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Medidas vocais perceptivo-auditivas e acústicas, queixas vocais e características profissionais de professoras de Santa Maria (RS)

Medidas vocais perceptivo-auditivas e acústicas, queixas vocais e características profissionais de professoras de Santa Maria (RS)

Autores:

Vanessa Veis Ribeiro,
Carla Aparecida Cielo

ARTIGO ORIGINAL

Audiology - Communication Research

versão On-line ISSN 2317-6431

Audiol., Commun. Res. vol.19 no.4 São Paulo out./dez. 2014 Epub 18-Nov-2014

http://dx.doi.org/10.1590/S2317-64312014000400001395

INTRODUÇÃO

O trabalho complementa e dá sentido à vida, é uma das maneiras mais importantes dos indivíduos se posicionarem na sociedade e a boa condição ocupacional é fator determinante e condicionante da saúde, Por esse motivo, tem sido crescente o número de pesquisas que buscam investigar a relação entre saúde e atuação profissional(1,2).

Dentre os inúmeros instrumentos de trabalho, uma classe destaca-se por utilizar a voz para o exercício laboral. São os chamados profissionais da voz(1,2), dos quais, um dos mais conhecidos é o professor, que tem a maior prevalência de distúrbios vocais relacionados às condições e à organização do trabalho(2-7).

A literatura tem explicado o adoecimento dos docentes devido a fatores que podem influenciar ou predispor ao surgimento de alteração vocal precoce ou tardia, destacando-se, além das características individuais e condições gerais de saúde, os fatores ambientais e dos processos de organização do trabalho, como exacerbada demanda vocal, jornada prolongada, acúmulo de atividades, condições ambientais acústicas, ventilatórias e de qualidade do ar inadequadas, insatisfação com o trabalho ou com a remuneração, dentre outros(1-3,5,6,8). Porém, deve ser salientado que a coexistência de causas antecedentes, concomitantes e subsequentes ao distúrbio da voz, não impede o estabelecimento de sua relação com o trabalho docente(1), não sendo o professor “culpado” pelo seu distúrbio vocal.

Além disso, estudos na área da Fonoaudiologia mostram que, nas metrópoles, os índices de queixas e de alterações vocais em professores são superiores(9) em relação às cidades pequenas(3), possivelmente porque nessas cidades são melhores as condições de vida e de trabalho, como menor número de alunos por sala, menor competição sonora, dentre outras.

Oitenta por cento dos professores, aproximadamente, apresentam queixas vocais, sendo encontrada lesão visível à laringoscopia em até 20% dos casos(10). Os sintomas vocais mais comuns em professores brasileiros são: perda da voz ou afonia, fadiga vocal, dor em região de garganta, rouquidão, pigarro, garganta seca, cansaço ao falar, falhas na voz, instabilidade ou tremor na voz, ardor na garganta/dor ao falar, voz mais grossa, perda na eficiência vocal, pouca resistência ao falar(1,3,6,7). Dor ou hipertensão da musculatura cervical, postura inadequada, falar por horas seguidas, padrão respiratório inadequado, alteração de tom/pitch, agudizando, repentinamente, no momento do grito, voz abafada e sem projeção são características frequentemente encontradas entre os professores, bem como ansiedade e estresse(1,5,6,11). Os sintomas vocais, geralmente, se iniciam de forma lenta e esporádica e se desenvolvem ao longo do tempo, até se tornarem permanentes, com o consequente surgimento de lesões laríngeas(1,10,12).

No Brasil, 20% dos professores precisaram faltar ao trabalho, no passado, por problemas laríngeos(12,13), 97% das readaptações de funções dentro da escola são provenientes de patologias vocais e estima-se que 2% dos profissionais necessitarão de afastamento de suas funções por problemas vocais, em algum momento da carreira(12,13).

Estudo mostra predomínio de mulheres na função docente(3) e os maiores índices de disfonia entre professores ocorrem no gênero feminino, em uma proporção de 2,7:1, o que indica predisposição das mulheres para adquirir um distúrbio vocal, tanto pela configuração anatômica da laringe, quanto por outros aspectos biológicos(7). Além disso, o fato de a frequência fundamental (f0) feminina ser próxima à f0 da faixa etária infantil dos alunos também gera necessidade de aumento da loudness em sala de aula(14), o que contribui com a fadiga vocal. Ainda, as professoras não apenas participam ativamente do mercado de trabalho, como também realizam suas atividades domésticas, exercendo “dupla jornada” e acúmulo de atividades, o que provoca desgaste físico e psicológico, gerando estresse que, por sua vez, pode acarretar distúrbios da voz(1,3,14).

Quanto às características profissionais, observa-se divergência entre os achados da literatura, havendo pesquisa que não encontrou relação com a presença de queixa ou de alteração vocal(3) e outras, que mostraram relação entre aumento de alterações vocais e ampliação da carga horária semanal dos docentes(6,9).

Na análise perceptivo-auditiva da voz de professores brasileiros, conforme a literatura consultada, os parâmetros mais alterados foram rouquidão, soprosidade e tensão(4,12,15), ocorrendo também instabilidade(12,15) e hiponasalidade(4). Estudos evidenciaram alterações vocais perceptivo-auditivas em 43,3% a 79,8% dos professores(6,12,15-17). O grau de alteração da voz variou entre discreto(4,15), leve(6,17) e moderado(15,18).

