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Método para estimação de prevalência de hepatites B e C crônicas e cirrose hepática - Brasil, 2008

Método para estimação de prevalência de hepatites B e C crônicas e cirrose hepática - Brasil, 2008

Autores:

Juliana Ribeiro de Carvalho,
Flávia Batista Portugal,
Luísa Sório Flor,
Mônica Rodrigues Campos,
Joyce Mendes de Andrade Schramm

ARTIGO ORIGINAL

Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde vol.23 no.4 Brasília out./dez. 2014

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742014000400011

ABSTRACT

OBJECTIVE

to estimate chronic viral hepatitis and liver cirrhosis prevalence in Brazil, 2008.

METHODS:

hepatitis B and C prevalence estimates were calculated based on a national survey, considering chronic cases to be all positive HBsAg and 70% of positive anti-HCV. Hepatitis prevalence was used to estimate viral cirrhosis and cirrhosis due to alcohol and other causes were considered complementary to the former.

RESULTS:

national chronic hepatitis B and C prevalence estimates were 370/100,000 and 959/100,000 inhabitants, respectively. Liver cirrhosis prevalence was 0.35% overall, with the following distribution by causes: 151/100,000 for hepatitis C; 17/100,000 for hepatitis B and 182/100,000 for alcohol and other causes.

CONCLUSION:

prevalence estimates, although compatible with low endemicity, highlight viral hepatitis and cirrhosis as relevant health problems in the country. Further population-based studies are required in order to obtain better prevalence estimates.

Key words: Liver Cirrhosis; Hepatitis B; Hepatitis C; Estimation Techniques; Cross-Sectional Studies

RESUMEN

OBJETIVO:

estimar las prevalencias nacionales de hepatitis virales crónicas y cirrosis hepática en Brasil en 2008.

MÉTODOS:

las estimaciones de las hepatitis B y C se basaron en encuesta nacional, considerando casos crónicos todos los HBsAg (antígeno de superficie de hepatitis B) positivos y 70% de los anti-HCV (marcador serológico para hepatitis C) positivos; sobre datos de la encuesta, se estimó la prevalencia de cirrosis viral; complementariamente, se calculó la prevalencia de la cirrosis por alcohol.

RESULTADOS:

las prevalencias nacionales de hepatitis B y C crónicas fueron de 370/100 mil y 959/100 mil habitantes, respectivamente; la cirrosis presentó prevalencia de 0,35% en el país, con 151/100 mil hab. para hepatitis C, 17/100 mil hab. para hepatitis B y 182/100 mil hab. para alcohol y otras causas.

CONCLUSIÓN:

tales prevalencias, aunque compatibles con baja endemicidad, destacan las hepatitis virales y la cirrosis como relevantes problemas de salud en el país; estudios de base poblacional contribuirían a refinar las estimaciones presentadas.

Palabras-clave: Cirrosis Hepática; Hepatitis B; Hepatitis C; Técnicas de Estimación; Estudios Transversales

Introdução

A cirrose hepática é uma importante causa de morbidade e mortalidade.1 - 3 Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a doença foi a décima oitava causa de morte no mundo em 2004.1 Entre as principais etiologias da cirrose hepática, estão as hepatites pelos vírus B e C.4 , 5 Além da evolução para cirrose hepática, esses vírus apresentam associação com carcinoma hepatocelular e são responsáveis por quadros de hepatite aguda e crônica.6 , 7

A hepatite C é a principal causa de transplante hepático em países desenvolvidos e a infecção crônica de transmissão sanguínea mais comum nos Estados Unidos da América.5 Quanto à hepatite B, estimou-se que, em 2005, mais de dois bilhões de pessoas no mundo teriam se infectado pelo vírus e cerca de 360 milhões delas apresentariam infecção crônica e, portanto, risco de doença hepática grave e carcinoma hepatocelular.8

No Brasil, observa-se uma lacuna na literatura sobre dados populacionais para hepatites virais e cirrose, principalmente no que tange à qualidade das informações do sistema de notificação desses agravos. A escassez de informações limita as estimativas de prevalência nacionais dessas doenças, prejudicando a elaboração de políticas públicas específicas destinadas a elas. Nesse contexto, novos métodos para construção de parâmetros mais próximos à realidade tornam-se necessários.

