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Métodos de diagnóstico e tratamento da síndrome da dor regional complexa: uma revisão integrativa da literatura

Métodos de diagnóstico e tratamento da síndrome da dor regional complexa: uma revisão integrativa da literatura

Autores:

Sheila Bortagaray,
Thais Fadel Gonçalves Meulman,
Henrique Rossoni Junior,
Tiago Perinetto

ARTIGO ORIGINAL

BrJP

versão impressa ISSN 2595-0118versão On-line ISSN 2595-3192

BrJP vol.2 no.4 São Paulo out./dez. 2019 Epub 02-Dez-2019

http://dx.doi.org/10.5935/2595-0118.20190066

INTRODUÇÃO

A síndrome da dor regional complexa (SDRC), assim designada atualmente, é uma entidade que traz grande angústia, não só para o paciente pelo quadro álgico incapacitante como também para os profissionais de saúde. Estes, limitados em sua abordagem, uma vez que a fisiopatologia da SDRC não está totalmente esclarecida e tem-se grande dificuldade em obter resultados positivos no tratamento1.

Até o século passado, a SDRC era também denominada de causalgia. Em 1877, a causalgia foi descrita pela primeira vez como uma entidade crônica dolorosa, sem causa neurológica, acompanhada por alterações vasomotoras, até então inominada2. Muitas terminologias foram utilizadas para designá-la, como causalgia menor, desordem vasomotora pós-traumática, atrofia de Sudeck e síndrome ombro-mão. Sugeriu-se então, que todas as doenças dolorosas associadas a fenômenos vasomotores, habitualmente precedidas por trauma, devessem ser denominadas de “distrofia simpático reflexa”, na qual as seguintes características deveriam estar presentes: dor, alterações vasomotoras da pele, perda de função do membro e alterações tróficas em vários estágios3.

Contudo, as controvérsias sobre o diagnóstico continuaram a suscitar dúvidas. Em 1993, a Associação Internacional para o Estudo da Dor elaborou consenso onde foram definidos os critérios para o diagnóstico dessa doença4. Foi adotada a terminologia “Síndrome da dor regional complexa” ou “SDRC” para designar a condição dolorosa regional associada às alterações sensoriais decorrentes de um evento nóxico. Nesta, após o trauma, a dor é o sintoma principal, podendo estar associado à coloração anormal da pele, mudanças de temperatura do membro, atividade sudomotora anormal ou edema1.

No consenso, foram definidos dois tipos de SDRC: tipo I, anteriormente chamada de “distrofia simpático reflexa”, sucede a uma doença ou lesão que não afetou diretamente os nervos no membro afetado; e tipo II, outrora denominada de “causalgia”. A SDRC tipo II diferencia-se da do tipo I pela existência de uma lesão nervosa real, em que a dor não se limita ao território de inervação do nervo lesado. Aproximadamente 90% das pessoas com SDRC sofrem do tipo I5.

Portadores da SDRC desenvolvem quadro álgico intenso, associado a edema, instabilidade vasomotora, rigidez articular, lesões cutâneas e atrofia óssea aguda. Frequentemente, somam-se ao quadro de alodínia e hiperalgesia, alterações do fluxo sanguíneo e da sudorese regionais; fenômenos discrásicos; mudanças de padrão de movimentação ativa dos segmentos acometidos, incluindo a acentuação do tremor fisiológico; alterações tróficas do tegumento, da musculatura e do tecido celular subcutâneo e da incapacidade funcional do segmento acometido6.

Essa condição, mais frequentemente descrita em sequência a traumatismo agudo, cirurgia ou imobilização de um membro, particularmente após evidente lesão de nervo periférico (causalgia), também é reconhecida em associação a condições clínicas como neuropatia diabética, esclerose múltipla, acidente vascular cerebral e infarto agudo do miocárdio (distrofia simpático-reflexa) e é importante causa de incapacidade. Sua associação às lesões por esforços repetitivos (LER) e distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT) é mais recente e ainda pouco explorada7. Vale salientar que a SDRC pode migrar para outra parte do corpo, como por exemplo, para o pé ou braço oposto e o estresse emocional costuma agravar essa dor. Em algumas pessoas os sinais e sintomas da SDCR desaparecem, enquanto em outras podem continuar por meses até anos4.