Na literatura brasileira, estudo atual mostrou maioria das professoras com f0 e medidas de harmônico-ruído alteradas, além de grande proporção de alteração nas medidas de jitter (32%) e shimmer (43%)(16). Pesquisa que verificou as modificações vocais acústicas após uma proposta de aquecimento vocal com 19 professores de um curso pré-vestibular do interior de São Paulo/Brasil, mostrou elevação significativa da f0 e da proporção harmônico-ruído, após a realização do aquecimento vocal, mantendo-se após a utilização da voz em sala de aula(19).

A estreita e complexa relação entre utilização da voz e condições de trabalho do professor precisa ser elucidada e melhor compreendida(5), para contribuir com o avanço científico sobre o fenômeno, delimitando com mais acerto o papel dos fatores predisponentes, contribuintes ou desencadeantes de um distúrbio vocal relacionado ao trabalho docente, uma vez que esse distúrbio é multicausal e os diversos fatores podem interagir direta ou indiretamente em sua gênese, colocando em risco a carreira e a sobrevivência do professor(1).

Considerando o exposto, o presente estudo buscou descrever e correlacionar medidas vocais perceptivo-auditivas e acústicas, queixas vocais e características profissionais de professoras de Santa Maria (RS), Brasil.

MÉTODOS

Estudo do tipo transversal observacional analítico, de caráter quantitativo, contemporâneo e prospectivo, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), sob o protocolo nº 23081.016945/2010-76. Foram realizados esclarecimentos sobre a pesquisa aos responsáveis pelas instituições de ensino, convidados a assinar o Termo de Autorização Institucional (TAI), e aos voluntários, convidados a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

O estudo teve como população alvo os professores de toda a rede de ensino fundamental da área urbana da cidade de Santa Maria (RS), Brasil. Foram listadas todas as escolas com ensino fundamental da cidade, obtendo-se 36 escolas particulares, 44 municipais e 24 estaduais.

Cada região geográfica do município teve suas escolas listadas por rede de ensino (particular, municipal e estadual), em ordem alfabética. A cada duas escolas de cada lista, excluiu-se uma. As escolas que permaneceram após a seleção aleatória por sorteio, em cada região, foram reunidas em apenas uma lista, em ordem alfabética, independente da rede de ensino e região, resultando em 19 escolas estaduais, 31 municipais e 27 particulares. Todas as 77 escolas foram convidadas a participar da pesquisa, mas apenas 15 aderiram ao TAI.

Para a constituição da amostra, foram estabelecidos os seguintes critérios de inclusão: docentes de escolas de ensino fundamental (1º a 9º ano) das redes estadual, particular e municipal, da área urbana da cidade de Santa Maria (RS), Brasil; gênero feminino.

Os critérios de exclusão estabelecidos foram: relato de crises alérgicas, respiratórias ou gástricas, ou disfunções hormonais decorrentes de gravidez ou de período pré-menstrual ou menstrual, no dia das avaliações, a fim de evitar a produção de desvios nos parâmetros vocais; relato de doenças neurológicas, metabólicas, endocrinológicas, sindrômicas e/ou psiquiátricas; relato de patologias estruturais ou disfunções laríngeas; ser fumante e/ou alcoolista, pois esses agentes são agressivos à laringe e podem levar à formação de patologias laríngeas; histórico de cirurgia laríngea e/ou qualquer procedimento cirúrgico de cabeça e pescoço; realização de tratamento fonoaudiológico e/ou otorrinolaringológico para a voz, anteriormente à coleta de dados; disfunções auditivas detectadas na triagem auditiva.

Para a seleção da amostra (critérios de inclusão e de exclusão), foi aplicado um questionário (dados de identificação, características profissionais, saúde geral e vocal) e também realizada triagem auditiva, por meio de varredura dos tons puros nas frequências de 0,5, 1, 2 e 4 kHz a 25 dB, somente por via aérea (audiômetro Amplivox®, modelo A260). O procedimento foi realizado em sala silenciosa, cedida pela escola, com nível de ruído abaixo de 50 dB, verificado por meio do medidor de pressão sonora Instrutherm®, modelo Dec-480. Os sujeitos que não responderam ao tom puro em 25 dB foram retestados e os casos que não passaram no reteste foram excluídos da amostra e encaminhados para avaliação auditiva completa. A triagem auditiva buscou descartar a interferência de problemas no feedback auditivo que comprometia a qualidade vocal, sendo parte da amostragem e cujos resultados não fizeram parte da coleta de dados da pesquisa.

Dos 197 professores voluntários, foram excluídos 16, por relato de distúrbios endocrinológicos; 14, por não passarem na triagem auditiva; sete, por realização de tratamento fonoaudiológico ou otorrinolaringológico para a voz; quatro, por tabagismo e três, por relato de patologias neurológicas. Foram desconsiderados, ainda, 54 indivíduos, por não completarem os dados do questionário. Desta forma, a amostra constituiu-se de 99 docentes do gênero feminino, com idades entre 20 e 66 anos (média de idade 38,22 anos) (Figura 1).

Figura 1 Fluxograma da pesquisa 

Salienta-se que, em função da obrigatoriedade de adesão ao TCLE, impedindo qualquer pesquisador de incluir em seu estudo os indivíduos que não participem espontaneamente dos procedimentos, existe a possibilidade de que aqueles que apresentem algum problema mostrem maior interesse na participação em estudos sobre saúde.

