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Menor prevalência e maior gravidade da asma em clima quente e seco

Menor prevalência e maior gravidade da asma em clima quente e seco

Autores:

Marco Aurélio de Valois Correia Junior,
Emanuel Sávio Cavalcanti Sarinho,
José Angelo Rizzo,
Silvia Wanick Sarinho

ARTIGO ORIGINAL

Jornal de Pediatria

versão impressa ISSN 0021-7557versão On-line ISSN 1678-4782

J. Pediatr. (Rio J.) vol.93 no.2 Porto Alegre mar./abr. 2017

http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2016.05.006

Introdução

A asma é uma doença inflamatória crônica das vias aéreas comum na infância, caracterizada clinicamente por episódios recorrentes de sibilância, falta de ar e tosse.1 É bastante prevalente em todo o mundo e os fatores climáticos, especialmente a umidade do ar, podem ter um papel importante no desenvolvimento da doença, haja vista as baixas prevalências encontradas em regiões desérticas comparadas com as de regiões nas quais a umidade e índices pluviométricos são mais elevados, como nas regiões tropicais.2-7

Essa característica pode ter relação com a proliferação dos ácaros da poeira doméstica que não conseguem sobreviver em ambientes de pouca umidade e são um dos principais determinantes de sensibilização alérgica.4-10 Nesse caso, nas regiões de clima seco, agentes diferentes dos ácaros podem ser os responsáveis por desencadear asma, dentre eles outros aeroalérgenos, como pólens, poluição do ar, pequenas partículas presentes nos solos, epitélios de animais, além do uso de umidificadores nas residências.4,8,9

No Brasil ainda são escassas as pesquisas sobre a asma e fatores de risco nas diferentes regiões do país, especialmente no que se refere aos vários ecossistemas.2,11 Esse fato dificulta o planejamento e a execução de políticas públicas que visam à sua prevenção, pois os estudos existentes foram feitos em grande parte em cidades maiores, principalmente nas capitais, cuja maioria se encontra no litoral ou em regiões subtropicais nos estados da região Sul/Sudeste.2,11

Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar a prevalência, a gravidade e os fatores associados à asma em adolescentes de 13 e 14 anos em região de baixa umidade, com clima quente e seco. A pesquisa foi feita numa cidade com um clima classificado como semiárido caracterizado pela escassez e irregularidade de chuvas e altas temperaturas.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal de base populacional feito em estudantes de 13 e 14 anos matriculados na rede pública estadual de ensino em 2014 em Petrolina (Pernambuco), no Nordeste brasileiro, que conta com 294 mil habitantes12 e ocupa uma área correspondente a 4.561,872 Km2. Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa com seres humanos da Universidade de Pernambuco (protocolo: 459.304).

Os dados foram obtidos por meio de questionários aplicados nas escolas com registro das informações em formulários compostos por perguntas pré-codificadas, com quesitos sobre idade, sexo, doenças alérgicas, nível de atividade física (NAF), escolaridade da mãe, renda familiar, presença de fumante em casa e antecedentes de asma nos genitores. Os questionários preenchidos pelos adolescentes eram revisados ao fim do dia para identificação e correção oportuna de erros de preenchimento, checaram-se, mediante novas visitas, as informações incompletas, duvidosas ou inconsistentes.

Para avaliação das doenças alérgicas foi usado o questionário Isaac traduzido e validado para o Brasil.2 Esse questionário apresenta três módulos (asma, rinite e eczema) com até oito questões cada, autoaplicável e de fácil entendimento. Foi considerado para classificação de prevalência de asma ou asma em atividade quem respondesse “sim” à pergunta “Nos últimos 12 meses, você teve sibilos (chiado no peito)?”, para diagnóstico de asma quem respondesse “sim” à pergunta “Alguma vez na vida você teve asma?” e para o diagnóstico de asma grave, aqueles adolescentes classificados como tendo asma em atividade que relataram chiado no peito tão forte a ponto de afetar a fala. Esse questionário não contém perguntas relativas ao consumo de medicamentos. Foi considerado como tendo rinite e dermatite atópica quem respondesse “sim” às seguintes perguntas respectivamente “Nos últimos 12 meses, você teve algum problema com espirros, coriza (corrimento nasal) ou obstrução nasal, quando não estava gripado ou com resfriado?” e “Nos últimos 12 meses, você teve manchas na pele (eczema)?”

