versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.105 no.1 São Paulo jul. 2015 Epub 27-Mar-2015
https://doi.org/10.5935/abc.20150024
O infarto agudo do miocárdio é a principal causa de mortalidade e de morbidade na população mundial. Por outro lado, pesquisas já demonstraram que o exercício físico, além de reduzir os fatores de risco cardiovascular, também é capaz de promover cardioproteção contra lesões por isquemia e reperfusão, por meio de um efeito direto no miocárdio. No entanto, o mecanismo específico envolvido no pré-condicionamento cardíaco induzido pelo exercício ainda é alvo de discussão.
Realizar uma revisão sistemática acerca dos estudos que se debruçaram sobre os mecanismos pelos quais o exercício físico aeróbio promove cardioproteção direta contra lesões por isquemia e reperfusão.
Foi realizada uma pesquisa nas seguintes bases de dados: MEDLINE, LILACS e SciELO. Os dados foram extraídos de forma padronizada, por dois investigadores independentes, responsáveis pela avaliação da qualidade metodológica dos manuscritos.
A busca inicial resultou em 78 estudos, dos quais, após revisão dos resumos, 30 foram excluídos. Os 48 manuscritos restantes foram lidos na íntegra e, destes, 20 foram excluídos, restando 28 estudos incluídos nesta revisão sistemática.
Com base nos estudos selecionados, os seguintes mecanismos estão potencialmente envolvidos na resposta cardioprotetora do exercício: aumento na produção de proteínas de choque térmico; envolvimento da via do óxido nítrico; aumento na capacidade antioxidativa cardíaca; melhora na função dos canais de potássio dependentes de ATP; e ativação do sistema de opióides. Apesar de todo o investimento já realizado, ainda é necessário mais investimento em trabalhos futuros, para obtenção de conclusão mais consistente.
Palavras-Chave: Infarto do Miocárdio; Exercício/fisiologia; Traumatismo por Reperfusão Miocárdica/etiologia; Isquemia Miocardica; Proteínas de Choque Térmico
Acute myocardial infarction is the leading cause of morbidity and mortality worldwide. Furthermore, research has shown that exercise, in addition to reducing cardiovascular risk factors, can also protect the heart against injury due to ischemia and reperfusion through a direct effect on the myocardium. However, the specific mechanism involved in exerciseinduced cardiac preconditioning is still under debate.
To perform a systematic review of the studies that have addressed the mechanisms by which aerobic exercise promotes direct cardioprotection against ischemia and reperfusion injury.
A search was conducted using MEDLINE, Literatura Latino-Americana e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde, and Scientific Electronic Library Online databases. Data were extracted in a standardized manner by two independent researchers, who were responsible for assessing the methodological quality of the studies.
The search retrieved 78 studies; after evaluating the abstracts, 30 studies were excluded. The manuscripts of the remaining 48 studies were completely read and, of these, 20 were excluded. Finally, 28 studies were included in this systematic review.
On the basis of the selected studies, the following are potentially involved in the cardioprotective response to exercise: increased heat shock protein production, nitric oxide pathway involvement, increased cardiac antioxidant capacity, improvement in ATP-dependent potassium channel function, and opioid system activation. Despite all the previous investigations, further research is still necessary to obtain more consistent conclusions.
Key words: Myocardial Infarction; Exercise/physiology; Myocardial Reperfusion Injury/etiology; Myocardial Ischemia; Heat-Shock Proteins
Apesar dos inúmeros avanços terapêuticos obtidos na última década, a doença coronariana (DAC) ainda representa uma das principais causas de mortalidade na população mundial1. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, as doenças cardiovasculares são responsáveis por cerca de 20% de todas as mortes em indivíduos acima de 30 anos, o que corresponde, em média, a 195 mil mortes por ano1. No que se refere ao gasto público com a saúde, só em 2011, foi registrado cerca de R$250 milhões despendidos somente para o tratamento do infarto agudo do miocárdio (IAM)2.
Em situações de IAM, o objetivo terapêutico principal é restabelecer o fluxo sanguíneo para a região isquêmica o mais rapidamente possível3, uma vez que a reversibilidade do processo e a extensão dos danos ao tecido relacionam-se diretamente com a duração da isquemia. Entretanto, as alterações bioquímicas causadas pelo processo de reperfusão podem resultar em inúmeros prejuízos, incluindo morte celular3 , 4. Devido à gravidade do quadro clínico que o IAM representa, é necessário o investimento em medidas preventivas e/ou para tratamento de seus danos. Nesse sentido, evidências epidemiológicas indicam forte correlação entre indivíduos ativos e aqueles que sobrevivem ao IAM5. Diversas pesquisas já demonstraram que o exercício físico, além de reduzir os fatores de risco cardiovascular, também é capaz de promover cardioproteção contra lesões por Isquemia e Reperfusão (IR), por meio de um efeito direto no miocárdio6 - 9. Interessantemente, já foi demonstrado que apenas uma única sessão de exercício prévia à lesão por IR já era suficiente para promover incremento no débito cardíaco10 e melhorar a função contrátil do miocárdio durante a lesão por IR11 - 15. Essas evidências experimentais dão suporte à ideia de que o fenótipo cardíaco adquirido após o exercício ocorre devido a adaptações bioquímicas específicas do miocárdio, que são independentes de alterações musculares e no fluxo sanguíneo6 , 7 , 16 , 17. No entanto, o mecanismo específico envolvido no pré-condicionamento cardíaco induzido pelo exercício ainda é alvo de discussão7 , 8 , 18. Diante disso, o objetivo deste trabalho foi revisar a fisiopatologia da lesão por IR miocárdica e, em seguida, abordar os achados obtidos quanto aos mecanismos pelos quais o exercício físico aeróbio promove cardioproteção direta contra lesões por IR.
