versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.30 no.5 São Paulo 2018 Epub 08-Out-2018
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182017240
A qualidade vocal de um indivíduo é produto da interação de forças aerodinâmicas, caracterizadas pelo fluxo aéreo expirado, com as forças mioelásticas da laringe, além das contribuições do filtro do trato vocal(1). A laringe funciona como um transdutor de energia aerodinâmica em energia acústica. O fluxo de ar é transformado em energia acústica, por meio dos ciclos de abertura e fechamento das pregas vocais. É o sistema respiratório que fornece a energia necessária para a fonação, portanto, alterações neste sistema podem afetar profissionais que utilizam a voz como instrumento de trabalho (2).
A produção da voz tem uma função multidimensional, e avaliando os diversos parâmetros vocais é possível: 1. quantificar melhor a qualidade da voz; 2. compreender os efeitos de um tratamento, seja ele cirúrgico, medicamentoso ou fonoterápico; e 3. correlacionar os diferentes dados da avaliação vocal, para uma melhor compreensão dos mecanismos funcionais envolvidos na fonação (2-3).
É muito importante realizar a avaliação das medidas aerodinâmicas de cantores, pois eles utilizam a respiração como a base para a adequada produção da qualidade da voz cantada. O aumento do fluxo aéreo e da pressão subglótica são acionadas a todo o instante e qualquer ineficiência respiratória, ou laríngea, pode prejudicar a produção do canto(4). A literatura relata que cantores se diferenciam da população em geral nos valores das medidas aerodinâmicas devido ao treinamento muscular que eles realizam(5). Cantores tendem a apresentar menores valores de fluxo aéreo e pressão subglótica do que não cantores, mostrando que estes profissionais apresentam uma maior eficiência aerodinâmica(6).
Em uma pesquisa realizada com cantores de diferentes estilos musicais, observou-se que as medidas aerodinâmicas de pressão subglótica e de volume de ar expirado mostraram-se diferentes, pois cada cantor realiza adaptações vocais particulares ao idioma, tipo de música, interpretação e características próprias do indivíduo(4).
O ato de cantar exige controle e precisão da respiração e da fonação, portanto, maior eficiência do fluxo de ar na glote(6). A falta de harmonia em uma das funções desses sistemas pode gerar desequilíbrios e afetar a capacidade de manter uma qualidade sonora adequada (7). Quando se tem um bom treinamento respiratório no canto, pode-se dizer que o fluxo de ar na glote é utilizado de forma adequada.
A análise aerodinâmica da voz está se tornando cada vez mais viável e comum no cenário da clínica vocal, como resultado de avanços científicos. As primeiras medidas aerodinâmicas foram diretas, portanto invasivas, já que mediam a pressão subglótica por meio de punção da membrana cricotiroideia(8). O avanço tecnológico permitiu a extração das medidas aerodinâmicas de forma indireta, e parâmetros de fluxo aéreo e pressão subglótica passaram a ser estimados a partir de medidas da pressão intraoral(9).
As diferenças anatômicas e funcionais na laringe e as características acústicas da voz de homens e mulheres já foram analisadas pela literatura de forma aprofundada(10-12). Poucos estudos, porém, analisaram as diferenças nos parâmetros aerodinâmicos de fluxo aéreo e pressão aérea subglótica relacionadas ao gênero(13-15), e a literatura não apresenta nenhuma pesquisa que tenha analisado estas diferenças em cantores.
Compreender as características acústicas e aerodinâmicas da voz em cantores, e as diferenças destes aspectos relacionadas ao gênero, são importantes para subsidiar o treinamento vocal de cantores. Sabe-se que as diferenças anatômicas do aparelho fonador masculino e feminino interferem nas características acústicas da voz(10-12) e nos parâmetros aerodinâmicos da voz falada(13-15), mas as diferenças geradas pelo gênero nos parâmetros acústicos e aerodinâmicos da voz de cantores ainda não foram analisadas pela literatura da área. Supõe-se que homens e mulheres cantores possuem diferentes medidas acústicas e aerodinâmicas da voz, em decorrência das diferenças anatômicas da laringe e do aparelho respiratório.
O objetivo deste estudo é comparar os valores dos parâmetros acústicos e aerodinâmicos de homens e mulheres cantores.