Os dados referentes às características profissionais e presença de queixas vocais foram obtidos do questionário aplicado na seleção da amostra. A caracterização vocal foi realizada por meio da avaliação perceptivo-auditiva e acústica da voz.

Para essas análises, foram coletadas a emissão sustentada da vogal /a:/, a amostra de fala espontânea, por meio da pergunta “Fale-me sobre a importância da voz para a sua profissão” e as frases do protocolo Consenso da Avaliação Perceptivo-auditiva da Voz (CAPE-V)(20). Os indivíduos foram orientados a realizar a emissão vocal em pitch e loudness habituais, após inspiração profunda, emitindo o som em tempo máximo de fonação, sem fazer uso da reserva expiratória. Cada amostra foi cronometrada três vezes, sendo considerada a de maior tempo. Nas emissões das frases do CAPE-V e da fala espontânea, os indivíduos foram orientados a manter a velocidade de fala, pitch e loudness habituais. O tempo de registro de cada situação de fala não foi controlado. As emissões foram captadas por gravador digital profissional da marca Zoom®, modelo H4n, com taxa de quantização de 96 kHz e 16 bits, com gravação em 50% do nível de entrada. O gravador foi fixado em pedestal e posicionado em ângulo de 90° graus da boca do sujeito, acoplado ao microfone profissional Behringer® ECM 8000 omnidirecional, com faixa plana de captação de frequências de 15 a 20 kHz. Os indivíduos mantiveram a distância de 4 cm entre o microfone e a boca para a emissão das vogais, e de 10 cm para a emissão das frases e da fala espontânea. Para todas as emissões, os professores foram orientados a permanecer em posição ortostática.

As amostras de voz foram captadas em local silencioso, dentro da própria escola, com ruído ambiental inferior a 50 dB NPS (nível de pressão sonora), aferido por meio de medidor de nível de pressão sonora digital.

Para a análise acústica de fonte glótica, foi utilizada a emissão sustentada da vogal /a:/, eliminando-se o ataque vocal e descartando-se o final da emissão, a fim de evitar a influência dos períodos naturais de instabilidade da voz. Desta forma, o menor tempo editado dentre todos os sujeitos foi o de 4 s, sendo padronizado para a janela de avaliação acústica.

Utilizou-se o software Multi-Dimensional Voice Program Advanced da Kay Pentax® (MDVPA), com taxa de amostragem de 44 KHz e 16 bits. Visto que ainda não há na literatura uma correspondência exata entre cada uma das medidas acústicas e o fenômeno adjacente, acredita-se que a análise das medidas em grupo ofereça maior confiabilidade. Assim, os grupos e as medidas extraídas foram: (1) medidas de frequência: f0; f0 máxima (fhi); f0 mínima (flo); desvio-padrão da f0 (STD); (2) medidas de perturbação de frequência: média relativa da perturbação (RAP); Jitter percentual (Jitt); Jitter absoluto (Jita); quociente de perturbação do Pitch suavizado (sPPQ); quociente de perturbação do Pitch (PPQ); coeficiente da variação da f0 (vf0); (3) medidas de perturbação de amplitude: Shimmer em dB (ShdB); Shimmer percentual (Shim); coeficiente de variação da amplitude (vAm); quociente de perturbação da amplitude (APQ); quociente de perturbação da amplitude suavizado (sAPQ); (4) medidas de ruído: proporção ruído-harmônico (NHR); índice de fonação suave (SPI); índice de turbulência da voz (VTI); (5) medidas de quebra de voz: número de quebras vocais (NVB); grau de quebra da voz (DVB); (6) medidas de segmentos surdos ou não sonorizados: grau de segmentos não sonorizados (DUV); número de segmentos não sonorizados (NUV); (7) medidas de segmentos sub-harmônicos: números de segmentos sub-harmônicos (NSH); grau dos componentes sub-harmônicos (DSH). Na avaliação acústica, foram utilizados os parâmetros de normalidade por gênero, propostos pelo próprio programa MDVPA.

A avaliação perceptivo-auditiva foi realizada com o protocolo CAPE-V, composto por uma escala analógico-visual linear, que vai de 0 a 100 mm, o que permite análise quantitativa(20,21). Em vozes brasileiras, os escores entre 0 e 35,5% são considerados normais; entre 35,6% e 50,5%, sugerem que a qualidade vocal tem desvio de leve a moderado; de 50,6% a 90,5%, indicam que a alteração vai de moderada a intensa e, acima de 90,6%, indicam que a alteração é intensa(21).

As amostras de voz foram gravadas em Digital Versatile Disc (DVD) 52 x, 7 GB, com formato de áudio PCM; 96 kHz, 16 bits, mono, convertidas para extensão waveform. Foram dispostas no DVD pastas com as três amostras (vogal, frases e fala espontânea), sem identificação do sujeito, em ordem aleatória, com repetição de, aproximadamente, 20% (para análise da confiabilidade dos avaliadores). Posteriormente, foram encaminhadas para cinco fonoaudiólogos, não autores do estudo, com experiência de, pelo menos, cinco anos na área da voz. Os juízes foram cegados quanto aos objetivos da pesquisa, à replicação das emissões e às avaliações dos demais juízes, sendo informados apenas sobre a faixa etária média dos sujeitos.

