versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.26 no.2 São Paulo mar./abr. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2014029IN
O ruído é definido como um som indesejável e está presente em uma variedade de ambientes( 1 ). Nas salas de aula, a fala raramente é transmitida à criança sem que haja interferência do ruído de fundo. Ao mesmo tempo, a efetiva transmissão da informação auditiva é imprescindível para o melhor desempenho acadêmico( 2 ).
No ambiente escolar, o ruído não é apenas um incômodo como também interfere no rendimento das atividades de ensino( 3 ). Os professores sentem-se incomodados em ministrar aulas em salas ruidosas e percebem a dificuldade dos alunos em ouvir a informação, bem como a dispersão da atenção( 4 ).
A Acústica é a ciência que estuda os sons. Ao analisar a acústica de uma sala de aula, verificam-se todos os sons presentes no local.
As fontes de ruído podem ser classificadas em três tipos( 5 ):
fontes externas: ruídos externos à escola, normalmente gerados por tráfego de veículos e aviões, bem como os de estabelecimentos próximos à instituição de ensino (bares, buzinas, apitos, construção civil, boates, academias, etc.);
fontes da escola: ruídos gerados no interior da escola (em ambientes adjacentes à sala), como pátio, sala de recreação, quadra de esportes, sala de música, cozinha, outras salas de aula, etc.;
fontes internas: ruídos gerados dentro da própria sala, como a conversa, movimentação e atividades dos alunos, o uso de materiais didáticos (papel, tesoura, grampeador, etc.) e ruídos de ventiladores, reatores de luzes e equipamento de ar- condicionado.
Na maioria dos ambientes de aprendizagem, o mais importante para que haja boa percepção da fala não é o tipo de ruído ou o nível global de ruído de fundo, mas a relação entre a intensidade do sinal e a intensidade do ruído de fundo( 2 ). Essa relação é denominada relação sinal/ruído. As crianças com audição normal necessitam de uma relação sinal/ruído mais favorável para obter o mesmo nível de percepção de fala que os adultos. Já as com deficiência auditiva encontram-se ainda mais em desvantagem( 6 ).
O nível máximo de ruído permitido para a sala de aula é de 40 decibels (dB)( 7 ). O ideal seria manter a relação sinal/ruído maior que 10 dB (para indivíduos com audição normal) em toda a sala. Assim, a inteligibilidade estaria garantida. Para uma criança portadora de deficiência auditiva essa relação deve ser de no mínimo 15 dB, sendo que alguns autores indicam valores de até 25 dB. O ideal seria uma sala de aula silenciosa (40 dB de ruído) com o professor falando com sua voz normal (65 dB). Isto manteria a relação fala/ruído acima de 10 dB e não causaria problemas de voz ao professor( 3 ).
Sabendo das possíveis consequências de uma sala de aula ruidosa, em que a inteligibilidade de fala é prejudicada, alguns autores realizam estudos com o objetivo de mensurar o ruído nesses ambientes.
Os objetivos desta revisão são: elencar quais as principais metodologias utilizadas para a mensuração do ruído em salas de aula e se os níveis de ruído nele encontrados estão adequados às normas.
Foi realizada busca por meio de revisão sistemática da literatura, em setembro de 2013, nas seguintes bases de dados eletrônicas: Biblioteca Cochrane, EMBASE, ISI Web of Science, LILACS, PUBMED e SCIELO. Na busca, foram utilizados os seguintes termos, em português e inglês: ruído (noise), medição de ruído (noise measurement), medidores de ruídos (noise meters), monitoramento do ruído (noise monitoring), razão sinal-ruído (signal-to-noise ratio) e escolas (schools). A seleção dos descritores foi efetuada mediante consulta ao Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e eles foram combinados entre si por meio da utilização do operador booleano AND. Na Tabela 1 encontram-se as combinações utilizadas para a busca.
Tabela 1 Combinações utilizadas para a busca
Estratégia 1 | noise measurement AND schools |
Estratégia 2 | noise meters AND schools |
Estratégia 3 | noise monitoring AND schools |
Estratégia 4 | noise AND schools |
Estratégia 5 | signal-to-noise ratio AND schools |
Por meio das estratégias de busca, foram encontradas 1.088 publicações (22 na Biblioteca Cochrane, 561 na EMBASE, 142 na ISI Web of Science, 17 na LILACS, 333 na PUBMED e 13 na SciELO). Houve, primeiramente, análise dos títulos dos artigos encontrados para selecionar os que tivessem relação com o tema proposto para a revisão. A segunda seleção foi realizada por meio da análise dos resumos.
Para serem incluídas nesta revisão, as publicações deveriam atender aos seguintes critérios de inclusão:
artigos publicados nos últimos dez anos;
artigos disponíveis na íntegra; e
estudos que mensurassem o ruído em salas de aula de escolas regulares.
Os critérios de exclusão foram:
estudos que mensuraram o ruído em ambientes externos à sala de aula;
estudos que realizaram mensurações em ambientes simulados;
mensurações realizadas em aulas de música; e
artigos de revisão. Ao final, foram utilizadas oito publicações, lidas na íntegra.
Foi realizada a análise descritiva das publicações selecionadas de acordo com os objetivos da revisão.
Apesar da grande quantidade de artigos (1.088 publicações) encontrados, somente oito obedeceram aos critérios de inclusão. Na Tabela 2 são apresentadas informações gerais sobre eles.
