versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.31 no.4 São Paulo 2019 Epub 29-Ago-2019
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20192018181
Na literatura científica, principalmente no âmbito internacional, a temática esforço auditivo tem sido estudada nas áreas de audiologia e psicologia cognitiva com o intuito de se estabelecer um consenso quanto à definição, melhor método de mensuração e recursos cognitivos envolvidos neste parâmetro auditivo. Alguns autores definem “esforço auditivo” como a quantidade de recursos cognitivos necessários para o reconhecimento dos sinais acústicos, principalmente os da fala(1).
Outros autores(2) o definem como “a alocação deliberada de recursos mentais para superar obstáculos na busca de objetivos ao realizar uma tarefa, mais especificamente quando as tarefas envolvem escutar”, considerando a distinção entre a demanda de uma determinada situação de escuta e o esforço que um determinado ouvinte exerce.
Autores(3-5) afirmaram que, ao longo das últimas duas décadas, pesquisas a respeito das interações auditivo-cognitivas têm sido de grande interesse e relevância para a compreensão dos processos relacionados à audição em geral e à percepção da fala, principalmente em condições de escuta desafiadoras, com ruído de fundo(6). A interação entre a memória operacional e a quantidade de esforço dispensada durante tarefas de percepção de fala em diferentes situações de escuta, isto é, com manipulação da relação sinal/ruído (S/R) tem sido uma das temáticas investigadas nesta interação.
De acordo com a literatura, indivíduos que apresentam maior capacidade de memória operacional empregam menor quantidade de esforço auditivo em tarefas de percepção de fala com manipulação das relações sinal/ruído(7,8), pois, mesmo para as tarefas que mensuram o esforço auditivo realizadas com êxito, ocorrerão alterações quanto ao número de elementos que qualquer indivíduo pode recordar e repetir, pois este subtipo de memória é um sistema limitado(7,9,10).
Para compreender a fala em ambientes ruidosos, tanto os indivíduos com audição normal quanto aqueles que apresentam algum grau de perda de audição necessitarão da ativação de diversos recursos cognitivos responsáveis pelo processamento e interpretação da informação auditiva e maiores níveis de atenção e memória, para desempenhar com êxito as tarefas que mensuram o esforço auditivo, e/ou também a percepção de fala em situações cotidianas nas quais as condições de escuta são adversas(11,12).
Pesquisas demonstraram que, mesmo para indivíduos adultos com audição normal, o ruído e a reverberação foram aspectos prejudiciais para o bom desempenho nos testes cuja tarefa foi memorizar os itens ouvidos e recordá-los posteriormente(11,13-15).
Apesar do desenvolvimento de diferentes métodos para mensuração do esforço auditivo no cenário internacional, pouco se conhece sobre essa mensuração em nível nacional. Uma das possíveis explicações para este fato seria a não sistematicidade dos métodos utilizados empiricamente como índice de esforço auditivo.
Alguns autores têm quantificado o esforço auditivo por meio de métodos comportamentais, tais como os paradigmas de tarefa dupla(16,17). Estes paradigmas consistem de duas tarefas, sendo a tarefa primária a percepção de fala de estímulos com graus distintos de extensão (logatomas, palavras, sentenças) e de dificuldade, pois a familiaridade com o vocabulário apresentado interferirá no resultado do teste; e; a tarefa secundária, que pode ser a recordação de estímulos de fala previamente ouvidos pelo sujeito que está sendo avaliado. Ambas as tarefas, primária e secundária, são desempenhadas concomitantemente.
Pesquisas conduzidas com este método comportamental têm utilizado os testes de span, que avaliam a quantidade de esforço auditivo dispensado de acordo com a performance de memória do indivíduo em recordar estímulos previamente citados na tarefa primária, de percepção de fala(9). A alteração no desempenho da tarefa secundária em diferentes níveis de dificuldades da tarefa primária reflete uma mudança nos recursos cognitivos para o processamento da fala, isto é, o esforço auditivo. Esta interpretação pressupõe que o desempenho tanto na tarefa primária quanto na secundária requer a alocação de alguns recursos cognitivos comuns para cada tarefa. Como os recursos cognitvos são limitados, será dispensado maior esforço auditivo e maior demanda de recursos cognitivos para a tarefa de percepção de fala.
