Compartilhar

Métodos de avaliação do olfato em pacientes vítimas de hemorragia subaracnóidea: revisão sistemática

Métodos de avaliação do olfato em pacientes vítimas de hemorragia subaracnóidea: revisão sistemática

Autores:

Sandro Júnior Henrique Lima,
Hildo Rocha Cirne de Azevedo Filho,
Hilton Justino da Silva

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.28 no.1 São Paulo jan./fev. 2016

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015011

INTRODUÇÃO

A hemorragia subaracnóidea (HSA) aneurismática é caracterizada como ruptura e extravasamento sanguíneo entre as membranas pia-máter e aracnoide1. Sua ocorrência acarreta em modificações abruptas no meio intracraniano em decorrência de fatores associados, como presença de hematoma, edema, vasoespasmo cerebral e hidrocefalia2, o que faz da HSA aneurismática um evento clínico de grande importância.

Possui uma alta taxa de mortalidade, que alcança os 40% nos afetados, além de ocorrência frequente de sequelas nos pacientes sobreviventes, dos quais cerca de um terço acaba apresentando algum tipo de distúrbio, seja motor, cognitivo ou mesmo comportamental3 4 5.

Uma alteração que pode ser desencadeada com a ocorrência do extravasamento sanguíneo no espaço subaracnóideo é a disfunção olfatória, possivelmente pela proximidade anatômica do local da hemorragia com o sistema olfatório, estando sujeito a fatores associados à HSA aneurismática, como dano mecânico direto nos tecidos, processos inflamatórios, aumento de pressão intracraniana e isquemia regional cortical6 7.

Além disso, devido às suas características, o tratamento cirúrgico para HSA aneurismática também pode influenciar o olfato, nesse caso, as alterações nessa função podem surgir através do impacto da tração de tecidos cerebrais durante a exposição do sítio hemorrágico7.

Considerando isso, diversos métodos de avaliação do olfato são descritos na literatura, e esses podem ter caráter qualitativo ou mesmo quantitativo de avaliação do sistema olfatório8. É descrito também, que na verificação da integridade desse sistema, os testes utilizam meios que analisam os processos psicofísicos, eletrofisiológicos, psicofisiológicos, ligados à sensação olfatória, como também a análise de exames de imagem que definem a situação das estruturas ligadas ao olfato9.

No entanto, existe pouca descrição de como é feita a avaliação do olfato em pacientes vítimas de HSA aneurismática, e esse conhecimento, além de importante para identificar as características das alterações olfatórias oriundas dessa doença e suas modificações diante do tratamento cirúrgico, pode auxiliar na determinação e difusão de métodos a serem empregados na prática clínica para avaliação dessa função em pacientes neurológicos.

Sendo assim, o objetivo do presente estudo é revisar de forma sistemática os métodos para avaliação do olfato em pacientes vítimas de HSA aneurismática, e identificar as alterações encontradas com a utilização desses métodos.

ESTRATÉGIA DE PESQUISA

A pesquisa bibliográfica foi realizada na plataforma de busca PubMed e nas bases de dados Web of Science, Scopus, PsycINFO, CINAHL e ScienceDirect, tendo a busca de dados ocorrida em agosto e setembro de 2014. Na pesquisa de artigos foram utilizados descritores - descritores em ciências da saúde (DeCS) e medical subject headings (MESH) - para recuperação de assuntos da literatura científica. Foram realizados os seguintes cruzamentos nas línguas inglesa, portuguesa e espanhola: olfato AND círculo arterial do cérebro; olfato AND hemorragia subaracnóidea; olfato AND aneurisma intracraniano; transtornos do olfato AND círculo arterial do cérebro; transtornos do olfato AND hemorragia subaracnóidea; transtornos do olfato AND aneurisma intracraniano.

A pesquisa foi realizada por dois pesquisadores, de forma independente e cega. Nos casos em que houve discordâncias o terceiro pesquisador foi consultado, com o objetivo de chegar a um consenso. Os pesquisadores seguiram um protocolo de busca elaborado antes da pesquisa

CRITÉRIOS DE SELEÇÃO

Os critérios de inclusão dos artigos na pesquisa foram: artigos originais publicados em qualquer língua que abordassem as alterações de olfato em pacientes vítimas de HSA aneurismática, com objetivo de avaliar essa função através de testes específicos.

