Print version ISSN 0102-6720On-line version ISSN 2317-6326
ABCD, arq. bras. cir. dig. vol.29 no.2 São Paulo Apr./June 2016
https://doi.org/10.1590/0102-6720201600020005
A neoplasia de mama é o tumor maligno mais comum na população feminina tendo o trato gastrointestinal, e mais especificamente o estômago, como local incomum para metástases.
Analisar uma série de casos com esse tumor e propor medidas que possam diagnosticá-lo com maior precocidade.
Foram analisados retrospectivamente 12 pacientes com diagnóstico de neoplasia gástrica secundária a câncer de mama, confirmado por biópsia e imunoistoquímica. Foram analisados idade do diagnóstico, tipo histológico do tumor primário, intervalo de tempo entre o diagnóstico do tumor e a metástase, tratamento e sobrevida.
A idade média foi de 71,3 anos (40-86 anos). Em média, o diagnóstico da metástase gástrica foi de sete anos após o diagnóstico da lesão primaria (0-13 anos). Nove casos tiveram metástases em outros órgãos, sendo os ossos os locais mais acometidos. Evidenciou-se positividade de anticorpo CK7 em 90,9% casos, receptor de estrógeno em 91,67%, receptor de progesterona em 66,67% e BRST2 em 41,67%. A ausência de CK20 foi de 88,89%. Oito casos foram tratados com quimioterapia associada ou não ao bloqueio hormonal e em quatro foi indicada ressecção cirúrgica sendo em três gastrectomia total e em um caso gastrectomia subtotal. A sobrevida média foi de 14,58 meses.
Em doentes com história prévia de câncer de mama apresentando diagnóstico endoscópico de neoplasia gástrica, é necessário considerar a possibilidade de metástase. A confirmação é feita por estudo imunoistoquímico e a gastrectomia deve ser orientada diante da ausência de outros locais de acometimento secundário e controle da lesão primária.
DESCRITORES: Neoplasias da mama; Metástase neoplásica; Estômago; Quimioterapia; Gastrectomia
Breast cancer is the most common malignant neoplasm in the female population. However, stomach is a rare site for metastasis, and can show up many years after initial diagnosis and treatment of the primary tumor.
Analyze a case series of this tumor and propose measures that can diagnose it with more precocity.
Were analyzed 12 patients with secondary gastric tumors. Immunohistochemistry has demonstrated that primary tumor was breast cancer. We retrieved information of age, histological type, interval between diagnosis of the primary breast cancer and its metastases, immunohistochemistry results, treatment and survival.
The mean age was 71.3 years (ranging 40-86). Ten cases had already been underwent mastectomy in the moment of the diagnosis of gastric metastasis. Two patients had diagnosis of both primary and secondary tumors concomitantly. At average, diagnosis of gastric metastasis was seven years after diagnosis of primary breast cancer (ranging 0-13). Besides, nine cases had also metastases in other organs, being bones the most affected ones. Immunohistochemistry of the metastases has shown positivity for CK7 antibody in 83.34%, estrogen receptor in 91.67%, progesterone receptor in 66.67% and AE1AE3 antibody in 75%, considering all 12 cases. Moreover, CK20 was absent significantly (66.67%). The positivity of BRST2 marker did not present statistical significance (41.67%). Eight cases were treated with chemotherapy associated or not with hormonal blockade. Surgical treatment of gastric metastasis was performed in four cases: three of them with total gastrectomy and one with distal gastrectomy. Follow-up has shown a mean survival of 14.58 months after diagnosis of metastasis, with only two patients still alive.
Patients with a history of breast cancer presenting endoscopic diagnosis of gastric cancer it is necessary to consider the possibility of gastric metastasis of breast cancer. The confirmation is by immunohistochemistry and gastrectomy should be oriented in the absence of other secondary involvement and control of the primary lesion.
HEADINGS: Breast Neoplasms; Neoplasm Metastasis; Stomach; Drug therapy; Gastrectomy
A neoplasia de mama é o tumor mais comum na população feminina sendo responsável por alta morbimortalidade em todo mundo. A disseminação metastática tem como locais mais comuns: ossos, pulmão, fígado e cérebro. Metástases para o estômago são incomuns, tendo poucos estudos na literatura sobre ela3,9,,11,12,15,17,18,22,25. A confirmação diagnóstica e tratamento baseiam-se no padrão imunoistoquímico3,4,8,10,12,15,19,21,25.