Tabela 2 Dados gerais das publicações incluídas na revisão
Publicações | Local | Salas | Instrumento | Nível de ruído |
---|---|---|---|---|
Ali, 2013(12) | Egito | 6 | Medidor de nível de pressão sonora | Inadequado |
Almeida Filho et al., 2012(8) | Brasil | 3 | Medidor de nível de pressão sonora | Inadequado |
Guidini et al., 2012(10) | Brasil | 10 | Medidor de nível de pressão sonora | Inadequado |
Eysel-Gosepath et al., 2012(15) | Alemanha | 3 | Dosímetro | Inadequado |
Sato e Bradley, 2008(13) | Canadá | 27 | Software de áudio | Inadequado |
Larsen e Blair, 2008(13) | Estados Unidos | 5 | Software de áudio | Inadequado |
Jaroszewski, Zeigelboim e Lacerda, 2007(9) | Brasil | 7 | Medidor de nível de pressão sonora | Inadequado |
Shield e Dockrell, 2004(11) | Reino Unido | 110 | Medidor de nível de pressão sonora | Inadequado |
Além disso, cinco estudos realizaram a mensuração do ruído por meio de um medidor do nível de pressão sonora( 8 - 12 ). Em um foi utilizado um medidor de nível de pressão sonora digital MSL-1325 MINIPA Ltda. As mensurações aconteceram em cinco pontos distintos da sala de aula e seus resultados mostram que o nível de ruído alcançou valores máximos de 84,3; 96,2 e 93,0 dB e mínimos de 66,1; 71,1 e 67,4 dB( 8 ).
No outro estudo foi utilizado um medidor de nível de pressão sonora tipo S 2AE, da marca Simpson, modelo 897, e a mensuração foi realizada em apenas um ponto da sala de aula, durante uma atividade de ditado. Os níveis de ruído variaram de 59,5 a 71,3 dB( 9 ).
Em um estudo realizado em 2010, o autor utilizou um medidor de nível de pressão sonora da marca Instrutherm, modelo Sound Level Meter (SL-4011). O nível sonoro variou de 45,00 a 65,00 dB, com valor médio de 58,24 dB( 10 ).
Autores de um trabalho desenvolvido em Londres mensuraram o ruído com o uso de um medidor de nível de pressão sonora posicionado na sala de aula durante uma atividade, e a média do nível sonoro total foi de 72 dB( 11 ).
Já em 2013 houve um estudo no Egito no qual o autor fez uso de um medidor do nível de pressão sonora da marca Bruel e Kjaer, tipo 2230( 12 ). O equipamento foi colocado no meio da sala de aula, em uma posição correspondente à altura da orelha dos alunos. O nível sonoro total variou de 61,3 a 73,2 dB.
Dois outros estudos utilizaram em sua metodologia algum tipo de software conectado a um computador portátil( 13 , 14 ). Em um deles, os autores utilizaram um software de gravação de áudio (Cool Edit Pro) para as mensurações. Foram realizadas gravações de 15 a 20 minutos, nas quais o professor falou com frequência para os alunos. Observou-se que, em média, os professores apresentaram intensidade de fala de 60,4 dB e a média de ruído nas salas de aula foi de 49,1 dB, havendo, portanto, relação sinal/ruído média de 11,0 dB durante as atividades de ensino( 13 ).
Em outro estudo, os autores compararam mensurações realizadas em salas de aula com e sem sistema infravermelho. A metodologia aplicada foi o sistema de Tempo, energia, frequência - TEF (Techron TEF System-20) acoplado a um laptop Macintosh. As mensurações de níveis de pressão sonora foram feitas por dez minutos em cada local enquanto a classe estava em aula. O microfone foi colocado próximo ao professor e também na altura da orelha de um aluno (cerca de 1 m de altura), que permanecia sentado. Além de realizarem a mensuração da relação sinal/ruído, os autores compararam a utilização de amplificação (infravermelho) da sala de aula e a ausência de amplificação. Os resultados revelaram média de relação sinal/ruído de 2 dB sem a utilização de amplificação e de 13 dB com a utilização( 14 ).
Apenas em um estudo a mensuração foi realizada por meio de dosímetros. Foram utilizados equipamentos do tipo 4436, da marca Brüel e Kjaer Inc, em um intervalo de tempo de cinco horas por dia, durante cinco dias da semana, sendo que um dosímetro era posicionado em um ponto da sala de aula e outro próximo à orelha do professor. Os níveis médios de ruído encontrados foram 78 dB perto da orelha do professor e 70 dB na sala( 15 ).
Conclui-se que não há padronização da metodologia que deve ser utilizada para mensurações de ruído em salas de aula, como ocorre em outros locais como, por exemplo, ambientes de trabalho nos quais existem normas de higiene ocupacional que estabelecem critérios e procedimentos para a avaliação da exposição ao ruído. Essa falta de padronização faz com que nos deparemos com metodologias variadas.
Observa-se também que estudos que utilizam em sua metodologia um computador portátil com algum software de gravação de áudio instalado devem receber atenção, visto que estes softwares permitem que o material gravado seja posteriormente analisado e a relação sinal/ruído do ambiente estabelecida, e não somente o nível de pressão sonora, como ocorre quando é utilizado um medidor de nível de pressão sonora, por exemplo.
Todas as salas de aulas avaliadas nos estudos encontrados apresentaram nível de ruído acima do permitido. Assim, as escolas devem ser orientadas constantemente sobre a importância da adequação acústica do ambiente da sala de aula.