Os juízes foram orientados a escutar as vozes quantas vezes fossem necessárias, em ambiente silencioso e com o computador nas configurações: 16 bits, 96 KHz. As análises foram realizadas de acordo com os parâmetros do protocolo CAPE-V (grau geral da disfonia, soprosidade, rugosidade, tensão, pitch e loudness)(20). Após o julgamento das vozes, foi realizada análise estatística, a fim de verificar a confiabilidade intra-avaliador e interavaliador, por meio do coeficiente Kappa. As três juízas com maior confiabilidade intra-avaliador fizeram parte da avaliação estatística interavaliador. A confiabilidade interavaliadores das três juízas foi moderada (0,42), sendo consideradas as seguintes classificações: entre 0,8 e 1, confiabilidade quase perfeita; 0,6 e 0,79, boa; 0,4 e 0,59, moderada; 0,2 e 0,39, regular; entre zero e 0,19, pobre; entre zero e -1, nenhuma confiabilidade. Realizou-se, então, a média dos valores atribuídos por essas três juízas para cada parâmetro da escala CAPE-V.

As escolas não tiveram acesso aos resultados das avaliações individuais, preservando, assim, o direito à privacidade das professoras. As professoras receberam devolutiva individual sobre os resultados das avaliações e as que apresentaram alguma alteração foram orientadas e encaminhadas para terapia vocal.

Os dados foram analisados descritivamente e por meio dos testes não paramétricos ANOVA e Correlação de Pearson, adotando-se o nível de significância de 5%.

RESULTADOS

A amostra do estudo foi composta por professoras (n=99) que trabalhavam em média 6,98 horas por dia e atuavam como docentes há 12,91 anos, aproximadamente, todas com audição dentro da normalidade, conforme triagem auditiva. A maioria atuava em escolas particulares (n=50; 50,5%), seguida pelas redes de ensino estadual (n=37; 37,4%) e municipal (n=12; 12,1%). Setenta e quatro professoras apresentaram queixas vocais (74,7%), com diferença significativa em relação às que não apresentaram (p≤0,001).

Os resultados descritivos das avaliações vocais perceptivoauditiva CAPE-V e acústica MDVPA são demonstrados na Tabela 1.

Não houve correlação entre a presença ou ausência de queixas vocais e as medidas vocais perceptivo-auditivas e acústicas (Tabela 2).

As correlações entre as medidas perceptivo-auditivas e acústicas da voz e as variáveis idade, tempo de atuação profissional e utilização diária da voz profissional são descritas na Tabela 3.

Tabela 1 Resultados descritivos das avaliações vocais perceptivo-auditivas e acústicas de fonte glótica em professores de Santa Maria 

  Medidas   Média (DP) Mediana
MDVPA Frequência f0 (HZ) 190,0 (±25,1) 190,1
fhi (Hz) 207,7 (±30,0) 204,5
flo (Hz) 173,9 (±30,1) 178,1
STD (Hz) 4,74 (±6,48) ɫ 3,03
Perturbação de frequência Jita (Ms) 82,94 (±64,87) ɫ 65,91
Jitt (%) 1,47 (±1,05) ɫ 1,15
RAP (%) 0,89 (±0,65) ɫ 0,71
PPQ (%) 0,86 (±0,58) ɫ 0,69
sPPQ (%) 1,14 (±0,85) ɫ 0,88
vf0 (%) 2,08 (±1,75) ɫ 1,61
Perturbação de amplitude ShdB (dB) 0,47 (±0,40) ɫ 0,37
Shim (%) 5,26 (±4,32) ɫ 4,20
APQ (%) 3,70 (±3,03) ɫ 2,94
sAPQ (%) 5,78 (±3,29) ɫ 4,99
vAm (%) 16,80 (±8,16) ɫ 14,79
Ruído NHR 0,150 (±0,03) 0,142
VTI 0,046 (±0,01) 0,047
SPI 8,75 (±5,16) ɫ 7,84
Quebra de voz DVB (%) 0,193 (±1,29) 0,000
NVB 0,051 (±0,26) 0,000
Segmentos sub-harmônicos DSH (%) 1,78 (±4,04) ɫ 0,00
NSH 2,66 (±5,26) ɫ 1,00
Segmentos surdos ou não sonorizados DUV (%) 2,90 (±12,01) ɫ 0,00
NUV 3,36 (±15,83) ɫ 0,00
CAPE-V Grau Geral   12,88 (±10,52) 9,00
Rugosidade   10,80 (±10,31) 7,00
Soprosidade   11,91 (±9,65) 9,00
Tensão   6,43 (±5,58) 5,00
Pitch   5,41 (±4,76) 4,00
Loudness   5,84 (±4,98) 4,00

Legenda: ɫ Valores fora do padrão de normalidade do programa; CAPE-V = Consenso da Avaliação Perceptivo-auditiva da Voz; MDVPA = Multi-Dimensional Voice Program Advanced®; DP = desvio-padrão; f0 = frequência fundamental; fhi = f0 máxima; flo = f0 mínima; STD = desvio-padrão da f0; RAP = média relativa da perturbação; jitt = Jitter percentual; jita = Jitter absoluto; sPPQ = quociente de perturbação do Pitch suavizado; PPQ = quociente de perturbação do Pitch; vf0 = coeficiente da variação da f0; ShdB = shimmer em dB; Shim = shimmer percentual; vAm = coeficiente de variação da amplitude; APQ = quociente de perturbação da amplitude; sAPQ = quociente de perturbação da amplitude suavizado; NHR = proporção ruído-harmônico; SPI = índice de fonação suave; VTI = índice de turbulência da voz; NVB = número de quebras vocais; DVB = grau de quebra da voz; DUV = grau de segmentos não sonorizados; NUV = número de segmentos não sonorizados; NSH = números de segmentos sub-harmônicos; DSH = grau dos componentes sub-harmônicos