Graças à publicação de um inquérito de hepatites nas capitais brasileiras em 2010,9 além da contribuição de um consenso de especialistas e da avaliação de outros dados existentes na literatura, foi possível a elaboração de uma estratégia de estimação de prevalência das hepatites virais crônicas e cirrose hepática para o país.

O objetivo deste trabalho foi estimar a prevalência de hepatites virais e cirrose hepática no Brasil em 2008, descrevendo a proposta metodológica elaborada para esse fim. Tal método foi utilizado no estudo 'Carga Global de Doença no Brasil para o ano de 2008', no qual são quantificadas a carga de mortalidade prematura e a de incapacidade, tanto para o Brasil como para suas grandes regiões.

Métodos

Trata-se de uma triangulação de dados, a partir da qual construiu-se um método para realizar estimativas de prevalência de hepatites virais e cirrose hepática, cujo processo será descrito aqui. Tais estimativas foram utilizadas no cálculo do indicador DALY (Disability-Adjusted Life Years, traduzido como Anos de Vida Perdidos Ajustados por Incapacidade) no estudo 'Carga Global de Doença no Brasil para o ano de 2008'.

O indicador utilizado no estudo supracitado, DALY,10 combina o impacto da mortalidade e os problemas de morbidade que afetam a qualidade de vida dos indivíduos. A medida é calculada pela soma dos Anos de Vida Perdidos por Morte Prematura - Years of Life Lost (YLL) - com os Anos de Vida Perdidos por Incapacidade - Years Lost due to Disability - (YLD).

Para as estimativas de YLL no estudo 'Carga Global de Doença no Brasil para o ano de 2008', os óbitos no período de 2007 a 2009 foram obtidos do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), cujos arquivos estão disponíveis no sítio eletrônico do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus). Foi utilizada a média dos óbitos no período, tendo sido realizada correção para o sub-registro de óbitos no país. Um seminário de consenso, realizado com a participação de hepatologistas brasileiros, definiu os códigos da décima revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) correspondentes a óbitos por hepatite B (aguda e crônica), hepatite C (aguda e crônica) e cirrose hepática. Os códigos definidos como óbitos por cirrose foram distribuídos em quatro categorias etiológicas: 'álcool' (K70; e 31,0% dos óbitos de cirrose por K721, K729, K739, K740, K741, K742, K746, K766, K767, K769, K920 e K921); 'hepatite B' (13,3% dos óbitos de cirrose por K721, K729, K739, K740, K741, K742, K746, K766, K767, K769, K920 e K921); 'hepatite C' (36,8% dos óbitos de cirrose por K721, K729, K739, K740, K741, K742, K746, K766, K767, K769, K920 e K921); e 'outras causas de cirrose' (K711; K717; K743; K744; K745; K754; K760; e 18,9% dos óbitos de cirrose por K721, K729, K739, K740, K741, K742, K746, K766, K767, K769, K920 e K921).

O referido consenso de especialistas, como foi antecipado no parágrafo anterior, resultou de um encontro de hepatologistas nacionais no 'Seminário de Doenças do Fígado do Projeto Carga Global de Doença no Brasil-2008', realizado em novembro de 2011, com o objetivo de estimar parâmetros clínico epidemiológicos. Destaca-se a participação dos seguintes especialistas na formalização desse consenso: Ângelo Alves de Mattos (RS), Cristiane Alves Villela-Nogueira (RJ), Francisco José Dutra Souto (MT), Henrique Sérgio Moraes Coelho (RJ), Jorge André de Segadas-Soares (RJ) e Renata de Mello Perez (RJ).

O cálculo do YLD é composto pelo número de casos incidentes, duração e peso da incapacidade decorrente. Na ausência de dados sobre incidência de hepatites B e C e cirrose, foram realizadas estimativas de prevalência dessas doenças. Essas estimativas, juntamente com as estimativas de mortalidade, remissão e duração, foram utilizadas no programa DISMOD II para obtenção dos dados de incidência. De domínio público, o programa DISMOD II é disponibilizado pela OMS. A seguir, são descritas as etapas para tais estimativas de prevalência.

As estimativas de prevalência de hepatites B e C do estudo 'Carga Global de Doença no Brasil para o ano de 2008' tiveram como base o 'Estudo de prevalência de base populacional das infecções pelos vírus das hepatites A, B e C nas capitais do Brasil',9 único estudo de base populacional e abrangência nacional sobre hepatites virais no país.