Trata-se de um estudo transversal, observacional, comparativo, com amostra de conveniência, que foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sob o número CAAE 48085815.2.0000.5149. Todos os indivíduos foram informados quanto aos objetivos e procedimentos do estudo e, após concordância, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Participaram da pesquisa 60 indivíduos de ambos os gêneros, sendo 30 homens com idade de 19 a 48 anos (média de 28,6 anos) e 30 mulheres com idade de 18 a 36 anos (média de 26,1 anos). Os grupos foram pareados por idade (p=0,208), gênero musical e tempo de experiência em voz cantada. Todos os participantes foram recrutados em escolas de canto.
Foram critérios de inclusão ser cantor profissional ou amador; sem queixas e/ou alterações vocais; com presença de laringe normal; e com faixa etária de 18 a 55 anos, por ser o período de mais estabilidade vocal, eliminando assim, quaisquer alterações relacionadas à fase da muda vocal ou ao avanço da idade. Foram excluídos os participantes que informaram ser fumantes, mulheres grávidas ou no período menstrual.
Para avaliação laríngea, foi realizado exame de videolaringoscopia de alta velocidade, que capta com precisão e nitidez as fases de abertura e fechamento glótico, utilizando o equipamento SL da Kay PentaxTM, model 6103, Lincoln Park NJ USA, por um mesmo médico Otorrinolaringologista. Foram consideradas laringes normais aquelas cujos exames apresentaram fechamento glótico completo, ou nos casos das mulheres com fenda triangular posterior, e sem presença de lesões em ambas as pregas vocais.
Para avaliação da presença de queixa vocal e da qualidade da voz, todos os participantes foram avaliados por uma fonoaudióloga especialista em voz com mais de cinco anos de prática. Foram elegíveis os participantes sem queixa vocal e com qualidade vocal neutra.
Com relação às características da voz cantada, foram considerados cantores populares aqueles que indicaram o canto popular como seu gênero musical e cantores eruditos os participantes que informaram o erudito como seu gênero de canto. No grupo de mulheres cantoras, 21 (70%) eram do gênero popular com tempo de experiência no canto variando de quatro a 12 anos (média de 7,3 anos), e nove (30%) eram cantoras líricas com tempo de experiência em voz cantada de três a 10 anos (média de 6,6 anos). No grupo de homens cantores, 19 (63,3%) eram cantores populares com o tempo de experiência no canto de cinco a 13 anos (média de 7,5 anos), e 11 eram cantores eruditos com a experiência em voz cantada variando de quatro a 15 anos (média de 6,9 anos).
As medidas acústicas e aerodinâmicas da fala foram mensuradas pelo programa CSL da Kay PentaxTM, model 6103, Lincoln Park NJ USA – módulo PAS instalado no computador da marca Dell®, modelo Optiplex GX260, com placa de som profissional marca Direct Sound® do Observatório de Saúde Funcional em Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da UFMG (OSF/UFMG). Para estas medidas, os participantes foram orientados a emitir a sílaba /pá/ em frequência e intensidade habituais, sete vezes consecutivas. De acordo com o manual Phonatory aerodynamic system: a clinical manual Kay Pentax@, estas emissões permitem a extração de medidas de pressão aérea (obtidas da consoante plosiva /p/ que estima a pressão glótica), e das medidas de fluxo aéreo e acústicas da voz (obtidas da vogal /a/ da sílaba /pá/)(16).
O registro das medidas aerodinâmicas realizou-se com o auxílio de uma máscara facial de silicone colocada sobre a boca do participante. A máscara foi acoplada a um dispositivo conectado a um transdutor de pressão e a pressão intraoral foi medida por meio de um cateter de polietileno de pequeno diâmetro inserido na máscara através de um orifício lateral e posicionado na parte central da língua do participante. A outra extremidade do cateter foi conectada a um transdutor de pressão ( Figura 1 ).
As medidas acústicas de intensidade vocal e frequência fundamental foram captadas por meio de um microfone do tipo condensador unidirecional, acoplado na parte posterior da máscara. Todos os sinais dos transdutores e do microfone foram enviados ao programa CSL para análise. As medidas acústicas e aerodinâmicas foram obtidas em ambiente acusticamente tratado, com ruído ambiental inferior a 50 dBNPS, definido por meio de um medidor de nível de pressão sonora da marca Instrutherm® modelo DEC-490.
Os parâmetros acústicos analisados foram:
Intensidade máxima: valor máximo da intensidade, medido em dBNPS.
