versão impressa ISSN 0047-2085versão On-line ISSN 1982-0208
J. bras. psiquiatr., ahead of print Epub 30-Abr-2020
http://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000264
To perform a systematic review investigating metacognition in bipolar disorder (BD). Secondary objectives include exploring clinical and sociodemographic correlates of metacognition in BD, how metacognition varies according to affective state, establishing a comparison with other mental disorders, and investigating whether metacognitive interventions in BD are effective or not.
A systematic review of the scientific literature on metacognition in BD patients was carried out. Original clinical studies on the subject were searched in the Medline, ISI, PsycINFO and SciELO databases. The search terms included were: “metacognition” OR “metacognitive” OR “metamemory” AND “bipolar” OR “mania” OR “manic”.
A total of nine articles were selected. Metacognition appears to be more impaired in BD than in controls, but less impaired than in schizophrenia. There seems to be no difference between bipolar and unipolar depression regarding metacognitive capacity. Higher educational level and longer duration of illness seem to be associated with better metacognitive capacity, while higher severity of BD symptoms is linked to worse metacognition. Metacognitive training in BD patients is a promising clinical perspective.
Studies on metacognition in BD are scarce, but the existing literature indicates potential clinical and sociodemographic factors associated with poorer metacognition in the disorder, also suggesting that metacognitive therapeutic interventions may be clinically relevant for the management of BD.
Key words: Metacognition; metacognitive; metamemory; bipolar; mania
A metacognição é um aspecto intimamente vinculado à consciência mais ampla de dificuldades e da presença de alterações mórbidas 1 . Metacognição pode ser definida como a capacidade de regular, controlar e monitorar as habilidades cognitivas, representando, em última instância, quão bem conhecemos nossas capacidades cognitivas 2 . Essa capacidade amadurece gradualmente com o desenvolvimento normal 3 , resultando em um modelo metacognitivo dinâmico e pessoal que inclui crenças sobre pensamentos 4 , 5 . As crenças metacognitivas podem levar à disfunção psíquica caso contribuam para interpretações equivocadas de pensamentos, objetivos inatingíveis ou recursos cognitivos enviesados. Exemplos de tais crenças são: “alguns pensamentos podem me fazer enlouquecer”, “eu deveria estar no controle de meus pensamentos o tempo todo” ou “eu preciso constantemente examinar meus pensamentos”.
Uma pior capacidade metacognitiva tem sido associada a desfechos mais desfavoráveis em diferentes quadros clínicos 6 , incluindo menores habilidades para lidar com o estigma 7 , buscar apoio social 8 , ter um bom funcionamento em ambiente de trabalho 9 , vincular de forma coesa eventos da vida 10 e experimentar motivação intrínseca 11 , 12 . Níveis mais baixos de metacognição também foram associados a maiores dificuldades em reconhecer desafios psicossociais 13 , 14 e maior duração de quadro psicótico não tratado 15 .
Déficits metacognitivos têm sido observados na esquizofrenia 16 - 20 e estão ligados a piores resultados clínicos nesse grupo. Um prejuízo na metacognição também foi relatado em transtornos da personalidade e abuso de substâncias 21 - 23 . Pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo 24 , 25 , transtorno de pânico 25 , 26 e transtorno de ansiedade generalizada 26 , 27 apresentaram mais crenças negativas sobre preocupação com incontrolabilidade ou perigo e crenças sobre a necessidade de controlar pensamentos do que controles saudáveis, sugerindo que uma pior capacidade metacognitiva esteja correlacionada com os transtornos de ansiedade. Pacientes com depressão maior têm dificuldades em tomar decisões sociais com base no conhecimento metacognitivo 28 e, em geral, são menos conscientes de seus próprios estados emocionais 29 .
Em contraste, pouca pesquisa sobre metacognição foi conduzida no transtorno bipolar (TB), apesar do fato de que a falta de conhecimento da cognição possa estar implicada no transtorno por várias razões. Embora os déficits cognitivos sejam mais graves na esquizofrenia, eles podem ser comparáveis aos do TB 30 , 31 . Além disso, como na esquizofrenia, pacientes bipolares apresentam prejuízos proeminentes na percepção clínica de sua doença e de seus sintomas 32 - 34 . Embora o prejuízo de insight seja maior durante os episódios afetivos 35 , também pode ser observado em pacientes eutímicos 36 , 37 . Dado que o insight sobre a doença é um constructo que envolve um elemento de autoconsciência, sugere-se que déficits metacognitivos, que também envolvem essa característica, estejam presentes no TB.
