versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.82 no.5 São Paulo set./out. 2016
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.10.020
Fissuras labiopalatinas (FLP) são malformações congênitas que podem acometer o lábio, o palato ou ambos,1 e são decorrentes de erros na fusão dos processos faciais embrionários2 por alterações no desenvolvimento normal do palato primário e/ou secundário.3
Desde o diagnóstico da fissura, a alimentação é uma das principais preocupações dos pais.4 As dificuldades de alimentação surgem logo ao nascimento, devido ao prejuízo no mecanismo de sucção e deglutição decorrente da alteração das estruturas anatômicas. Nesta fase inicial, a prioridade é a nutrição do lactente e o acompanhamento de seu ganho de peso.5
O tratamento inicial para FLP é cirúrgico. É preconizada a cirurgia corretiva de lábio até os 3 meses de vida, e de palato até os 9 ou 12 meses, pois a cronologia dos procedimentos admite certa variação de centro para centro especializado.6,7 A adequada nutrição é também fundamental para que a criança esteja apta a realizar a cirurgia corretiva da fissura; ou seja, com ganho de peso estável, sem alterações de saúde e em condições para receber anestésicos.8
Após a correção cirúrgica, estima-se que a criança seja capaz de se alimentar com menor dificuldade, pois suas estruturas orais estarão recompostas. No entanto, no pós-operatório imediato, a conduta quanto à alimentação ainda é variada, de acordo com os protocolos adotados pelos diferentes serviços e de acordo com o tipo de fissura.
Técnicas de alimentação pós-queiloplastia (cirurgia reparadora de lábio) podem variar consideravelmente. As recomendações geralmente variam de retorno imediato ao seio materno (SM)/mamadeira à abstinência de sucção por até seis semanas.9 Após a palatoplastia (cirurgia reparadora de palato), esta divergência é ainda maior, e há centros que adotam protocolos nos quais mamadeiras e bicos são proibidos por um período de 30 dias.10
Esta revisão sistemática teve como objetivo, à luz da literatura, descrever estudos que comparam métodos de alimentação para crianças com os diferentes tipos de fissura no período que antecede a correção cirúrgica e no período pós-operatório, visando instrumentalizar pais e profissionais para a muitas vezes difícil tarefa de alimentar as crianças com FLP.
A busca na literatura publicada compreendeu o período entre 1 de janeiro de 1990 a 31 de agosto de 2015. A busca foi realizada nas bases de dados PubMed, LILACS, Scielo e Google Acadêmicos, por incluírem a maior parte das publicações na área. Esta revisão sistemática é realizada de acordo com PRISMA Statement,11,12 e registrada no PROSPERO (http://www.crd.york.ac.uk/PROSPERO/) sob o número CRD42014015011.
A estratégia de busca consistiu nos seguintes termos (Mesh): ("Cleft Lip"[Mesh] OR "Cleft Palate"[Mesh] OR "Ectodermal Dysplasia" OR "Cleft Lips" OR "Lip, Cleft" OR "Lips, Cleft" OR Harelip OR Harelips OR "Cleft Palates" OR "Palate, Cleft" OR "Palates, Cleft" OR "Cleft Palate, Isolated") AND ("Feeding Methods"[Mesh] OR "Feeding Method" OR "Method, Feeding" OR "Methods, Feeding" OR "Breast Feeding"[Mesh] OR "Feeding, Breast" OR Breastfeeding OR "Breast Feeding, Exclusive" OR "Exclusive Breast Feeding" OR "Breastfeeding, Exclusive" OR "Exclusive Breastfeeding" OR "Deglutition Disorders"[Mesh] OR "Deglutition Disorder" OR "Disorders, Deglutition" OR "Swallowing Disorders" OR "Swallowing Disorder" OR "Dysphagia" OR "Oropharyngeal Dysphagia" OR "Dysphagia, Oropharyngeal").
Foram incluídos estudos com comparação entre métodos de alimentação para crianças com fissura de lábio e/ou palato e com publicação nos idiomas inglês, português ou espanhol, e com nível de evidência de 1b a 4, de acordo com os critérios propostos pela American Speech-Language-Hearing Association (ASHA)13 (tabela 1). Pesquisas com síndromes associadas à presença de FLP foram excluídas, assim como estudos que abordavam o uso de métodos ortopédicos ou referentes a técnicas cirúrgicas específicas. Uma busca manual foi realizada nas referências dos artigos selecionados para identificar outros possíveis estudos para integrar a revisão.
