 | -0,3230 | 0,0817 | |
PF (% pred) | -0,1123 | 0,4374 | -0,1225 | 0,5191 | |
VVM (L) | -0,1098 | 0,4478 | -0,3298 | 0,0752 | |
VVM (% pred) | -0,06098 | 0,6740 | -0,2338 | 0,2137 | |
PIM (cmH2O) | -0,1951 | 0,1746 | -0,5408 | 0,0020 | |
PIM (% pred) | -0,2941 | 0,0381 | -0,5191 | 0,1067 | |
PEM (cmH2O) | -0,1746 | 0,6931 | -0,2949 | 0,1136 | |
PEM (% pred) | -0,2715 | 0,0565 | -0,3627 | 0,0489 |
CVF: capacidade vital forçada; VEF1: volume expiratório forçado no primeiro segundo; PF: pico de fluxo expiratório; VVM: ventilação voluntária máxima; PIM: pressão inspiratória máxima; PEM: pressão expiratória máxima; R0: resistência extrapolada para 0 Hz; R5: resistência em 5 Hz; R20: resistência em 20 Hz; Rm: resistência média; RT: resistência tecidual; f0: frequência de ressonância; AX: integral da reatância entre 5 Hz e frequência de ressonância; dR/dF: dependência da resistência do sistema respiratório em função da frequência; X5ins: reatância inspiratória em 5 Hz; X5exp: reatância expiratória em 5 Hz; ∆X5: diferença entre a reatância inspiratória e expiratória.
Neste estudo, apesar de os pacientes com obesidade mórbida não apresentarem padrão espirométrico obstrutivo, seus valores de resistência total (R0 e R5), de vias aéreas (Rm), periférica (dR/dF e RP) e tecidual (RT) foram maiores do que os do grupo controle. Além disso, os resultados relacionados à reatância do sistema respiratório (AX, X5, X5ins e X5exp) foram diferentes dos do grupo controle, o que pode ser interpretado como aumento da resistência periférica ou redução da complacência do sistema respiratório. Esses resultados estão de acordo com os de outros autores que observaram o aumento das resistências do sistema respiratório, de vias aéreas(18) e periférica(7) em obesos utilizando a técnica de oscilações forçadas. Yap et al.(19) também verificaram o aumento da resistência periférica em obesos, porém, em nossa amostra, os valores são 18,6% superiores aos do grupo de obesos mórbidos da pesquisa desses autores. Tal fato pode ser justificado pelos maiores valores de IMC apresentados em nosso estudo (50,7 ± 8,9 kg/m2 versus 43,6 ± 2,5 kg/m2). Diversos autores sugerem que o aumento da resistência das vias aéreas em obesos está relacionado com a redução do volume pulmonar, porém sua fisiopatogênese ainda não é totalmente conhecida. Uma das hipóteses é de que a estrutura da via aérea pode ser remodelada pela exposição a adipocinas pró-inflamatórias ou por deposição de lipídios.(6) Mahadev(20) observou que, além da redução da CRF, a resistência de vias aéreas em obesos mórbidos também pode estar aumentada por causa de remodelamento, que é caracterizado por depósito de gordura em seu interior, lesão de mucosa brônquica por estresse de abertura e fechamento das pequenas vias aéreas e pela exposição crônica às adipocitocinas.
Essa hipótese está de acordo com o aumento da resistência periférica observado no presente estudo. Zerah et al.(18) também constataram que a diferença entre a resistência do sistema respiratório e de vias aéreas não aumentou significativamente com o nível de obesidade. A partir desse resultado, os autores levantaram a hipótese de que a resistência torácica não aumenta proporcionalmente ao grau de obesidade. Embora em nosso estudo não tenham sido comparados diferentes graus de obesidade, os pacientes com obesidade mórbida apresentaram maior resistência tecidual do que o grupo controle, sugerindo que a grande quantidade de tecido adiposo na região toracoabdominal esteja associada à maior dissipação de energia com a movimentação do sistema respiratório. Esse resultado, de certo modo, contradiz a hipótese de Zerah et al.(18) Uma das hipóteses dessa discordância é o maior IMC dos sujeitos incluídos em nosso estudo, uma vez que a amostra também foi composta de superobesos. Santana et al.(21) demonstraram em sua pesquisa o quanto a função pulmonar de superobesos pode ser mais afetada quando comparada à de obesos mórbidos, porém com menor IMC.