Foram excluídos artigos originais que não referenciavam no título, no resumo ou no texto o assunto abordado nesta revisão; estudos de revisão; estudos de caso; capítulos de livro; editoriais e estudos que abordavam a HSA não aneurismática.

ANÁLISE DOS DADOS

A análise de dados obedeceu a um método de seleção convergente contendo três etapas.

Inicialmente foi feita a identificação dos artigos a partir da realização dos cruzamentos de descritores, e após isso foi realizado o primeiro processo de exclusão a partir da leitura dos títulos, seguindo os critérios de elegibilidade.

Em seguida foi feita a leitura dos resumos e exclusão subsequente dos artigos inadequados à pesquisa. Os artigos que restaram foram lidos na íntegra para seleção dos estudos para esta revisão.

As características metodológicas dos artigos foram analisadas de acordo com a presença de randomização, critérios de inclusão e exclusão, mascaramento, análise estatística e comparação estatística entre grupos nos estudos selecionados. Tais itens de avaliação foram baseados na escala Physitherapy Evidence Database (PEDro) (Quadro 1). É descrito na literatura que essa escala possui níveis moderados de confiabilidade entre avaliadores, com um coeficiente de correlação interclasse (ICC) de 0,68 e intervalo de confiança de 95% (IC95%) de 0,57-0,7610.

Quadro 1: Classificação metodológica dos artigos selecionados 

Park et al., 200911 Bor et al., 200917 Martin et al., 2009 12 Moman et al., 2009 13 Wermer et al., 2007 14 Vries et al., 200715 Aydin et al., 1996 20 Hiroaki et al., 199616 Eriksen et al., 1990 18
Critérios de inclusão especificados Sim Não Sim Sim Sim Sim Não Não Não
Grupo controle Não Não Sim Não Não Não Não Não Não
Alocação aleatória Não Não Não Não Não Não Não Não Não
Sigilo na alocação Não Não Não Não Não Não Não Não Não
Sujeitos "cegos" Não Não Não Não Não Não Não Não Não
Terapeutas "cegos" Não Não Não Não Não Não Não Não Não
Análise estatística Sim Sim Sim Sim Sim Sim Não Sim Não
Comparação estatística entre grupos Sim Não Sim Sim Sim Não Não Sim Não

Os resultados foram apresentados considerando as seguintes variáveis dos artigos selecionados: autor/ano, país, amostra/idade, tratamento, método utilizado (avaliação do olfato), momento da avaliação do olfato e resultados (Quadro 2).