No entanto, o diagnóstico e o tratamento da SDRC são complexos e provavelmente por essa razão, não há muitos estudos sobre essas condições, evidenciando uma lacuna na literatura científica7,8. Considerando a importância de se conhecer os métodos de diagnóstico e tipos de tratamento desta condição clínica, este estudo teve como objetivo identificar e analisar os métodos de diagnóstico e tratamento da SDRC.

CONTEÚDO

Trata-se de estudo de revisão integrativa da literatura científica desenvolvido conforme a proposição de duas autoras americanas9. Para tanto, esta pesquisa foi realizada com a finalidade de obter respostas ao seguinte questionamento: como a literatura científica conceitua e aborda os métodos de diagnóstico e tipo de tratamento da SDRC no cenário nacional e internacional?

Foram incluídos estudos quantitativos ou qualitativos e casos clínicos ou relatos de casos que analisavam ou propunham uma teoria e/ou uma metodologia de diagnóstico e tratamento da SDRC. Foram excluídos os estudos primários que utilizavam revisão integrativa da literatura como metodologia para embasar o diagnóstico e tratamento da SDRC, no entanto estes estudos foram utilizados para fundamentar os resultados. Não foram estabelecidos limites quanto à data de publicação ou ao idioma dos estudos primários.

Na estratégia de busca, utilizaram-se bases de dados eletrônicas, como LILACS, Science Direct, SCOPUS, Web of Sciences, Pubmed, que engloba o Medline, a biblioteca digital Scientific Electronic Library Online (Scielo) e o buscador acadêmico (Google Scholar). Assim, além das bases de dados de publicações científicas indexadas, explorou-se a literatura cinzenta, que veicula literatura não publicada como documentos técnicos. Buscou-se complementar o levantamento com busca manual nas citações dos estudos primários identificados. Optou-se por utilizar o formulário avançado com os seguintes descritores em suas versões em inglês ou português para verificar o título, o resumo ou o assunto, a depender da base de dados: “síndrome da dor regional complexa”, “dor”, “dor crônica”, “diagnóstico” e “tratamento”. Os operadores booleanos adotados nas estratégias foram “and” e “or”. A busca foi realizada em abril de 2018.

Após a identificação, realizou-se a seleção dos estudos primários, de acordo com a questão norteadora e os critérios de inclusão previamente definidos. Todos os estudos identificados por meio da estratégia de busca foram inicialmente avaliados por meio da análise dos títulos e resumos. Nos casos em que os títulos e os resumos não se mostraram suficientes para definir a seleção inicial, procedeu-se à leitura na íntegra da publicação. Portanto, retirou-se da amostra os itens que não correspondiam à pesquisa científica ou estivessem duplicados nos diferentes grupos de palavras-chaves pesquisados e nos diferentes bancos de dados, bem como teses, dissertações e monografias. A figura 1 apresenta o fluxograma de seleção dos artigos.

Fonte: Dados da pesquisa, 2018.

Figura 1 Fluxograma de seleção dos artigos para revisão integrativa da literatura. Maringá-PR, abril, 2018 

Após leitura exaustiva do material selecionado e análise crítica dos dados, as informações capturadas foram disponibilizadas em um quadro estruturado para apreensão dos resultados e discutidos de acordo com o diagnóstico e tratamento proposto na literatura científica.

Durante a busca nas bases de dados eletrônicas, portal, bibliotecas digitais e no buscador acadêmico, foram identificadas 416 referências. Seis referências foram identificadas por meio da busca manual nas citações dos estudos primários. Após exclusão inicial das referências duplicadas, monografias, dissertações, teses, títulos e resumos que não se aplicavam à temática, 92 artigos foram analisados para elegibilidade. No entanto, 81 foram excluídos após a leitura e fichamento do artigo na íntegra por não abordar o diagnóstico e o tratamento da SDRC, ou por ser revisão de literatura.