Um dos objetivos do presente estudo foi avaliar a ocorrência de limitação de fluxo expiratório no grupo de pacientes obesos mórbidos. De acordo com Lin & Lin,(22) a redução da capacidade residual funcional e do volume de reserva expiratório em pacientes com obesidade mórbida aumenta o risco de compressão dinâmica e colapso de vias aéreas, mesmo em repouso. Dessa forma, pode ocorrer limitação de fluxo expiratório (LFE) e aprisionamento aéreo, resultando no aumento do esforço respiratório e da dispneia. A ocorrência de LFE já foi documentada em obesos por meio do método da pressão negativa expiratória.(23) Em nosso estudo, a ocorrência de LFE foi medida por meio da reatância do sistema respiratório, conforme descrito em 2004 por Dellaca e cols., que validaram esse método utilizando a técnica da pressão negativa como padrão ouro.(24) Utilizando a diferença entre reatância inspiratória e expiratória, Mahadev et al.(20) avaliaram 18 pacientes com IMC = 41,3 ± 6,8 kg/m2, e apenas um apresentou LFE. De forma similar, nenhum paciente desta amostra (que tinha um IMC médio de 50,7 ± 8,9 kg/m2) apresentou LFE. Esses resultados demonstram que, apesar da redução da CRF e do aumento da resistência periférica observados nos pacientes com obesidade mórbida, a LFE é um achado comum apenas quando estes estão posicionados em supino, conforme demonstrado no estudo de Pankow et al.(25) Nessa posição, o efeito compressivo do abdômen reduz ainda mais a CRF e, consequentemente, o diâmetro das vias aéreas, resultando na compressão dinâmica e/ou em colapso.
A grande concordância entre os autores(18,22,23,25) é que a obesidade, mesmo quando se apresenta isolada de outras comorbidades, é um fator preponderante para as alterações da mecânica respiratória, seja analisando variáveis de resistência, seja em relação à complacência do sistema respiratório. Partindo desse pressuposto, a única possibilidade para solucionar tais questões é a redução de peso.
Conforme esperado, diferentemente da circunferência do quadril, a circunferência abdominal se associou a diversas variáveis respiratórias (CVF, VEF1, PF, VVM e pressões respiratórias), provavelmente por causa do efeito da restrição e do aumento da pressão intra-abdominal que ocorre nos obesos mórbidos, alterando o equilíbrio elástico do sistema respiratório e reduzindo os volumes pulmonares.(9,26) Da mesma forma, a RCQ também se associou a variáveis de mecânica respiratória e pressões respiratórias máximas, sugerindo que não só o IMC, mas o padrão de distribuição de gordura corporal influencia a mecânica respiratória. Essa hipótese está de acordo com os resultados do estudo de Chen et al.(27) que observaram uma correlação negativa entre a relação da circunferência abdominal e as variáveis espirométricas, independente do IMC. Da mesma forma, no estudo de Canoy et al.(28) que incluiu 9.674 homens e 11.876 mulheres, foi observado que tanto a CVF quanto o VEF1 foram linear e inversamente relacionados com a RCQ.
Como limitação do estudo, pode-se citar a falta de mensuração dos volumes pulmonares estáticos, o que contribuiria para a compreensão dos mecanismos envolvidos com as alterações da mecânica respiratória. No entanto, nossos resultados demonstram que, mesmo apresentando valores espirométricos dentro da normalidade, os pacientes com obesidade mórbida podem apresentar alterações da mecânica respiratória, as quais podem ser detectadas pela oscilometria de impulso. Além disso, não só o IMC, mas também o padrão de distribuição de gordura corporal pode influenciar o comportamento de variáveis respiratórias. Assim, a avaliação da mecânica respiratória por meio da técnica de oscilações forçadas e a medição de variáveis antropométricas (circunferências e RCQ) podem trazer contribuições significativas para o acompanhamento de pacientes com obesidade mórbida, sobretudo para aqueles com sintomas respiratórios. Ambos os métodos são não invasivos e não requerem a realização de manobras especiais. É provável que a melhora da mecânica respiratória desses pacientes, sobretudo a resistência periférica e tecidual (parede torácica), possa melhorar a tolerância ao exercício(29) com impacto positivo na independência funcional e na qualidade de vida.
A partir dos resultados do presente estudo, concluímos que pacientes com obesidade mórbida e sem padrão espirométrico obstrutivo apresentam aumento nas resistências total, de vias aéreas, periférica e tecidual do sistema respiratório quando comparados a não obesos. Esses indivíduos, entretanto, não apresentam limitação de fluxo expiratório e redução da força muscular respiratória.