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Médicos, política e sistemas de saúde

Médicos, política e sistemas de saúde

Autores:

Luciana Dias de Lima,
Marilia Sá Carvalho,
Cláudia Medina Coeli

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos de Saúde Pública

versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464

Cad. Saúde Pública vol.35 no.1 Rio de Janeiro 2019 Epub 10-Jan-2019

http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00237418

Os médicos e suas entidades representativas ocupam um papel central na trajetória de construção e reformas de sistemas públicos de saúde. No plano internacional, estudos comparados enfatizam a importância das relações entre o Estado e as organizações da medicina, para distintas orientações e rumos da política de saúde em contextos institucionais específicos 1. Ressaltam, ainda, as tensões envolvendo a regulação do trabalho médico (modalidades de contratação e vínculos empregatícios, formas de remuneração, entre outras) e da autonomia da profissão (tais como definição de atribuições e escopo de atividades médicas), associadas às propostas governamentais de reorientação e expansão do sistema público de atenção à saúde 2,3.

No Brasil, o tema já foi objeto de vários trabalhos que analisam a prática política, as influências e os posicionamentos dos médicos e suas representações em diferentes momentos históricos, como os de 1920 e 1930 4,5,6, de 1970 e 1980 7,8,9,10 e durante o início da implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) nos anos 1990 4. A partir de 2013, com o lançamento do Programa Mais Médicos (PMM), tais análises voltaram a ter destaque na agenda de investigações da Saúde Coletiva, evidenciando embates entre governos e corporação médica no processo de formulação e implementação dessa política 11,12,13.

O ano de 2019 inicia com inúmeros desafios para a política de saúde e o SUS. Entre esses, o de garantir a reposição de mais de oito mil médicos que começaram a sair do país em novembro de 2018, devido ao fim do acordo de cooperação técnica entre Cuba e Brasil, mediado pela Organização Pan-Americana da Saúde no âmbito do PMM. Segundo nota técnica da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a saída dos profissionais cubanos coloca em risco a assistência de mais de 23 milhões de pessoas residentes em 2.800 municípios, e lugares que se destacam por elevados indicadores de pobreza, necessidades e dificuldades de acesso a serviços de atenção primária à saúde (APS) 14.

Para suprir a carência desses profissionais, o Ministério da Saúde abriu um processo seletivo visando à ocupação das vagas por médicos brasileiros, nos municípios contemplados pelo programa. No entanto, até o início de dezembro de 2018, informações divulgadas pelo Ministério da Saúde apontam que dos 34.653 médicos inscritos, apenas 3.276 tinham iniciado as atividades, sendo o número de desistentes bastante significativo (http://portalms.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/44870-com-desistentes-cerca-de-200-vagas-voltam-a-edital-do-mais-medicos).

Nesse cenário, ressaltam-se as medidas de médio prazo propostas pela Abrasco 14. Elas exigirão negociações federativas, entre os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), e entre o novo Governo Federal, grupos e organizações representativas da sociedade, no intuito de equacionar problemas estruturais, como aqueles relacionados à formação, provimento e fixação de médicos brasileiros, e garantir maior adesão da categoria aos requisitos do SUS. As negociações ocorrerão em um contexto de contingenciamento de recursos financeiros e piora das condições de vida no país, o que aumenta as responsabilidades e expectativas quanto a acordos e proposições que possam responder de modo satisfatório aos interesses coletivos da população.

O fascículo de janeiro de 2019 de CSP busca contribuir com esse debate por meio da publicação do espaço temático Médicos na Atenção Primária à Saúde. A seção reúne quatro artigos de autoria de médicos da APS que refletem sobre a experiência e os dilemas da profissão, considerando diferentes características dos sistemas de saúde de Portugal, Brasil, Canadá e Chile, que condicionam a prática médica.

Os artigos são comentados por Martin Roland 15. O autor reconhece os avanços empreendidos, mas sugere imensas lacunas que ainda persistem após quarenta anos da realização da Conferência de Alma-Ata, para a implantação de uma APS pública, universal e integral nesses países.

Por intermédio das fotos deste ano de CSP, pretendemos homenagear o trabalho desenvolvido por todos os profissionais de saúde que dedicam parte importante de suas vidas ao SUS!

REFERÊNCIAS

1. Immergut EM. Health politics: interests and institutions in Western Europe. New York: Cambridge University Press; 1992.
2. Moran M. Governing the health care state: a comparative study of the United Kingdom, the United States, and Germany. Manchester: Manchester University Press; 1999.
3. Giaimo S. Markets and medicine: the politics of health care reform in Britain, Germany, and the United States. Ann Arbor: University of Michigan Press; 2009.
4. Castro MHG. Conflitos e interesses na implementação da reforma da política de saúde. Saúde Debate 1992; 35:15-21.
5. Teixeira CRRR. A reforma Pedro Ernesto (1933): perdas e ganhos para os médicos do Distrito Federal [Dissertação de Mestrado]. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz; 2004.
6. Pereira Neto AF. A profissão médica em questão (1922): dimensão histórica e sociológica. Cad Saúde Pública 1995; 11:600-15.
7. Donnangelo MCF. Medicina e sociedade. O médico e seu mercado de trabalho. São Paulo: Pioneira; 1975.
8. Campos GWS. Os médicos e a política de saúde: entre a estatização e o empresariamento: a defesa da prática liberal da medicina. São Paulo: Editora Hucitec; 1988.
9. Teixeira SMF, Gerschman S. Movimentos sociais, construção de hegemonia e formulação de políticas: um estudo sobre o movimento médico e os movimentos populares em saúde. Relatório parcial da pesquisa. Rio de Janeiro: Núcleo de Estudos Político-sociais em Saúde, Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz; 1990.
10. Lobato LVC. Corporação médica e reforma sanitária [Dissertação de Mestrado]. Rio de Janeiro: Escola de Administração Pública, Fundação Getúlio Vargas; 1994.
11. Alessio MM, Sousa MF. Programa Mais Médicos: elementos de tensão entre governo e entidades médicas. Interface (Botucatu, Online) 2017; 21 Suppl 1:1143-56.
12. Gomes LB, Merhy EE. Uma análise da luta das entidades médicas brasileiras diante do Programa Mais Médicos. Interface (Botucatu, Online) 2017; 21 Suppl 1:1103-14.
13. Dias HS. Do diálogo à ruptura: interações governo-corporação médica na política nacional de trabalho e educação na saúde [Tese de Doutorado]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz; 2018.
14. Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Nota Abrasco sobre a saída dos médicos cubanos do Mais Médicos. (acessado em 09/Dez/2018).
15. Roland M. 40 years on. Has the vision of Alma-Ata been realized? Cad Saúde Pública 2019; 35:e00212218.