Tabela 2 Resultados da associação entre presença ou ausência de queixas vocais e medidas vocais perceptivo-auditivas e acústicas em professores de Santa Maria 

  Medidas   Queixas Média Mediana Valor de p
MDVPA Frequência f0 (HZ) AQ 194,2 (±22,1) 197,8 0,329
PQ 188,6 (±26,0) 188,1
fhi (Hz) AQ 214,8 (±27,8) 210,5 0,176
PQ 205,4 (±30,5) 203,3
flo (Hz) AQ 180,2 (±28,2) 184,6 0,223
PQ 171,7 (±30,6) 175,9
STD (Hz) AQ 5,37 (±9,38) 2,94 0,597
PQ 4,52 (±5,81) 3,06
Perturbação de frequência Jita (Ms) AQ 73,25 (±55,82) 53,71 0,391
PQ 86,21 (±67,69) 66,99
Jitt (%) AQ 1,22 (±0,79) 1,09 0,165
PQ 1,56 (±0,11) 1,21
RAP (%) AQ 0,74 (±0,48) 0,64 0,169
PQ 0,95 (±0,69) 0,74
PPQ (%) AQ 0,72 (±0,47) 0,63 0,176
PQ 0,90 (±0,61) 0,70
sPPQ (%) AQ 1,07 (±0,95) 0,87 0,657
PQ 1,16 (±0,83) 0,89
vf0 (%) AQ 1,83 (±1,04) 1,55 0,400
PQ 2,17 (±1,93) 1,61
Perturbação de amplitude ShdB (dB) AQ 0,50 (±0,58) 0,34 0,707
PQ 0,46 (±0,31) 0,38
Shim (%) AQ 5,45 (±6,11) 3,84 0,799
PQ 5,20 (±3,57) 4,24
APQ (%) AQ 3,76 (±3,74) 2,64 0,902
PQ 3,68 (±2,77) 2,97
sAPQ (%) AQ 6,10 (±4,20) 5,14 0,575
PQ 5,67 (±2,95) 4,98
vAm (%) AQ 17,65 (±9,36) 14,00 0,550
PQ 16,51 (±7,76) 14,95
Ruído NHR AQ 0,146 (±0,02) 0,142 0,491
PQ 0,151 (±0,03) 0,144
VTI AQ 0,045 (±0,01) 0,047 0,914
PQ 0,046 (±0,01) 0,047
SPI AQ 9,17 (±7,64) 5,60 0,638
PQ 8,61 (±4,06) 8,44
Quebra de voz DVB (%) AQ 0,444 (±2,02) 0,000 0,264
PQ 0,108 (±0,93) 0,000
NVB AQ 0,120 (±0,33) 0,000 0,126
PQ 0,027 (±0,23) 0,000
Segmentos sub-harmônicos DSH (%) AQ 1,62 (±3,05) 0,75 0,810
PQ 1,84 (±4,34) 0,00
NSH AQ 1,60 (±3,04) 1,00 0,248
PQ 3,01 (±5,80) 1,00
Segmentos surdos ou não sonorizados DUV (%) AQ 4,84 (±18,70) 0,00 0,351
PQ 2,24 (±8,77) 0,00
NUV AQ 6,12 (±24,77) 0,00 0,317
PQ 2,43 (±11,46) 0,00
CAPE-V Grau Geral   AQ 10,96 (±10,91) 9,00 0,195
  PQ 14,15 (±10,45) 10,00
Rugosidade   AQ 8,24 (±7,85) 6,00 0,110
  PQ 12,09 (±11,02) 8,00
Soprosidade   AQ 10,48 (±10,26) 8,00 0,243
  PQ 13,08 (±9,34) 10,00
Tensão   AQ 6,04 (±5,18) 5,00 0,458
  PQ 7,00 (±5,69) 5,00
Pitch   AQ 4,76 (±4,19) 4,00 0,316
  PQ 5,86 (±4,91) 4,00
Loudness   AQ 7,04 (±5,78) 4,00 0,299
  PQ 5,84 (±4,68) 4,50

Teste ANOVA (p≤0,05) Legenda: AQ = ausência de queixa; PQ = presença de queixa; CAPE-V = Consenso da Avaliação Perceptivo-auditiva da Voz; MDVPA = Multi-Dimensional Voice Program Advanced®; DP = desvio-padrão; f0 = frequência fundamental; fhi = f0 máxima; flo = f0 mínima; STD = desvio-padrão da f0; RAP = média relativa da perturbação; jitt = Jitter percentual; jita = Jitter absoluto; sPPQ = quociente de perturbação do Pitch suavizado; PPQ = quociente de perturbação do Pitch; vf0 = coeficiente da variação da f0; ShdB = shimmer em dB; Shim = shimmer percentual; vAm = coeficiente de variação da amplitude; APQ = quociente de perturbação da amplitude; sAPQ = quociente de perturbação da amplitude suavizado; NHR = proporção ruído-harmônico; SPI = índice de fonação suave; VTI = índice de turbulência da voz; NVB = número de quebras vocais; DVB = grau de quebra da voz; DUV = grau de segmentos não sonorizados; NUV = número de segmentos não sonorizados; NSH = números de segmentos sub-harmônicos; DSH = grau dos componentes sub-harmônicos