Tabela 1 Níveis de evidência ASHA13
Nível de evidência | Tipo de estudo científico |
1a | Revisão sistemática ou meta-análise de ensaios controlados randomizados |
1b | Ensaios controlados randomizados de alta qualidade |
2a | Revisão sistemática ou meta-análise de ensaios controlados não randomizados |
2b | Ensaios controlados não randomizados de alta qualidade |
3a | Revisão sistemática de estudo de coorte |
3b | Estudos de coorte ou ensaios controlados randomizados de baixa qualidade |
4 | Estudos de resultados clínicos |
5a | Revisão sistemática de estudo caso-controle |
5b | Estudos caso-controle |
6 | Série de casos |
7 | Opinião de especialistas sem avaliação crítica explícita |
Dois pesquisadores (GAD e RBR) revisaram, de forma independente, os títulos e resumos de todos os artigos selecionados para avaliar se os estudos seriam elegíveis para inclusão na revisão. Os artigos selecionados foram lidos na íntegra para confirmar a elegibilidade e para extração dos dados. Discordâncias foram resolvidas por discussão entre os dois investigadores. Quando necessário, um terceiro revisor (MCAFC) foi consultado. Estudos cujos resumos não forneceram informações suficientes, o texto integral do artigo foi elencado para a avaliação.
As seguintes informações foram extraídas de cada estudo: ano de publicação, nome do primeiro autor, tipo de estudo, população, métodos de alimentação comparados, número de indivíduos por grupo e parâmetros avaliados.
A estratégia de busca realizada para seleção dos estudos incluídos nesta revisão é apresentada na figura 1. Na busca inicial, 382 artigos foram identificados como potencialmente elegíveis. Após análise do título e resumo, 348 artigos foram excluídos, pois não se detinham a comparar métodos de alimentação para crianças com FLP. Foi realizada a leitura completa dos 34 estudos restantes e, destes, 11 foram selecionados para integrar a revisão sistemática (sete com nível de evidência 1b, três 3b e um 413).
A faixa etária das populações estudadas esteve entre 0 e 18 meses no início dos estudos; no entanto, o tempo de acompanhamento foi variável. O tamanho amostral dos grupos estudados variou entre 18 e 96 sujeitos/observações por grupo.
Os estudos abordaram 16 diferentes situações de métodos ou associações de métodos de alimentação, e as principais características daqueles incluídos foram: via alternativa de alimentação - sonda nasogástrica; métodos de alimentação com necessidade de sucção - mamadeira e SM; métodos de alimentação sem necessidade de sucção - copo, colher, seringa e paladai (espécie de copo raso com bico utilizado popularmente na Índia).
Os parâmetros avaliados pelos estudos foram: aceitação e volume de alimento ingerido; desempenho na alimentação; tempo e intercorrências durante a alimentação; crescimento e ganho nutricional; exames de análises clínicas; dor; necessidade de sedação e/ou analgesia; deiscência, presença de fístula e outras complicações na ferida operatória; tempo de internação e custos hospitalares.
A tabela 2 apresenta as características de dois estudos que compararam métodos de alimentação no período que antecede a correção cirúrgica e um que integrou o período pré e pós-cirúrgico.