Intensidade média: valor médio da intensidade, medido em dBNPS.
Intensidade média dos segmentos vozeados: valor médio da intensidade considerando os segmentos vozeados, medido em dBNPS.
Frequência Fundamental: valor médio da frequência fundamental, medido em Hz.
As medidas aerodinâmicas analisadas foram agrupadas em cinco categorias, e descritas a seguir:
1. Medida Temporal:
Tempo de expiração: medida referente ao tempo de fluxo de ar expirado, ou fluxo de ar positivo, medido em segundos.
2. Medidas de pressão aérea:
Pico de pressão aérea: esta medida é o maior valor de pressão aérea observado em um ou mais sílabas plosivas, medido em cm H2O.
Valor médio do pico de pressão aérea: valor médio do Pico de Pressão Aérea, medido em cm H2O.
3. Medidas de fluxo aéreo:
Pico de ar expirado: valor máximo do fluxo de ar expirado, medido em litros/segundo.
Fluxo de ar vozeado: medida que representa a média do fluxo de ar dos segmentos vozeados da fala, medido em litros/segundo.
Média do fluxo aéreo durante vocalização: quociente resultante da divisão do volume total de ar expirado pela duração dos segmentos vozeados, medido em litros/segundo.
4. Medida de volume
Volume expiratório: valor total do volume de ar expirado, medido em litros.
5. Medidas aerodinâmicas
Potência aerodinâmica: produto entre o valor médio do pico de pressão aérea, o fluxo de ar vozeado e o valor de 0,09806, medido em watts.
Resistência aerodinâmica: quociente resultante da divisão do valor médio do pico de pressão aérea pelo fluxo de ar vozeado, medido em cm H2O/ (litros/segundo). Esta medida é equivalente à medida de Impedância acústica multiplicada pelo fator de conversão de 0,9806.
Impedância acústica: quociente resultante da divisão do valor médio do pico de pressão aérea pelo fluxo de ar vozeado, medido em dyne segundo/cm5.
Eficiência aerodinâmica: valor adimensional, definido em partes por milhão (p.p.m). Representa o resultado da divisão entre a potência acústica e a potência aerodinâmica.
A análise estatística dos dados foi realizada por meio do programa estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 17.0. Primeiramente foi realizada uma análise descritiva dos dados com medidas de tendência central e dispersão. Posteriormente, para os cruzamentos entres as variáveis analisadas, foi utilizado o teste não paramétrico para amostras independentes Mann-Whitney e considerado o nível de confiança de 95%.
Mulheres cantoras apresentam maiores valores de frequência fundamental quando comparadas com homens cantores. As medidas aerodinâmicas não diferem em relação ao gênero dos cantores ( Tabela 1 ).
Tabela 1 Comparação das medidas vocais da emissão habitual entre homens e mulheres cantores
Medidas | Mínimo | Máximo | Média | DP | Valor-p | |
---|---|---|---|---|---|---|
MEDIDAS ACÚSTICAS | ||||||
Intensidade máxima (dB) | Homem | 77,23 | 92,04 | 85,36 | 4,22 | 0,529 |
Mulher | 78,91 | 95,11 | 86,28 | 4,52 | ||
Intensidade média (dB) | Homem | 75,37 | 89,30 | 83,11 | 3,97 | 0,620 |
Mulher | 77,22 | 92,83 | 83,99 | 4,27 | ||
Intensidade média dos seguimentos vozeados (dB) | Homem | 75,37 | 89,30 | 83,11 | 3,97 | 0,620 |
Mulher | 77,22 | 92,83 | 84,00 | 4,28 | ||
Frequência Fundamental (Hz) | Homem | 96,94 | 221,07 | 166,75 | 31,87 | 0,023 * |
Mulher | 126,43 | 245,71 | 186,49 | 32,37 | ||
MEDIDA TEMPORAL | ||||||
Tempo de expiração (s) | Homem | 0,62 | 1,31 | 0,95 | 0,17 | 0,192 |
Mulher | 0,48 | 1,30 | 1,00 | 0,18 | ||
MEDIDAS DE PRESSÃO | ||||||
Pico de pressão aérea (cm H2O) | Homem | 4,41 | 13,94 | 9,58 | 3,06 | 0,813 |