Estudo realizado no estado de Mato Grosso do Sul avaliou os casos de hepatite C em gestantes acompanhadas pelo Programa Estadual de Proteção à Gestante no período de 2005 a 2007, sendo observada subnotificação de 35,5% quando os dados foram comparados aos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).11 Outro estudo, este realizado no município de São Paulo-SP, demonstrou que a subnotificação de hepatite C pelo Sinan apresentou variação de 60,3 a 83,1% quando decidiu utilizar o método de captura e recaptura.12 Diante das distorções relatadas sobre o Sinan, o inquérito de hepatites foi considerado uma fonte de dados mais adequada aos objetivos da presente pesquisa.

Em relação à hepatite B, o inquérito utilizado como fonte disponibiliza dados para dois marcadores: HbsAg e Anti-HBc. O marcador anti-HBc identifica os pacientes que apresentaram contato prévio com o vírus, não diferenciando a infecção crônica da aguda.13 O HBsAg é um antígeno de superfície e representa o marcador mais precoce na infecção aguda, indicando, também, infecção crônica quando esta persiste por mais de seis meses. .13 Como o inquérito incluiu apenas indivíduos assintomáticos, considerou-se que a prevalência de HBsAg obtida representaria casos de infecção crônica pelo vírus da hepatite B.9 , 14 Dessa forma, para estimar a prevalência de hepatite B crônica no estudo 'Carga Global de Doença no Brasil para o ano de 2008', aplicou-se a prevalência de HbsAg obtida no inquérito, respeitando-se sua relação por sexo e faixa etária (10-19 e 20-69 anos). Exceção coube à região Norte que, segundo o inquérito, apresentou maior proporção de mulheres com hepatite B crônica, em relação aos homens. Para essa região, foi utilizada a distribuição por sexo do Brasil, mantendo-se a maior proporção de homens, o que foi decidido após discussão com especialistas.

Para a estimativa de prevalência de hepatite C crônica, foram utilizadas as frequências de anti-HCV positivo observadas no inquérito, considerando-se que cerca de 70% dos indivíduos com esse marcador representariam casos de hepatite crônica.9 Isto porque o anti-HCV não diferencia os quadros agudos dos crônicos e, uma vez infectados, 70 a 90% dos indivíduos não eliminam o vírus, evoluindo para cronificação.13 A distribuição por sexo foi calculada de acordo com os dados do inquérito e a distribuição por faixa etária seguiu a proporção observada em estudo de base populacional, também realizado no município de São Paulo-SP,15 uma vez que o inquérito apresenta a distribuição em tão somente duas faixas de idade. Para embasar essa distribuição, validou-se a informação via consenso de especialistas, segundo os quais dever-se-ia zerar a prevalência antes dos 30 anos de idade: os casos de hepatite C crônica nessa faixa etária seriam bem menos frequentes.

As estimativas de prevalência de cirrose foram realizadas considerando-se três categorias etiológicas: 'hepatite C'; 'hepatite B'; e 'álcool e outras causas de cirrose'. Para as duas primeiras categorias, as estimativas basearam-se nos dados de prevalência de hepatites obtidos do inquérito.9 No consenso de especialistas, foi estabelecido que, entre os pacientes com HBsAg positivo, cerca de 30% apresentariam hepatite crônica ativa e, destes, aproximadamente 20% evoluiriam para cirrose; e que entre os casos HBsAg positivos, considerou-se que 6% representariam casos de cirrose. Em relação à hepatite C, o mesmo consenso estabeleceu que entre os pacientes anti-HCV positivos, aproximadamente 70% apresentam hepatite C crônica e, destes, 20% evoluem para cirrose. Dessa forma, considerou-se que 14% dos pacientes anti-HCV positivos representariam casos de cirrose. No estudo 'Carga Global de Doença no Brasil para o ano de 2008', essas frequências foram aplicadas à população brasileira do período com o propósito de estimar as prevalências de cirrose por hepatites B e C.