As bases de dados eletrônicas MEDLINE (acessado via PubMed), Literatura Latino-Americana e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (LILACS) e Scientific Eletronic Library Online (ScIELO) foram pesquisadas sem restrição de data. Adotaram-se como critérios de inclusão dos estudos: escritos em inglês, português ou espanhol, e que utilizaram o exercício físico aeróbio como alvo primário da investigação. Os dados foram extraídos de forma padronizada, por dois investigadores independentes, responsáveis pela avaliação da qualidade metodológica dos manuscritos. Foram excluídos artigos em duplicidade, revisões, editoriais e aqueles avaliando a relação do sexo e/ou idade com a cardioproteção. A busca na literatura foi realizada em setembro de 2014 e a estratégia de busca da literatura compreendeu os seguintes termos: "cardioprotection" AND "ischemia reperfusion injury" OR "ischemia reperfusion" AND "exercise" OR "physical exercise" OR "exercise training" OR "exercise preconditioning".
A seleção dos artigos foi realizada respeitando-se duas etapas. Na primeira, foi realizada leitura dos resumos e foram excluídos aqueles que não se enquadravam nos critérios de inclusão do estudo. Na segunda etapa, foi realizada a leitura dos estudos restantes na íntegra e, da mesma forma, foram excluídos aqueles que não se adequavam aos critérios de inclusão.
Nossa busca resultou em 78 estudos, dos quais 30 foram excluídos pelo resumo: 23 por serem somente estudos de revisão, 5 por investigarem o efeito da idade e/ou sexo na cardioproteção induzida pelo exercício, um por ser editorial e um por estudar o efeito cardioprotetor do exercício de força. Dos 48 artigos restantes a serem lidos na íntegra, 20 foram excluídos: 12 por não incluírem o exercício físico como alvo primário da investigação e 8 por não apresentarem disponibilidade do artigo completo. Dessa forma, foram incluídos 28 estudos nesta revisão sistemática.
Para melhor apresentação dos resultados, optou-se por classificar metodologicamente os artigos selecionados na Tabela 1, na qual os trabalhos foram agrupados de acordo com o principal mecanismo cardioprotetor estudado. Dessa forma, dos 28 estudos aqui selecionados, 11 investigaram a capacidade antioxidante miocárdica; 7 focaram nas Proteínas de Choque Térmico (HSPs) cardíacas; 4 verificaram a influência na via do Óxido Nítrico (NO); 3 observaram incremento dos Canais de Potássio Dependentes de ATP (canais KATP); e 3 concluíram haver envolvimento do sistema de opióides na resposta cardioprotetora do exercício.
Tabela 1 Classificação metodológica dos estudos selecionados
Autor/ano | Exercicio | Grupos | Principais desfechos | Conclusão |
---|---|---|---|---|
Nicholson e cols. 19/2013 | Roda de corrida 4 semanas | Exe: exercício NO2: nitrito suplementado Exe + NO2 Sed: sedentário | Área de infarto e troponina-1: Sed > Exe = Exe + NO2 > NO2 Fração de ejeção: Sed < Exe = Exe + NO2 < NO2 Mioglobina e NFAT: Sed = NO2 > Exe = Exe + NO2 | Exercício reduz níveis cardíacos de mioglobina por inibição da via calcineurina/NFAT Modesta cardioproteção do exercício devido à reduzida habilidade de diminuir nitrito a óxido nítrico |
Akita e cols. 20/2007 | 7 dias consecutivos 60 minutos/sessão 60 70% VO2máx | Exe: exercício Wild: controle Phenol: ablação simpática Antioxidante suplementado eNOS (-/-): knockout para eNOS 1400W: bloqueio da iNOS iNOS (-/-): knockout para iNOS | Área de infarto: Exe < demais grupos Atividade da eNOS e iNOS: Exe > demais grupos Estresse oxidativo: > em Exe e eNOS (-/-) | Exercício estimula inervação simpática cardíaca, provocando ativação da eNOS com consequente elevação da iNOS, que atua como mediadora da cardioproteção tardia |
Hajnal e cols. 11/2005 | 1 sessão 21 minutos Restante não informado | CT: controle L-NAME CT: bloqueio da eNOS AEST CT: bloqueio da iNOS Exe: exercício Exe + L-NAME Exe + AEST | Arritmias: menos frequentes em Exe somente Área de infarto: igual entre todos os grupos | Óxido nítrico funciona como desencadeador e mediador da proteção tardia induzida pelo exercício contra IR |
Babai e cols. 12/2012 | 1 sessão 21 minutos | CT: controle sem exercício CT + Phe: fenilefrina CT + AG: bloqueio da iNOS Exe 24h: 24 horas após exercício Exe 48h: 48 horas após exercício Exe 24h + AG: bloqueio da iNOS | Sensibilidade barorreflexa: Exe 24h e 48h > demais grupos Sobrevivência: Exe 24h: 70% e CT: 9% | Cardioproteção induzida pelo exercício é mediada por óxido nítrico, uma vez que esse efeito foi abolido por aminoguanidina e que a atividade da iNOS estava aumentada 24 horas após exercício |
Farah e cols. 21/2013 | 5 semanas 5 dias/semana 45 minutos/sessão 70% VO2máx 25 m/minutos | CT: controle Exe: exercício Exe + L-NAME: bloqueio da eNOS Exe + L-NIO: bloqueio da eNOS de forma mais específica Exe + BH4: doador de NO | Nível de nitrito e GMPc: igual entre gruposFunção eNOS: Exe e BH4 > demais gruposÁrea de infarto: Exe < demais grupos Estresse oxidativo: Exe > demais grupos | Exercício resultou em maior capacidade antioxidante, que preveniu uma síntese excessiva de óxido nítrico, limitando sua ligação a O2, e consequente formação de peroxinitrito (altamente citotóxico) |
