Print version ISSN 0102-6720On-line version ISSN 2317-6326
ABCD, arq. bras. cir. dig. vol.32 no.1 São Paulo 2019 Epub Feb 07, 2019
https://doi.org/10.1590/0102-672020180001e1429
A incidência das hérnias internas no bypass gástrico em Y-de-Roux laparoscópico é de 0,5-9,7%2,7. O diagnóstico de obstrução intestinal deve ser sempre suspeitado na presença de dor abdominal em pacientes previamente submetidos a ele por via laparoscópica. As hérnias internas são as principais causas de obstrução intestinal após esse procedimento cirúrgico14, e podem ocorrer através da brecha mesentérica ao nível da anastomose enteroenteral ou pelo espaço de Petersen, situado entre o mesocólon transverso e o mesentério da alça alimentar elevada à bolsa gástrica por via antecólica e antegástrica. A obstrução intestinal mais frequente, e também mais grave, é aquela decorrente de hérnia de Petersen envolvendo a alça biliopancreática, por ser de alça fechada.
Na hérnia de Petersen o diagnóstico pode ser dificultado por um quadro clínico inespecífico de obstrução intestinal: dor abdominal aguda e persistente ou crônica e intermitente, localizada ou difusa; é possível não haver náusea e vômitos; flatos podem continuar a ser eliminados e o abdome permanecer não distendido3. O exame do abdome geralmente não é relevante. Contudo, o diagnóstico precoce da hérnia de Petersen é fundamental para a indicação de operação de urgência, impedindo que ocorram consequências graves e até fatais10,11. O estudo radiográfico simples de abdome é de pouco valor, sendo a tomografia computadorizada o melhor método de imagem para confirmar o diagnóstico. Todavia, ela falha em 20-30% dos pacientes com hérnia de Petersen5. Além disso, nem sempre há a disponibilidade de um tomógrafo ou de um profissional adequadamente qualificado para a interpretação do exame, e o cirurgião permanece com a incerteza e responsabilidade de qual conduta a ser definida.
Pensando nessas dificuldades é que idealizamos um método bastante simples, na tentativa de confirmar o diagnóstico precoce da hérnia de Petersen envolvendo a alça biliopancreática:
O método tem por base a anatomia normal, em que a alça jejunal mais próxima do ângulo duodenojejunal está localizada sempre à esquerda da coluna vertebral, e após o bypass gástrico laparoscópico, a única maneira desse segmento do jejuno passar para o lado direito da coluna é através do espaço de Petersen.
No bypass gástrico laparoscópico o tempo inicial consiste em inventário das alças jejunais, momento em que se aplicam dois clipes metálicos no mesentério, afastados 1 cm um do outro e à 10 cm do ângulo duodenojejunal (Figura 1).
FIGURA 1 Dois clipes fixados no mesentério da alça biliopancreática a 10 cm do ângulo duodenojejunal e à esquerda da coluna vertebral
Os clipes fixados ao mesentério estarão sempre localizados à esquerda da coluna vertebral e serão facilmente vistos em uma radiografia simples de abdome (Figura 2).
FIGURA 2 Estudo radiográfico simples de abdome, revelando os dois clipes em posição normal, à esquerda da coluna vertebral
Nos casos de hérnia de Petersen a alça biliopancreática ao deslizar por detrás da alça alimentar leva junto os clipes, que estarão, então, posicionados à direita da coluna vertebral, e radiografia simples de abdome confirma o diagnóstico (Figura 3).
No período de fevereiro de 2016 a dezembro de 2017, 165 pacientes foram submetidos ao bypass gástrico em Y-de-Roux por via laparoscópica, nos quais aplicamos dois clipes metálicos no mesentério do jejuno, a 10 cm do ângulo duodenojejunal. O espaço de Petersen não foi fechado em 142 pacientes (86%) e fechado nos últimos 23 (13,9%).
Dentre esses 165 pacientes, em um foi reconhecido hérnia de Petersen, ou seja, clipes à direita da coluna vertebral. O diagnóstico foi feito por radiografia simples do abdome (Figuras 3). Os demais tinham os clipes sistematicamente à esquerda da coluna.
