versão On-line ISSN 2317-6431
Audiol., Commun. Res. vol.20 no.4 São Paulo out./dez. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/2317-6431-2015-1602
De acordo com a literatura, dentre os diferentes tipos de perda auditiva na população infantil, o mais frequente é a perda auditiva condutiva, com elevada prevalência em diferentes países(1). Sabe-se que alterações condutivas podem influenciar os resultados dos exames realizados rotineiramente na prática clínica, tornando-se fundamental a identificação dessas alterações para conclusão diagnóstica. Assim, ressalta-se a importância da utilização de métodos que sejam capazes de identificar, com precisão, alterações de orelha média na população infantil.
Tradicionalmente, o método mais utilizado para avaliar a orelha média é a timpanometria com a sonda de frequência de 226 Hz, utilizando a classificação timpanométrica de acordo com o proposto por Jerger (1970)(2). Contudo, os estudos são unânimes em demostrar que a realização da timpanometria com esse tom de sonda possui baixa sensibilidade para identificação de alterações condutivas em neonatos e lactentes até os seis meses de vida(3).
Diante disso, foram desenvolvidos estudos voltados à análise da sensibilidade da timpanometria com sonda de 1000 Hz, que demonstraram menores taxas de falso negativo(4,5) . Porém, ainda assim, é possível que ocorra a não identificação de alterações em alguns casos, classificados como curva timpanométrica do tipo “indeterminado”(6–8), situação em que o exame não auxilia o audiologista na definição da presença ou ausência de alterações condutivas.
Nesse contexto, a atenção voltou-se, novamente, para a análise da reflectância acústica, estudada desde a década de 90. Com o avanço tecnológico, esse exame passou a ser realizado de forma mais minuciosa, denominado atualmente, como imitância acústica de banda larga. Esta nomenclatura foi definida em consenso, entre pesquisadores da área, no Workshop Eriksholm em 2013(9). Dentre as diversas medidas que podem ser analisadas nesse procedimento, estão a reflectância e a absorvância de banda larga.
A reflectância de potência de banda larga é definida como a razão entre a energia refletida e a energia incidente, apresentada no meato acústico externo por meio de uma sonda, representando, portanto, a quantidade de energia refletida pela membrana timpânica. A absorvância, por sua vez, consiste na razão entre a energia absorvida pela orelha média e a energia incidente, apresentada no meato acústico externo. Ambas as medidas variam de acordo com a frequência e com a impedância do sistema tímpano–ossicular, sendo seus valores complementares. A reflectância e a absorvância consistem em um número real entre “zero” e “um”, onde o “zero” representa toda a energia transmitida para orelha média e o “um” representa toda a energia refletida para o meato acústico, podendo ser expressos em porcentagem(10).
Na análise de tais medidas, pode-se utilizar os estímulos chirp e tom puro, sendo que o primeiro possibilita melhor resolução de frequência e é uma medida mais rápida. A utilização do tom puro, por sua vez, proporciona melhor relação sinal/ruído, configurando-se como melhor opção em situações de elevado ruído ambiental e/ou inerentes a condição do paciente(11). Neste sentido, ressalta-se a importância da comparação de ambos os estímulos, em relação aos resultados clínicos. Embora se observe um número crescente de estudos visando a análise dessas medidas, estes são, quase em sua totalidade, internacionais, sendo que, em âmbito nacional há um único estudo publicado, que analisou a reflectância de potência de banda larga em neonatos com 27 a 78 horas de vida(12). Além disso, estudos prévios evidenciaram diferença significativa, ao comparar etnias(13,14) e faixas etárias(15).
Assim, o objetivo do presente estudo foi caracterizar os valores de reflectância e absorvância de banda larga, com estímulos chirp e tom puro, em lactentes com normalidade de orelha média.
Trata-se de um estudo de observação transversal analítico, desenvolvido com aprovação do Comitê de Ética da Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo (USP), sob parecer número 141.301/2012, tendo sido obtido o consentimento livre e esclarecido dos pais/responsáveis dos participantes.
O critério de inclusão no estudo foi apresentar idade entre zero e seis meses, presença de emissões otoacústicas evocadas por estímulo transiente, utilizando valores de reprodutibilidade geral e por banda de frequência ≥ 70% e relação sinal ruído por banda de frequência ≥ 6dB e timpanometria compatível com ausência de alteração de orelha média, utilizando sonda de 1000 Hz, de acordo com a classificação proposta por Baldwin (2006)(7), uma adaptação de Marchant et al. (1986)(6). Foram excluídos lactentes com indicadores de risco para deficiência auditiva(16).