Quadro 2: Resultados dos estudos selecionados seguindo as variáveis analisadas 

Autor/Ano País Amostra/idade Tratamento Método utilizado (avaliação do olfato) Momento da avaliação do olfato Resultados
Park J, Lee SH, Kang DH, et al., 2009 11 Coreia sul n=189 (120 mulheres e 69 homens) Grupo 1 (n=12); Grupo 2 (n=70); Grupo 3 (n=107) 25-76 anos - grupo 1: abordagem pterional contralateral - grupo 2: abordagem pterional para artéria comunicante anterior - grupo 3: abordagem pterional ipsilateral - aplicação de um questionário de comprometimento do olfato, no ambulatório e por telefone - pacientes que relataram alteração foram submetidos ao Sniffin Sticks Test (versão coreana) - 12 a 38 meses após a cirurgia - houve correlação significativa entre disfunção olfatória, técnica cirúrgica utilizada e idade - dos 189 pacientes, 21 apresentaram disfunção olfatória - os maiores achados de disfunção olfatória foram encontrados no grupo 1 (abordagem pterional contralateral), onde 58% dos indivíduos apresentou alterações
Martin GE, Junqué C, Juncadella M, et al., 2009 12 Espanha n=69 Grupo HSA em AcoA: 39 pacientes (24 homens e 15 mulheres); Grupo controle: 30 participantes (17 homens e 13 mulheres) <60 anos; média do grupo HSA: 49,2 anos; média do grupo controle: 49,5 anos - 43,5% dos pacientes foram submetidos à cirurgia com abordagempterional - 53,8% receberam tratamento endovascular de bobina, e um paciente necessitou ambas as técnicas - University of Pennsylvania Smell Identification Test (UPSIT) - teste com 40 odores microencapsulados e respostas de múltipla escolha - avaliação subjetiva do olfato e paladar - mínimo de seis meses após a cirurgia - grupo HSA teve desempenho pior do que o controle - 17 (43,6%) de 39 pacientes do grupo HSA versus 1 (3,3%) dos 30 controles apresentaram alteração olfatória - houve correlação negativa significativa entre idade e alteração de olfato
Moman MR, Vermeij BH, Buwalda J, et al., 2009 13 Holanda n=90 Grupo de aneurismas não rotos: 58 pacientes (43 mulheres e 15 homens) Grupo com HSA: 32 pacientes (22 mulheres e 10 homens) Grupo de aneurismas não rotos: 35,7-79,8 anos; Grupo com HSA: 28,2-88,6 anos - 32 pacientes tiveram os aneurismas clipados e 26 embolizados - entrevista por telefone para investigar alteração de olfato - Sniffin Sticks Test Battery (validado na europa). Com 12 odores - 20 participantes de cada grupo foram eleitos para realização do teste de olfato Não informado Entrevista: - dos pacientes tratados por aneurisma não roto, 9 (28%) dos 32 pacientes tratados cirurgicamente e nenhum dos 26 pacientes tratados pelo método endovascular (0%) relataram ter perda ou ter tido perda do olfato - dos 32 pacientes com HSA tratados pelo método endovascular, 7 (22%) sofreram uma perda de olfato Teste: - dos pacientes tratados por aneurisma não roto, 13 (65%) pacientes tratados cirurgicamente e 8 tratados pelo método endovascular (42%) tiveram alteração do olfato - dos pacientes com HSA tratados pelo método endovascular, 7 (35%) tiveram alteração do olfato
Wermer MJH, Donswijk M, Greebe P, et al., 2007 14 Holanda n=315 (199 mulheres e 116 homens) 25-91 anos (média de 60,3 anos) - 67 pacientes foram tratados pelo método endovascular - 248 foram tratados cirurgicamente (clipagem) - questionário para alteração olfatória (por telefone e no ambulatório) - foi usada uma escala visual analógica de impacto da perda olfatória - período médio 7,5 anos (1,2-20,4anos) - 89 dos 315 pacientes (28%) relataram perda de olfato após tratamento da HAS, incluindo 10 dos 67 pacientes tratados por método endovascular (15%) e 79 dos 248 pacientes tratados cirurgicamente (32%)
De Vries J, Menovsky T, Ingels K, 2007 15 Holanda n=13 (9 mulheres e 4 homens) 35-67 anos (média de 49 anos) - procedimentos neurocirúrgicos frontobasal e frontotemporal para clipagem. - avaliação subjetiva do olfato - Sniffin' Sticks Test. Bateria para verificação de limiar, discriminação e identificação olfatória a partir de canetas com odores (concentrações de butanol) - 72 horas da HSA - reaplicação do teste de olfato três meses após a cirurgia - teste após 72 horas da HSA: foi identificada alteração olfatória em 10 pacientes, sendo que 3 apresentaram anosmia e 7, hiposmia - desses 10 pacientes, apenas 2 relataram subjetivamente diminuição do olfato - teste após três meses da cirurgia: 3 dos 10 pacientes apresentaram anosmia, 4 apresentaram hiposmia e 3, normosmia
Hiroaki F, Nobuyuki Y, Edgar NV, et al., 199616 Japão n=138 - 33 pacientes com aneurisma não roto - 101 pacientes foram examinados - 49 pacientes submetidos à cirurgia por AIA - 52 foram submetidos à cirurgia por AIB - 56 homens e 45 mulheres Grupo AIA: 31-74 anos (média de 56,5 anos); grupo AIB: 34-72 anos (média de 53,9 anos) - 49 pacientes foram tratados cirurgicamente através da abordagem interhemisférica anterior - 52 pacientes tratados através da abordagem interhemisférica basal - avaliação subjetiva por meio de entrevista direta ou por telefone; - aplicação bilateral de teste objetivo do olfato utilizando essência de baunilha Não informado - 15 pacientes (31%) apresentaram anosmia após a cirurgia pela abordagem inter-hemisférica anterior, ao passo que apenas 1 paciente (1,9%) apresentou anosmia após a cirurgia pela abordagem inter-hemisférica basal
Bor ASE, Niemansburg SL, Wermer MJH, et al., 2009 17 Holanda n=197 (129 mulheres e 68 homens) Média (sem anosmia): 53 anos; média (com anosmia): 56 anos - embolização endovascular - questionário semiestruturado aplicado no ambulatório ou por telefone - foi usada uma escala visual analógica de impacto da perda olfatória - mínimo de seis meses após a HSA - perda olfatória foi relatada por 35 pacientes - 9 (26%) pacientes com perda olfatória não relataram melhoras na função - 20 (57%) pacientes com perda olfatória apresentaram recuperação completa da função - 3 (8,5%) pacientes com perda olfatória apresentaram melhora parcial da função - 3 pacientes não souberam informar melhoras na função
Eriksen KD, Boge-Rasmussen T, Kruse-Larsen C, 1990 18 Dinamarca n=25 (16 mulheres e 9 homens) - 24 pacientes foram diagnosticados com HSA - 1 paciente foi diagnosticado como não tendo HSA 35-64 anos (média de 49 anos) - cirurgia via frontotemporal - período de observação média: 35,1 meses - avaliação subjetiva sobre alterações no olfato - olfatometria modificada utilizando vapor de álcool feniletílico saturado - teste de inalação Sniff Test Não informado - na avaliação subjetiva, 4 pacientes apresentaram alteração do olfato - na avaliação objetiva foi revelado que 22 pacientes apresentaram anosmia - em todos os casos, a anosmia foi encontrada no lado operado
Aydin IH, Kadioglu HH, Tuzun Y, et al., 1996 20 Turquia n=100 (54 mulheres e 46 homens) Dois pacientes sem HSA. 18-72 anos - craniotomia pterional direita - foi usado vapor saturado de álcool feniletílico - teste de limiar olfatório ao butanol (duas garrafas, uma com uma solução aquosa de butanol e outra com água, para identificação do odorante) - 30 dias após cirurgia - foi observada disfunção olfatória em 15 pacientes (15% da amostra), sendo que 8 apresentaram diminuição da olfação e 7, ausência - 9 casos de disfunção olfatória foram no lado ipsilateral à operação, 2 no lado contralateral e 4 bilateralmente - não houve relação da alteração olfatória com o tempo de cirurgia, tratamento com manitol e edema cerebral