Então, 11 artigos foram selecionados para o presente estudo. Como literatura cinzenta, utilizou as diretrizes propostas pela Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor10. Para melhor visualização dos resultados, foi elaborada a tabela 1.

Tabela 1 Estudos selecionados. Maringá-PR, abril, 2018 

Autores Objetivos Tipos de estudos
Lauretti, Veloso e Mattos6 Relatar dois casos de SDRC em que a aplicação de toxina botulínica A como fármaco coadjuvante contribuiu na recuperação funcional motora do membro acometido. Relato de casos
Azambuja et al.7 Identificar e caracterizar clinicamente, em uma série de casos de LER e DORT, portadores de SFM e SDRC. Série de casos
Artioli et al.8 Descrever os resultados obtidos com o tratamento fisioterapêutico isoladamente em uma paciente. Relato de caso
Vas e Pai11 Descrever os resultados observacionais de dados de ultrassonografia de músculos e membros acometidos com dor neuropática em 7 pacientes e comparar com músculos afetados com SDRC tipo I em 7 pacientes. Relato de caso
Bullen, Lang e Tran12 Determinar prospectivamente a incidência de SDRC após fraturas de pé e tornozelo. Estudo prospectivo de coorte independente
Salazar13 Avaliar a efetividade do bloqueio simpático do gânglio estrelado no tratamento da SDRC do tipo I das extremidades superiores. Estudo descritivo
Hayashi et al.14 Relatar o caso de uma jovem portadora de SDRC tipo I, submetida à reabilitação facilitada por bloqueio peridural contínuo. Relato de caso
Christophe et al.15 Descrever um relato de caso abrangente e quantitativo demonstrando que: (1) nem todos os pacientes com SDRC crônica exibem diminuição da atenção espacial para o lado afetado e (2) pacientes podem realmente apresentar uma tendência de atenção substancial, ampla e confiável para o lado doloroso, semelhante à negligência espacial pelo lado saudável. Relato de caso
Alkosha e Elkiran16 Determinar os fatores preditores do resultado a longo prazo da simpatectomia em pacientes com SDRC de membro superior tipo II. Coorte retrospectiva
Albayrak et al.17 Apresentar 2 casos que sofreram de SDRC tipo I após acidente vascular cerebral e foram tratados com sucesso com a aplicação de radiofrequência pulsada para os gânglios da raiz dorsal. Série de casos
Kim, Cho e Lee18 Investigar os efeitos do tratamento com cetamina frequente a longo prazo na função cognitiva em pacientes com SDRC. Caso-controle

LER = lesão por esforços repetitivos; DORT = distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho; SMF = síndrome fibromiálgica; SDRC = síndrome da dor regional complexa. Fonte: Dados da pesquisa, 2018.

Em relação à análise no ano de publicação, notou-se que os estudos foram publicados a partir de 2004 sendo a maioria (7-63,6%) publicado em 2016. Os três artigos mais antigos, publicados nos anos de 2004, 2005 e 2011 são no idioma português e publicados em periódicos brasileiros. Os demais artigos publicados a partir de 2015 são todos internacionais, publicados no idioma inglês ou espanhol. O idioma predominante dos artigos foi o inglês, com sete referências (63,6%).

De acordo com o tipo de estudo, foi possível observar que quase metade dos artigos são relatos de casos (5-45,5%) e dois (18,2%) são série de casos. Foram encontrados quatro (36,3%) estudos quantitativos com delineamento do tipo descritivo, caso-controle, coorte retrospectiva e prospectiva.

De modo geral, os artigos apresentam a fisiopatologia da doença, os métodos de diagnóstico e métodos de tratamento da SDRC. Os principais resultados e conclusões dos artigos selecionados para o estudo foram discutidos na sequência, em duas categorias temáticas, enfatizando as divergências e consonâncias encontradas na literatura científica: 1) diagnóstico da síndrome da dor regional complexa; e 2) tratamento da SDRC.