Frasier e cols. 22/2013 | 10 dias consecutivos 60 minutos/sessão 15’ a 15 m/minutos, 30’ a 30 m/minuto e 15’ a 15 m/minuto | Sed: sedentário Exe: exercício BCNU + Exe: glutationa redutase inibida Vas2870 + Exe: NADPH oxidase inibida | Área de Infarto e arritmias: Exe < demais grupos Atividade antioxidante: Exe > demais grupos | Sinalização adaptativa da cardioproteção por exercício foi desencadeada pelas EROS que levaram à melhor atividade da glutationa redutase |
Lee e cols. 23/2012 | 5 dias consecutivos 60 minutos/sessão 70% VO2máx30 m/minutos | CP: sedentário sem IR CIR: sedentário com IR EP: exercício sem IR EIR: exercício com IR | Proteínas pró-apoptóticas e EROS: CIR > demais grupos Parâmetros funcionais: CP = EP > EIR > CIR Função respiratória: EIR = CP = EP | Cardioproteção é mediada, em parte, por adaptações benéficas no fenótipo mitocondrial, tornando-as mais resistentes aos danos oxidativos da IR |
Kavazis e cols. 24/2008 | 5 dias consecutivos 60 minutos/sessão 30 m/minutos | Sed: sedentário ExTr:: treinado | Enzimas antioxidantes e função mitocondrial: ExTr > Expressão de proteínas pro-apoptóticas: Sed > | Exercício induz a adaptações mitocondriais, que contribuem para a cardioproteção |
French e cols. 13/2008 | 3 dias consecutivos 60 minutos/sessão 30 m/minuto | C: sedentário T: treinado T-AS: treinado com tratamento anti-MnSODT-M: treinado com tratamento sham anti-MnSOD | MnSOD: T e T-M > T-AS = C Catalase e GPX: grupos iguais Área de infarto e apoptose: C > T-AS > T = T-M | Exercício incrementa a atividade de enzimas antioxidantes (SOD) que promovem cardioproteção por atenuação da necrose/apoptose |
Lennon e cols. 16/2004 | 3 dias consecutivos 60 minutos/sessão 30 m/minuto | S-C: sedentário controle E-C: treinado sem tratamento E-AS: treinado com tratamento anti-MnSODE-MM: treinado com tratamento sham anti-MnSOD | MnSOD: E-C = E-MM > E-AS = S-C Atividade antioxidante: catalase > nos grupos E Duplo produto: S-C < | Prevenção da elevação induzida pelo exercício de uma enzima antioxidante (MnSOD) não aboliu a cardioproteção |
Hamilton e cols. 14/2003 | 5 dias consecutivos 60 minutos/sessão 30 m/minuto | Controle destreinado (1) Destreinado e dieta antioxidante (2) Treinado e dieta antioxidantes (3) Treinado e dieta antioxidante (4) | Área de infarto: 1 > 2 = 3 = 4 Atividade antioxidante: 1 = 3 < 2 = 4 HSP72/73: 3 > 1 = 2 = 4 Pressão intraventricular: 4 > 3 >2 > 1 | Exercício e uso de antioxidantes podem independentemente um do outro promover cardioproteção, e a combinação dessas duas estratégias não interfere na resposta |
Hamilton e cols. 25/2001 | 3 a 5 dias 60 minutos/sessão 70% VO2máx 30 m/minuto | C: controle E-cold: exercitado a 4ºC E-warm: exercitado a 25ºC | Pressão intraventricular e MnSOD: E-cold = E-warm > C HSPs: E-warm > E-cold = C GPx: E-cold > E-warm = C | A proteção não é dependente do aumento de HSP miocárdica, mas sim devido ao incremento na defesa antioxidante do miocárdio |
Yamashita e cols. 15/1999 | 1 sessão 25 a 30 minutos 27 a 30 m/minutos | C: controle Ex: exercitado (0,5h, 3h, 24h, 36h, 48h, 60h e 72h após exercício) | Área de infarto: C = 3h = 24h = 72h > 0,5h = 36h = 48h = 60h Atividade da MnSOD: 0,5h = 48h > demais grupos Expressão da MnSOD: 48h > demais grupos | A produção de EROS, TNF-a e IL-ip, induzida pelo exercício, leva a ativação de MnSOD, que desempenha importante papel na cardioproteção bifásica contra IR |
Esposito e cols. 26/2011 | 10 semanas 3 dias/semana 60 minutos/sessão 60 ou 80% VO2máx | UNT: destreinado Low: treino a baixa intensidade High: treino em alta intensidade High-det: destreinado após alta intensidade | Área de infarto: High < Low = High-det < UNT HSP70 e MnSOD: High > Low > High-det > UNT | Benefícios cardioprotetores do treinamento são proporcionais à intensidade, e ocorrem via HSPs e defesa antioxidante |
Lennon e cols. 27/2004 | 3 dias consecutivos 60 minutos/sessão 55 ou 75% VO2máx | C: controle sedentário Mod: treino a 55% do VO2máx High: treino a 75% do VO2máx | Função cardíaca: High = Mod > C MnSOD: High > Mod = C HSP72: High > Mod > C | Intensidades moderada e alta promoveram proteção equivalente contra lesões por IR |
Murlasits e cols. 28/2007 | 5 dias consecutivos 60 minutos/sessão 70% VO2máx | C: controle sedentário Treinado | Área de infarto: C > Treinado HSP72: Treinado > C Grp78, Grp94, Calreticulina, ATF3, CHOP, Caspase 12, Noxa, Puma: Treinado = C | O efeito cardioprotetor do exercício de curta duração não está associado a adaptações em proteínas de estresse, tais como HSPs |
Quindry e cols. 29/2007 | 3 dias consecutivos 60 minutos/sessão 30 m/minuto | Sed: sedentário W Ex: exercitado a 22ºC C Ex: exercitado a 8ºC | Área de infarto e Tunel: Sed > W Ex = C Ex HSP72: W Ex > C Ex = Sed | Elevação induzida pelo exercício na HSP72 não é essencial para proteção contra infarto e apoptose |