Visto o número reduzido de casos descritos na literatura, este trabalho tem por objetivo expor casuística e contribuir para o maior conhecimento sobre essa apresentação incomum de metástase de mama.
Esta é análise retrospectiva não-randomizada de 12 mulheres diagnosticadas com metástases gástricas de câncer de mama, no período entre 2001 a 2011.
Os prontuários foram revisados e as seguintes características clinicopatológicas estudadas: idade, grau e tipo histológico, tempo de diagnóstico entre os dois tumores, presença de receptores hormonais, a expressão dos marcadores histológicos BRST2, CK7, RE, RP, CK20, HER2, a presença de outros locais metastáticos e achados endoscópicos. Esses dados foram analisados, assim como tratamento e a evolução das doentes. O estadiamento incluiu tomografia computadorizada do tórax e abdome, cintilografia e exames endoscópicos.
As análises anatomopatológicas e imunoistoquímicas das biópsias obtidas por endoscopia e do tumor primário foram feitas por patologista com experiência em neoplasia de mama.
As condutas seguiram os critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde do Brasil em concomitância com a Organização Mundial da Saúde (OMS).
A sobrevida global foi definida como o tempo a partir da data do diagnóstico da metástase gástrica até a data do óbito por qualquer causa. As doentes sobreviventes foram acompanhadas e analisadas até março de 2015.
Nos dados analisados adotou-se nível de significância estatística de 5% (p< 0,05).
A idade no momento do diagnóstico da metástase para estômago variou de 40 a 86 anos (média 71,3). Dez casos já tinham sido submetidos à mastectomia previamente e em dois o diagnóstico da metástase foi em concomitância ao tumor primário de mama.
O intervalo de tempo entre o diagnóstico da lesão primária e o da secundária variou de 0 a 13 anos (média 6,75).
Dez casos apresentavam acometimento de outros órgãos, sendo os ossos o mais frequente, em nove dos 12 casos (75%). O segundo local foi o acometimento pulmonar em três casos (25%). Outros locais foram cólon (n=1); fígado (n=1), esôfago (n=2); mediastino (n=1) e pele (n=1).
Os sintomas mais frequentemente observados foram náuseas e vômitos em cinco casos (41,6%), emagrecimento em quatro (33,3%), epigastralgia em três (25%), plenitude pós-prandial precoce (16,6%) e dispepsia em um caso (8,3%).
Na análise do tumor primário, o padrão histológico lobular estava presente em cinco casos (41,6%) e ductal em sete (58,3%). Não se evidenciou maior mortalidade relacionada a algum tipo histológico específico (p=0,813).
O receptor de estrógeno foi evidenciado em 11 casos de 12 analisados (91,6%) e o de progesterona em seis de nove casos em que foi analisado (66,6%). A ausência do anticorpo monoclonal CK20 foi de oito em nove casos (88,8%) e a presença do anticorpo CK7 foi de 10 em 11 casos (90,9%). A presença do anticorpo BRST2 foi de apenas cinco dos 12 casos (41,6%). Nenhum dos marcadores evidenciou maior incidência de mortalidade (p>0,05%). A pesquisa do HER2 foi realizada em três casos com positividade em dois (66,6%).
Oito casos foram tratados com quimioterapia associada ou não ao bloqueio hormonal e quatro pacientes foram operadas, três com gastrectomia total e uma com gastrectomia subtotal, associadas à linfadenectomia D2 (Figuras 1 e 2).
FIGURA 1 Imagens da endoscopia digestiva alta e peça cirúrgica de gastrectomia evidenciando o aspecto infiltrativo da lesão
FIGURA 2 À esquerda, na imagem maior, fotomicrografia com coloração HE (aumento 40x) evidenciando células neoplásicas acima da camada muscular própria. À direita, nas imagens menores, nota-se a positividade dos marcadores imunoistoquímicos específicos para neoplastia de mama
A sobrevida média após o diagnóstico do implante em estômago foi de 14,58 meses. Quando avaliado apenas as pacientes submetidas à cirurgia a sobrevida média elevou-se para 38 meses.