Para avaliar a repercussão da asma nas atividades diárias dos adolescentes foram avaliados o absenteísmo e o rendimento escolar geral e a atividade nas aulas de educação física. O absenteísmo escolar foi avaliado observando o número total de faltas escolares em cada disciplina por meio da frequência escolar referente ao ano anterior à pesquisa. O desempenho escolar foi avaliado por meio das médias das notas obtidas durante o ano anterior à pesquisa nas disciplinas obrigatórias (matemática, português, ciências, ciências sociais e educação artística) comuns a todas as escolas. O grau de instrução da mãe foi caracterizado em 0 a 9 anos de estudo, 10 a 13 anos de estudo e maior do que 14 anos de estudo e a renda familiar em até dois salários e maior do que dois salários mínimos.

O nível de atividade física foi avaliado por meio do questionário internacional de atividade física (IPAQ, versão curta) validado para o Brasil,13 que classifica o indivíduo em muito ativo, ativo, irregularmente ativo ou sedentário, conforme frequência, duração e intensidade das atividades físicas semanais. Foram considerados ativos os indivíduos que atingiram os seguintes critérios: a) atividade física vigorosa com frequência igual ou superior a três dias/semana com duração igual ou maior do que 20 minutos/sessão; b) atividade física moderada ou caminhada com frequência igual ou superior a cinco dias/semana e duração igual ou maior do que 30 minutos/sessão; c) qualquer atividade física cuja frequência somada fosse igual ou superior a cinco dias/semana e com duração igual ou maior do que 150 minutos/semana. Os sujeitos que não alcançaram os critérios supracitados foram classificados como inativos. Os questionários escritos foram distribuídos nas salas de aula e preenchidos pelos próprios adolescentes com supervisão dos pesquisadores previamente treinados.

Tamanho da amostra e análise estatística

Para quantificação do tamanho da amostra no programa WinPepi (PEPI-for-Windows)14 foram usados os seguintes critérios: população estimada em 31.555 alunos; intervalo de confiança de 95%; erro amostral de cinco pontos percentuais; prevalência estimada em 50% por se tratar de mais de duas variáveis de interesse; e efeito de delineamento amostral estabelecido em três vezes o tamanho mínimo da amostra; e perda amostral de 20%. Totalizou, portanto, uma amostra mínima de 1.425 alunos.

O procedimento de seleção da amostra obedeceu a uma sequência de etapas na tentativa de se obter uma amostragem representativa de escolares da rede estadual de ensino quanto à distribuição conforme o porte de escolas. Com o objetivo de auxiliar o planejamento amostral, as escolas foram organizadas em três categorias: pequeno porte (até 200 alunos), médio porte (201 a 499 alunos) e grande porte (superior a 500 alunos) e foi aplicado critério de estratificação considerando a proporcionalidade por porte.

Após todas as etapas, chegou-se ao número total de 18 escolas e 57 turmas, o que representa 42% das escolas estaduais de Petrolina. Considerando um número mínimo de 25 alunos por turma, esperava-se avaliar 1.425 alunos. Como algumas turmas tinham mais do que 25 alunos por turma, 1.591 estudantes foram avaliados. As escolas foram escolhidas por sorteio após a randomização feita no programa WinPepi.14

Os dados foram processados e analisados com os programas Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0 e o Stata 7.0 (StataCorp. 2015.Stata Statistical Software: release 7. College Station, EUA). Inicialmente os dados foram inseridos no pacote estatístico SPPS por meio de digitação dupla e comparadas possíveis inconsistências. Para testar a suposição de normalidade dos dados foi aplicado o teste de Kolmogorov-Smirnov. A comparação entre as medianas foi feita com o teste de Mann-Whitney para variáveis não paramétricas. Para avaliar as diferenças entre as proporções de asma e os fatores associados foram usados os testes qui-quadrado e qui-quadrado com correção de Yates, quando apropriados. Todas as conclusões foram tomadas no nível de significância de 5%.

As razões de prevalência (RP) para asma foram calculadas para cada variável de exposição por regressão de Poisson. As variáveis com valor de p < 0,20 nas análises bivariadas foram selecionadas para compor o modelo de regressão multivariado, com a finalidade de avaliar o impacto das variáveis explanatórias. Os resultados foram expressos por razões de prevalências (RP) ajustadas com respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%) e foram considerados estatisticamente significantes valores p < 0,05.

Resultados

Participaram da pesquisa 1.591 adolescentes de 13 e 14 anos, 791 (49,7%) do sexo masculino e 800 (50,3%) do feminino, 67,2% das famílias ganhavam até dois salários mínimos e apenas 17,8% das mães tinham nível superior.