Starnes e cols. 30/2005 | 16 semanas 5 dias/semana 40 minutos/sessão 55-60% VO2máx | Sed: sedentário RUN: exercitado | Função cardíaca: Sed = RUN HSP70: RUN > Sed | Exercício a 55-60% do VO2máx induz ao aumento de HSP70, mas está abaixo do limiar para induzir à cardioproteção |
Morán e cols. 31/2005 | 24 semanas 5 dias/semana45 minutos/sessão 25 m/minuto | Sed: sedentário Tr: treinado | HSP72: Tr > Sed Estresse oxidativo e adenosina: Tr = Sed MnSOD e GR: Tr < Sed | A cardioproteção induzida pelo treinamento ocorre via elevação na HSP72 e não ao incremento de antioxidantes ou adenosina |
Lennon e cols. 32/2004 | 3 dias consecutivos 60 minutos/sessão 70% VO2máx | CT: controle 1, 3, 9 e 18 dias após exercício | Catalase e HSP72: 1 dia = 3 dias > demais grupos Função cardíaca: 1 dia = 3 dias = 9 dias > 18 dias = CT | A cardioproteção, abolida após 18 dias do término exercício, não está relacionada a HSP72 e catalase |
Harris e cols. 33/2001 | 3, 6 e 9 semanas 5 dias/semana 60 minutos/sessão 23ºC ou 8ºC | Sed: sedentário 3WK, 6WK e 9WK: exercitados por 3/6/9 semanas a 23 ºC 3WKC, 6WKC e 9WKC: exercitados por 3/6/9 semanas a 8 ºC | HSP70: 3WK = 6WK = 9WK > CT = 3WKC = 6WKC = 9WKC Função cardíaca: 9WK > SED = 9WKC SOD: 9WK = 9WKC | A cardioproteção resultante do treinamento físico parece ser devida ao aumento na HSP70 |
Taylor e cols. 10/1999 | 1 ou 3 dias, 100 minutos/dia com 20m/ minuto a 23ºC 1 dia, 100 minutos/dia, com 20m/minuto a 8ºC | CTRL: controle sedentário HS: sedentário aquecido a 42 ºC 1DR e 3DR: exercitados por 1/3 dias a 23 ºC1CR: exercitado por 1 dia a 8 ºC | Função cardíaca: CTRL < demais gruposHSP72: 1DR = 3DR = HS > 1CR = CTRL | O exercício físico agudo pode produzir resposta cardioprotetora sem elevação na HSP72 |
Quindry e cols. 34/2012 | 3 dias 60 minutos/sessão 70% VO2máx 30 m/minuto | Sed: controle sedentário Exe: exercitado Ex5HD: exercitado com bloqueio dos canais KATP mitocondriais ExHMR: exercitado com bloqueio dos KATP sarcolemais | Área de infarto: Ex = Ex5HD < ExHMR = Sed MnSOD: Sed < demais grupos | Ressaltou maior importância dos canais KATPsarcolemais em detrimento dos mitocondriais para prevenção de morte tecidual após exercício |
Quindry e cols. 35/2010 | 3 dias consecutivos 60 minutos/sessão 30 m/minuto | Sed: controle sedentário Exe: exercitado Ex5HD: exercitado com bloqueio dos canais KATP mitocondriais ExHMR1098: exercitado com bloqueio dos KATP sarcolemais | Arritmias: Ex = ExHMR1098 < Ex5HD = Sed MnSOD: Sed < demais grupos | Canais KATP mitocondriais promovem proteção antiarrítmica como parte da cardioproteção induzida pelo exercício |
Brown e cols. 36/2005 | 12 semanas Restante não informado | Sed: sedentário Tr: treinado 5HD: exercitado com bloqueio dos canais KATP mitocondriais HMR1098: exercitado com bloqueio dos Katp sarcolemais | Área de infarto: HMR1098 > demais Conteúdo de cálcio: 5HD > demais gruposPressão: 5HD < demais grupos | Exercício aumentou a expressão dos canais KATPsarcolemais, que, quando eram bloqueados, anulavam os benefícios cardioprotetores do exercício |
Michelsen e cols. 37/2012 | Bicicleta 1 sessão 25 minutos 4x 2’ 400W + 3’ 250W | ExPC: pré-condicionamento por exercícioExPC + N: pré-condicionamento por exercício + bloqueio dos opióides rIPC: pre-condicionamento isquêmico remotor IPC + N: pre-condicionamento isquêmico remoto | Área de infarto: rIPC < rIPC + N /ExPC < ExPC + N Pressão:rIPC > rIPC + N /ExPC > ExPC + N | O exercício pré-condiciona remotamente o coração por meio de efetor humoral dependente da ativação de receptores opióides |
Galvão e cols. 38/2011 | 12 semanas 5 dias/semana 60 minutos/sessão 60% VO2máx | C: controle ET: treinamento físico M: morfina IR: isquemia reperfusão M + N: bloqueio dos opióides ET + M ET + N | Área de infarto: C, M + N, e ET + N > demais grupos Pressão intraventricular e densidade capilar: igual entre os grupos | O efeito crônico do exercício em reduzir a área de infarto ocorre devido à ativação dos receptores opióides e não devido ao aumento na perfusão miocárdica |
Dickson e cols. 9/2008 | 1 sessão 25 minutos 25 m/minuto | Exe: exercício Exe + N: exercício com bloqueio dos opióides | Pressão intraventricular: igual entre os grupos Área de infarto: Exe < Exe + N | Cardioproteção é mediada por um mecanismo dependente de receptor opióides |
NFAT: fator nuclear de células T ativadas; VO2máx: consumo de oxigênio máximo; eNOS: óxido nítrico-sintase endotelial; iNOS: óxido nítrico-sintase induzida; IR: isquemia e reperfusão; NO: óxido nítrico; GMPc: monofosfato cíclico de guanosina; O2: oxigênio; NADPH: nicotinamida adenina dinucleótido fosfato; EROS: espécies reativas de oxigênio; MnSOD: superóxido dismutase com cofator manganês; GPx: glutationa peroxidase; SOD: superóxido dismutase; HSP: proteínas de choque térmico; GPx: glutationa peroxidase; TNF-α: fator de necrose tumoral alfa; IL: interleucina; Grp, ATF, CHOP: proteínas de estresse; GR: glutationa redutase; Katp: canais de potássio dependentes de ATP.