DIAGNÓSTICO DA SÍNDROME DA DOR REGIONAL COMPLEXA

Neste estudo observou-se em todos os artigos selecionados para o estudo e em outras revisões da literatura1,5 utilizadas para embasar a discussão, que a dor é o sintoma dominante da SDRC e o trauma é a principal etiologia da síndrome. O trauma envolve entorses, fraturas, luxações, lacerações, contusões e distensões, além de imobilização prolongada, gesso apertado e traumas cirúrgicos8,15. As fraturas são eventos de incitamento mais comuns para a SDRC, acometendo os membros superiores afetados duas vezes mais que os membros inferiores.

Essa doença já foi classificada de diferentes formas, atualmente divide-se em três estágios: aguda, que ocorre nos primeiros dias após a lesão até três meses; distrófica, de três a seis meses depois do seu início; atrófica, de seis meses até aproximadamente um ano a partir do evento causal8. Acredita-se que a prevenção e o diagnóstico precoce são importantes para diminuir o desenvolvimento da doença12. No entanto, os sinais e sintomas são ignorados, causando retardo no diagnóstico final e no início precoce do tratamento.

Bullen, Lang e Tran12 apresentaram os critérios de diagnóstico codificados pela Associação Internacional para o Estudo da Dor10 que foram atualizados em Budapeste em 2007 e desde então validados estatisticamente em populações com SDRC. Para esses autores10,12, o diagnóstico clínico deve ser baseado nos seguintes critérios:

  • 1. Dores contínuas que são desproporcionais a qualquer evento instigante;

  • 2. Relato de pelo menos um sintoma em três das quatro categorias seguintes:

    • 2.1 Sensorial: relatos de hiperestesia e/ou alodínia;

    • 2.2 Vasomotor: relatos de assimetria de temperatura e/ou alterações na cor da pele e/ou assimetria da cor da pele;

    • 2.3 Sudomotor/edema: relatos de edema e/ou sudorese e/ou assimetria da sudorese;

    • 2.4. Motor/trófico: relatos de diminuição da amplitude de movimento e/ou disfunção motora (fraqueza, tremor, distonia) e/ou alterações tróficas (cabelo, unha, pele).

  • 3. Deve exibir pelo menos um sinal no momento da avaliação em duas ou mais das seguintes categorias:

    • 3.1 Sensorial: evidência de hiperalgesia (picada) e/ou alodínia (sensação de toque leve e/ou temperatura e/ou pressão somática profunda e/ou movimento articular);

    • 3.2 Vasomotor: evidência de assimetria de temperatura (>1°C) e/ou alterações da cor da pele e/ou assimetria;

    • 3.3 Sudomotor/edema: evidência de alterações do edema e/ou sudorese e/ou assimetria da sudorese;

    • 3.4 Motor/trófico: evidência de diminuição da amplitude de movimento e/ou disfunção motora (fraqueza, tremor, distonia) e/ou alterações tróficas (cabelo, unha, pele).

  • 4. Não há outro diagnóstico que explique melhor os sinais e sintomas.

De acordo com os autores12,19, os critérios atualizados em Budapeste demonstraram melhorar a especificidade e a sensibilidade do diagnóstico da SDRC e são os únicos critérios padronizados, reconhecidos internacionalmente e validados para o diagnóstico da SDRC.

Azambuja et al.7 coadunam com os demais autores e enfatizam que o diagnóstico tem base eminentemente clínica e sua principal manifestação é a dor regional, não havendo hoje exames “objetivos” com sensibilidade e especificidade suficiente para serem utilizados rotineiramente, propondo, então, os seguintes critérios para diagnóstico positivo de SDRC7:

  • 1. Dor regional difusa excruciante;

  • 2. Pelo menos dois dos sinais e sintomas a seguir:

    • 2.1 Diferença na cor da pele relativa ao outro membro;

    • 2.2 Edema;

    • 2.3 Diferença de temperatura na pele, relativa ao outro membro;

    • 2.4 Limitação na amplitude do movimento ativo.