O método proposto tem por base a anatomia normal, em que a alça jejunal próxima do ângulo duodenojejunal está localizada sempre à esquerda da coluna vertebral (Figura 2). Após o bypass gástrico laparoscópico, a única maneira desse segmento do jejuno passar para o lado direito da coluna é através do espaço de Petersen. Ocorrendo hérnia de Petersen a alça biliopancreática, ao deslizar por detrás da alça alimentar, leva junto os clipes, que estarão, então, posicionados à direita da coluna vertebral (Figura 3).
Há o consenso atual de que todos os espaços mesentéricos devem ser fechados no bypass gástrico em Y-de-Roux laparoscópico, o que reduz a incidência de hérnias internas15. Entretanto, em inúmeros pacientes o fechamento do espaço de Petersen não foi ou ainda não é feito, devido à maior dificuldade técnica. O fechamento desse espaço não é isento de complicações e podem reabrir6,8. Hérnias que ocorrem através de orifícios originados na linha de sutura para o fechamento do espaço de Petersen são mais propensas à isquemia intestinal do que as que ocorrem quando esse espaço é mais amplo ao não ser fechado. Em qualquer circunstância, ocorrendo obstrução da alça biliopancreática o quadro é potencialmente catastrófico, por ser de alça fechada, com evolução mais rápida para necrose intestinal.
A fixação da alça biliopancreática ao mesocólon transverso, com o objetivo de prevenir a ocorrência de hérnia de Petersen, é a única proposta alternativa ao fechamento do espaço de Petersen descrita na literatura12. Todavia, que seja do nosso conhecimento, não há ainda evidência médica da eficácia dessa técnica.
Independente do fechamento ou não do espaço de Petersen, hérnias podem ocorrer através desse espaço em qualquer momento no pós-operatório do bypass gástrico laparoscópico, e o importante nessa circunstância é o diagnóstico precoce. É o que o método acima descrito pretende assegurar. Necessitando de dois clipes metálicos aplicados ao mesentério para ser executado, não causa riscos para os pacientes, praticamente não aumenta o tempo operatório e é de custo desprezível. Se a opção for a TC, a imagem dos clipes será igualmente destacada e fácil de ser visualizada, mesmo por quem não tem experiência na interpretação desse exame (Figura 4).
FIGURA 4 TC de abdome: clipes em posição normal, à esquerda da coluna vertebral em caso de obstrução na anastomose enteroenteral, não de hérnia de Petersen, que regrediu com tratamento conservador (TC de controle revelando contraste no cólon ascendente).
No estudo radiográfico simples de abdome, os clipes estarão localizados à direita da coluna vertebral quando existe hérnia de Petersen (Figura 5).
FIGURA 5 TC de abdome interpretada como normal. Todavia, revisão cirúrgica posterior revelou clipes à direita da coluna vertebral, sinalizando hérnia de Petersen
O método delineado será especialmente valioso na avaliação de grávidas com suspeita de hérnia de Petersen16, quando uma simples radiografia limitada ao abdome superior possibilitará o diagnóstico com muito menos carga de irradiação que a tomografia.
Na ocorrência de hérnia de Petersen em pacientes submetidos à colecistectomia laparoscópica prévia, a distinção entre os clipes fixados no ducto e artéria cística e os clipes mesentéricos se fará pela somatória e posição dos clipes, além da ausência de clipes à esquerda da coluna vertebral.
Obstruções intestinais após o bypass gástrico em Y-de-Roux laparoscópico podem decorrer, mais raramente, de várias outras causas - aderências, coágulos e intussuscepções - e comprometer outros segmentos intestinaisl, inclusive a alça alimentar1,4. Nessas eventualidades, se não houver o envolvimento concomitante da alça biliopancreática o método preconizado não permitirá o diagnóstico, porque os clipes permanecerão à esquerda da coluna vertebral. Independente de resultados de qualquer exame de imagem, o cirurgião deve manter alto grau de suspeição e não hesitar na indicação de operação de urgência em casos de dor abdominal persistente sem causa estabelecida após o bypasss gástrico em Y-de-Roux laparoscópico13.