Alguns estudos mostraram que pacientes bipolares apresentam prejuízo na capacidade de avaliar os estados mentais de outros 38 - 42 , o que também pode sugerir déficit metacognitivo. Já um estudo longitudinal constatou que pacientes com TB recuperam sua capacidade de avaliação sobre os outros à medida que saem de algum episódio afetivo agudo 43 , o que pode indicar possível influência do estado afetivo atual sobre a metacognição. Um estudo conduzido por Lysaker et al. (2018) 44 mostrou que pacientes com TB tinham habilidades metacognitivas semelhantes às de controles. Esses resultados se contrapõem aos achados de Popolo et al. (2017) 45 e Tas et al. (2014) 46 , que observaram maior prejuízo metacognitivo em pacientes bipolares do que em controles.
Os estudos sobre metacognição no TB parecem ser escassos e ainda com resultados contraditórios. Compreender a metacognição no TB pode apontar para a possibilidade de adaptar intervenções clínicas que se mostraram promissoras para melhorar a capacidade metacognitiva em pacientes com outras condições clínicas, como esquizofrenia 47 e transtornos de personalidade 48 . Diante de tantas questões sobre a metacognição no TB e da relevância do tema, realizamos uma revisão sistemática investigando a metacognição no TB. Os objetivos secundários incluem explorar elementos sociodemográficos e clínicos associados à metacognição no TB, como a metacognição varia em função do estado afetivo e como o TB se compara com outros transtornos mentais em relação à metacognição e avaliar se a intervenção metacognitiva no TB é capaz de melhorar sua capacidade metacognitiva.
Realizou-se uma revisão sistemática da literatura científica sobre a metacognição em pacientes com TB. Essa revisão seguiu as orientações da Prisma Statement para revisões sistemáticas da literatura e metanálises de estudos que avaliam intervenções em saúde 49 . Foram buscados estudos clínicos originais sobre o tema, até dezembro de 2018, por um pesquisador psiquiatra. O processo de busca dos artigos ocorreu em dezembro de 2018. Foram utilizadas as bases de dados Medline, ISI , PsycINFO e SciELO. Não houve restrição quanto ao período da publicação. Os termos de busca empregados foram: “metacognition” OR “metacognitive” OR “metamemory” AND “bipolar” OR “mania” OR “manic” .
Foram selecionados artigos originais e empíricos em que metacognição foi avaliada em uma amostra de pacientes com idade maior ou igual a 18 anos, de ambos os sexos, e que possuíssem diagnóstico de TB. Foram incluídos artigos com delineamento transversal e longitudinal publicados nas línguas inglesa, francesa, espanhola ou portuguesa. Os estudos deveriam utilizar uma escala, tarefa, treinamento ou algum item específico que aferisse a metacognição. Não houve qualquer limitação sobre os instrumentos que seriam aceitos para a avaliação da metacognição.
Foram excluídos nesta revisão artigos em que o TB não fosse o transtorno principal do paciente. Os estudos que apresentassem amostras contendo outros tipos de transtornos mentais além do TB foram excluídos quando apresentaram resultados que não eram específicos para o grupo de pacientes bipolares. Relatos de casos, cartas ao editor, estudos em crianças e adolescentes ou estudos com menos de 10 pacientes não foram selecionados. Artigos em duplicata tiveram uma de suas publicações excluídas da análise.
Um pesquisador realizou a extração dos dados e documentou o nome dos autores, o ano, o desenho do estudo, o tamanho da amostra, o instrumento de avaliação da metacognição, o objetivo e o resultado dos estudos. Não houve procura por estudos não publicados. Somente um juiz realizou o julgamento dos artigos que foram incluídos/excluídos.
Foi realizada uma análise descritiva dos estudos utilizando tabela e fluxograma, e uma discussão qualitativa dos achados foi realizada. Variáveis demográficas como idade, variáveis clínicas, como o estado afetivo atual, a comparação da metacognição entre TB e outros transtornos mentais, como esquizofrenia, e intervenção metacognitiva foram analisadas.
Para análise da qualidade dos artigos, foram utilizados critérios de Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions 50 (ver tabela 1 ). O artigo que que preenchesse dois dos critérios estabelecidos com a resposta “não” ou três critérios com a resposta “não está claro” não seria enquadrado como um artigo de qualidade e, portanto, seria excluído. Dois pesquisadores foram responsáveis por essa análise.