Vale a pena ressaltar que, ao utilizar os descritores já mencionados nos principais portais de busca científica, nenhum dos 78 estudos inicialmente encontrados era de pesquisa clínica, ou seja, todos os estudos que incluíam intervenção foram realizados em animais. Em todos os estudos, os desfechos foram analisados após lesão por IR.
Muito se têm estudado nas últimas décadas no intuito de definir a patogênese da lesão por IR. Há grande complexidade na sucessão de eventos relacionados à isquemia, caracterizada por uma série de alterações metabólicas e bioquímicas abruptas no miocárdio que levam ao dano cardíaco39 , 40 (Figura 1). Durante a isquemia, o suprimento de oxigênio destinado à mitocôndria cessa, interrompendo o ciclo de Krebs e fazendo com que quase nenhuma energia seja disponível a partir da fosforilação oxidativa. Portanto, no intuito de suprir a demanda energética do miocárdio, o ATP celular é gerado pela glicólise41. No entanto, essa alteração do metabolismo celular é acompanhada por um aumento nos níveis de lactato citosólico e redução do pH intracelular. Isso ocorre de maneira que, após 30 minutos de isquemia, a concentração iônica de hidrogênio no citosol aumenta de forma tão significativa que o pH celular pode chegar a 5,5 a 6,042. A fim de compensar o baixo pH, ocorre acúmulo intracelular de água, causando inchaço ou edema celular3. Em conjunto, essas alterações ativam um transportador de íons de membrana independente de ATP, chamado trocador de Na+/H+, cuja função é regular o pH e o volume intracelular, promovendo simultaneamente efluxo de íons de Hidrogênio (H+) e influxo de Sódio (Na+) na célula. Em função do aumento da concentração de Na+ no citosol, ocorre ativação reversa do trocador de Na+/Ca2+, que passa a excluir Na+ em troca da entrada de cálcio (Ca2+) na célula4 , 41.
Adaptado de: Hausenloy e cols.4
EROS: espécies reativas de oxigênio; RS: retículo sarcoplasmático; MPTP: poro de transição de permeabilidade mitocondrial (mitochondria permeability transition pore).
Figura 1 Alterações metabólicas e bioquímicas ocorridas no miocárdio em resposta à isquemia e à reperfusão.
Em paralelo, a redução nos níveis de ATP interrompe a atividade de bombas ativas importantes na homeostase iônica, como Na+/K+ ATPase e SERCA. A função da Na+/K+ ATPase é excluir o Na+ e permitir a entrada do K+, no intuito de manter o potencial elétrico de repouso da célula, enquanto a SERCA é responsável por “recapturar” o Ca2+ liberado no citosol de volta para o retículo sarcoplasmático após a contração muscular. Portanto, a inatividade dessas bombas resulta em sobrecarga adicional de Na+ e Ca2+, o que inviabiliza a repolarização celular e culmina em disfunção contrátil41. Além disso, níveis elevados de Ca2+ no citosol ativam enzimas, como as fosfolipases, proteases (principalmente a calpaína), endonucleases e ATPases, que estão associadas a peroxidação lipídica, produção de Espécies Reativas de Oxigênio (EROs), disfunção de proteínas contráteis, perda da função celular e, em última instância, morte celular4 , 8.
Durante a reperfusão, os danos da isquemia são exacerbados, pois a restauração do fluxo de oxigênio gera uma descarga de EROs na mitocôndria8. A produção de EROs e a sobrecarga de Ca2+ são os principais fatores contribuintes para os danos celulares induzidos pela IR, pois culminam na abertura do poro de transição de permeabilidade mitocondrial (MPTP)4. A abertura desse poro implica em perda do potencial de ação da membrana da mitocôndria, desacoplamento da fosforilação oxidativa, desencadeando em depleção de ATP e morte celular. Além disso, sua abertura age também como atrativo químico do neutrófilo, que, por sua vez, causa disfunção do retículo sarcoplasmático (como o receptor de rianodina), associada a aumento e/ou manutenção da sobrecarga de cálcio e exacerbação dos efeitos deletérios causados pelas enzimas ativadas pelo cálcio4 , 8. A condição ácida (pH < 7,0), característica da isquemia, previne a abertura do MPTP e a hipercontratura do cardiomiócito, no entanto, durante a reperfusão, o wash out do lactato e a restauração do pH fisiológico faz com haja abertura do MPTP. Apesar de necessária para a reversão da isquemia, a restauração do fluxo sanguíneo, portanto, pode, em última análise, ser mais deletéria que o próprio processo de isquemia18.
Tendo em vista o grave problema clínico exposto, o desenvolvimento de abordagens terapêuticas que visam ao tratamento das lesões por IR passou a ser preocupação do setor biomédico. Nesse sentido, Murry e cols.43 observaram que quatro pequenos períodos de 5 minutos de isquemia miocárdica intercalados com 5 minutos de reperfusão eram capazes de proteger o miocárdio contra longos períodos de isquemia subsequentes. A partir dessa observação, que ficou conhecida como “pré-condicionamento do miocárdio”, inúmeros estudos se debruçaram sobre outras possíveis estratégias de cardioproteção, como: (1) pós-condicionamento isquêmico do miocárdio, no qual curtos períodos de isquemia, durante os minutos iniciais da reperfusão, após prolongada oclusão arterial, seriam capazes de reduzir a área de infarto7 , 17 , 44; (2) pré-condicionamento pelo exercício, caracterizado por induzir um fenótipo cardíaco resistente a lesões miocárdicas após a realização de exercício6 , 7 , 9 , 16 , 17 , 41 , 45; (3) pré-condicionamento farmacológico, que preconiza a utilização de agentes fármacos (tais como a adenosina e cicloesporina A)4como moduladores das vias intracelulares para redução da área de necrose devido à lesão por IR.