A distribuição dos adolescentes por sexo e fatores relacionados às doenças alérgicas demonstra que as prevalências para asma em atividade, asma grave e diagnóstico médico de asma foram de 14%, 10,4% e 17,8%, respectivamente, e verifica-se que as adolescentes apresentaram maior prevalência de asma, rinite alérgica e dermatite (tabela 1).

Tabela 1 Distribuição dos escolares por sexo e fatores relacionados as doenças alérgicas 

Questões Sexo
Masculino
(n = 792)
Feminino
(n = 799)
Total
(n = 1591)
p valora
Chiado no peito nos últimos 12 meses 85 (10,7%) 137 (17,1%) 222 (14%) < 0,001
Crises de chiado nos últimos 12 meses
1-3 crises 60 (7,6%) 104 (13,0%) 164 (10,3%) < 0,001
> 4 crises 10 (1,3%) 24 (3,0%) 34 (2,1%)
Despertar noturno nos últimos 12 meses 30 (3,8%) 69 (8,6%) 99 (6,2%) < 0,001
Dificuldade de falar nos últimos 12 meses 63 (8,0%) 102 (12,8%) 165 (10,4%) 0,002
Chiado no peito após exercício físico 123 (15,5%) 157 (19,6%) 280 (17,5%) 0,539
Tosse a noite nos últimos 12 meses 34 (4,3%) 33 (4,1%) 67 (4,2%) 0,863
Alguma vez na vida teve asma 120 (15,2%) 164 (20,5%) 284 (17,9%) 0,006
Antecedente de asma nos genitores 163 (20,6%) 264 (33,0%) 427 (26,8%) < 0,001
Rinite alérgica 108 (13,7%) 208 (26,0%) 316 (19,9%) < 0,001
Dermatite atópica 28 (3,5%) 78 (9,8%) 106 (6,7%) < 0,001
Nível de atividade física
Inativo 315 (40,9%) 369 (46,7%) 684 (43,8) 0,021

Os valores estão expressos como números absolutos e os valores percentuais entre parênteses. Os valores em negrito indicam diferença estatística.

aTeste qui-quadrado.

A análise bivariada entre a prevalência de asma em atividade e os possíveis fatores intervenientes (tabela 2) demonstraram a importância da associação com a rinite alérgica e com a dermatite atópica bem como com a história de antecedentes de asma nos genitores (28,2% vs. 10,4%, 35,8% vs. 12,4% e 27,3% vs. 8,3%, respectivamente, todos com p < 0,001).

Tabela 2 Prevalência de asma nos adolescentes segundo sexo, renda familiar, escolaridade da mãe, fumo, antecedente de asma, rinite alérgica, dermatite atópica e nível de atividade física (número total de adolescentes investigados: 1.591) 

Prevalência de asma questionário Isaac
N % [IC, 95%] p valora
Sexo
Masculino 85 10,7 08,7-13,0 < 0,001
Feminino 137 17,1 14,4-19,9
Renda familiar
Até dois salários 147 13,8 11,8-15,8 0,388
Mais de dois salários 52 15,8 11,9-19,8
Escolaridade da mãe
0-9 anos de estudo 80 15,8 12,6-18,9 0,726
10-13 anos de estudo 72 12,5 09,8-15,3
> 14 anos de estudo 44 15,6 11,7-19,9
Tem fumante em casa
Não 194 13,9 12,2-15,7 0,454
Sim 9 18 08,0-30,0
Antecedente asma nos genitores
Não 105 9,0 07,5-10,6 < 0,001
Sim 117 27,4 23,2-31,8
Rinite alérgica
Não 133 10,4 08,7-12,2 < 0,001
Sim 89 28,2 23,7-33,5
Dermatite atópica
Não 184 12,4 10,7-13,9 < 0,001
Sim 38 35,8 27,4-45,3
Nível de atividade física
Ativo 133 15,2 12,8-17,7 0,084
Inativo 83 12,1 09,8-14,8

IC, intervalo de confiança. Os valores em negrito indicam diferença estatística.

aTeste qui-quadrado.

Os adolescentes com asma se abstiveram mais nas aulas, inclusive nas aulas de educação física, do que os seus pares não asmáticos (p < 0,05). Contudo, não foi detectado menor rendimento escolar desses estudantes com asma (tabela 3).