Tabela 2 Caracterização dos estudos que comparam métodos de alimentação no período que antecede a correção cirúrgica
Ano/autor | NE | n/grupo | Faixa etária | Fissura | Métodos | Parâmetros avaliados | Resultados |
1999/Shaw | 1b | 52/49 | RN | Lábio e/ou palato | Mamadeira rígida × mamadeira compressível | Peso; comprimento; circunferência craniana. | Mamadeira compressível: efeito benéfico no peso e circunferência craniana. |
2011/ Ize-Iyamu | 1b | 38/19 | 0-14s | Envolvendo palato | Seringa × copo e colher | Tempo de alimentação; eficiência (presença d e escape e/ou regurgitação de alimento); ganho de peso. | Seringa: maior volume de alimentos e menor tempo para alimentação, menor escape e regurgitação e aumento no ganho de peso. |
2015/Ravi | 3b | 50/50/ 50 | 2-12 meses | Lábio e palato | Paladai × mamadeira × colher | Antropometria; padrão de ganho de peso. | Peso médio e velocidade média de ganho de peso: paladai > mamadeira > colher; paladai: maior número de crianças bem nutridas até a cirurgia corretora do palato; no entanto, após cirurgia e iniciação da alimentação complementar o estado nutricional dos três grupos melhorou. |
n, número de sujeitos ou observações; s, semana; RN, recém-nascidos; NE, nível de evidência ASHA.13
Com relação ao período que antecede a correção cirúrgica de lábio e/ou palato, foram comparados dois métodos alimentares: mamadeira rígida e mamadeira compressível. A pesquisa avaliou dados antropométricos (peso, comprimento e circunferência craniana) e confiabilidade do método de alimentação (avaliada pela necessidade de ajustes no bico ou mudança de método de alimentação pelo profissional da saúde). Os resultados mostraram não haver diferença entre as variáveis antropométricas, embora se tenha notado uma tendência no ganho de peso e circunferência craniana no grupo alimentado com mamadeira compressível, além de as crianças deste grupo necessitarem menor número de modificações no bico e apresentarem menor necessidade de suporte e intervenção dos profissionais.14
A diferença entre o método assistido (mamadeira compressível) e a mamadeira rígida pode estar associada ao maior volume de ingestão de alimento e/ou ao menor gasto energético para extrair o alimento da mamadeira compressível, visto que, com o método assistido, é necessário menor esforço. No entanto, outro estudo avaliou crianças com fissura de palato comparando alimentação em mamadeira rígida e em mamadeira compressível, associada ou não ao uso de obturador, não demonstrando diferenças significativas entre os métodos com relação à ingestão calórica e ao crescimento.15
Apesar da alimentação em SM ser muito incentivada, sobretudo para crianças com FLP, muitas delas com fissura envolvendo o palato não apresenta bom desempenho na alimentação em SM e/ou mamadeira antes da correção cirúrgica. Portanto, Ize-Iyamu et al. compararam dois métodos alternativos: seringa vs. copo e colher. As crianças foram acompanhadas semanalmente, visando identificar o tipo e as dificuldades de alimentação, observar a alimentação, avaliar a eficiência da alimentação com relação ao escape e refluxo/regurgitação de alimento e aferir o ganho de peso entre 0 e 14 semanas.
Os resultados evidenciaram que o grupo alimentado com seringa apresentou tempo de alimentação menor na avaliação de seis semanas; 100% dos bebês do grupo copo e colher exibiram escape e regurgitação, em comparação com 79% de escape e 74% de regurgitação com seringa em seis semanas. Além disso, as crianças alimentadas com uma combinação de leite materno e fórmula utilizando a seringa registraram um aumento significativo do ganho de peso entre a 10ª e a 14ª semana. Com isso, os autores relataram que a alimentação com seringa demonstrou ser um método prático, de fácil manejo, com maior volume administrado, menor tempo gasto na alimentação e que apresenta menos escape e regurgitação e ganho de peso significativo.16
Outro método alternativo, porém menos conhecido, é estudado por Ravi et al., que compara o impacto da alimentação com paladai, mamadeira e colher no padrão de ganho de peso de crianças de dois meses a um ano de idade. Foram observados melhores resultados no grupo alimentado com paladai para peso médio, velocidade média de ganho de peso e número de crianças bem nutridas até a cirurgia corretora do palato; no entanto, após a cirurgia e o início da alimentação complementar, o estado nutricional dos três grupos melhoraram.17
Apesar de o uso do paladai não ser comum em todo o mundo, estudos avaliando métodos menos difundidos são importantes, pois estes utensílios podem, isoladamente ou em conjunto com outros métodos, facilitar a ingestão de alimento e promover um gasto calórico menor para algumas crianças com fissura, contribuindo assim para o maior ganho de peso.18
A tabela 3 apresenta a caracterização de quatro estudos que compararam métodos de alimentação no período pós-operatório de cirurgia corretora de lábio e/ou palato, lábio isolado ou lábio associado ou não a palato.