A partir do exposto, o objetivo deste estudo foi mensurar o esforço auditivo com o uso de um paradigma de tarefa dupla de memória operacional e analisar a significância clínica do desempenho de indivíduos normo-ouvintes. Hipotetizou-se com esta pesquisa que o paradigma de tarefa dupla utilizado seria um instrumento sensível para a mensuração do esforço auditivo por meio da manipulação da memória operacional.
Além disso, a realização de um estudo-piloto possibilitará a verificação de possíveis incoerências deste instrumento de mensuração do esforço auditivo, analisar o desempenho dos indivíduos na execução das diferentes tarefas que compõem o teste e verificar a significância clínica dos resultados.
Este estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) – Marilia e aprovado (CAAE: 90328318.0.0000.5406). O local de desenvolvimento do estudo foi o Centro de Estudos de Educação e da Saúde – CER II da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista, Campus de Marília, São Paulo - Brasil.
O delineamento deste estudo foi clínico observacional, transversal, com amostra de conveniência. Trata-se de uma amostragem-piloto, em que todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e concordaram com os procedimentos realizados.
A amostra foi de conveniência, composta por 10 indivíduos adultos jovens, normo-ouvintes, com idade de 18 a 30 anos, de ambos os gêneros, com nível sociocultural similar, recrutados em universidades públicas do município. O nível sociocultural foi considerado similar devido ao fato de que todos os participantes eram egressos do ensino público e estavam regularmente matriculados em instituições públicas de ensino superior. Os critérios de exclusão adotados foram: I) apresentar perda de audição e/ou histórico de alterações condutivas; II) apresentar histórico de alterações neurológicas ou psiquiátricas; III) apresentar obstrução do meato acústico externo.
A avaliação audiológica constou de anamnese audiológica, meatoscopia e audiometria tonal liminar. Inicialmente, foi aplicada a anamnese audiológica constituída por questões relacionadas à saúde geral e específica para problemas auditivos. Posteriormente, realizou-se a meatoscopia para verificação da presença de qualquer obstrução, que impossibilitasse a continuidade da avaliação.
A audiometria tonal liminar foi realizada com o intuito de determinar o limiar auditivo dos participantes. Os limiares tonais foram pesquisados por via aérea nas frequências de 250Hz a 8000Hz e se classificaram os audiogramas de acordo com a Organização Mundial da Saúde(18), considerando como critério de normalidade a média quadritonal (500, 1000, 2000 e 4000Hz) igual ou inferior a 25 dB. Este procedimento foi realizado em cabine acústica, utilizando-se o audiômetro da Grasson-Stadler, modelo GSI-61 e os fones supra-aurais TDH50.
A Tabela 1 apresenta a caracterização da amostra quanto à faixa etária e média quadritonal das orelhas, apresentada em valores de média e desvio padrão.
Tabela 1 Caracterização dos participantes do estudo-piloto
Nº | Gênero | Idade (anos) | Média quadritonal da OD (500, 1000, 2000, 4000Hz) | Média quadritonal da OE (500, 1000, 2000, 4000Hz) |
---|---|---|---|---|
1 | F | 25 | 1,25 | 2,50 |
2 | F | 24 | 11,25 | 6,25 |
3 | F | 20 | 2,50 | 1,25 |
4 | M | 24 | 1,25 | 1,25 |
5 | F | 20 | 2,50 | 3,75 |
6 | F | 26 | 2,50 | 1,25 |
7 | M | 25 | 1,25 | 1,25 |
8 | F | 25 | 6,25 | 5,00 |
9 | M | 19 | 8,75 | 7,50 |
10 | M | 27 | 3,75 | 6,25 |
Média | - | 23,5 | 4,12 | 3,62 |
DP | - | 2,65 | 3,30 | 2,33 |
Legenda: DP = Desvio Padrão; OD = Orelha direita; OE = Orelha esquerda; Hz = Hertz; F = Feminino; M = Masculino
Após a avaliação audiológica, foi realizada a mensuração do esforço auditivo dos participantes com a aplicação de uma medida comportamental, referenciada como um paradigma de tarefa dupla composto por uma tarefa primária de percepção de fala e uma tarefa secundária de recordação/memória operacional. Este instrumento apresenta três partes, sendo estas: I) percepção de fala de logatomas; II) esforço auditivo e memória operacional (conjunto de palavras reais); III) percepção de sentenças sem sentido. O paradigma de tarefa dupla encontra-se disponível na Tabela 2.