Tabela 1 Critérios de avaliação de qualidade para inclusão de estudos
Julgamento (sim/não/não está claro) | ||
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Amostragem | O design do estudo foi apropriado para responder à questão da pesquisa? O método de amostragem foi apropriado? Se aplicável, o grupo controle foi comparável ao grupo experimental? | |
Medição | Foi usada uma medida adequada? Potenciais variáveis intervenientes foram medidas? | |
Análise | As análises foram apropriadas? |
Na busca inicial, encontrou-se um total de 21 referências no Medline, 48 no ISI, 39 na PsycINFO e 0 no SciELO, com diversas superposições entre essas bases de dados.
Após a leitura dos resumos das referências encontradas no Medline, selecionaram-se 12 artigos.
Na base ISI, após a leitura dos resumos dos artigos, selecionaram-se 15 artigos. Desses 15 artigos, 12 foram repetidos em relação à base Medline e, portanto, foram excluídos.
Na base PsycINFO, após a leitura dos resumos dos artigos, selecionaram-se nove artigos. Todos os nove já haviam sido citados na base Medline, e, portanto, foram excluídos.
Ao todo, foram selecionados 15 resumos das quatro bases pesquisadas. Esses 15 artigos foram lidos na íntegra. Seis artigos apresentaram amostras contendo outros tipos de transtornos mentais, além do TB, e não apresentaram resultados específicos para o grupo de pacientes bipolares, sendo, portanto, excluídos. Não foram encontrados artigos com menos de 19 pacientes ou que não tenham usado algum método de avaliação da metacognição. Ao final, foram selecionados nove artigos. O fluxograma de busca e seleção dos artigos aparece na figura 1 .
Esses nove artigos foram analisados quanto a sua qualidade. Considerando os critérios adotados, nenhum dos artigos foi excluído.
Os estudos sobre metacognição no TB são apresentados na tabela 2 .
Tabela 2 Estudos sobre metacognição no transtorno bipolar
Estudo | Amostra e desenho | Objetivo | Instrumento de avaliação | Resultados |
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Østefjells et al., 2017 | 80 TB x 166 C |
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Zhang et al., 2015 | 17 TB (13 eu, 4 dp) x 170 SCH x 21 C |
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Haffner et al., 2018 | 34 TB eu |
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Tas et al., 2014 | 30 TB x 30 SCH |
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Lysaker et al., 2018 | 26 TB x 26 SCH x 36 C |
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Batmaz et al., 2014 | 140 TB x 166 DM x151 C |
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Sarisoy et al., 2014 | 45 TB dp x 51 DM dp x 60 C |
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Torres et al., 2016 | 50 TB eu x 38 C |
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Popolo et al., 2017 | 23 TB x 26 SCH x 23 C |
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TB: transtorno bipolar; C: controle; DM: depressão unipolar; eu: eutímico; dp: deprimidos; SCH: esquizofrenia; Met: capacidade metacognitiva; TM: treinamento metacognitivo; MCQ-30: Metacognitions Questionnaire-30 items; MAS-A: Metacognition Assessment Scale Abbreviated; GR: global metacognitive knowledge general rating; PR: global metacognitive experience postdiction rating; YMRS: Young Mania Rating Scale; IDS-C: Inventory of Depressive Symptoms – Clinician Rated; TCQ: Thought Control Questionnaire; FAST: Functional Assessment Short Test; WHOQOL‐BREF: World Health Organization Quality of Life; WCST: Wisconsin Card Sorting Test; PANSS: Positive and Negative Syndrome Scale; BAS: Beck Anxiety Scale; BDI: Beck Depression Inventory; RSES: Rosenberg Self-Esteem Scale; BPRS: Brief Psychiatric Rating Scale.
A maioria dos estudos 44 - 46 , 51 - 53 utilizou alguma escala de avaliação da metacognição.
Quatro estudos 45 , 51 - 53 utilizaram o Metacognitions Questionnaire-30 (MCQ-30) 54 . O MCQ-30 é uma medida de autorrelato e contém cinco subescalas: crenças positivas sobre preocupações, crenças negativas sobre a incontrolabilidade e perigo de preocupação, confiança cognitiva, autoconsciência cognitiva e necessidade de controle.