Tabela 3 Caracterização dos estudos que comparam métodos de alimentação no período pós-operatório de cirurgia corretora de lábio e/ou palato, lábio isolado ou lábio associado ou não a palato
Ano/autor | NE | n/grupo | Faixa etária | Fissura | Métodos | Parâmetros avaliados | Resultados |
1992/Cohen | 3b | 40/40 | 4d-12m | Lábio e/ou palato | Sonda e seringa × mamadeira/SM | Deiscência e fístula da ferida; ganho de peso; estado nutricional. | Deiscência da ferida e presença de fístula semelhantes em ambos os grupos; ganho de peso e estado nutricional melhor no grupo mamadeira/SM. |
1996/Darzi | 1b | 20/20 | 3-6m | Lábio | SM × colher | Peso; deiscência e aparência da ferida; analgesia e fluidos intravenosos; custos hospitalares. | SM: maior ganho de peso. Colher: maior necessidade de analgesia/sedação e fluidos intravenosos por mais tempo e maiores custos hospitalares. |
2005/Assunção | 1b | 23/22 | 3-13 m | Envolvendo lábio | Mamadeira e colher × colher | Antropometria; ingestão calórica; exames de análises clínicas; complicações da ferida. | Resultados semelhantes com ambos os métodos, porém, com melhor aceitação da alimentação com mamadeira e colher. |
2013/Augsornwan | 1b | 96/96 | 3-6 m | Envolvendo lábio | SM/mamadeira × colher/seringa | Complicações da ferida; satisfação dos pais. | Resultados semelhantes quanto à deiscência da ferida; pais mais satisfeitos com SM/mamadeira. |
n, número de sujeitos ou observações; d, dia; m: mês; SM, seio materno, sonda, sonda de alimentação; NE, nível de evidência ASHA.13
A utilização de métodos com sucção no período pós-operatório é uma questão controversa. Cohen et al. compararam o uso de sonda ou seringa vs. SM ou mamadeira após a cirurgia reparadora de lábio e/ou palato. No estudo, foram avaliados: deiscência da ferida, presença de fístula oronasal, ganho de peso e estado nutricional. Os resultados referentes à deiscência da ferida e à presença de fístula foram semelhantes em ambos os grupos. Porém, na avaliação antropométrica e nutricional foi observado melhor ganho de peso e estado nutricional no grupo mamadeira e SM.19
No entanto, este estudo não realizou inferência estatística com relação a estas variáveis, pois foram avaliadas de maneira subjetiva pela impressão geral dos observadores e equipe de enfermagem. Devido a questões metodológicas e éticas, estudos desta natureza geralmente são impossibilitados de serem cegados, e as observações da equipe foram potencialmente tendenciosas.
Quando comparada a alimentação em SM e alimentação com colher quanto ao peso e deiscência e aparência da cicatriz operatória após queiloplastia, os resultados mostraram que as crianças alimentadas em SM apresentaram ganho de peso significativamente maior e tempo de internação hospitalar ligeiramente menor. As crianças alimentadas com colher demonstraram-se mais irritadas, necessitaram de mais drogas analgésicas ou sedação e maiores despesas hospitalares. Além disso, houve um caso de deiscência da ferida operatória e um caso de hipertrofia da cicatriz no grupo alimentado em colher.20
Estudo semelhante avaliando alimentação com mamadeira e colher vs. colher após queiloplastia apresentou resultados bastante semelhantes entre os grupos, porém, houve uma melhor aceitação da alimentação no grupo que utilizou mamadeira e colher. Além disso, os lactentes alimentados somente em colher apresentaram desconforto e irritabilidade devido à mudança brusca no método de alimentação que, antes da cirurgia, era realizada com mamadeira.21
Comparando a alimentação em SM/mamadeira vs. colher/seringa com relação a deiscência da ferida e satisfação dos pais no pós-operatório de queiloplastia, observou-se resultados semelhantes quanto à deiscência da ferida; no entanto, os pais apresentaram-se mais satisfeitos e relaxados alimentando seus filhos em SM/mamadeira.22
Estas pesquisas com resultados favoráveis à alimentação por método com sucção corroboram outro estudo que observou que os lactentes submetidos a queiloplastia alimentados em mamadeira não apresentam prejuízos à cirurgia.9 Os resultados desfavoráveis para os métodos sem sucção (colher e seringa) podem estar associados à privação da sucção aos lactentes, o que os torna mais irritados e consequentemente mais agitados e chorosos, o que prejudica a recuperação e a ingestão de alimento, além de o movimento durante o choro poder prejudicar a ferida operatória.