Tabela 2 Instrumento que mensura o esforço auditivo por meio de paradigma de tarefa dupla
PARTE I – PERCEPÇÃO DE FALA DE LOGATOMAS | |||||||
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Lista 1 | Intensidade da consoante (dB) | Lista 2 | Intensidade da consoante (dB) | Frequência da consoante (Hz) | |||
1 | AMA | 35 | ANA | 35 | 250 | ||
2 | ALA | 40 | ANHA | 40 | 250 | ||
3 | ABA | 25 | APA | 25 | 500 | ||
4 | ALHA | 35 | ARA | 35 | 750 | ||
5 | ARRA | 25 | AKA | 30 | 1500 | ||
6 | AKA | 30 | AGA | 25 | 1500 | ||
7 | AJA | 25 | ACHA | 25 | 2500 | ||
8 | ADA | 25 | ATA | 25 | 4000 | ||
9 | AZA | 20 | ASSA | 20 | 4000 | ||
10 | AVA | 15 | AFA | 15 | 6000 | ||
PARTE II – ESFORÇO AUDITIVO E MEMÓRIA OPERACIONAL: CONJUNTO DE PALAVRAS REAIS | |||||||
CONJUNTO I | |||||||
CAMA BALA |
JANA MANHA |
CHAMA CANA |
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CONJUNTO II | |||||||
FALA CALHA LAMA |
BANHA CARA TAPA |
PALHA CAPA CHAPA |
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CONJUNTO III | |||||||
FARRA JACA TALHA SALA |
FACA JOGA FAIXA FRONHA |
JARRA TAXA FALHA DAMA |
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CONJUNTO IV | |||||||
CADA PARA SOFA TAÇA CASA |
FAÇA BATA DADA VAZA BRAVA |
NADA PLAZA PATA LAÇA TRUFA |
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PARTE III – PERCEPÇÃO DE FALA DE SENTENÇAS SEM SENTIDO | |||||||
1. A Flor azul da mulher estava dentro da dama. | |||||||
2. O cachorro do quintal costuma brincar na bala. | |||||||
3. O menino bebeu tudo daquela farra. | |||||||
4. As crianças comeram tanto até ficarem cheias de taça. | |||||||
5. A cor da minha blusa é rosa igual minha manha. |
Legenda: Hz = Hertz; dB = Decibel
Para a realização deste paradigma, os estímulos de fala foram apresentados pelo mesmo avaliador com o propósito de evitar vieses relacionados às características distintas da emissão de fala, em cabine acústica e à viva voz.
A primeira parte do instrumento intitulada “percepção de fala de logatomas” é constituída por duas listas de palavras compostas pela estrutura “vogal+consoante+vogal” cujas consoantes são isoladas pela vogal “A” como, por exemplo, “ANHA”, “ALA”, “ARA”, entre outras. O objetivo desta parte, além da tarefa de percepção de fala, é verificar se o participante emite a pista acústica recebida de forma fidedigna ou emite como uma palavra real, realizando fechamento auditivo por meio do uso da pista contextual, por exemplo, para o logatoma “ALA”, o participante emite como a palavra real “FALA”. Esta parte forneceu dados quanto ao esforço auditivo dos participantes em perceber as consoantes com diferentes quantidades de energia acústica, nas diversas relações sinal/ruído.
Os participantes foram instruídos a repetir cada logatoma ouvido e as repetições foram pontuadas de um a quatro pontos, sendo (1) “omissão”, (2) “acerto”, (3) “substituição negativa” (troca da consoante do logatoma, por exemplo, “ALA” por “ABA”), e (4) “substituição positiva” (repetição de palavras realizando fechamento auditivo, como “ALA” por “FALA”). A somatória destes pontos determinou a quantidade de esforço auditivo dispensado, sendo os escores de 10-15 pontos “sem esforço auditivo”; 15-25, “esforço auditivo mínimo”; 25-35, “esforço auditivo médio”; e 35-40, “esforço auditivo máximo.