Três estudos 44 - 46 utilizaram o Metacognition Assessment Scale-Abbreviated (MAS-A) 55 . O MAS-A foi adaptado com base no instrumento original: a Metacognitive Assessment Scale 56 . O MAS-A contém quatro subescalas: autorreflexividade, que se refere à capacidade de pensar sobre si mesmo; consciência da mente do outro, que se refere à consciência dos estados mentais dos outros, tais como pensamentos e emoções; descentralização, que se refere à capacidade de ver o mundo a partir de múltiplas perspectivas; domínio, que se refere à capacidade de usar o conhecimento de si e dos outros para responder aos desafios psicológicos.
Dois estudos 57 , 58 aplicaram tarefas para avaliação de metacognição. Zhang et al. (2015) 57 utilizaram tarefas envolvendo autorreflexão, que consistiam de sentenças envolvendo o próprio paciente, tarefas de heterorreflexão, envolvendo questões sobre parentes ou amigos próximos, e tarefas de controle semântico, que envolviam questões sobre conhecimento geral. Torres et al. (2016) 58 avaliaram a metacognição a partir de perguntas de autorreflexão que foram aplicadas em dois momentos: antes da realização de uma bateria de testes neuropsicológicos, que avaliou o conhecimento metacognitivo, e após a execução desses testes, avaliando a experiência metacognitiva. Um estudo 59 aplicou um treinamento metacognitivo que aborda vieses cognitivos, cognição social e autoestima.
Seis estudos 44 , 45 , 51 - 53 , 57 compararam bipolares com controles em relação à metacognição. Cinco deles 45 , 51 - 53 , 57 encontraram que bipolares tinham menos capacidade metacognitiva do que controles. O outro 44 não encontrou diferença quanto à capacidade metacognitiva entre bipolares e controles.
Um estudo 58 avaliou o conhecimento metacognitivo entre bipolares e controles e encontrou que bipolares tinham menor capacidade metacognitiva do que controles. Esse mesmo estudo avaliou a experiência metacognitiva entre bipolares e controles e não encontrou diferença entre eles.
Dois estudos 51 , 52 compararam bipolares com deprimidos unipolares em relação à metacognição e não encontraram diferença entre eles. Três estudos 45 , 46 , 57 compararam bipolares com esquizofrênicos em relação à metacognição. Um deles 57 não encontrou diferença entre eles. Dois outros estudos 45 , 46 mostraram que bipolares tinham melhor capacidade metacognitiva do que esquizofrênicos.
Um estudo 46 encontrou que maior capacidade metacognitiva estava associada à maior idade. Esse estudo 46 também relatou que maior capacidade metacognitiva estava associada a maior nível educacional.
1. Dados clínicos retrospectivos
Um estudo 53 relatou que menor capacidade metacognitiva estava associada a menor idade de abertura da doença afetiva. Esse mesmo estudo 53 também observou que menor capacidade metacognitiva estava associada a um maior número de episódios depressivos.
Dois estudos 46 , 53 avaliaram a relação entre metacognição e duração da doença. Um deles 46 encontrou que maior capacidade metacognitiva estava associada a maior duração da doença. O outro 53 não encontrou correlação entre metacognição e duração do transtorno afetivo.
2. Dados clínicos prospectivos
Dois estudos 51 , 53 encontraram que menor capacidade metacognitiva estava relacionada a maior presença de sintomas depressivos. Um estudo 51 relatou que menor capacidade metacognitiva estava relacionada a maior presença de sintomas de ansiedade. E esse mesmo estudo 51 encontrou que menor capacidade metacognitiva estava relacionada a menor autoestima.
A relação entre metacognição e sintomas de excitação foi avaliada por um estudo 44 que encontrou que menor capacidade metacognitiva estava relacionada a maior presença de sintomas de excitação. Por sua vez, outro estudo 53 relatou que menor capacidade metacognitiva estava relacionada a maior presença de sintomas maníacos.
Um estudo 45 investigou a relação entre metacognição e sintomas negativos e encontrou que menor capacidade metacognitiva estava relacionada a maior presença de sintomas negativos. Outro estudo 44 relatou que menor capacidade metacognitiva estava relacionada a maior presença de sintomas cognitivos, avaliados pela Positive and Negative Syndrome Scale (PANSS).
A relação entre metacognição e estratégias de uso de controle do pensamento foi avaliada por um estudo 53 . Østefjells et al. (2017) 53 encontraram que menor capacidade metacognitiva estava relacionada a maior uso de estratégias de controle do pensamento. Outro estudo 46 relatou que maior capacidade metacognitiva estava associada a melhor funcionamento executivo. Esse mesmo estudo também encontrou que maior capacidade metacognitiva estava associada a maior memória verbal.