Tabela 3 Resultados da correlação entre medidas vocais perceptivo-auditivas e acústicas e idade, tempo de atuação profissional e utilização diária da voz profissional em professores de Santa Maria 

  Medidas     Idade Tempo de atuação profissional (anos) Utilização diária da voz (horas)
MDVPA Frequência f0 (HZ) corr -18,4% -7,8% 0,7%
valor de p 0,068 0,444 0,946
fhi (Hz) corr -15,3% -11,1% -1,2%
valor de p 0,130 0,273 0,907
flo (Hz) corr -11,0% -0,1% 6,8%
valor de p 0,279 0,993 0,504
STD (Hz) corr -10,9% -9,0% -10,9%
valor de p 0,285 0,377 0,281
Perturbação de frequência Jita (Ms) corr 21,2% 11,4% -5,2%
valor de p 0,035* 0,261 0,609
Jitt (%) corr 13,7% 5,8% -9,5%
valor de p 0,176 0,570 0,349
RAP (%) corr 14,5% 5,4% -9,0%
valor de p 0,153 0,597 0,376
PPQ (%) corr 9,3% 5,1% -11,1%
valor de p 0,360 0,616 0,276
sPPQ (%) corr 0,9% 0,2% -14,0%
valor de p 0,932 0,982 0,167
vf0 (%) corr 5,7% -0,9% -5,0%
valor de p 0,576 0,930 0,625
Perturbação de amplitude ShdB (dB) corr -9,9% -14,1% -12,7%
valor de p 0,334 0,168 0,213
Shim (%) corr -7,8% -13,8% -12,3%
valor de p 0,445 0,173 0,226
APQ (%) corr -8,2% -12,4% -14,3%
valor de p 0,420 0,223 0,159
sAPQ (%) corr -5,6% -9,5% -19,9%
valor de p 0,584 0,348 0,049*
vAm (%) corr -8,8% -10,7% -12,6%
valor de p 0,389 0,290 0,215
MDVPA Ruído NHR corr 13,4% -1,3% -5,7%
valor de p 0,185 0,900 0,577
VTI corr 10,5% 3,6% 2,9%
valor de p 0,303 0,723 0,773
SPI corr -4,9% -9,7% -5,5%
valor de p 0,628 0,340 0,587
Quebra de voz DVB (%) corr -14,5% -11,7% -11,1%
valor de p 0,152 0,247 0,273
NVB corr -1,5% 2,3% -14,2%
valor de p 0,880 0,820 0,161
Segmentos sub-harmônicos DSH (%) corr 5,6% -8,9% -5,7%
valor de p 0,584 0,379 0,577
NSH corr 16,6% 0,2% -7,7%
valor de p 0,101 0,987 0,451
Segmentos surdos ou não sonorizados DUV (%) corr -11,9% -9,5% -13,4%
valor de p 0,239 0,350 0,186
NUV corr -14,0% -11,1% -12,0%
valor de p 0,168 0,275 0,239
CAPE-V Grau Geral corr 28,8% 23,4% -6,2%
valor de p 0,004* 0,020* 0,545
Rugosidade corr 32,3% 24,9% -6,3%
valor de p 0,001* 0,013* 0,533
Soprosidade corr 25,7% 22,7% -12,3%
valor de p 0,010* 0,024* 0,224
Tensão corr 16,5% 8,8% -15,1%
valor de p 0,102 0,387 0,135
Pitch corr 11,4% 0,8% -5,6%
valor de p 0,259 0,939 0,581
Loudness corr 12,4% -2,6% -13,1%
valor de p 0,222 0,795 0,197

*Valores significativos (p≤0,05) – Teste Correlação de Pearson Legenda: corr = correlação; CAPE-V = Consenso da Avaliação Perceptivo-auditiva da Voz; MDVPA = Multi-Dimensional Voice Program Advanced®; f0 = frequência fundamental; fhi = f0 máxima; flo = f0 mínima; STD = desvio-padrão da f0; RAP = média relativa da perturbação; jitt = Jitter percentual; jita = Jitter absoluto; sPPQ = quociente de perturbação do Pitch suavizado; PPQ = quociente de perturbação do Pitch; vf0 = coeficiente da variação da f0; ShdB = shimmer em dB; Shim = shimmer percentual; vAm = coeficiente de variação da amplitude; APQ = quociente de perturbação da amplitude; sAPQ = quociente de perturbação da amplitude suavizado; NHR = proporção ruído-harmônico; SPI = índice de fonação suave; VTI = índice de turbulência da voz; NVB = número de quebras vocais; DVB = grau de quebra da voz; DUV = grau de segmentos não sonorizados; NUV = número de segmentos não sonorizados; NSH = números de segmentos sub-harmônicos; DSH = grau dos componentes sub-harmônicos

DISCUSSÃO

A maioria dos professores avaliados nesta pesquisa apresentou queixa vocal, concordando com a literatura(3,9,11,16). Houve semelhanças entre os resultados do presente estudo e de outro(3), também realizado com professores de uma cidade do interior do RS, quanto ao tempo de docência em anos, de atuação diária em horas e de faixa etária média dos participantes.