  • 3. Adicionalmente: ocorrência ou exacerbação dos sinais/sintomas descritos.

Apesar desses critérios, o diagnóstico da SDRC apresenta várias controvérsias. Deve ser lembrado das dificuldades em estabelecer o diagnóstico, pois não há indicadores de imagem ou marcadores séricos precisos8, sendo esse um dos elementos mais importantes a serem levados em consideração. A classificação clínica é baseada em melhor compreensão da fisiopatologia dessa entidade, que coexistem fatores dependentes como alterações dos sistemas nervosos periférico e central, o sistema endócrino e fatores psicológicos, ambientais e situacionais13. No entanto, a perícia de um especialista deve ser de excelência para fazer o diagnóstico correto. Mas, o critério de maior peso é dado pela ausência de outro diagnóstico que melhor explique os sintomas e sinais.

Em revisão da literatura1, os autores constataram que, embora o diagnóstico da SDCR seja clínico, podem ser solicitados exames subsidiários que auxiliem tanto na confirmação como na sua exclusão. Exame radiológico simples pode identificar diminuição da calcificação óssea, apesar dessa alteração não ser específica para SDRC, pois a desmineralização óssea pode ser causada pelo desuso do membro. A eletroneuromiografia indica lesão de nervo nos casos de SDCR tipo II, porém, não se mostra útil no controle evolutivo da doença. Outros exames laboratoriais de imagem podem ser realizados: a termografia determina a diferença de temperatura entre o membro afetado e o normal e a pletismografia evidencia as diferenças de perfusão entre os membros. Provas terapêuticas são úteis para auxiliar no diagnóstico pela resposta a uma determinada substância1.

Para os autores Vas e Pai11, a ultrassonografia muscular (USM) é uma importante modalidade de investigação, utilizada para identificar lesões estruturais do sistema miofascial. Os autores realizaram estudos de casos, onde a USM em pacientes com SDCR tipo I mostrou perda de arquitetura muscular e do volume nos músculos do antebraço, particularmente nos extensores da mão. A característica marcante dos achados foi a proliferação intramuscular de fitas fibrosas, dando uma aparência de hiperecogenicidade em comparação com o membro normal, indicando perda de mioarquitetura. Essas alterações foram vistas em músculos que causavam dificuldade em iniciar e sustentar movimentos (geralmente flexor superficial e profundo dos dedos, mas também nos outros músculos flexores, como o flexor radial do carpo, o palmar longo e o pronador redondo). Edema muscular foi visualizado em um paciente com atrofia muscular. No entanto, a perda acentuada de mioarquitetura na SDCR poderia explicar a gravidade dos sintomas motores nessa condição.

Ainda, encontrou-se na literatura que diversos fármacos são utilizados para diagnóstico da SDRC, como a guanetidina, a fentolamina e a lidocaína, por variadas técnicas tais como, infusões venosas simples e bloqueios regionais. Esses testes são utilizados para comprovar se o sistema nervoso simpático está envolvido na gênese da dor e nos sinais e sintomas da SDRC, portanto, auxiliam na elaboração do diagnóstico como também orientam a terapêutica adequada e efetiva1.

Vale salientar que nenhum exame foi considerado “padrão ouro” para o diagnóstico, apesar de terem sido descritos vários testes clínicos, radiográficos e eletrodiagnósticos. Contudo, a partir da análise desses artigos, a base do diagnóstico desta síndrome permanece clínica. A identificação e o tratamento precoces são importantes na prevenção da progressão da SDRC e parecem mais eficazes quando instituídos precocemente na doença. Estudos prospectivos maiores, utilizando critérios validados, são necessários para orientar o manuseio clínico da SDRC e contribuiriam para um consenso em relação a um padrão ouro para o diagnóstico da SDRC.