Tabela 3 Absenteísmo geral, absenteísmo em educação física, rendimento escolar geral e rendimento em educação física nos estudantes 

Variável Mediana Percentil (25%-75%) p valora
Absenteísmo geral
Asma 33 14-54 0,030
Sem asma 23 11-42
Absenteísmo ed. física
Asma 1 00-03 0,036
Sem asma 0 00-02
Rendimento escolar
Asma 6,2 4,42-7,35 0,198
Sem asma 6,4 4,68-7,26
Rendimento ed. física
Asma 7,5 6,68-8,50 0,342
Sem asma 7,75 6,62-8,60

Os valores em negrito indicam diferença estatística.

aTeste de Mann-Whitney.

Na análise de regressão de Poisson, que incluiu o sexo feminino e o menor nível de atividade física, verificou-se que apenas mantiveram-se no modelo final as variáveis de rinite alérgica e dermatite atópica, bem como antecedentes de asma nos genitores (tabela 4).

Tabela 4 Regressão de Poisson para prevalência de asma segundo sexo, antecedente de asma nos genitores, rinite alérgica, dermatite atópica e nível de atividade física 

Variáveis Razão de prevalência não ajustada Razão de prevalência ajustada
RP (IC,95%) p RP (IC,95%) p
Sexo
Masculino 1 1
Feminino 1,60 1,22-2,09 < 0,001 1,08 0,80-1,47 0,603
Antecedente nos genitores
Não 1 1
Sim 3,28 2,47-34,34 < 0,001 2,65 1,97-3,55 < 0,001
Rinite alérgica
Não 1 1
Sim 2,70 2,06-3,53 < 0,001 1,96 1,45-2,65 < 0,001
Dermatite atópica
Não 1 1
Sim 2,89 2,04-4,10 < 0,001 2,18 1,48-3,22 < 0,001
Nível de atividade física
Ativo 1 1
Inativo 0,80 0,61-1,05 0,084 0,86 0,64-1,15 0,318

IC, intervalo de confiança; RP, razão de prevalência. Os valores em negrito indicam diferença estatística.

Discussão

As prevalências de asma, asma grave e diagnóstico médico de asma neste estudo feito no semiárido brasileiro foram de 14%, 10,4% e 17,8%, respectivamente. Os fatores associados à asma foram a rinite alérgica e a dermatite atópica, bem como antecedentes de asma nos genitores. Além disso, os adolescentes asmáticos faltaram mais às aulas do que seus pares.

As diferenças climáticas podem ter influência significativa na prevalência da asma, o que é indicado pela verificação de maiores prevalências em regiões com umidade relativa do ar e índices pluviométricos mais elevados e menores em regiões de climas quentes e secos.2-6 Na comparação dos nossos achados com os de estudos feitos em outras localidades brasileiras2,11 verificamos uma menor prevalência de asma, possivelmente relacionada com as características climáticas específicas da região estudada.2-6 O clima seco dificulta a sobrevivência dos ácaros, principais alérgenos intradomiciliares, que necessitam de hidratação obtida da umidade do ar para sobreviver e ambientes com umidade relativa abaixo de 55% lhes são letais.6,9

No entanto, assim como neste estudo, a asma ainda assim é detectada nessas regiões e provavelmente uma das possíveis hipóteses explicativas é a presença de outros aeroalérgenos, como os pólens e esporos das plantas,4 ou ainda o contato com epitélios de animais, além da suspensão de substâncias encontradas nos solos, que, quando transformadas em partículas menores, podem ser transportados pelos ventos por longas distâncias.8 Existem relatos de sensibilização alérgica em áreas próximas de plantações de pistache no deserto do Irã4 e espécies de fungos foram descritas como o agente com maior associação com a asma em climas semiáridos no deserto.15-17 As doenças respiratórias alérgicas causadas por plantas podem também existir de forma ainda não identificada nessa área do Nordeste brasileiro, pois uma das características da região de nossa pesquisa é a fruticultura irrigada com grandes campos de plantações.

Outro fato interessante é que, apesar de a asma ser menos prevalente nessa localidade, os adolescentes asmáticos relataram maior gravidade da doença, o que parece interferir diretamente na vida desses indivíduos. Rabe et al.18 descrevem um efeito negativo da asma com considerável perda de dias de trabalho e de escola nos casos mais graves, além de o atual controle em todo o mundo estar muito aquém dos objetivos fixados nas orientações das diretrizes internacionais.1 De fato, o maior absenteísmo escolar encontrado em nossa pesquisa (33 vs. 22 aulas/ano; p < 0,03) parece ter relação com a maior gravidade da asma, uma vez que a maioria (74%) dos adolescentes com asma em atividade relatou sintomas compatíveis com asma grave.8,18,19 Esse fato indica uma possível falta de reconhecimento e de controle da doença e, além disso, é possível que no clima quente e seco os pacientes apresentem um fenótipo mais grave da afecção. Modelos com desencadeamento de asma após exercício com os pacientes que respiram ar seco sugerem que broncoespasmo pode ser mais grave nessas condições.21,22