Legenda: HSA = hemorragia subaracnóidea; AcoA = artéria comunicante anterior; AIA = abordagem inter-hemisférica anterior; AIB = abordagem inter-hemisférica basal

RESULTADOS

A busca de dados resultou em um total de 1.763 artigos. Na plataforma PubMed, cruzando-se os descritores, foram encontrados 30 artigos, na Web of Science foram encontrados 17 artigos, na base Scopus foram encontrados 66 artigos, na PsycINFO foi encontrado um artigo, na CINAHL foram encontrados 8 artigos e na ScienceDirect foram encontrados 1.641 artigos.

Considerando os critérios de inclusão e de exclusão adotados, e após a retirada dos estudos repetidos, apenas nove artigos foram incluídos e analisados nesta revisão sistemática (Figura 1).

Figura 1: Fluxograma do número de artigos encontrados e selecionados após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão 

Numa análise preliminar dos artigos foi possível identificar uma heterogeneidade metodológica que trouxe inviabilidade na aplicação de tratamento estatístico (metanálise). Apesar disso, puderam-se extrair conclusões relevantes através deste estudo.

Foi observado que, dos estudos analisados, nenhum apresentou como parte do método: alocação aleatória, sigilo na alocação e cegamento dos sujeitos da pesquisa, além disso, apenas parte deles, o equivalente a 55,5%, teve critérios de seleção preestabelecidos11 12 13 14 15. Foi visto também que a maioria (77,7%) utilizou estatística na análise dos dados11 12 13 14 15 16 17e apesar disso, por não ter sido pleno o rigor metodológico no desenvolvimento dos estudos, houve dificuldade na utilização de análise estatística de integração de resultados independentes.

Com base nos períodos de publicação, observou-se que poucos artigos abordaram o tema na década de 199018 19 20, com o primeiro estudo no ano de 199010. Dos estudos analisados, 66,6%11 12 13 14 15 17foram publicados a partir do ano de 2007, evidenciando um período de 11 anos sem pesquisas. Nota-se que os três primeiros artigos produzidos18 19 20 investigaram as alterações do olfato após intervenção cirúrgica para HSA e aneurismas não rotos, demonstrando uma preocupação maior com as repercussões nessa função oriundas da microcirurgia.