Apenas um estudo 57 avaliou ativação cerebral versus capacidade metacognitiva no TB. Esse estudo encontrou que durante uma tarefa de heterorreflexão houve menor ativação no córtex cingulado posterior estendendo-se ao precuneus em bipolares do que em controles. E nesse estudo não houve diferenciação de ativação entre bipolares e esquizofrênicos. Esse mesmo estudo também mostrou que não houve diferenças de grupo na ativação cerebral durante a tarefa de autorreflexão.
O estudo 59 que realizou um treinamento metacognitivo em pacientes bipolares mostrou que houve uma melhora de funcionamento psicossocial. Contudo, esse mesmo estudo não encontrou relação com uma melhora de qualidade de vida. Esse treinamento é uma intervenção psicológica para um grupo de 3 a 10 participantes. As oito sessões duram de 60 a 90 minutos. Os pacientes são treinados sobre como tomar consciência de seus padrões cognitivos, ilustrados por exemplos da vida cotidiana e de desenhos animados. Todos os tópicos são discutidos e considerados da perspectiva do afeto maníaco e depressivo. Além disso, destaca-se como as distorções cognitivas podem diferir entre os participantes. Mudanças no modo de pensar do indivíduo são destacadas como possíveis sinais de alerta para os próximos episódios. Finalmente, padrões e estratégias cognitivos mais apropriados são desenvolvidos e treinados exaustivamente usando vários exemplos diversos. No final das sessões, planilhas e exercícios de atenção são distribuídos aos participantes para levar para casa, aprimorar e consolidar seu aprendizado.
A presente revisão constatou que a maioria dos estudos sobre metacognição no TB – oito dos nove estudos selecionados – realizou uma comparação entre TB e outros grupos clínicos ou controles saudáveis 44 - 46 , 51 - 53 , 57 , 58 . Parece estar claro que pacientes bipolares apresentam prejuízo de metacognição quando comparados com controles saudáveis 45 , 51 - 53 , 57 , 58 . A hipótese de que pacientes com TB experimentam certas formas de déficits metacognitivos, que são geralmente menos graves do que aqueles encontrados na esquizofrenia, foi corroborada com os achados dos estudos de Tas et al. (2014) 46 e Popolo et al. (2017) 45 . O estudo 57 que não encontrou diferença entre esses grupos quanto a metacognição tinha uma amostra menor de bipolares, o que poderia configurar uma limitação. Apesar de poucos, os estudos parecem mostrar que não há diferença quanto ao prejuízo de capacidade metacognitiva entre depressão bipolar e unipolar 51 , 52 .
Um estudo 46 mostrou que um maior nível educacional está relacionado a um maior nível de metacognição. Provavelmente os pacientes com um maior nível educacional tiveram maior acesso ao conhecimento sobre a sua doença e sobre as formas de lidar com ela. É possível também que eles possuam um maior status socioeconômico, com acesso a melhores serviços de saúde e formas de tratamento. Esse mesmo estudo também apontou que maior capacidade metacognitiva está associada à maior duração da doença, sugerindo que um maior período de convivência com a doença levaria a um melhor conhecimento sobre sua sintomatologia. Entretanto, como apenas um artigo encontrou essa relação, não é possível concluir que, de fato, o tempo de estudo ou maior duração da doença de um paciente possa ser determinante para uma melhor metacognição.
Três estudos 44 , 51 , 53 apontaram que a maior presença de sintomas afetivos está associada à pior metacognição. Dois desses estudos 51 , 53 encontraram que menor capacidade metacognitiva estava relacionada à maior presença de sintomas depressivos. Esse resultado é semelhante ao encontrado por um estudo 60 conduzido com pacientes deprimidos unipolares. Por sua vez, dois estudos 44 , 53 mostraram relação entre menor capacidade metacognitiva e maior presença de sintomas maníacos. Esses dados apontam que a presença de sintomatologia aguda pode interferir na capacidade metacognitiva do indivíduo, mas o delineamento transversal impede conclusões sobre causalidade. Além disso, nenhum estudo comparou a capacidade metacognitiva em pacientes bipolares em diversos estados afetivos.