Na análise vocal perceptivo-auditiva das professoras, todos os parâmetros analisados se apresentaram dentro da variabilidade considerada normal, que vai de zero a 35,5(21) (Tabela 1). Este resultado vai ao encontro de pesquisas sobre dados vocais perceptivo-auditivos de professores, as quais constataram que a maior parte apresentou desvios leves, ou dentro da variabilidade normal da voz(4,17). No entanto, os índices deste estudo foram inferiores aos da maior parte daqueles encontrados na literatura brasileira que evidenciaram distúrbio vocal em professores(5,6,15,18). É possível que esse fato decorra de melhores condições de trabalho, bem como de um perfil de saúde diferenciado da classe docente, considerando-se que a realização desta investigação ocorreu em várias escolas de uma cidade do interior.

Na análise acústica, todas as medidas de perturbação de frequência (jitter), de perturbação de amplitude (shimmer)(22-26), de segmentos surdos ou não sonorizados e de segmentos sub-harmônicos mostraram-se acima da normalidade, bem como o STD e o SPI (Tabela 1). Tais resultados, se analisados em conjunto, sugerem presença de ruído e de instabilidade no sinal glótico.

O aumento das medidas de jitter pode sinalizar dificuldades de controle em nível fonatório ou respiratório, visto que fornecem indícios da irregularidade da vibração da mucosa das PPVV, como variação de massa, tensão e distribuição do muco, de simetria das estruturas vocais e da relação entre as características biomecânicas e o controle neuromuscular. Todas essas características fazem com que o jitter seja indicativo de instabilidade oscilatória das PPVV, podendo se caracterizar por uma qualidade vocal rouca ou ruidosa(22,23,25). As medidas de shimmer podem indicar a diminuição ou inconsistência do coeficiente de contato das PPVV, relacionando-se à presença de soprosidade na voz, o que também se caracteriza por ruído no sinal vocal(22,23,25,27). Tais medidas de jitter e de shimmer podem sinalizar a presença de ruído, como um todo, na voz(25,27).

As medidas de segmentos surdos ou não sonorizados são relativas à irregularidade da voz e caracterizam a interrupção da periodicidade da onda sonora, refletindo-se como ruído ou irregularidade à emissão(24,26). A presença de componentes sub-harmônicos de baixa intensidade entre os harmônicos pode indicar a presença de ruído(23,26), como a rouquidão.

O SPI, que avalia a falta de componentes harmônicos de alta frequência, pode sugerir também alterações de coaptação glótica, com presença de ruído à emissão(23), sendo que a falta ou diminuição de harmônicos de alta frequência se relaciona à voz soprosa e/ou rouca. O STD mede o desvio padrão da frequência fundamental e sua alteração sugere instabilidade fonatória de longo termo, podendo decorrer de alteração de vibração mucosa ou falta de controle neuromuscular(23,25). De forma geral, os resultados encontrados mostraram a presença de aperiodicidade vocal, com ruído à sonorização, bem como de instabilidade à emissão, caracterizando alterações do sinal glótico, que podem ser devidas a características individuais e/ou de trabalho, levando o professor a queixas e à perda da sua qualidade vocal.

Os usos vocais intensivos e inadequados, como fala excessiva, competição sonora, aumento do esforço, falta de repouso e hidratação, posturas corporais e respiração inadequadas para a voz falada profissional, dentre outros comumente presentes no meio docente, são comportamentos vocais que distorcem a produção vocal efetiva e eficaz(3,7,22,24). A fala excessiva pode resultar em fadiga vocal, principalmente em longo prazo, fazendo com que a qualidade vocal passe a apresentar ruído, instabilidade, soar fraca e requerer maior esforço(9,24), gerando um ciclo vicioso.

Associados à tensão e ao esforço aumentados, muitos professores apresentam sinais, como ataque vocal brusco, laringe elevada e constrição laríngea anteroposterior(24). Os casos de hipertensão vocal podem, ainda, ser responsáveis por discreto edema nas PPVV, gerando alterações do ciclo vibratório das pregas vocais, ruído/energia aperiódica aleatória na voz, bem como diminuição da estabilidade vocal(3,16,24).

Desta forma, não é possível “culpar” o professor pelo distúrbio vocal, quando, mesmo na presença de fatores agravantes e ou desencadeantes intrínsecos, ele está inserido em um contexto de trabalho que se torna determinante para o adoecimento(1,11). Isto tem sido verificado na literatura, pelas características das condições de trabalho impostas aos docentes(1-3,5,6,8,14).

Alguns exemplos são: acúmulo de atividades ou de funções, jornada de trabalho prolongada, sobrecarga, demanda vocal excessiva, ausência de pausas e de locais de descanso durante a jornada, falta de autonomia, ritmo de trabalho acelerado para o cumprimento de metas, trabalho sob forte pressão, insatisfação com o trabalho ou com a remuneração, postura e equipamentos inadequados, dificuldade de acesso à hidratação e sanitários, pressão sonora acima dos níveis de conforto, acústica desfavorável, mobiliário e recursos materiais inadequados e insuficientes, desconforto e choque térmico, má qualidade do ar, ventilação inadequada do ambiente, baixa umidade, exposição a produtos químicos irritativos de vias aéreas superiores (solventes, vapores metálicos, gases asfixiantes) e presença de poeira ou fumaça no local de trabalho(1).