Acredita-se que tal preocupação estava relacionada com a evolução das técnicas cirúrgicas, que inicialmente aconteceu nos anos de 1960 a 1970 com a descrição da craniotomia pterional21. Possivelmente, nesse período, com a maior utilização de cirurgias que envolviam diretamente o nervo olfatório, foram observados déficits na olfação que despertaram interesse por parte dos neurocirurgiões.

Apesar de tais indícios, foi verificado que 77,7%11 12 13 17 18 19 20 dos estudos selecionados tiveram a preocupação de investigar a situação olfatória dos pacientes após o tratamento, revelando um interesse bem maior no quadro funcional decorrente da cirurgia.

De acordo com o local de realização dos estudos, a maior parte deles se originou de países europeus12 13 14 15 17 18, e dois da Ásia11 19. Além disso, a Turquia, considerada país euro-asiático, foi local de estudo de um dos artigos20.

Quatro artigos europeus se originaram da Holanda13 14 15 17, três deles14 15 17 foram realizados num hospital universitário da cidade de Utrecht, tornando-se um dos principais centros preocupados não só com a investigação da associação entre o olfato e os procedimentos cirúrgicos utilizados no tratamento de aneurismas rotos, mas também com as repercussões geradas nessa função pela própria HSA, pois foi nesse centro em que os únicos estudos que avaliaram o estado olfativo no pré e pós-tratamento foram realizados14 15.

Segundo os resultados do Global Burden of Disease, Injures and Risk Factors (GBD), países de baixa e média renda apresentaram, em 2010, taxas mais elevadas de incidência e mortalidade ligadas ao acidente vascular cerebral hemorrágico, que inclui a HSA22.

Apesar de mostrar que a preocupação com a doença aparenta ser mais elevada nesses países em desenvolvimento, possivelmente por existirem condições mais equilibradas na saúde dos países de alta renda, além de maiores recursos para pesquisa, esses acabam desenvolvendo mais estudos na área, como se observa nos artigos encontrados.

Outro fator relevante na presente revisão é que não foram encontrados estudos do continente americano, revelando um maior interesse de países europeus e asiáticos no desenvolvimento de estudos de avaliação das alterações no olfato, decorrentes da HSA aneurismática.

Considerando informações sobre a amostra e a faixa etária dos participantes, verifica-se que houve uma grande variação entre os artigos, com um mínimo de 1315 e máximo de 315 participantes14. Além de uma variação de idade de inclusão nos estudos de no mínimo 18 anos20 a um teto máximo de 91 anos14, mostrando heterogeneidade na realização das pesquisas. Acredita-se que tal variação esteja associada à seleção dos participantes, motivada também pela demanda de internações.

Outro aspecto que aponta para a definição da amostragem desses estudos é a incidência da HSA aneurismática, que mesmo sendo rara nas duas primeiras décadas de vida acomete uma larga faixa etária, aumentando a frequência até os 60 anos de idade23.

Observou-se também, nos artigos, que os tratamentos empregados para a HSA aneurismática foram diversificados. Essas informações mostram que os objetivos estabelecidos nos estudos foram modificados com a evolução das intervenções médicas, considerando o período de publicação, sendo que os primeiros artigos abordaram as craniotomias11 14 15 18 19 e os mais atuais se propuseram a analisar o olfato também na embolização12 13 14 17, que é uma técnica mais recente24.

Na avaliação do olfato foram utilizados desde testes padronizados e não padronizados a questionários subjetivos, como também associação entre os dois meios. Dos artigos, dois avaliaram a função olfatória por meio de questionários aplicados pessoalmente ou por telefone, aliados a escalas de impacto da alteração na qualidade de vida14 17.

Apesar de poder levantar informações importantes sobre a percepção funcional do paciente em relação ao olfato, os questionários empregados nesses estudos apresentam um caráter subjetivo e essa característica é potencializada pela maneira de aplicação dos mesmos. Além disso, a tradução dos resultados obtidos nesses instrumentos é feita de forma genérica, o que dificulta a reprodutividade dos achados.

No entanto, a importância dada à qualidade de vida, ligada ao déficit olfatório, é um aspecto positivo desses estudos, o que ressalta os efeitos causados pelo declínio funcional do olfato nessa população.