O pré-condicionamento obtido pelo exercício físico, alvo central dessa revisão, é a única estratégia que representa um tratamento que pode ser realizado de forma regular, com o intuito de proteger o coração contra lesões por IR46 , 47.
Já em 1978, McElroy e cols.48 demonstraram que a prática regular de exercícios físicos é capaz de conferir cardioproteção. Nesse estudo, ratos foram submetidos a treinamento físico de natação (1 hora/sessão, 5 dias/semana, 5 semanas) e, após oclusão irreversível da artéria coronária esquerda, foi verificada redução de 30% na área de infarto nos animais treinados em comparação aos sedentários. Resultado similar foi encontrado por Brown e cols.49 que, após 20 semanas de treinamento na esteira, encontraram 25% de redução na área de infarto dos ratos treinados em resposta a 1 hora de isquemia e a 2 horas de reperfusão. Em adição, os autores também relataram melhora da função cardíaca com o treinamento físico devido à maior manutenção dos valores de pressão intraventricular durante a IR.
Parece inegável que o treinamento físico aeróbio proteja o coração contra insultos de IR, tanto por atenuação da morte tecidual quanto por maior manutenção da função cardíaca. No entanto, o mecanismo pelo qual isso ocorre ainda é motivo de debate6 , 8 , 18. De acordo com os estudos levantados, os principais mecanismos propostos envolvem aumento na produção de HSP31 , 33; envolvimento da via do NO11 , 12 , 19 , 20; aumento na capacidade antioxidativa cardíaca, associado à redução na produção de EROs nas mitocôndrias do miocárdio13 - 15 , 21 , 22 , 25; melhora na função canais KATP presentes no sarcolema e mitocôndria34 - 36; e ativação no sistema de opióides9 , 37 , 38.
Já foi demonstrado que, ao menos a nível celular, diversas proteínas desempenham importante papel na manutenção da homeostase. Quando o organismo é exposto a situações de estresse (por exemplo, hipóxia, hipertermia, isquemia e acidose), a síntese dessas proteínas pode ser comprometida8 , 50. Em resposta, o organismo sintetiza proteínas, chamadas de “Proteínas de Choque Térmico” (do inglês Heat Shock Protein), que auxiliam na manutenção da homeostase6.
As HSPs são classificadas em vários grupos de acordo com seu peso molecular: 8 a 32 kDa; 40 a 60-kDa; 70 a 90 kDa; e 100 a 110 kDa51. Sabe-se que várias famílias, como a HSP10, a HSP60 e a HSP90, estão associadas a efeitos cardioprotetores; no entanto, a família da HSP70 é a que merece maior destaque8. Os membros mais proeminentes da família das HSP70 são a HSP73 e a HSP72. A HSP73 é sintetizada em todas as células de forma constitutiva e, após episódio de estresse, sofre ligeiro aumento. De forma contrária, a HSP72 só pode detectada após um evento estressante51, principalmente como lesões por IR.
Como visto nos estudos revisados, atualmente o exercício aeróbio agudo é considerado um estímulo capaz de elevar o nível de HSP70 miocárdicas10 , 26 , 29 , 31 , 33. No entanto, o mecanismo pelo qual isso ocorre ainda não é claro, mas os autores o associaram a estresse térmico, hipóxia, redução no pH intracelular, estresse oxidativo, depleção de glicose e/ou aumento citosólico de cálcio. Estudos prévios sugeriram que o aumento na expressão de HSP72 induzido pelo exercício está associado à proteção contra lesões por IR26 , 31 , 33, tornando esta uma forte hipótese para justificar o pré-condicionamento induzido pelo exercício. No entanto, no estudo de Taylor e cols.10 e Quindry e cols.29, com o intuito de evitar o aumento da HSP72, os animais foram exercitados no frio e em temperatura ambiente. Ambos os autores verificaram que, independente do nível de HSP72, os dois grupos apresentaram cardioproteção contra lesão por IR. Apesar da elevação da expressão da HSP72 ser capaz de promover resposta cardioprotetora, esse aumento, portanto, não é um pré-requisito para se obter cardioproteção induzida pelo exercício.
Após isquemia, o coração utiliza a NO-Sintase Endotelial (eNOS) prontamente para uma “descarga” imediata de NO, ao passo que ocorre aumento na NO-Sintase Induzida (iNOS) para conversão de um fenótipo celular mais defensivo por meio de um incremento na biossíntese de NO8. Tendo em vista a capacidade que o exercício tem de aumentar a liberação de eNOS por meio de shear stress, o NO pode desempenhar importante papel de cardioproteção induzida pelo exercício contra lesões IR8, funcionando como desencadeador e mediador da fase tardia do pré-condicionamento (após 24 horas)11. Nesse sentido, Babai e cols.12 mostraram que mesmo uma única sessão de exercício conferiu cardioproteção contra IR mediada por NO. Evidência adicional dessa contribuição veio de Farah e cols.21, que, ao utilizarem um bloqueador de eNOS, perceberam que a cardioproteção induzida pelo exercício foi abolida. Ainda nesse contexto, em estudo bastante interessante de Nicholson e cols.19, foi mostrado que o exercício é capaz de elevar modestamente a capacidade do coração de reduzir nitrito a NO, o que provavelmente contribuiu para a cardioproteção induzida pelo exercício.
O organismo possui um sistema antioxidante altamente complexo, composto principalmente de agentes não enzimáticos, que trabalham sinergicamente para proteger as células e os sistemas orgânicos contra danos causados por estresse oxidativo. Destacam-se, entre eles, a Superóxido Dismutase (SOD), a catalase e a glutationa peroxidase8.