A incidência de disseminação da neoplasia de mama para o trato gastrointestinal é rara, não apresentando taxas superiores a 0,3% entre as ressecções gástricas. Todavia, em estudos baseados em necrópsias, observou-se entre 4% e 35% com até 94% de metástase em outro local concomitantemente1,9,15.
A média de tempo entre o diagnóstico do tumor primário de mama e a metástase gástrica foi de 4 a 10 anos5,12. A idade média do surgimento dos tumores metastáticos de neoplasia mamária é predominantemente no período perimenopausa justificado pela alteração dos níveis séricos nos hormônios sexuais2,6,7,13,16
A forma metastática gástrica mais comum é a linite plástica com infiltração da muscular própria e submucosa, evidenciado em até 73% dos casos1,4,5,8,10.
O tipo histológico que mais promove metástase para estômago é o carcinoma lobular invasivo, sendo responsável por até 83% dos casos11,20,22. Quando presentes carcinomas mistos ducto-lobulares, nota-se na lesão metastática para o trato gastrointestinal predomínio do componente lobular3,4.
Os sintomas mais presentes são: dispepsia, anorexia, epigastralgia, náuseas, vômitos e plenitude pós-prandial precoce1,9,18,25. Pela inespecificidade dos sintomas e em pacientes que estão em quimioterapia, radioterapia ou com distúrbios hidroeletrolíticos pode haver retardo no diagnóstico5.
Os exames complementares como endoscopia digestiva alta, tomografia computadorizada ou tomografia computadorizada com emissão de pósitrons (PET-CT) devem fazer parte do arsenal para o diagnóstico. Estes possuem especificidade reduzida9,10,11,12,20,25.
A análise imunoistoquímica com a pesquisa de receptores para estrógenos (RE) e progesterona (RP) apresenta maior taxa de confirmação1,19.
A pesquisa do anticorpo monoclonal GCDFP-15 (gross cystic disease fluid protein-15) ou BRST2 tem evidenciado taxa de sensibilidade entre 55-76% e especificidade de 95-100%9,12,18. A positividade do anticorpo monoclonal CK7 é expressa em tumores de padrão glandular e por estar presente em 90% dos casos de carcinoma de mama, é mais sugestiva de metástase, enquanto apenas 50-64% dos adenocarcinomas gástricos expressam essa molécula11,13,15. A presença de CK20 favorece o diagnóstico de tumor primário de estômago, cólon e pâncreas10,13,18,20,24. Neste estudo verificou-se a confirmação deste mesmo perfil imunoistoquímico com positividade dos RE, RP e CK7, e negatividade do receptor CK20.
A presença do receptor HER2 em neoplasias de mama está em torno de 15-20% dos casos e isolada não tem utilidade diagnóstica por também ser comum em tumores primários do estômago, mas sua positividade infere maior agressividade e pior prognóstico da doença19,20.
O tratamento de primeira linha para metástases gástricas de neoplasia de mama é sistêmico com quimioterapia e/ou bloqueio hormonal8,9,12,17,18,26. Na ausência de complicações, a sobrevida média após diagnóstico da metástase para estômago foi de sete meses (0- 41 meses)3,22.
Apesar de alguns estudos demonstrarem aumento na sobrevida das pacientes submetidas à ressecção de metástase hepática e pulmonar, não há estudos com evidência estatística significante dos mesmos resultados quando o sítio metastático está no trato digestivo20. No entanto, se houver a presença de metástase localizada unicamente no estômago e com doença primária controlada, pode se observar aumento de sobrevida de 9-44 meses quando realizado gastrectomias10,14,17,18,20. Nesta série quando analisado apenas a sobrevida das pacientes submetidas à cirurgia foi de 38 meses, superior aos 20 meses quando analisado a sobrevida media total.
Finalmente, o adenocarcinoma gástrico tem incidência elevada na população, sendo mais frequente nos homens27. Entretanto, diante mulher e com antecedente de tratamento e cirurgia prévia para tumor de mama, é importante pesquisar a associação e a ocorrência de metástase gástrica.
Pacientes com história prévia de câncer de mama que apresentam diagnóstico endoscópico de neoplasia gástrica deve ser considerada a possibilidade de metástase desse câncer. Após a confirmação diagnóstica da disseminação da neoplasia mamária para o estômago, a opção pelo tratamento cirúrgico da lesão gástrica deve ser orientada diante da ausência de outros locais de acometimento secundário e controle da lesão primária.