Em alguns artigos foram utilizadas inicialmente entrevistas para identificação dos pacientes com déficit olfatório, e posteriormente foram aplicados testes específicos11 13 15 19. Essa estratégia aparenta ser negativa, pois pode mascarar as alterações mais sutis na função olfatória, não reveladas nas entrevistas.

Outros estudos usaram como meios de investigação do estado da função olfatória o Sniffin' Sticks Test (versão coreana)11, University of Pennsylvania Smell Identification Test (UPSIT)12, Sniffin' Sticks Test (validado na europa)13, Sniffin' Sticks Test batery15, olfatometria modificada (utilizando vapor de álcool feniletílico saturado)18, uso de essência de baunilha19 e soluções de butanol20.

Foi possível verificar que 55,5% dos estudos utilizaram testes olfatórios padronizados11 12 13 15 18, em alguns casos com validação regional, revelando que a padronização do método é um critério que reforçou a escolha do tipo de teste de olfato nas pesquisas realizadas.

O teste olfatório mais utilizado foi o Sniffin' Sticks Test11 13 15, que se trata de uma bateria padronizada de avaliação do olfato, que usa canetas de feltro com odores distintos. Vale destacar que os resultados desse teste podem sofrer influências regionais. Diante disso, em dois artigos foram utilizadas versões desse teste validadas regionalmente11 13, o que sugere a existência de uma maior precisão nos resultados encontrados nesses estudos.

Em um dos artigos analisados foi utilizado o UPSIT12, que é um teste de olfato de grande aceitação, sendo também considerado o mais utilizado, principalmente por sua acurácia e praticidade na aplicação25 26. O UPSIT possui quatro livretos, cada um contendo dez estímulos olfatórios microencapsulados, que são liberados quando sua superfície é riscada. A marcação das respostas é realizada por meio de quatro alternativas de múltipla escolha, sendo três delas representadas por odores distrativos, e uma alternativa contendo a resposta correta correspondente ao odor cheirado.

Diante das características desse teste, as respostas também podem sofrer influências das regiões onde ele é aplicado, o que justifica as inúmeras validações feitas para países diferentes. Apesar disso, no estudo analisado12, não foi informado se houve adequação nesse sentido.

Com base nisso, observa-se a importância cada vez mais clara do ajuste regional ao qual os testes olfatórios padronizados devem ser submetidos para garantir a confiabilidade de seus resultados, o que foi visto em apenas dois estudos desta revisão11 13.

A olfatometria também foi descrita em um dos estudos analisados18, e por ter a capacidade de fornecer resultados quantitativos da olfação, surge como um meio relevante, que necessita de maior investigação para identificar melhor a efetividade de seu uso na avaliação dessa função.

O momento de aplicação da avaliação do olfato variou consideravelmente entre os artigos, de 72 horas após a hemorragia15 até 7,5 anos médios após a cirurgia14. Esse período variou dessa forma principalmente por causa dos métodos utilizados nos estudos, que apresentaram uma heterogeneidade acentuada. Dois dos estudos apresentaram caráter retrospectivo11 14, outro foi observacional transversal15, enquanto três não informaram ao certo o momento da aplicação da avaliação13 18 19.

Um percentual de 44,4% dos estudos avaliou os pacientes através de um modelo longitudinal de investigação11 12 15 17, o que pode refletir a necessidade de observar alterações olfatórias duradouras decorrentes da hemorragia e da intervenção cirúrgica.

Esse fato deve-se à recuperação do nervo olfatório após uma lesão, que pode ocorrer mesmo depois de cinco anos do trauma. Acredita-se que alterações permanentes são aquelas presentes após 35 meses ou mais18 20.

Em relação aos resultados dos estudos, em todos foram identificados sujeitos com algum déficit no olfato após a HSA ou depois do tratamento cirúrgico. Nos estudos em que o tratamento empregado nos participantes foi craniotomia, através de diferentes acessos, houve associação entre disfunção olfatória com o lado da operação e a manipulação anatômica de regiões adjacentes ao nervo olfatório, para acesso ao sítio hemorrágico11 18 19 20.

Foi sugerido pelos autores que o surgimento das alterações de olfato na microcirurgia esteja relacionado a lesões mecânicas causadas ao nervo olfatório, durante as retrações teciduais para exposição da artéria rompida19 20. É dito também que mesmo pressões mínimas na retração do lobo frontal podem levar a alterações temporárias ou permanentes no olfato.