Os participantes foram submetidos ao exame de imitância acústica de banda larga, por meio do sistema de medidas do Acoustics' Middle-Ear Power Analyzer (MEPA), versão 5.0 (Mimosa Acoustics), realizado com os estímulos chirp e tom puro. O estímulo chirp foi apresentado na intensidade de 60 dB nível de pressão sonora (NPS), com duração de um segundo e dados referentes às frequências de 210,9 Hz a 6000 Hz, com intervalos de 24 Hz, totalizando, portanto, 248 frequências analisadas. A utilização do estímulo tom puro envolveu a apresentação de um conjunto de nove tons puros (250, 500, 750, 1000, 1500, 2000, 3000, 4000 e 6000 Hz), com intensidade de 60 dB NPS e duração do estímulo de 0,5 segundos.
A medida da imitância acústica de banda larga disponibiliza a análise de diferentes medidas, dentre elas a reflectância e a absorvância, que foram analisadas, no presente estudo, de acordo com a frequência e com valores expressos em porcentagem. Os exames foram realizados em 31 orelhas de 18 lactentes na faixa etária de 10 dias a cinco meses, com a criança em sono natural. A escolha da orelha inicial seguiu a posição de conforto em que a criança se encontrava. Além disso, é importante ressaltar que a medida de imitância acústica de banda larga foi realizada no mesmo dia que os exames utilizados como critério de inclusão, ou seja, timpanometria e emissões otoacústicas evocadas por estímulo transiente.
Para análise dos dados, utilizou-se estatística descritiva e o teste t de Student pareado. O nível de significância utilizado foi de 5%.
A análise comparativa dos resultados obtidos com os estímulos chirp e tom puro, por meio do teste estatístico t pareado, demonstrou ausência de diferença significativa entre os dois estímulos, tanto para a medida de reflectância, quanto para a absorvância (p>0,05).
No que se refere aos valores médios obtidos para a reflectância de potência, observou-se maior reflectância para as frequências baixas (258 a 750 Hz), mostrando que a quantidade de energia absorvida foi menor nesta faixa. Além disso, a reflectância passou a ser menor com aumento da frequência (acima de 750 a 3000 Hz), atingindo seu mínimo próximo de 1500 Hz. Após a frequência de 3000 Hz, os valores de reflectância aumentaram e, próximo da frequência de 6000 Hz, houve, novamente, uma diminuição da quantidade de energia refletida (Figura 1, Tabela 1).
Figura 1 Média e desvio padrão dos valores de reflectância de acordo com a frequência, para os estímulos chirp e tom puroLegenda: dp = desvio padrão
Tabela 1 Média e desvio padrão da reflectância de potência, em porcentagem, por banda de frequência para os estímulos chirp e tom puro
258 Hz | 492 Hz | 750 Hz | 1008 Hz | 1500 Hz | 1992 Hz | 3000 Hz | 4008 Hz | 6000 Hz | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Média tom puro (%) | 67,31 | 61,90 | 54,12 | 43,48 | 34,20 | 39,78 | 51,12 | 51,28 | 38,09 |
Média +dp tom puro (%) | 87,14 | 76,80 | 69,74 | 61,87 | 55,96 | 60,25 | 74,11 | 79,79 | 67,82 |
Média-dp tom puro (%) | 47,49 | 47,00 | 38,51 | 25,10 | 12,44 | 19,31 | 28,13 | 22,76 | 8,36 |
Média chirp (%) | 71,13 | 60,16 | 49,88 | 39,16 | 30,54 | 36,02 | 46,58 | 46,54 | 35,50 |
Média +dp chirp (%) | 118,91 | 75,05 | 65,19 | 57,55 | 49,95 | 56,49 | 69,53 | 75,06 | 64,19 |
Média-dp chirp (%) | 23,35 | 40,25 | 34,57 | 22,95 | 11,14 | 16,07 | 23,64 | 18,76 | 6,82 |
Legenda: dp = desvio padrão
Com relação aos valores de absorvância, observou-se que foram inversamente proporcionais aos valores encontrados na reflectância, ou seja, menores para as frequências baixas (250 a 750 Hz), aumentando após 750 Hz, atingindo seu máximo próximo da frequência de 1500 Hz e diminuindo novamente, após a frequência de 3000 Hz (Figura 2, Tabela 2).