TRATAMENTO DA SÍNDROME DA DOR REGIONAL COMPLEXA

Por ser uma doença complexa, de difícil diagnóstico, com inúmeras propostas terapêuticas e às suas variadas respostas, não existe um protocolo padrão para o tratamento da SDCR. Torna-se necessário, em muitos casos, realizar associações de técnicas para um bom resultado. Nesse sentido, acredita-se que o acompanhamento do paciente deva ser multidisciplinar e multiprofissional devido aos vários componentes envolvidos na doença. Logo, a avaliação psicológica e o tratamento de seus distúrbios, quando presentes, garantem melhor adesão do paciente ao tratamento instituído.

De modo geral, a literatura estudada aponta que o tratamento inicial é baseado em analgesia e em intensiva e cuidadosa fisioterapia para evitar a exacerbação da dor. Na segunda linha de tratamento está o uso de analgésicos de ação central, anestesia regional, bloqueio simpático, dessensibilização de nervos periféricos, entre outros. As terapias farmacológicas são variadas. Além disso, associam-se antidepressivos tricíclicos, gabapentina, opioides e capsaicina tópica. Em casos refratários, pode-se recorrer à cirurgia, mas seu uso é bastante restrito20. Os principais métodos de tratamento da SDRC identificados neste estudo serão detalhados a seguir:

Bloqueio do gânglio estrelado

O gânglio estrelado é um grupo de nervos na região do pescoço. Um estudo descritivo13 com 229 pacientes com SDRC tipo I em membros superiores realizou o bloqueio do gânglio estrelado, de acordo com a técnica de Herget modificada por Nolte21. Para isso, utilizou lidocaína a 1% para a pápula cutânea e bupivacaína a 0,25%, duas vezes por semana. Uma vez realizado o tratamento, os pacientes permaneceram pelo menos 1h na sala de recuperação pós-anestésica. Todos os pacientes foram treinados para realizar fisioterapia em suas casas. Ao final do tratamento, foi encontrada alta eficácia no alívio dos sintomas, embora 17,9% dos pacientes retornassem sem encontrar um alívio definitivo para sua doença. Nesse sentido, o autor13 propõe que uma diminuição de 50% na dor por meio do bloqueio do gânglio estrelado deva ser considerada como um tratamento satisfatório.

Toxina botulínica A

Os relatos na literatura do uso de toxina botulínica como coadjuvante na reabilitação funcional são iniciais, porém encorajadores. Lauretti, Veloso e Mattos6 utilizaram a toxina botulínica em duas pacientes portadoras de SDRC tipo I, simultaneamente, durante a realização do terceiro bloqueio do gânglio estrelado. Foi administrada equitativamente por via muscular o total de 75 UI de toxina botulínica nos músculos flexores das falanges e da articulação do punho acometido de cada paciente. Uma semana após a aplicação da toxina botulínica A, as pacientes apresentavam relaxamento das falanges e punho, relatavam facilidade para execução da fisioterapia passiva e a dor foi classificada como 2, de acordo com a escala analógica visual (EAV) para dor à manipulação passiva. Depois de oito meses de avaliação, as pacientes apresentaram 70 e 80% de recuperação motora e funcional do membro acometido. As pacientes permaneceram durante todo o período sob fisioterapia passiva inicialmente, e ativa posteriormente e puderam se integralizar novamente em seus trabalhos de rotina.