Para a distribuição por sexo dos casos de cirrose por hepatite C e hepatite B, utilizou-se a distribuição do inquérito de hepatites,9 conforme descrito na seção anterior. Uma vez que o inquérito de hepatites apresentava apenas duas faixas etárias (10-19 e 20-69 anos), optou-se por utilizar a distribuição etária do 'Inquérito de Etiologia de Cirrose no Brasil', organizado pela Sociedade Brasileira de Hepatologia em 2001, quando foram utilizadas seis faixas etárias nas seguintes proporções:

  1. 0-29 anos: 6,3%;

  2. 30-39: 9,9%;

  3. 40-49: 25,4%;

  4. 50-59: 27,6%;

  5. 60-69: 20,6%; e

  6. ≥70 anos: 10,2%.16

A proporção etiológica de casos de cirrose utilizada no presente estudo foi baseada no 'Inquérito de Etiologia da Cirrose no Brasil'16 e no consenso de especialistas já mencionado. Segundo os resultados desse inquérito,16 aproximadamente 37% dos casos de cirrose são decorrentes da hepatite C; e 11%, da hepatite B. Considerou-se que os casos de cirrose por hepatite C e hepatite B, proporcionalmente calculados conforme a descrição acima, correspondiam a, respectivamente, 37% e 11% do total de casos de cirrose no país. Assim, estimou-se que 48% dos casos de cirrose são decorrentes de hepatite B e C, enquanto as cirroses por álcool e outras causas de cirrose são responsáveis pelos restantes 52%.

A distribuição segundo sexo e faixa etária da cirrose por álcool e outras causas de cirrose acompanhou a distribuição dos óbitos por cirrose alcoólica notificados ao SIM para ano de 2008 (média do período de 2007 a 2009), uma vez que não se encontrou dados a respeito na literatura.

Quanto ao atendimento dos aspectos éticos para a realização deste estudo, os dados do SIM foram obtidos no sítio eletrônico do Datasus e as informações do inquérito de hepatites foram disponibilizadas pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. O 'Estudo da Carga Global de Doenças no Brasil para o ano de 2008' foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), mediante Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) no 0054.0.031.000-11.

Resultados

As prevalências de hepatites B e C crônicas no Brasil foram de 370 por 100 mil e de 959 por 100 mil habitantes, respectivamente (Tabela 1). Em relação à hepatite B, a região Norte foi a que apresentou maior prevalência, de 630/100 mil hab., enquanto a região Sudeste apresentou a menor prevalência, de 291/100 mil hab. Os homens apresentaram prevalências mais elevadas em todas as grandes regiões do país, sendo a Centro-Oeste aquela com maior razão homem/mulher (1,5). A faixa etária de 20 a 69 anos apresentou a maior prevalência, 9,7 vezes maior que a encontrada nas idades de 10 a 19 anos.

Tabela 1 Prevalência de hepatites B e C (por 100 mil habitantes) segundo faixa etária e sexo, Brasil e grandes regiões, 2008a  

a) Distribuição por faixa etária:

- para hepatite B, segundo o 'Estudo de prevalência de base populacional das infecções pelos vírus das hepatites A, B e C nas capitais do Brasil'

- para hepatite C, de acordo com o estudo 'Estimated Prevalence of Viral Hepatitis in the General Population of the Municipality of São Paulo, Measured by a Serologic Survey of a Stratified, Randomized and Residence-Based Population' e o consenso de especialistas.

A maior prevalência de hepatite C foi observada na região Norte (1.421/100 mil hab.) e a menor no Nordeste (464/100 mil hab.). Os homens apresentaram maiores prevalências, sendo a maior razão homem/ mulher encontrada na região Centro-Oeste (1,7), tal como ocorreu com a hepatite B. Quanto à faixa etária, a que apresentou maior prevalência foi a de 50 a 59 anos, seguida pela de 40 a 49 anos.

Na Tabela 2 estão representadas as estimativas de prevalência de cirrose por hepatites B e C no Brasil e grandes regiões nacionais, sua distribuição segundo sexo e faixa etária. Para os casos decorrentes da hepatite C, a prevalência nacional foi de 151 por 100 mil habitantes, com maiores taxas observadas na região Norte (222/100 mil hab.). Em relação aos casos decorrentes da hepatite B, a prevalência no Brasil foi de 17 por 100 mil habitantes, sendo também a região Norte a de maior prevalência (28/100 mil hab.). Tanto para os casos decorrentes da hepatite B quanto da C, as maiores prevalências encontram-se nos homens e na faixa etária de 60 a 69 anos, seguida pela de 50 a 59 anos (Tabela 2).