Figura 2 Média e desvio padrão dos valores de absorvância de acordo com a frequência, para os estímulos chirp e tom puroLegenda: dp = desvio padrão
Tabela 2 Média e desvio padrão da absorvância, em porcentagem, por banda de frequência para os estímulos chirp e tom puro
258 Hz | 492 Hz | 750 Hz | 1008 Hz | 1500 Hz | 1992 Hz | 3000 Hz | 4008 Hz | 6000 Hz | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Média tom puro (%) | 32,69 | 38,10 | 45,88 | 56,52 | 65,80 | 60,22 | 48,88 | 48,72 | 61,91 |
Média +dp tom puro (%) | 52,51 | 53,00 | 61,49 | 74,90 | 87,56 | 80,69 | 71,87 | 77,24 | 91,64 |
Média-dp tom puro (%) | 12,86 | 23,20 | 30,26 | 38,13 | 44,04 | 39,75 | 25,89 | 20,21 | 32,18 |
Média chirp (%) | 28,87 | 39,84 | 50,12 | 60,84 | 69,46 | 63,98 | 53,42 | 53,46 | 64,50 |
Média +dp chirp (%) | 76,65 | 54,74 | 65,43 | 79,22 | 88,86 | 84,45 | 76,36 | 81,98 | 93,18 |
Média-dp chirp (%) | -18,91 | 19,94 | 34,81 | 44,62 | 50,05 | 44,02 | 30,47 | 25,68 | 35,81 |
Legenda: dp = desvio padrão
Um número crescente de estudos tem analisado a eficácia das medidas de imitância acústica de banda larga para avaliar a integridade de orelha média, demonstrando que tal procedimento possui alta sensibilidade e especificidade, inclusive para crianças nos primeiros meses de vida(17–20). Neste sentido, evidencia-se a importância da caracterização de padrões de normalidade nas diferentes populações, para que, posteriormente, tal exame possa ser utilizado na prática clínica para identificação de alterações condutivas(9).
O presente estudo caracterizou as medidas de reflectância e absorvância em lactentes, obtidas com os estímulos chirp e tom puro nas frequências de 258 a 6000 Hz (Figuras 1 e 2), tendo constatado maior reflectância para as frequências baixas e maior absorvância na faixa de 750 a 3000 Hz. Achados semelhantes foram observados em estudo nacional(12), que analisou as medidas de imitância acústica de banda larga nos primeiros dias de vida. O estudo demonstrou que o comportamento da reflectância é maior para as frequências de 258 a 750 Hz e 4000 Hz e menor para as frequências de 1000 a 3000 Hz e 6000 Hz, mostrando maior transmissão da energia para a orelha média, nessas últimas frequências.
Resultados similares também foram encontrados em estudos internacionais(14,21–24), sendo que, em um deles(25) foi observada maior reflectância para as frequências baixas (250 a 1000 Hz), havendo diminuição para as frequências médias (de 1000 Hz a 4000 Hz). No entanto, foi verificado um aumento após a frequência de 4000 Hz. Nos resultados obtidos em estudo posterior(26), por sua vez, a reflectância diminuiu juntamente com a frequência até, aproximadamente, 2000 Hz - sendo o menor valor próximo da frequência de 500 Hz - voltando a aumentar depois da frequência de 2000 Hz.
O comportamento das medidas de reflectância e absorvância de banda larga observado no presente estudo podem ser explicados por aspectos anatomofisiológicos. O fato de lactentes possuírem menor estrutura corporal implica em apresentarem menor volume da orelha média, o que reflete em uma frequência de ressonância mais alta do que o observado para adultos. Tendo maior frequência de ressonância, espera-se que tenham maior absorvância e menor reflectância para essa faixa de frequência(25,26).
No que se refere à comparação das respostas obtidas com os estímulos chirp e tom puro, evidenciou-se ausência de diferença significativa entre eles (Figura 1 e 2), resultado que condiz com os observados em estudos anteriores, que avaliaram neonatos(12,14) e crianças(27), demonstrando equivalência entre os estímulos e sugerindo que ambos podem ser utilizados para as medidas de imitância acústica de banda larga.
Por outro lado, sabe-se que a aplicabilidade clínica de tais estímulos pode ser distinta, uma vez que o estímulo tom puro apresenta maior sensibilidade para a realização do teste, em condições de presença de ruído, e o estímulo chirp, por sua vez, implica em melhor resolução de frequência, com intervalos de 24 Hz(11). Sendo assim, ainda são necessários estudos que comparem os estímulos em diferentes situações de teste e em indivíduos com alterações de orelha média. Além disso, é importante analisar se há diferença entre os estímulos para outras medidas da imitância acústica de banda larga.
Os aspectos gênero e orelha (direita ou esquerda) não foram objetivo de análise deste estudo, uma vez que publicações precursoras demonstraram ausência de diferença significativa ao analisarem estas variáveis(14,27).
Os valores de imitância acústica de banda larga em lactentes com normalidade de orelha média, nos seis primeiros meses de vida, apresentaram comportamento típico, caracterizado por maior reflectância na faixa de frequência de 258 a 750 Hz e maior absorvância próximo da frequência 1500 Hz.