A segunda parte do instrumento, intitulada “esforço auditivo e memória operacional”, é composta por quatro conjuntos de palavras reais, ou seja, palavras que possuem significado, derivadas dos logatomas que compõem a primeira parte do instrumento. Cada conjunto de palavras reais possui três séries de palavras, com um número diferente de palavras em cada série. Durante o teste, os participantes ouviram cada série de palavras e, ao final, deveriam recordar e repetir a primeira palavra ouvida em cada série.
O conjunto I: composto por três séries de duas palavras cada;
O conjunto II: composto por três séries de três palavras cada;
O conjunto III: composto por três séries de quatro palavras cada;
O conjunto IV: composto por três séries de cinco palavras cada.
Considerando a complexidade da tarefa, os conjuntos subsequentes só foram apresentados mediante a memorização da primeira palavra de cada série. À medida que os participantes memorizaram as palavras, os próximos conjuntos foram apresentados. As repetições dos conjuntos foram pontuadas em forma de porcentagem, de 0% a 100%, sendo “0% - Não foi possível mensurar o esforço auditivo (ausência de acertos)”, “25% - Esforço auditivo máximo e habilidade de memória operacional de grau grave” - (memorização das primeiras palavras de cada série do Conjunto I, equivalente a um conjunto), “50% - Esforço auditivo médio e habilidade de memória operacional de grau moderado - (memorização das primeiras palavras de cada série dos Conjuntos I e II, equivalente a dois conjuntos)”, “75% - Esforço auditivo pequeno e habilidade de memória operacional de grau preservado - (memorização das primeiras palavras de cada série do Conjuntos I, II e III, equivalente a três conjuntos)”, e “100% - Esforço auditivo mínimo e habilidade de memória operacional de grau superior - (memorização das primeiras palavras de cada série do Conjuntos I, II, III e IV, equivalente a quatros conjuntos)”.
A terceira e última parte do instrumento é denominada “percepção de fala de sentenças sem sentido”. Nesta etapa, o participante deveria repetir cinco sentenças e, posteriormente, recordar a última palavra de cada sentença. Esta parte é composta por cinco sentenças, na qual a última palavra de cada sentença apresentada é uma derivação dos logatomas da primeira parte deste instrumento. Esta parte visou avaliar a capacidade de memória operacional dos participantes e a quantidade de esforço auditivo dispensado de acordo com a performance deles na tarefa de memorização para estímulos de fala de longa duração. Nesta parte do teste, quanto mais sentenças os participantes emitissem corretamente, quanto mais palavras recordassem, melhores seriam suas habilidades de percepção de fala e sua capacidade de memória operacional, consequentemente menor seria a quantidade de esforço auditivo dispensada.
As repetições das palavras e a memorização delas também foram pontuadas em forma de porcentagem, de 0% a 100%, sendo estas pontuações categorizadas como “0% - Não foi possível mensurar o esforço auditivo (ausência de acertos)”, 20% - Esforço auditivo máximo e habilidade de memória operacional de grau muito grave (memorização de uma palavra)”, “40% - Esforço auditivo grande e habilidade de memória operacional de grau grave (memorização de duas palavras)”, “60% - Esforço auditivo médio e habilidade de memória operacional de grau moderado (memorização de três palavras)”, “80% - Esforço auditivo pequeno e habilidade de memória operacional de grau preservado (memorização de quatro palavras)” e “100% - Esforço auditivo mínimo e habilidade de memória operacional de grau superior (memorização de cinco palavras)”. A forma de preenchimento do escore das três partes do paradigma de tarefa dupla proposto encontra-se no Quadro 1.