Mulher | 4,82 | 13,94 | 9,47 | 2,88 | ||
Valor médio do pico de pressão aérea (cm H2O) | Homem | 3,81 | 13,49 | 8,94 | 2,83 | 0,501 |
Mulher | 4,41 | 13,49 | 8,59 | 2,76 | ||
MEDIDAS DE FLUXO AÉREO | ||||||
Pico de ar expirado (l/s) | Homem | 0,14 | 0,59 | 0,31 | 0,12 | 0,646 |
Mulher | 0,11 | 0,48 | 0,31 | 0,10 | ||
Fluxo de ar vozeado (l/s) | Homem | 0,08 | 0,44 | 0,19 | 0,08 | 0,414 |
Mulher | 0,08 | 0,34 | 0,21 | 0,08 | ||
Média do fluxo aéreo durante a vocalização (l/s) | Homem | 0,08 | 0,42 | 0,18 | 0,08 | 0,354 |
Mulher | 0,08 | 0,33 | 0,19 | 0,08 | ||
MEDIDA DE VOLUME | ||||||
Volume expiratório (l) | Homem | 0,05 | 0,47 | 0,18 | 0,09 | 0,295 |
Mulher | 0,06 | 0,40 | 0,21 | 0,10 | ||
MEDIDAS AERODINÂMICAS | ||||||
Potência aerodinâmica (watts) | Homem | 0,04 | 0,44 | 0,17 | 0,09 | 0,941 |
Mulher | 0,04 | 0,44 | 0,18 | 0,11 | ||
Resistência aerodinâmica (cm H2O/(l/s) | Homem | 12,76 | 67,75 | 45,26 | 13,52 | 0,304 |
Mulher | 19,95 | 67,47 | 41,63 | 12,14 | ||
Impedância acústica (ds/cm5) | Homem | 13,02 | 69,12 | 45,87 | 14,30 | 0,387 |
Mulher | 20,35 | 68,80 | 42,53 | 12,43 | ||
Eficiência aerodinâmica (ppm) | Homem | 101,09 | 324,12 | 202,16 | 76,26 | 0,662 |
Mulher | 90,39 | 376,30 | 211,94 | 76,78 |
Teste Mann-Whitney
*Significância estatística = p-valor <0,05
Legenda: DP = desvio padrão
A voz cantada exige uma refinada coordenação entre os sistemas respiratório e fonatório. A capacidade de controlar com precisão e eficiência os fluxos aéreos e a pressão subglótica é importante para o cantor produzir adequadamente o seu repertório musical(7).
A mínima pressão aérea necessária para provocar a vibração das pregas vocais é descrita como limiar de pressão fonatória (Phonation Threshold Pressure – PTP)(17), e a literatura afirma que a variação da pressão aérea em uma conversação habitual varia de 0,3 a 1,2 KPa, mas no canto estes valores são superiores(18), evidenciando que a voz cantada apresenta exigências aerodinâmicas maiores do que a fala(2). Autores que compararam as características de tamanho dos nódulos vocais com parâmetros aerodinâmicos em cantores e não cantores, encontraram que os não cantores possuem uma correlação positiva entre o tamanho da lesão e os parâmetros de fluxo aéreo. Tal correlação não foi observada em cantores(5), sugerindo que o treino da voz cantada favorece o desenvolvimento de mecanismos aerodinâmicos particulares, presentes inclusive em situações de alterações glóticas.
O avanço tecnológico está tornando a avaliação aerodinâmica da voz cada vez mais comum na clínica vocal(19). As análises aerodinâmicas podem ser utilizadas para detalhar a fisiologia fonatória e determinar mecanismos funcionais compensatórios em quadros disfônicos(20). A literatura descreve que os valores das medidas aerodinâmicas possuem uma boa concordância teste-reteste(20) e são sensíveis para avaliar quadros disfônicos, devendo ser um instrumento complementar de avaliação da voz(3).
Os resultados desta pesquisa mostraram que mulheres apresentam valores do parâmetro acústico de frequência fundamental (F0) mais elevado do que os homens. Tais resultados são concordantes com a literatura(15,21) e podem ser justificados pelo fato de as pregas vocais de mulheres e homens se diferenciarem em relação ao tamanho e número de ciclos de vibração por segundo(22). O comprimento natural da prega vocal e o tamanho da laringe em indivíduos do gênero feminino são inferiores quando comparados aos do gênero masculino, tornando, assim, a frequência fundamental habitual menor nos homens(23).