Nos estudos em que houve comparação entre os tratamentos através de craniotomias e embolização, apesar de ter sido observada maior incidência de alteração olfatória nos pacientes tratados por microcirurgia, houve presença de déficit no olfato mesmo após a embolização endovascular12 13 14, o que foi visto também no estudo que se propôs a avaliar essa função unicamente após a embolização17.

Com base nisso, os autores comentam a existência de outros fatores que podem desencadear a alteração no olfato, além dos danos mecânicos diretos ao nervo olfatório durante a cirurgia. Esses seriam: contato entre o sangue extravasado, durante a hemorragia, e o nervo, aumento da pressão intracraniana no momento da ruptura do aneurisma, isquemias nas regiões corticais envolvidas com o processamento da informação olfatória, como também a ocorrência de vasoespasmo cerebral, que pode comprometer o fluxo sanguíneo nas estruturas relacionadas ao olfato12 14.

Os resultados dos estudos também demonstraram as diferenças no rastreio da alteração de olfato diante de avaliações subjetivas e testes propriamente ditos, nos quais se observa maior número de casos de alterações durante a aplicação dos testes, sejam eles padronizados ou não13 15 18. Essa diferença mostra a importância da preocupação com a seleção dos métodos de avaliação da função olfatória, em que alternativas subjetivas devem ser utilizadas como um complemento a avaliação, a fim de evitar resultados falso-negativos.

Considerando os resultados encontrados nos estudos analisados, verifica-se a necessidade de pesquisas que proponham avaliar a função olfatória antes e após o tratamento cirúrgico para HSA aneurismática, a fim de esclarecer melhor a influência tanto do extravasamento sanguíneo como da intervenção cirúrgica no desencadeamento de alterações na função olfatória. Além disso, é importante a utilização de recursos de investigação padronizados, para que as respostas sejam mais seguras e possibilitem uma maior reprodutividade dos achados.

CONCLUSÃO

A partir desta revisão foi possível verificar, na avaliação do olfato em pacientes vítimas de HSA, que os estudos utilizaram desde testes padronizados e não padronizados a meios subjetivos de rastreio da alteração, trazendo possivelmente menor precisão nos resultados obtidos devido à heterogeneidade metodológica. Além disso, o momento de aplicação das avaliações variou consideravelmente nos artigos vistos, o que implica em dificuldade na compreensão dos fatores desencadeantes das alterações olfatórias encontradas nessa doença.

Os estudos mostraram evidências da existência de déficit na função de olfato nesses pacientes, como também a relação entre o tratamento cirúrgico e o desencadeamento da disfunção olfatória. Apesar dessa constatação, os resultados dos artigos analisados não esclarecem de forma minuciosa o real prejuízo da hemorragia e da intervenção cirúrgica na gênese da alteração funcional.