Quadro 1 Folha de resposta do instrumento que mensura o esforço auditivo por meio de paradigma de tarefa dupla
LISTA 1 (OD) | Omissão | Acerto | Substituição Negativa | Substituição Positiva |
Pontuação Relação Sinal/Ruído |
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+5dB | -5dB | |||||||||||||||||||||||||||||||
AMA | 1 | 2 | 3 | 4 | ||||||||||||||||||||||||||||
ALA | 1 | 2 | 3 | 4 | ||||||||||||||||||||||||||||
ABA | 1 | 2 | 3 | 4 | ||||||||||||||||||||||||||||
ALHA | 1 | 2 | 3 | 4 | ||||||||||||||||||||||||||||
ARRA | 1 | 2 | 3 | 4 | ||||||||||||||||||||||||||||
AKA | 1 | 2 | 3 | 4 | ||||||||||||||||||||||||||||
AJA | 1 | 2 | 3 | 4 | ||||||||||||||||||||||||||||
ADA | 1 | 2 | 3 | 4 | ||||||||||||||||||||||||||||
AZA | 1 | 2 | 3 | 4 | ||||||||||||||||||||||||||||
AVA | 1 | 2 | 3 | 4 | ||||||||||||||||||||||||||||
Total Lista 1 | ||||||||||||||||||||||||||||||||
LISTA 2 (OE) | Omissão | Acerto | Substituição Negativa | Substituição Positiva | Relação Sinal/Ruído | |||||||||||||||||||||||||||
+5dB | -5dB | |||||||||||||||||||||||||||||||
ANA | 1 | 2 | 3 | 4 | ||||||||||||||||||||||||||||
ANHA | 1 | 2 | 3 | 4 | ||||||||||||||||||||||||||||
APA | 1 | 2 | 3 | 4 | ||||||||||||||||||||||||||||
ARA | 1 | 2 | 3 | 4 | ||||||||||||||||||||||||||||
AKA | 1 | 2 | 3 | 4 | ||||||||||||||||||||||||||||
AGA | 1 | 2 | 3 | 4 | ||||||||||||||||||||||||||||
ACHA | 1 | 2 | 3 | 4 | ||||||||||||||||||||||||||||
ATA | 1 | 2 | 3 | 4 | ||||||||||||||||||||||||||||
ASSA | 1 | 2 | 3 | 4 | ||||||||||||||||||||||||||||
AFA | 1 | 2 | 3 | 4 | ||||||||||||||||||||||||||||
Total Lista 2 | ||||||||||||||||||||||||||||||||
ESCORE PARTE I: PERCEPÇÃO DE FALA DE LOGATOMAS | ||||||||||||||||||||||||||||||||
10-15 pontos | 15-25 pontos | 25-35 pontos | 35-40 pontos | |||||||||||||||||||||||||||||
Sem esforço auditivo | Esforço auditivo mínimo | Esforço auditivo médio | Esforço auditivo máximo | |||||||||||||||||||||||||||||
PARTE II: ESFORÇO AUDITIVO E MEMÓRIA OPERACIONAL | ||||||||||||||||||||||||||||||||
Conjunto I | Conjunto II | Conjunto III | Conjunto IV | |||||||||||||||||||||||||||||
Orelha | Relação Sinal/Ruído | 1 | 2 | 3 | 1 | 2 | 3 | 1 | 2 | 3 | 1 | 2 | 3 | Acertos (%) | ||||||||||||||||||
OD | +5 | |||||||||||||||||||||||||||||||
OD | -5 | |||||||||||||||||||||||||||||||
OE | +5 | |||||||||||||||||||||||||||||||
OE | -5 | |||||||||||||||||||||||||||||||
Pontuação: 0% - Não foi possível mensurar o esforço auditivo (ausência de acertos); 25% - Esforço auditivo máximo e habilidade de memória operacional de grau grave - (memorização das primeiras palavras de cada série do Conjunto I). 50% - Esforço auditivo médio e habilidade de memória operacional de grau moderado - (memorização das primeiras palavras de cada série dos Conjuntos I e II); 75% - Esforço auditivo pequeno e habilidade de memória operacional de grau preservado - (memorização das primeiras palavras de cada série do Conjuntos I, II e III); 100% - Esforço auditivo mínimo e habilidade de memória operacional de grau superior - (memorização das primeiras palavras de cada série do Conjuntos I, II, III e IV). | ||||||||||||||||||||||||||||||||
PARTE III: PERCEPÇÃO DE SENTENÇAS SEM SENTIDO E MEMÓRIA OPERACIONAL | ||||||||||||||||||||||||||||||||
Sentenças | Palavras | |||||||||||||||||||||||||||||||
OD/OE | S/R | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | Acertos (%) | ||||||||||||||||||||
OD | +5 | BALA () | TAÇA () | MANHA () | FARRA () | DAMA () | ||||||||||||||||||||||||||
OD | -5 | FARRA () | MANHA () | BALA () | DAMA () | BALA () | ||||||||||||||||||||||||||
OE | +5 | DAMA () | BALA () | FARRA () | TAÇA () | MANHA () | ||||||||||||||||||||||||||