Mesmo que apresente prevalência de asma inferior à média brasileira (14% vs. 19%),2 a asma nessa localidade parece ter uma apresentação mais grave (10,4%) quando comparada com a do restante do Brasil (4,7%)2 e do mundo (6,9%).11 Estudos feitos em regiões desérticas da Arábia Saudita5,23 evidenciaram um maior número de visitas às emergências nos indivíduos com asma quando comparados com indivíduos habitantes de cidades da Europa (62% vs. 24%),24 o que indica uma associação com uma maior gravidade da doença nessas áreas, o que pode estar relacionado com a disponibilidade de atendimento, mas também com as características climáticas da região. Dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus) demonstram que o número de internações por asma no período de sete anos em Petrolina é maior do que em municípios do litoral e do agreste de Pernambuco e com tamanho populacional semelhante. A taxa de internamento padronizada por 100.000 habitantes foi de 509,4 em Petrolina (semiárido), 259,58 em Caruaru (agreste) e 180,53 em Paulista (litoral).12 Esse é um preocupante cenário de asma nessa região que parece ser efetivamente mais grave e predominantemente alérgica, pois vem fortemente associada a outras características de atopia, como a rinite alérgica e a dermatite atópica.

Neste estudo, após ajuste das variáveis, a associação de asma com a rinite alérgica (razão de prevalência = 1,96) foi inferior à encontrada em outros estudos brasileiros (valores descritos entre 2,19 e 4,36).25 Mesmo assim, junto com a dermatite atópica, foi um importante fator para o diagnóstico de asma na população estudada. Esses achados sugerem que mesmo em clima seco e quente a atopia parece ser um fator presente e preponderante. Um fato adicional além dessa associação com outras doenças alérgicas é o relato de asma nos genitores como fator consistente associado com a prevalência de asma e que contribuiu com razão de prevalência de 2,65. Isso pode sugerir a necessidade de alertar aos adultos asmáticos para identificar sinais dessa enfermidade nos filhos e contribuir com a equipe de saúde de forma precoce no cuidado apropriado.19,20,26

É importante considerar algumas limitações deste estudo. O uso de questionários pode trazer alguns vieses de recordação e/ou interpretação e a lacuna temporal existente entre as pesquisas multicêntricas do Isaac no Brasil.27,28 Trabalhos feitos há quase dez anos no mesmo estado, com metodologia análoga, mas em locais com características climáticas bem distintas, observaram diferenças na prevalência entre a região mais úmida do litoral (19,1%), intermediária do agreste (17,9%) e a atual observação, feita no semiárido (14%).2 Além disso, variáveis não incluídas na pesquisa, como hábitos alimentares, sensibilização atópica e fatores psicológicos, podem influenciar a ocorrência de asma.26,29,30 O fato de o questionário Isaac não conter perguntas sobre o tratamento não nos permite fazer inferências a respeito de uma possível associação entre a prevalência de asma ou mesmo de asma grave observada e o uso de medicamentos, que, mesmo prescritos, não significam objetivamente o seu uso. Contudo, os resultados aqui descritos podem ajudar na compreensão da prevalência da asma e sua gravidade nos climas quentes e secos.

Em conclusão, em Petrolina, na região semiárida do Nordeste brasileiro, a prevalência de asma foi inferior àquelas relatadas em outras cidades brasileiras em estudos que empregaram metodologia análoga, porém chamou a atenção a alta proporção de relatos de sintomas de maior gravidade da doença.2,27,28 Pelas respostas ao questionário do Isaac podemos inferir que a asma, pelo menos por parte dos médicos, não é negligenciada, uma vez que a frequência de diagnóstico médico de asma é superior (17,9%) à de sibilância no último ano (14%). Entretanto, isso não é garantia de que os pacientes venham sendo tratados de modo apropriado. A baixa umidade do ar e a falta de controle clínico são possíveis explicações para esse achado. Esses dados devem servir para orientar as políticas de saúde em condições semelhantes e estudos posteriores deverão ser feitos para avaliar se a melhoria da assistência médica será capaz de reduzir o número de internamentos e visitas às emergências por asma que foi encontrado.

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