Apesar de já ter sido largamente estudado, ainda não há um consenso acerca do efeito do exercício físico na atividade dos agentes antioxidantes do miocárdio8. Já foi demonstrado que a liberação transiente de EROs, que ocorre durante o exercício, desencadeia uma adaptação específica capaz de elevar a capacidade antioxidante22. Nesse sentido, alguns autores mostraram que o exercício foi capaz de elevar os níveis de catalase32 e glutationa peroxidase22, enquanto outros não encontraram diferença9 , 52. Maior consenso existe quanto ao papel do exercício em promover aumento na atividade da SOD, mais especificamente da isoforma encontrada na mitocôndria, a MnSOD8 , 15 , 18. No entanto, como a cardioproteção induzida pelo exercício é um processo multifatorial, que está associado a diferentes elementos, é possível que não esteja relacionada somente ao aumento na capacidade antioxidativa. No intuito de responder essa questão, Yamashita e cols.15 utilizaram uma técnica com oligonucleotídeos antissenso para silenciamento genético da MnSOD e demonstraram que a inibição do aumento da expressão da MnSOD cardíaca induzida pelo exercício resulta na perda da cardioproteção. Porém, de forma contrária, Lennon e cols.16 utilizaram a mesma técnica de silenciamento e, por sua vez, mostraram que, mesmo após prevenir o aumento na MnSOD, a cardioproteção ainda era observada. Portanto, fica claro que investimento adicional é necessário para entender melhor a real participação das enzimas antioxidantes na cardioproteção associada ao exercício.
Os canais KATP, altamente expressos no sarcolema e na mitocôndria, têm sido associados a efeito cardioprotetor53 , 54. Acredita-se que esses canais atuem como sensores capazes de identificar o equilíbrio iônico e bioenergético celular, no intuito de preservarem a homeostase cardíaca durante situações de estresse metabólico55. Para desempenhar tal função, seu funcionamento é baseado na quantidade de ATP disponível no citosol. Os canais KATP ficam fechados durante presença abundante de ATP citosólico, mas a diminuição de ATP, em decorrência de estresse metabólico (como exemplo a isquemia), estimula sua abertura8 , 53 , 55. Em relação aos canais KATP presentes no sarcolema, uma vez abertos, há efluxo de K+ do cardiomiócito, que provoca a hiperpolarização da célula cardíaca e a redução no número de potenciais de ação56. Isso limita a entrada de Ca2+ por meio dos canais tipo – L e evita o acúmulo intracelular de Ca2+ 8. Coletivamente, ocorre redução na demanda metabólica cardíaca, fazendo com que a atividade na cadeia de transporte de elétrons seja diminuída, evitando, assim, a produção de EROs56.
Além do efeito benéfico cardioprotetor que os canais KATP sarcolemais exercem no pré-condicionamento isquêmico e farmacológico57, já foi demonstrado papel também no exercício36 , 53 , 58. Brown e cols.36 demonstraram que 12 semanas de treinamento físico aumentaram a expressão desses canais em cardiomiócitos, e seu bloqueio farmacológico impediu o efeito cardioprotetor do exercício contra a lesão por IR. De forma similar, Quindry e cols.34também ressaltaram importância dos canais KATP sarcolemais para prevenção de morte tecidual após exercício.
No entanto, mais obscuro é o papel dos canais KATP mitocondriais na cardioproteção. Quanto aos seus mecanismos cardioprotetores, evidências indicam que sua abertura causa alcalinização da matriz mitocondrial, redução na produção de EROs, redução no acúmulo de Ca2+mitocondrial e melhora na produção de energia na mitocôndria7. Apesar disso, Brown e cols.36 utilizaram um inibidor dos canais KATP mitocondriais e concluíram que esses canais não eram mediadores essenciais da cardioproteção induzida pelo treinamento físico contra lesão por IR. Em contrapartida, Quindry e cols.35, ao inibirem os canais KATP mitocondriais, verificaram que a proteção contra arritmias de ratos exercitados era anulada. Dessa forma, não pode ser descartada a hipótese de que os canais KATP mitocondriais, em adição aos sarcolemais, também sejam capazes de promover cardioproteção após exercício físico.
Apesar de já estar bem consolidada a relação da cardioproteção pelo exercício com a abertura dos canais KATP, a cascata de sinalização intracelular que ocorre em resposta ao exercício e que resulta na abertura desses canais ainda não foi esclarecida. De forma simplificada, acredita-se que os canais KATPestão associados aos opióides e à Proteína Quinase C (PKC), como demonstrado na Figura 2 9. O fato do sistema dos opióides sofrer influência com o exercício físico9 o torna um possível candidato como mediador da cardioproteção induzida pelo exercício.
Adaptado de: Schultz e cols.59
PKC: proteína quinase C; Gi/o: proteína G.
Figura 2 Diagrama esquemático de possível via de sinalização envolvida na cardioproteção induzida pelos canais KATP e opióides.
Os peptídeos opióides têm sido usados no tratamento da dor por centenas de anos. No entanto, estudos para a investigação das propriedades cardioprotetoras dos opióides só começaram mais recentemente, quando Schultz e cols.60, em 1995, mostraram que o pré-condicionamento do miocárdio, fenômeno já descrito aqui pela capacidade de reduzir a lesão isquêmica do miocárdio, tem como um dos seus mediadores os receptores opióides. Estes estudos levaram à descoberta de que a morfina (um agente opióides exógeno), além de tratar a dor associada ao IAM, também pode auxiliar na redução da área do IAM. Desde então, o sistema opióides e as drogas que nele atuam estão ganhando destaque, devido a um efeito no sistema cardiovascular59. Já é sabido que os níveis de peptídeos opióides endógenos aumentam durante situações de estresse, como, por exemplo, durante a isquemia59 , 61. De fato, estudos já demonstraram que a beta-endorfina (um agente opióides endógeno) estava aumentada em pacientes com isquemia miocárdica62 e após angioplastia coronariana63. Dessa forma, foi especulado que o aumento nos níveis de peptídeos opoides em tecidos ventriculares infartados pode ocorrer em função de um mecanismo compensatório, para contrapor o alto nível de catecolaminas liberadas durante a isquemia, no intuito de minimizar a área de infarto59.