OE | -5 | TAÇA () | DAMA () | BALA () | MANHA () | FARRA () | ||||||||||||||||||||||||||
Pontuação: 0% - Não foi possível mensurar o esforço auditivo (ausência de acertos); 20% - Esforço auditivo máximo e habilidade de memória operacional de grau muito grave. 40% - Esforço auditivo grande e habilidade de memória operacional de grau grave; 60% - Esforço auditivo médio e habilidade de memória operacional de grau moderado; 80% - Esforço auditivo pequeno e habilidade de memória operacional de grau preservado; 100% - Esforço auditivo mínimo e habilidade de memória operacional de grau superior. |
Legenda: OD = Orelha direita; OE = Orelha esquerda; S/R = Relação Sinal/Ruído; dB = Decibel
Os logatomas, palavras reais e sentenças sem sentido foram apresentados de forma monoaural, em uma intensidade de 40 dBNS acima da média tritonal (500, 1000 e 2000 Hz), com ruído competitivo do tipo White Noise, apresentados em duas relações sinal-ruído +5dB e -5dB. Com o intuito de treinar os participantes, antes do início da mensuração do esforço auditivo, o paradigma de tarefa dupla foi realizado no silêncio. Considerando que a amostra deste estudo foi constituída por indivíduos normo-ouvintes, optou-se por iniciar a mensuração do esforço auditivo pela orelha direta por uma questão de uniformidade do procedimento e a orelha esquerda foi avaliada na sequência, nas três partes constituintes do paradigma de tarefa dupla (“percepção de fala de logatomas”, “esforço auditivo e memória operacional” e “percepção de fala de sentenças sem sentido”).
Os achados foram analisados de forma descritiva e inferencial. Na caracterização da amostra, utilizou-se uma análise descritiva (média e desvio padrão). Na análise inferencial, utilizando o software IBM SPSS Statistics (versão 2.2), aplicou-se o teste não paramétrico Wilcoxon, para comparar o desempenho das orelhas direita e esquerda segundo a variável relação sinal-ruído, +5 dB ou – 5 dB, nas três partes do instrumento; e comparar o desempenho por orelha, direita ou esquerda, entre as duas relações sinal-ruído, nas três partes do instrumento. Estabeleceu-se um nível de significância de α ≤ 0,05 e um intervalo de confiança de 95%.
Na Tabela 3, encontram-se os valores estimados de média e desvio padrão da pontuação dos participantes para as três partes do paradigma de tarefa dupla analisados (percepção de logatomas, esforço auditivo e memória operacional e percepção de sentenças sem sentido) em função das variáveis orelha (direita e esquerda) e relação sinal-ruído (+5dB e -5dB).
Tabela 3 Valores de média e desvio padrão da pontuação dos participantes para as três partes do paradigma de tarefa dupla em duas situações de escuta
S/R +5dB | S/R -5dB | ||||
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Instrumento de mensuração do esforço auditivo | Orelha | Média | DP | Média | DP |
Percepção de fala de logatomas (Parte I) | OD | 20,80 | 0,87 | 21,90 | 1,30 |
OE | 21,20 | 1,07 | 23,00 | 2,48 | |
Esforço auditivo e memória operacional (Parte II) | OD | 1,80 | 1,16 | 0,50 | 0,67 |
OE | 1,90 | 1,57 | 0,10 | 0,30 | |
Percepção de sentenças sem sentido (Parte III) | OD | 3,90 | 0,83 | 3,10 | 1,64 |
OE | 4,20 | 0,74 | 3,30 | 0,90 |
Legenda: OD = Orelha direita; OE = Orelha esquerda; DP = Desvio Padrão; S/R = Relação Sinal-Ruído; dB = Decibel
Na Tabela 4, foi demonstrada a comparação do desempenho da orelha direita com o da orelha esquerda, nas duas relações S/R (+5dB ou -5dB) nas três partes do paradigma de tarefa dupla, e esta não mostrou diferença significante entre as orelhas em nenhuma das partes do instrumento aplicadas.