A sucção é fundamental aos bebês pois além de uma fonte de alimentação constitui fator reconfortante23 e favorece a ligação entre mãe e filho, bem como o desenvolvimento de habilidades motoras orais.24 Dessa maneira, a alimentação sem restrições pós-queiloplastia vem tornando-se o padrão de cuidado,25 porque tem mostrado melhores resultados, bem como menores taxas de complicações.20-22
Por outro lado, entre as cirurgias primárias, a palatoplastia é a mais invasiva e está associada à maior dificuldade em aceitar alimentação por via oral adequadamente, o que pode interferir no ganho ponderal da criança.19,26 Além disso, tradicionalmente sugere-se que a mamadeira não seja utilizada logo após a palatoplastia, pois a pressão negativa indevida sobre a linha de sutura pode prejudicar os resultados.27
A tabela 4 caracteriza quatro estudos que compararam métodos de alimentação no período pós-operatório de cirurgia corretora de palato associada ou não a lábio.
Tabela 4 Caracterização dos estudos que comparam métodos de alimentação no período pós-operatório de cirurgia corretora de palato associada ou não a lábio
Ano/autor | NE | n/grupo | Faixa etária | Fissura | Métodos | Parâmetros avaliados | Resultados |
2009/Kent | 3b | 34/34 | 6-12 m | Envolvendo palato | Sonda × mamadeira | Alimentação; analgesia/dor; tempo de internação hospitalar. | Sonda: menor necessidade de analgesia e tempo de hospitalização. Mamadeira: maior rejeição da alimentação, dor, preocupação da equipe, dificuldade em ofertar medicação e alimentação mais frequente e prolongada. |
2009/Kim | 1b | 42/40 | 4-25 m | Envolvendo palato | Mamadeira × colher, copo e seringa | Complicações; uso de sedação; ingestão oral; ganho de peso. | Complicações: uso de sedação e ganho de peso semelhantes em ambos os grupos. No 6º dia PO ingestão oral maior no grupo mamadeira. |
2013/Hughes | 1b | 18/23 | 5-10 m | Envolvendo palato | Sonda × VO | Analgesia/ dor; fluidos intravenosos e alimentação enteral administrados. | Número de episódios dolorosos e consumo de morfina semelhantes em ambos os grupos. Volume de alimentação recebida maior no grupo sonda e maior necessidade de fluido intravenoso no grupo VO. |
2013/Trettene | 4 | 88/88 | 11-18 m | Envolvendo palato | Copo × colher | Posicionamento, tosse, engasgo, escape, tempo de alimentação e volume aceito; segurança do cuidador. | Colher: menor escape de alimento pela comissura labial e maior volume de alimento recebido. |
n, número de sujeitos ou observações; m, mês; PO, pós-operatório; Sonda, sonda de alimentação; VO, via oral; NE, nível de evidência ASHA.13
Dois estudos comparam a alimentação por via alternativa de alimentação ou via oral/método com sucção nas primeiras 24 horas de pós-operatório de palatoplastia. O primeiro estudo analisou a alimentação, a analgesia, bem como o tempo de internação hospitalar de lactentes alimentados com mamadeira e sonda nasogástrica. O estudo mostrou que os pacientes alimentados por sonda foram mais estáveis, necessitaram de menor analgesia e receberam alta hospitalar mais cedo. Os pais destes bebês estavam mais relaxados, pois sabiam que seu filho era alimentado e tinha analgesia adequada, e os enfermeiros acreditavam serem capazes de prestar melhor qualidade de atendimento. Por outro lado, o grupo alimentado em mamadeira apresentou maior rejeição da alimentação, dor, preocupação da equipe, dificuldade em ofertar medicação e alimentação mais frequente e prolongada.28
O segundo estudo avaliou o uso de morfina, número de episódios dolorosos, volume de fluidos intravenosos e alimentação enteral administrados. Os resultados obtidos mostraram que tanto o número de episódios dolorosos quanto a utilização de morfina foram semelhantes no grupo sonda e no grupo via oral; no entanto, o volume de alimentação recebida foi maior no grupo sonda e houve maior necessidade de fluido intravenoso no grupo via oral.29
Ambos os estudos de Kent et al. e de Hughes et al. avaliam, nas primeiras 24 horas após a palatoplastia, parâmetros de dor baseados no sistema de pontuação Face, Legs, Activity, Cry and Consolability - FLACC, aferido por meio da observação da equipe de enfermagem.30 Uma das possíveis limitações de ambos os estudos foi a falta de cegamento. Para corrigir isto, seria necessária a utilização de via alternativa de alimentação em todas as crianças, para manter os avaliadores cegos ao método de alimentação; no entanto, as sondas podem danificar a reparação do palato e causar dor, e isso poderia ser mais um fator para confundir os resultados.29