Interessantemente, a hibernação de animais, período conhecido por reduzir significativamente o metabolismo, a frequência cardíaca e a frequência respiratória, é induzida por uma substância de natureza opióides, chamada “fator indutor de hibernação”64. Já foi demonstrado que o uso de DADLE, um agonista de opióides amplamente utilizado, bem como o fator indutor de hibernação, são igualmente eficazes em estender o tempo de sobrevivência de órgãos e preservação de tecidos antes de transplante de órgãos64.
Sabe-se, atualmente, que o exercício, assim como outras situações de estresse, é capaz de aumentar o nível de agentes opióides9 , 65. De fato, Howlett e cols.66 demonstraram que sessões agudas de exercício de corrida induziram ao aumento significativo na liberação de beta-endorfina em jovens mulheres, e que esse padrão não era alterado após 8 semanas de treinamento físico. Nesse estudo, o exercício físico foi também mostrado como o primeiro estímulo fisiológico capaz de elevar a liberação de outro agente opióides endógeno, a encefalina. No que se refere ao impacto do exercício na expressão dos receptores opióides, já foi demonstrado aumento transitório imediatamente após uma sessão aguda de exercício físico no coração9. Já foi demonstrado que o bloqueio dos receptores opióides por naloxona, durante teste incremental máximo em humanos, reduziu o tempo de teste, o consumo máximo de oxigênio e a frequência cardíaca máxima observada em resposta ao esforço67. Portanto, os autores concluíram que indivíduos saudáveis, quando submetidos a teste máximo e injeção de naloxona, finalizavam o teste máximo mais em função da percepção de cansaço que propriamente de limitação fisiológica.
Apesar desse efeito analgésico do sistema opióides, o papel desse sistema no funcionamento cardiovascular, em resposta ao exercício, não pode ser descartado. Apesar de a relação dos opióides com o efeito cardioprotetor do exercício ter sido pouco estudada, já foi demonstrado que a redução de 50% na área de infarto associada a uma sessão de exercício (25 minutos a 25 m/minuto) foi completamente abolida após o bloqueio farmacológico dos receptores opióides9. Além disso, Michelsen e cols.37, bem como o estudo de Galvão e cols.38, indicaram que a cardioproteção induzida pelo exercício é mediada por um mecanismo dependente de receptor opióides.
Ao longo dos anos, diversas intervenções terapêuticas com o intuito de prevenir a lesão por reperfusão em pacientes já foram testadas68. Dentre elas, o condicionamento isquêmico remoto do miocárdio merece destaque por sua maior aplicação na prática clínica. Já foi demonstrado que essa estratégia pode ser reproduzida em humanos por meio da utilização de uma braçadeira com manguito para induzir a pequenos ciclos de IR no braço, que viriam a proteger o coração contra lesões por IR69 , 70. No entanto, os resultados a esse respeito ainda são muito incipientes − muito em razão da dificuldade de se traduzir a cardioproteção obtida de estudos com experimentação animal para a clínica. Um dos principais aspectos fica por conta dos modelos de infarto adotados em animais, que não representam adequadamente o típico paciente cardiopata, no que se refere a idade, comorbidades, medicações e fisiopatologia do infarto68.
Em se tratando de cardioproteção induzida pelo exercício contra lesões por IR e seus mecanismos, dada a necessidade da intervenção ser aplicada antes do evento isquêmico, o que, no caso do infarto miocárdio, é impossível prever, torna-se ainda mais difícil sua aplicação na pesquisa clínica. Isso justifica o fato de a totalidade das evidências pesquisadas sobre o tema terem sido advindas de estudos com modelos animais, principalmente ratos e cães. No entanto, a fim de estabelecer vinculações e implicações clínicas, foi encontrado o estudo de Zdrenghea e cols.71, que mostraram que a depressão no segmento ST induzida pelo exercício foi significativamente atenuada em pacientes de alto risco durante sessões subsequentes de exercício. Na mesma linha, Lambiase e cols.72 exercitaram pacientes com DAC previamente à intervenção coronariana percutânea e observaram que a deflação no segmento ST comum do procedimento foi reduzida. Apesar de poucos, esses resultados já indicam uma perspectiva promissora que o exercício possui em promover cardioproteção na clínica, tornando-o alvo de pesquisas futuras.
Apesar de todo o investimento realizado, ainda é incipiente o conhecimento acerca dos mecanismos responsáveis pela cardioproteção induzida pelo exercício contra lesões por IR. Tendo em vista o grave problema clínico que as lesões por IR representam e que a prática de exercícios físicos é considerada a única estratégia de pré-condicionamento sustentada capaz de proteger o coração contra esse tipo de lesão, torna-se importante entender melhor as vias envolvidas nesse efeito. Tendo em vista os estudos levantados nesta revisão, as principais linhas estão associadas a aumento na produção de HSPs31 , 33; envolvimento da via do NO11 , 12 , 19 , 20; aumento na capacidade antioxidativa cardíaca13 - 15 , 21 , 22 , 25; melhora na função dos canais KATP 34 - 36; e ativação no sistema de opióides9 , 37 , 38.
Apesar de evidências prévias levarem a crer que a cardioproteção induzida pelo exercício está mais diretamente associada à capacidade antioxidativa e ao papel dos canais KATP juntamente ao sistema de opióides, ainda é necessário maior investimento em trabalhos futuros para obtenção de conclusão mais consistente.