Tabela 4 Comparação do desempenho das orelhas direita e esquerda segundo a variável relação sinal/ruído nas três partes do instrumento
Instrumento de mensuração do esforço auditivo | Orelha | Relação S/R | p - valor |
---|---|---|---|
Percepção de fala de logatomas (Parte I) | OD × OE | S/R = +5dB | 0,248 |
OD × OE | S/R = -5dB | 0,128 | |
Esforço auditivo e memória operacional (Parte II) | OD × OE | S/R = +5dB | 0,833 |
OD × OE | S/R = -5dB | 0,108 | |
Percepção de sentenças sem sentido (Parte III) | OD × OE | S/R = +5dB | 0,345 |
OD × OE | S/R = -5dB | 0,779 |
Teste Wilcoxon com p-valor menor do que 0,05 representados pelo *
Legenda: OD = Orelha direita; OE = Orelha esquerda; S/R = Relação Sinal-Ruído; dB = Decibel
Na Tabela 5, apresentam-se os dados referentes à comparação do desempenho por orelha, direita ou esquerda, entre as duas relações S/R utilizadas neste estudo.
Tabela 5 Comparação do desempenho por orelha, direita ou esquerda, entre as duas relações sinal/ruído nas três partes do instrumento
Instrumento de mensuração do esforço auditivo | Orelha | Relação S/R | p - valor |
---|---|---|---|
Percepção de fala de logatomas (Parte I) | OD | +5dB × -5dB | 0,043* |
OE | +5dB × -5dB | 0,029* | |
Esforço auditivo e memória operacional (Parte II) | OD | +5dB × -5dB | 0,017* |
OE | +5dB × -5dB | 0,011* | |
Percepção de sentenças sem sentido (Parte III) | OD | +5dB × -5dB | 0,043* |
OE | +5dB × -5dB | 0,051 |
Teste Wilcoxon com p-valor menor do que 0,05 representados pelo *
Legenda: OD = Orelha direita; OE = Orelha esquerda; S/R = Relação Sinal-Ruído; dB = Decibel
Ao comparar o desempenho por orelha, direita ou esquerda, entre as duas relações sinal ruído, observou-se diferença significante tanto para a parte I quanto para a parte II do instrumento, em ambas as orelhas. Contudo, na parte III do instrumento, encontrou-se diferença significante apenas para comparação do desempenho da orelha direita nas duas relações de escuta.
Estimar o esforço auditivo necessário para a compreensão da linguagem falada é importante para a identificação dos aspectos que dificultam a percepção auditiva de forma natural, ou seja, sem esforço. A partir desta identificação, novas estratégias terapêuticas e delineamento de novos algoritmos para redução de ruído e compressão de frequência dos dispositivos auditivos eletrônicos podem ser desenvolvidos com o intuito de viabilizar uma melhor qualidade de vida e performance auditiva para pacientes com perda auditiva.
No entanto, para que este processo de identificação aconteça, é crucial que a mensuração do esforço auditivo seja realizada. Sendo assim, é de grande relevância científica e clínica que o método utilizado seja sensível e forneça resultados fidedignos, para que com o perpassar do tempo, um método de avaliação “padrão ouro” seja determinado.
O presente estudo teve como objetivo mensurar o esforço auditivo com o uso de um paradigma de tarefa dupla de memória operacional e analisar a significância clínica do desempenho de indivíduos normo-ouvintes.
Ao escutar sinais de fala degradada, os indivíduos normo-ouvintes e deficientes auditivos enfrentam aumento da dificuldade de processamento e memorização dos sinais de fala. Além disso, estes são menos precisos quanto à percepção de fala, pois, mesmo quando a fala é compreendida, palavras ou sílabas que são acusticamente degradadas são mais difíceis de serem lembradas(11,19). O desafio acústico global experimentado por qualquer ouvinte é uma combinação da capacidade auditiva individual e das características externas do sinal acústico incluindo a qualidade da fala, o ruído de fundo e falantes não familiares(20).