Por outro lado, resultados diferentes foram obtidos quando comparadas crianças alimentadas em mamadeira vs. colher, copo e seringa durante seis dias pós-palatoplastia. Os parâmetros analisados foram: complicações (hemorragia, problemas respiratórios, deiscência da ferida e fístula oronasal), frequência do uso de sedação, ingestão oral e ganho de peso. A taxa de complicações gerais, o uso de sedação e o ganho de peso foram semelhantes em ambos os grupos e, contudo, no sexto dia pós-operatório, a ingestão oral foi maior no grupo mamadeira. Segundo os autores, estes resultados sugerem que a mamadeira pode ser introduzida ao longo do período pós-operatório imediato, pois o método de alimentação não afetou o curso pós-operatório imediato de palatoplastia.31
Os resultados do estudo de Kim et al. com relação à cirurgia se mostram distintos dos estudos de Kent et al. e os de Hughes et al. A diferença pode ser explicada pelo fato de que o estudo de Kim et al. possuir uma amostra de pacientes relativamente homogênea quanto à extensão da fenda, usar técnica padronizada para o fechamento do palato e a cirurgia ser realizada por um único cirurgião, uma vez que a ocorrência de fístulas, por exemplo, parece estar relacionada com a gravidade da fissura32,33 e, variavelmente, com a técnica de fechamento do palato.32 Além disso, os estudos de Kent et al. e Hughes et al. avaliam apenas as primeiras 24 horas, enquanto o estudo de Kim et al. acompanha os primeiros seis dias pós-operatórios. Portanto, podemos supor que a sonda seria um método mais efetivo durante as primeiras horas, e a mamadeira poderia ser incluída na alimentação nos dias seguintes.
Outro fator importante a ser abordado são os protocolos adotados em diferentes hospitais, pois alguns locais proíbem a utilização de mamadeiras e bicos por certo período após a palatoplastia. Portanto, o estudo de Trettene et al. compara a alimentação com copo e colher no pós-operatório imediato de palatoplastia. Neste estudo, os cuidadores avaliaram 44 binômios por quatro horários consecutivos, intercalando o método de alimentação. Foram analisados posicionamento, tosse, engasgo, escape de alimento pela comissura labial, tempo de alimentação, volume aceito e segurança referida pelo cuidador.
Os resultados demonstram que a técnica que utiliza a colher apresentou escape de alimento pela comissura labial menos frequente e maior volume aceito, e as crianças submetidas a palatoplastia total apresentaram episódios de tosse menos frequentes durante a oferta da alimentação.10 Outro fator positivo com relação à utilização da colher é a maior estimulação oral e o favorecimento da contração muscular e estimulação das terminações nervosas em comparação ao copo.34,35
Apesar de haver pesquisas comparando métodos de alimentação semelhantes, não foi possível realizar meta-análise dos resultados apresentados nesta revisão sistemática. Os estudos apresentaram metodologias bastante distintas e, principalmente, parâmetros avaliados muito heterogêneos, o que impede a equivalência dos estudos, característica esta fundamental à viabilidade da meta-análise.
A alimentação a partir de métodos com sucção é possível e indicada para crianças com FLP antes da correção cirúrgica, sobretudo aquelas com fissuras pré-forame isoladas, pois são os casos que apresentam maior chance de sucesso. No entanto, de acordo com os resultados obtidos nos estudos, a utilização de métodos alternativos, como mamadeira compressível, seringa e paladai, pode ser benéfica em certos casos.
No período pós-operatório de queiloplastia os métodos com sucção parecem ser mais benéficos e não apresentam maiores complicações às cirurgias. No entanto, no pós-operatório de palatoplastia há divergências sobre o método de alimentação mais indicado, variando entre suspensão total de via oral por pelo menos 24 horas, privação de método com sucção e alimentação com método com sucção irrestrita. Mais estudos sobre métodos de alimentação, especialmente no período pós-palatoplastia, são necessários.