Menor capacidade metacognitiva está relacionada a níveis mais altos de sintomas negativos em bipolares 45 . Esse resultado é corroborado por outros trabalhos que sugerem que os sintomas negativos podem levar a déficits nas habilidades metacognitivas 61 . Popolo et al. (2017) 45 sugerem que a deficiência nas habilidades de entender os estados mentais torna mais difícil para as pessoas com TB se envolverem com o mundo, o que poderia levá-los a pensar que um retraimento, um sintoma negativo, seja a opção mais viável. Contudo, por ser um estudo transversal, também não é possível estabelecer relação definitiva de causalidade.
Um estudo 51 relatou que menor capacidade metacognitiva estava relacionada a maior presença de sintomas de ansiedade. Esse resultado corrobora achados de estudos sobre metacognição em transtornos ansiosos, que relataram um maior prejuízo de capacidade metacognitiva em transtorno obsessivo-compulsivo 24 , 25 , 62 , transtorno de pânico 25 , 26 e transtorno de ansiedade generalizada 26 , 27 do que em grupos de controles saudáveis. Em conjunto, esses achados sugerem que pior metacognição esteja associada a sintomas de ansiedade.
Um estudo 53 apontou que pior capacidade metacognitiva está associada a maior uso de estratégias de controle do pensamento, como reavaliação, controle social e preocupação. Esse resultado corrobora os achados de pesquisa anterior sobre metacognição e maior uso de estratégias de controle do pensamento 60 . Apesar de o estudo de Østefjells et al. (2017) 53 ser transversal, os autores sugerem que a metacognição poderia influenciar o uso de estratégias de controle do pensamento, o que poderia prejudicar a resolução de desgastes emocionais.
Um estudo 57 observou menor ativação no córtex cingulado posterior, estendendo-se ao precuneus durante heterorreflexão em pacientes com TB, em comparação com os controles saudáveis. Tanto o córtex cingulado posterior como o precuneus têm sido relatados como sendo áreas importantes subjacentes à memória autobiográfica 63 - 65 . Alguns estudos sugerem que a memória autobiográfica pode desempenhar um papel crítico no processamento autorreflexivo 66 e também no processamento heterorreflexivo 67 . De fato, de acordo com o modelo de autorreflexão/autoavaliação 67 , o papel do córtex cingulado posterior e do precuneus durante a auto e a heterorreflexão está associado ao processamento da memória autobiográfica. O estudo de Zhang et al. (2015) 57 sugere que menos ativação no córtex cingulado posterior/ precuneus reflete uma integração reduzida entre informações passadas e atuais e, mais especificamente, com relação a informações sobre outras pessoas. De acordo com essa sugestão, a literatura anterior mostrou que a memória autobiográfica é de fato prejudicada em pacientes com TB. Por exemplo, pacientes com TB fornecem menos detalhes durante a memória autobiográfica do que indivíduos saudáveis 68 , 69 .
O estudo piloto de Haffner et al. (2018) 59 é o primeiro a avaliar um treinamento metacognitivo em pacientes bipolares. O estudo indicou a viabilidade desse tipo de intervenção em indivíduos com TB. Esse estudo encontrou uma melhoria do funcionamento psicossocial global. Esse efeito foi evidenciado por melhorias significativas em diferentes domínios de funcionamento, como independência e funcionamentos cognitivo, ocupacional e interpessoal. Portanto, o treinamento metacognitivo poderia ser uma boa opção de terapia adjunta a outros tratamentos. Futuramente, será importante confirmar a eficácia desse treinamento em outros estudos com amostras maiores, uma condição de controle e parâmetros de resultados de longo prazo, como tempo até recidiva e número de episódios.
O fato de apenas um pesquisador ter realizado o levantamento bibliográfico e o julgamento dos artigos a serem selecionados configura uma limitação da presente revisão sistemática. O ideal é que houvesse mais de um pesquisador nessas tarefas para minimizar possíveis vieses no processo de identificação e seleção dos documentos. A presença de poucos estudos sobre metacognição no TB permite apenas conclusões limitadas. Portanto, é um campo que ainda precisa ser bastante estudado. Nenhum estudo avaliou a influência do estado afetivo sobre a metacognição. É importante que haja mais estudos sobre intervenções metacognitivas em pacientes bipolares para avalição de viabilidade dessa prática.
Os estudos sobre metacognição no TB ainda são escassos. Contudo, parece estar claro que há prejuízo metacognitivo em bipolares quando comparados a controles saudáveis. Além disso, parece haver influência do estado afetivo sobre a metacognição em TB. Por sua vez, o campo sobre estudos de intervenção metacognitiva em bipolares parece ser promissor.