Os valores médios de F0 descritos na literatura para mulheres brasileiras jovens são de 206Hz(21), 215,42Hz(24) e 208,28Hz(15). Para homens jovens brasileiros, a literatura descreve os valores de 120Hz (21), de 127,61Hz(24) e 136,56Hz(15). Os valores de F0 observados nesta pesquisa para mulheres e homens jovens foram, respectivamente, de 186,49Hz e 166,75Hz. Tais resultados são diferentes dos observados na literatura, com valores aumentados para o gênero masculino e diminuídos para o gênero feminino. As diferenças encontradas podem ser justificadas pelo fato de esta pesquisa avaliar a F0 de cantores, que podem apresentar ajustes vocais distintos em função das práticas da voz cantada. Estudos futuros são necessários para compreender se os ajustes vocais da voz cantada são realmente importantes para justificar modificações de F0.
As medidas aerodinâmicas são essenciais para estudos das bases fisiológicas da produção da voz(25). A avaliação aerodinâmica com extração das medidas de fluxo de ar, pressão aérea e volume pulmonar é recomendada como parte de uma avaliação multidimensional da voz pela Associação Americana de Fonoaudiólogos (American Speech-Language-Hearing Association - ASHA)(26).
A presente pesquisa mostra que mulheres e homens cantores não apresentam diferenças nas medidas aerodinâmicas relacionadas aos parâmetros de tempo de expiração; pressão aérea; fluxo de ar; volume de ar expirado; potência e eficiência aerodinâmica; e impedância acústica. Com falantes do português brasileiro, autores descrevem que as medidas aerodinâmicas de homens e mulheres se diferenciam pelos parâmetros de resistência laríngea (resultado da divisão dos valores de pressão subglótica pelos valores de fluxo aéreo) e eficiência laríngea (resultado da divisão dos valores de intensidade da voz pelos valores de pressão aérea e fluxo de ar), sendo tais valores maiores no gênero feminino(15). Tais achados, apesar de serem obtidos com população brasileira, não podem ser diretamente comparados com os desta pesquisa, por terem sido extraídos de um equipamento de medição aerodinâmica distinto, cujos parâmetros e unidades de medida são diferentes dos utilizados para o desenvolvimento deste estudo.
A literatura evidencia que as medidas aerodinâmicas em falantes do inglês se diferenciam com relação ao gênero nos valores de fluxo aéreo, que são maiores nos homens(27) ou nas mulheres(13), enquanto as medidas de pressão aérea foram sensíveis ao gênero em situações de vozes disfônicas(14). Apesar de estes estudos utilizarem os mesmos equipamentos de medidas aerodinâmicas, as versões do software de análise foram diferentes (13,27), e analisou-se também vozes disfônicas(14). Com relação à língua materna dos participantes, as pesquisas avaliaram falantes do inglês americano(14,27) e do inglês australiano(13). Todas estas variáveis podem justificar as diferenças observadas na literatura. Estudos de medidas aerodinâmicas relacionadas ao gênero em cantores não foram encontrados na literatura.
Compreender as características aerodinâmicas e acústicas da voz de mulheres e homens cantores é importante para definir parâmetros vocais e respiratórios na produção da voz cantada.
Os resultados desta pesquisa mostram que homens e mulheres cantores apresentaram as mesmas características aerodinâmicas da voz, evidenciando que, ao contrário da voz falada, em que o gênero interfere nos valores de fluxo aéreo(13,27) e de pressão aérea(14), na voz cantada os parâmetros aerodinâmicos de cantores do gênero masculino e feminino são os mesmos. Tais resultados sugerem que o treino da voz cantada desenvolve mecanismos respiratórios específicos para o canto, que parecem não sofrer interferência das diferenças anatômicas do aparelho fonador de homens e mulheres. Estudos futuros com homens e mulheres cantores considerando-se os diferentes gêneros musicais são importantes, para uma melhor compreensão dos mecanismos fonatórios e respiratórios envolvidos no canto e como os distintos estilos de voz cantada podem influenciar os parâmetros acústicos e aerodinâmicos da voz de cantores.
Mulheres cantoras apresentam maiores valores de frequência fundamental que homens. Os valores das medidas aerodinâmicas não se diferenciam entre mulheres e homens cantores falantes do português brasileiro.