Nesta investigação, a presença de queixas vocais no grupo analisado já começa a dar mostras acústicas de distúrbio vocal, ainda que não tenha havido diferença, apesar da avaliação perceptivo-auditiva não detectá-los e de não ter havido diferença, também, entre a presença de queixas vocais e ambas as avaliações (Tabelas 1 e 2). Mesmo sabendo-se que a análise perceptivo-auditiva é considerada padrão ouro na avaliação da qualidade vocal(21), os achados acústicos devem ser valorizados como complementares, visto que podem apontar parâmetros alterados, quando a análise perceptivo-auditiva ainda mostra desvios leves ou normais(4,17), devido a sua maior acuidade em relação à orelha humana.

Em trabalho semelhante(11), realizado na rede municipal da cidade de São Paulo/Brasil, de uma amostra de 165 docentes, 36 professores adultos relataram apresentar alteração vocal, sem que esse dado fosse confirmado pela avaliação vocal perceptivo-auditiva, como ocorreu no presente estudo, embora as juízas tivessem acesso a apenas uma amostra de voz de cada sujeito e os sintomas referidos fossem predominantemente proprioceptivos, o que pode ter contribuído para a não identificação da presença de disfonia pela análise perceptivo-auditiva.

Ainda, convergindo com esta pesquisa, foi alta a ocorrência de sintomas vocais. Secundários ao uso vocal intensivo e ao estresse, classificados pela maioria como de grau moderado, os sintomas mais referidos pelos professores foram rouquidão, cansaço ao falar, pigarro e garganta seca, sendo agravados pela presença de poeira, ruído, excesso de trabalho, falta de tempo para desenvolver as atividades na escola e fiscalização constante do desempenho, configurando ambientes de trabalho adversos à saúde e à voz(11).

Quanto à correlação entre as características profissionais e vocais, observou-se aumento de perturbação de frequência (jita), conforme o aumento da idade; diminuição de perturbação da amplitude (sAPQ), conforme o aumento do uso diário da voz; aumento da rugosidade, soprosidade e grau geral da voz, conforme o aumento da idade e do tempo de atuação profissional das docentes (Tabela 3).

A idade e o tempo de atuação profissional são duas variáveis diretamente proporcionais. Os usos vocais intensivos e inadequados, a falta de controle respiratório e a suscetibilidade individual, reforçados por fatores físicos, sociais e psicológicos, enquanto concausais ao distúrbio da voz relacionado ao trabalho(1,2,6,8), podem contribuir com a presença de aspereza, soprosidade, rouquidão e/ou instabilidade vocal(3,24,28). Períodos de descanso e menor demanda vocal podem melhorar a qualidade vocal dos sujeitos, porém, como geralmente os usos vocais incorretos dos professores se repetem, os distúrbios vão aparecendo no decorrer do tempo(24), como nos casos do presente estudo.

A medida de shimmer sAPQ relaciona-se com a resistência glótica e com a presença de ruído e instabilidade no sinal. Nesta pesquisa, a medida diminuiu, conforme o aumento do uso diário da voz, sugerindo maior fechamento glótico, estabilidade e menor escape aéreo transglótico(29,30). Tais dados podem ser relacionados à fala excessiva e à fadiga vocal, que ocorrem com o aumento do uso diário, gerando ação compensatória das alterações neuromusculares e proporcionando maior força de adução glótica(24),em um quadro de hiperfunção compensatória.

A partir dos resultados obtidos por esta e outras pesquisas, a reflexão acerca da determinação dos fatores ambientais e organizacionais das escolas, os quais influenciam a voz do professor, deve ser objeto de investigações para que se possa evidenciá-los cientificamente e mostrar a necessidade de melhoria desses fatores. Alguns estudos sugerem a implantação de programas de orientação e treinamento vocal para professores, pois os distúrbios vocais dessa população podem comprometer seu desempenho laboral e sua continuidade na carreira(1,3,9), ocasionando prejuízos à sociedade e à economia(1).

Na presente pesquisa, além de todos os fatores mencionados anteriormente, observou-se alguma dificuldade na inserção da Fonoaudiologia dentro das escolas. Mesmo seguindo-se o método rigorosamente e realizando as devolutivas caso a caso, algumas escolas se negaram a participar do estudo, ou dificultaram a coleta de dados e professores não entregaram os questionários, ocasionando perda de sujeitos no processo de amostragem.

CONCLUSÃO

A voz das docentes foi considerada normal pela avaliação perceptivo-auditiva, mas houve detecção de ruído e instabilidade na análise acústica e predomínio de queixas vocais, bem como alteração de medidas acústicas e perceptivo-auditivas, com o aumento de idade e do tempo de profissão. Também se observou que ruído e instabilidade diminuíram conforme o aumento do uso diário da voz, sugerindo algum tipo de compensação hiperfuncional. É possível que, frente ao aumento das queixas das professoras, da idade, do tempo de atuação profissional e das compensações hiperfuncionais ao longo do dia de trabalho, haja evolução para um distúrbio vocal.

Considerando-se as condições de trabalho docente, os desafios para a promoção da saúde e prevenção da doença vocal relacionada ao trabalho consistem em como diminuir, de fato, a incidência de agravos à saúde relacionados à voz, frente à multicausalidade do distúrbio vocal relacionado ao trabalho. No entanto, com base nos resultados de pesquisas científicas, é possível elaborar e aplicar protocolos de prevenção e medidas de intervenção multiprofissional, a fim de promover mudanças nos ambientes e processos de trabalho, visando à melhoria da qualidade de vida do trabalhador nos aspectos relacionados direta e indiretamente à voz.

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