REFERÊNCIAS

1. Pulsinelli WA. Doenças vasculares cerebrais - princípios. In: Goldman L, Bennett JC. Cecil: tratado de medicina interna. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2001. p. 2352-9.
2. Clinchot DM, Kaplan P, Murray DM, Pease WS. Cerebral aneurysms and arteriovenous malformations: implications for rehabilitation. Arch Phys Med Rehabil. 1994;75(12):1342-51.
3. Burgos RE, Diaz RC. Hemorragia subaracnoidea espontanea: diagnostico y tratamiento. Univ Med. 2002;43(4):260-5.
4. Machado FS, Akamine N. Hemorragia subaracnóidea. In: Knobel E. Terapia intensiva: neurologia. São Paulo: Atheneu; 2002. p. 123-36.
5. Mocco J, Komotar RJ, Lavine SD, Meyers PM, Connolly S, Solomon R. The natural history of unruptured intracranial aneurysms. Neurosurg Focus. 2004;17(5):E3.
6. Crowley RW, Medel R, Kassell NF, Dumont AS. New insights into the causes and therapy of cerebral vasospasm following subaracnoided hemorrhage. Drug Discov Today. 2008;13(5-6):254-60.
7. Griz MFL. Relação entre déficit da olfação e hemorragia subaracnoidea aneurismática antes e após tratamento [doutorado]. Recife: Universidade Federal de Pernambuco; 2014.
8. Moura RGF, Cunha DA, Gomes ACLG, Silva HJ. Instrumentos quantitativos para avaliação do olfato na população infantil: artigo de revisão. CoDAS. 2014;26(1):96-101.
9. Doty RL. Olfaction in Parkinson's disease and related disorders. Neurobiol Dis. 2012;46(3):527-52.
10. Maher CG, Sherrington C, Herbert RD, Moseley AM, Elkins M. Reliability of the PEDro scale for rating quality of randomized controlled trials. Phys Ther. 2003;83(8):713-21.
11. Park J, Lee SH, Kang DH, Kim JS. Olfactory dysfunction after ipsilateral and contralateral pterional approaches for cerebral aneurysms. Neurosurgery. 2009;65(4):727-32.
12. Martin GE, Junqué C, Juncadella M, Gabarrós A, de Miquel MA, Rubio F. Olfactory dysfunction after subarachnoid hemorrhage caused by ruptured aneurysms of the anterior communicating artery. Clinical article. J Neurosurg. 2009;111(5):958-62.
13. Moman MR, Verweij BH, Buwalda J, Rinkel GJ. Anosmia after endovascular and open surgical treatment of intracranial aneurysms. J Neurosurg. 2009;110(3):482-6.
14. Wermer MJ, Donswijk M, Greebe P, Verweij BH, Rinkel GJ. Anosmia after aneurysmal subarachnoid hemorrhage. Neurosurgery. 2007;61(5):918-22; discussion 922-3.
15. De Vries J, Menovsky T, Ingels K. Evaluation of olfactory nerve function after aneurysmal subarachnoid hemorrhage and clip occlusion. J Neurosurg. 2007;107(6):1126-9.
16. Hiroaki F, Nobuyuki Y, Edgar NV, Akifumi S. Anosmia after anterior communicating artery aneurysm surgery: comparison between the anterior interhemispheric ans basal interhemispheric approaches. 1995;38(2):325-28.
17. Bor AS, Niemansburg SL, Wermer MJ, Rinkel GJ. Anosmia after coiling of ruptured aneurysms: prevalence, prognosis, and risk factors. Stroke. 2009;40(6):2226-8.
18. Eriksen KD, Bøge-Rasmussen T, Kruse-Larsen C. Anosmia following operation for cerebral aneurysms in the anterior circulation. J Neurosurg. 1990;72(6):864-5.
19. Fujiwara H, Yasui N, Nathal-Vera E, Suzuki A. Anosmia after anterior communicating artery aneurysm surgery: comparison between the anterior interhemispheric and basal interhemispheric approaches. Neurosurgery. 1996;38(2):325-8.
20. Aydin IH, Kadioğlu HH, Tüzün Y, Kayaoğlu CR, Takçi E, Oztürk M. Postoperative anosmia after anterior communicating artery aneurysms surgery by the pterional approach. Minim Invasive Neurosurg. 1996;39(3):71-3.
21. Yasargil MG, Fox JL, Ray MW. The operative approach to aneurysms of the anterior communicating artery. In: Krayenbül H, editor. Advances and technical standards in neurosurgery. 2nd ed. Wien: Springer-Verlag; 1975. p. 114-70.
22. Krishnamurthi RV, Moran AE, Forouzanfar MH, Bennett DA, Mensah GA, Lawes CM, et al. The global burden of hemorrhagic stroke: a summary of findings from the GBD 2010 study. Glob Heart. 2014;9(1):101-6.
23. Inagawa T, Hirano A. Autopsy study of unruptured incidental intracranial aneurysms. Surg Neurol. 1990;34(6):361-5.
24. Conrad MD, Pelissou-Guyotat I, Morel C, Madarassy G, Schonauer C, Deruty R. Estudo comparativo entre aneurismas rotos tratados por cirurgia e por via endovascular. Arq Neuro-Psiquiatr. 2002;60(1):96-100.
25. Doty RL, Shaman P, Dann M. Development of the University of Pennsylvania Smell Identification Test: a standardized microencapsulated test of olfactory function. Physiol Behav. 1984;32(3):489-502.
26. Doy RL, Newhouse MG, Azzalina JD. Internal consistency and short-term test-retest reliability of the University of Pennsylvania Identification Smell Test. Chem Senses. 1985;10(3):297-300.