Tabela 2 Prevalência de cirrose por hepatites B e C (por 100 mil habitantes) segundo faixa etária e sexo, Brasil e grandes regiões, 2008 

Em relação aos casos de cirrose atribuídos ao consumo do álcool e outras causas de cirrose (Tabela 3), a prevalência no Brasil foi de 182 por 100 mil habitantes, com uma razão homem/mulher de 7,4. Analisando-se esses casos por regiões, o Norte apresentou a maior prevalência (271/100 mil hab.) e o Nordeste a menor (99/100 mil hab.). Os homens apresentaram maiores prevalências em todas as grandes regiões, especialmente na região Sul, onde a razão homem/mulher foi de 8,7. Quanto à faixa etária, aqueles entre 50 e 59 anos apresentaram as maiores prevalências, exceto na região Norte, onde a faixa de 60 a 69 anos foi a de maior prevalência observada.

Tabela 3 Prevalência de cirrose por álcool e outras causas de cirrose (por 100 mil habitantes) segundo faixa etária e sexo, Brasil e grandes regiões, 2008 

Discussão

As prevalências encontradas para hepatite B e C foram de 370 por 100 mil e de 959 por 100 mil habitantes, respectivamente. Já a prevalência de cirrose foi de 350 por 100 mil habitantes. Para a hepatite B, a região Norte foi a que apresentou maior prevalência (630/100 mil hab.) e a Sudeste, a menor (291/100 mil hab.). Para a hepatite C, a maior prevalência foi observada na região Norte (1.421/100 mil hab.) e a menor, no Nordeste (464/100 mil hab.). Quanto à cirrose, tanto para os casos decorrentes da hepatite C quanto de hepatite B, as maiores taxas observadas foram na região Norte: 222/100 mil e 28/100 mil hab., respectivamente. Em todos os agravos pesquisados, as maiores prevalências foram observadas nos homens. Segundo a Organização Mundial da Saúde - OMS -, prevalências de HBsAg inferiores a 2% definem regiões de baixa endemicidade, enquanto as maiores ou iguais a 8% são características de áreas de alta endemicidade.8 As prevalências de 2 a 7% seriam encontradas em regiões de endemicidade intermediária.8 Nesse contexto, o Brasil seria classificado como de baixa endemicidade, com prevalência de 0,37%. A região Norte, normalmente apontada como de alta prevalência,13 apresentou taxa compatível com baixa endemicidade (0,63%), embora seja a mais elevada do país. Estudos nacionais, ao avaliarem doadores de sangue, observaram frequência de HBsAg de 0,27 a 1,9%.17 - 19 Já estudos em populações indígenas e ribeirinhas na região amazônica observaram frequências nesse marcador de 3,4 a 9,7%.20 - 22

Em relação à hepatite C, as estimativas de prevalência publicadas na literatura têm como limitação a escassez de estudos de base populacional para fundamentá-las.5 Algumas publicações23 , 24 colocam o Brasil como uma região de prevalência moderada, de 2,5 a 4,9%. Outros dados apontam o país como área de baixa prevalência de hepatite C (1,0 a 1,9%).25 Possivelmente, essa divergência é explicada pela utilização de estudos de soroprevalência em grupos específicos, que não representam, necessariamente, a população geral.5 As estimativas do presente estudo são baseadas em um inquérito de base populacional e colocam o Brasil como região de baixa prevalência, de 0,96%.

A prevalência nacional de cirrose estimada neste estudo foi de 0,35%. Dados de prevalência de cirrose hepática são igualmente escassos, na literatura. Um estudo francês aplicou métodos não invasivos de diagnóstico de cirrose a 7.463 indivíduos maiores de 40 anos de idade e observou uma prevalência da doença de 0,3%.26 Fundamentado nos dados disponibilizados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE) de 2008, um estudo de morbidade referida indicou prevalência de cirrose de 0,14% em maiores de 18 anos de idade: 0,2% em homens e 0,01% em mulheres.27 Na pesquisa sobre 'As dimensões sociais das desigualdades', um inquérito domiciliar de base populacional realizado no Brasil em 2008, a prevalência de cirrose entre maiores de 20 anos de idade foi mais elevada, de 0,7%.28