A literatura afirma que o esforço auditivo parece depender de processos cognitivos relacionados à entrada do estímulo auditivo, tais como escutar no ruído em comparação à escuta no silêncio e, também, às próprias funções cognitivas e aos fatores internos dos indivíduos(21). Um exemplo válido, descrito pela literatura, é que a fala acusticamente degradada requer que os ouvintes dependam mais do recurso cognitivo denominado memória operacional verbal(22). Desta forma, um dos motivos que explica a significância encontrada na comparação do desempenho da mesma orelha, seja esta direita ou esquerda, para as diferentes relações S/R, pode ser explicado pelo aumento da demanda cognitiva exigida para a realização da tarefa com ruído de fundo mais intenso.
Alguns autores(16) usaram um paradigma de dupla tarefa, com a repetição de palavras finais de conjuntos de sentenças faladas e a codificação das palavras finais na memória para posterior recordação(23). Os autores demonstraram que o ruído prejudicou a evocação de palavras em um contexto de fala competitivo para jovens com audição normal, particularmente para as sentenças no início das listas, porém esse efeito de ruído foi enfraquecido quando um algoritmo de redução de ruído foi aplicado. Assim, os resultados deste estudo(16) sugeriram que a presença de ruído poderia prejudicar a transferência das informações contidas no discurso para o armazenamento a longo prazo.
A literatura demonstrou que a degradação da mensagem auditiva pode esgotar os recursos de processamento das informações durante as tarefas de escuta, como observado pelos decréscimos de desempenho em uma tarefa secundária (por exemplo, de memória operacional)(24). As evidências na literatura sustentam a hipótese(25,26) de que a presença de qualquer grau de perda auditiva é comumente acompanhada por aumento do esforço para ouvir e pela fadiga(27). Portanto, a ausência de significância estatística na comparação entre as orelhas, direita e esquerda, dos participantes deste estudo pode ser explanada pela amostra avaliada, pois se tratava de indivíduos jovens e com audição normal.
Aspectos relevantes para futuras pesquisas incluem determinar os processos cognitivos específicos que estão envolvidos na mensuração do esforço auditivo com o uso de medidas comportamentais, assim como os efeitos que os diferentes tipos de ruído podem acarretar no desempenho da tarefa primária e secundária em um paradigma de tarefa dupla.
Além disso, faz-se necessário que nos programas de reabilitação auditiva sejam desenvolvidas estratégias terapêuticas que possibilitem a redução da quantidade de esforço auditivo empregado na compreensão de fala em diversas situações de escuta cotidianas e, consequentemente, reduzir os efeitos do desafio cognitivo.
Como limitações deste estudo, destacamos a impossibilidade de mensurar o esforço auditivo com a utilização de um ruído com diversos interlocutores, como o babble noise, apesar da existência deste tipo de ruído desenvolvido por pesquisadores brasileiros(28). O desenvolvimento de um novo estudo com a utilização deste ruído pode ser relevante, provocar outras alterações na performance dos indivíduos e ocasionar efeitos diversos nas respostas do paradigma de tarefa dupla. Outro fator limitante que deve ser considerado no delineamento de futuras pesquisas com a temática esforço auditivo e a utilização deste paradigma de tarefa dupla do português brasileiro é a gravação dos estímulos de fala visando à reprodutibilidade deste instrumento e evitar possíveis vieses relacionados à qualidade de emissão de fala por parte do avaliador. Além disso, considerando que o instrumento proposto se refere a uma medida comportamental que mensura o esforço auditivo por meio da performance de uma função cognitiva, neste caso a memória operacional, sugere-se a aplicação prévia de um instrumento de avaliação cognitiva nos participantes.
Os achados deste estudo demonstraram que foi possível mensurar o esforço auditivo com o uso do paradigma de tarefa dupla de memória operacional proposto. Este instrumento demonstrou ser sensível para a quantificação deste parâmetro auditivo evidenciando que, para situações de escuta nas quais os níveis de ruído foram mais intensos, os participantes dispensaram maior quantidade de esforço.