Comparado a estudos anteriores, o estudo 'Carga Global de Doença no Brasil para o ano de 2008' teve como importante alteração metodológica a avaliação da cirrose hepática em três categorias etiológicas: 'hepatite C', 'hepatite B' e 'álcool e outras causas de cirrose'. A justificativa para tal alteração foi o fato de a cirrose representar o estágio final de doenças crônicas do fígado,2 de forma que a implementação de medidas para o controle da doença requer a identificação de suas causas mais frequentes. As prevalências de cirrose por hepatite C, hepatite B e álcool e outras causas de cirrose foram de 0,15%, 0,017% e 0,182% respectivamente. Para obter tais resultados, utilizou-se a proporção etiológica de um inquérito nacional de cirrose que caracterizou pacientes acompanhados em centros especializados em hepatologia distribuídos pelo país.16 A proporção utilizada em estudo de carga global de doença realizado na Austrália também incluiu as hepatites virais como principal causa de cirrose: 60% dos casos atribuídos à hepatite B ou C, 35% ao álcool e 5% a outras causas de cirrose, distribuição proporcional baseada na opinião de especialistas daquele país.29

Algumas considerações devem ser feitas em relação ao presente estudo. Primeiramente, o inquérito de hepatites utilizado como base e fonte de dados9 foi realizado somente nas capitais dos estados e no Distrito Federal, não apresentando, portanto, dados para o interior do país. Neste estudo, porém, as prevalências observadas no referido inquérito foram aplicadas a todo o Brasil e suas macrorregiões. Essa opção, afinal, representa uma limitação, já que as frequências observadas nas capitais não são, necessariamente, as mesmas dos demais municípios. O Sinan, por sua vez, embora disponibilize os dados das capitais e do interior, apresenta os problemas de subnotificação anteriormente descritos. Diante da escassez de dados sobre o conjunto Brasil, as prevalências do inquérito foram consideradas por serem as que, provavelmente, mais se aproximam das reais prevalências existentes no país.

Um segundo ponto de consideração sobre este estudo refere-se às distribuições por sexo e faixa etária adotadas. Os poucos dados encontrados na literatura fizeram com que diferentes fontes de dados fossem adotadas. Para a hepatite B, por exemplo, decidiu-se pela utilização, na região Norte, da distribuição por sexo nacional do inquérito, visto que os dados regionais colocavam aquela região como a única com maior prevalência do marcador HBsAg em mulheres. Esta maior prevalência não estava de acordo com a opinião dos especialistas participantes do seminário, tampouco com expressiva parcela dos estudos e dados disponíveis na literatura.1 , 17 , 29 , 30

Um estudo multicêntrico, ao incluir doadores de sangue em São Paulo-SP, Salvador-BA e Manaus-AM, observou que a frequência de sorologia positiva para HBsAg e anti-HBc foi mais elevada - embora não significativamente diferente - em mulheres, comparativamente aos homens.17 Isto, no entanto, ocorreu igualmente nas três capitais e não na região Norte. A amostra era predominantemente de homens, especialmente em Manaus. Um estudo realizado no Pará, que incluiu pacientes encaminhados ao Laboratório Central do Estado para fins diagnósticos de hepatite B e C, observou que a maioria desses pacientes com algum marcador sorológico positivo era do sexo masculino.30 Tanto o relatório de Carga Global de Doença da OMS de 20041 como o da Austrália de 200329 mostram valores de YLL e DALY para hepatite B mais elevados em homens, frente aos valores desses mesmos indicadores para mulheres. Dessa forma, após discussão entre os especialistas, decidiu-se, em relação à região Norte, pela aplicação da distribuição segundo sexo no Brasil.

Conforme foi mencionado previamente, há uma importante lacuna na literatura em relação a dados populacionais para hepatites virais e cirrose no Brasil, fator limitativo à realização das estimativas de prevalência dessas doenças em nível nacional. O presente estudo propõe uma estratégia de estimação e seus resultados apresentam uma prevalência de cirrose de 0,35% no país, tendo as hepatites B e C como suas principais causas.

O Ministério da Saúde tem implementado ações voltadas para esses agravos, especialmente na forma de campanhas de detecção de infecções. Não obstante, fazem-se necessárias políticas públicas direcionadas à prevenção, detecção precoce e tratamento dessas enfermidades, para reduzir o impacto negativo da cirrose na saúde da população. Finalmente, recomenda-se a realização de novos estudos de base populacional, úteis no refinamento das estimativas aqui apresentadas.

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