Cetamina

A SDRC muitas vezes não responde ao tratamento farmacêutico tradicional e, portanto, é um desafio para os profissionais de saúde. Recentemente, a cetamina, um fármaco anestésico não barbitúrico, foi introduzida como nova intervenção terapêutica para o alívio da dor, demonstrando redução acentuada na dor e melhora da função cognitiva após o tratamento de curto prazo em pacientes com SDRC. As vantagens de usar a cetamina incluem um início de ação rápida, breves efeitos depressores cardiorrespiratórios e um efeito benigno no tônus ​​muscular e nos reflexos protetores das vias aéreas. Entretanto, dadas as características da SDCR que envolvem dor crônica, seu uso prolongado pode ser prejudicial. Autores18, demonstraram que o uso repetitivo de cetamina fornece efeitos analgésicos na SDRC, mas seu uso frequente ou repetitivo por longos períodos pode causar prejuízo na função cognitiva. Esse comprometimento pode ocorrer pois a cetamina é um antagonista não competitivo do receptor N-metil-D-aspartato glutamatérgico, e seu uso repetitivo tem sido associado à redução da função do sistema dopaminérgico pré-frontal, que desempenha papel importante na função cognitiva. Diante desses fatores, o tratamento frequente com cetamina em longo prazo pode prejudicar a função cognitiva de pacientes com SDCR, alterando a função dopaminérgica no córtex pré-frontal.

Anestesia peridural

É usada para promover a reabilitação em pacientes com SDRC que não podem suportar programas físicos devido à dor intensa. Autores14 relataram o caso de uma jovem de 15 anos de idade com diagnóstico de SDRC tipo I que foi submetida a um programa de reabilitação sob a facilitação de bloqueio peridural com ropivacaína a 0,15%. Seu programa de reabilitação incluiu fisioterapia e terapia comportamental cognitiva. A intensidade do exercício foi gradualmente aumentada sem exacerbação de seus sintomas. Por fim, ela se recuperou completamente após bloqueio peridural contínuo por 21 dias e reabilitação por 80 dias. No entanto, os autores concluíram que houve uma combinação de bloqueio peridural contínuo e reabilitação intensiva e que essa associação melhorou os sintomas da paciente.

Tratamento fisioterapêutico

A fisioterapia, antes utilizada em fases mais tardias, tem seu espaço e importância aumentados na atualidade14. Autores8 referem que quando o tratamento fisioterapêutico é mencionado, ele está associado à outra forma de tratamento. Diante disso, analisaram os resultados obtidos com o tratamento unicamente fisioterapêutico, em paciente com SDRC tipo I no estágio agudo. A paciente realizou oito semanas de tratamento, com aproximadamente 40 minutos cada sessão, totalizando 13 sessões de fisioterapia, com sua reavaliação na última sessão. Para avaliar os efeitos do tratamento fisioterapêutico na SDRC, solicitou-se não ministrar nenhuma outra forma de tratamento farmacológico ou de qualquer outra natureza, apenas acompanhamento das condições da SDRC I. Dos quesitos analisados, os que apresentaram importante melhora foram: (1) coloração da pele; (2) diminuição do edema; (3) melhora no controle neuromuscular. Os resultados obtidos no presente estudo, apesar de ser a reabilitação de apenas um indivíduo, sugerem que o tratamento fisioterapêutico unicamente pode contribuir para a melhora dessa síndrome.

Simpatectomia

Uma das modalidades de tratamento mais eficaz e popular para a SDRC tipo II é a simpatectomia16. No entanto, dois tipos de dor associada à SDRC tipo II devem ser considerados antes da simpatectomia: dor simpaticamente mantida e independente, dependendo se a dor responde ou não ao bloqueio do gânglio estrelado no pré-operatório. Embora a simpatectomia seja considerada o tratamento de escolha para pacientes com o primeiro tipo de dor, ela é considerada ineficaz no último. Em estudo17 desenvolvido com 53 pacientes, idade média de 47±7 anos e 60% mulheres, incluídos de acordo com os critérios de Budapeste19, a simpatectomia provou ser um instrumento cirúrgico eficaz nessa população específica de pacientes.

Radiofrequência pulsátil

É uma modalidade terapêutica que vem sendo usada há anos para doenças associadas à dor neuropática. Recentemente, a aplicação de radiofrequência pulsada nos gânglios da raiz dorsal, tem sido utilizada de forma eficaz para produzir alívio da dor a longo prazo para modalidades de dor neuropática. Um estudo17 apresentou dois casos de pacientes que sofreram de SDRC tipo I após acidente vascular cerebral e foram tratados com sucesso com a aplicação de corrente de radiofrequência pulsátil em gânglios cervicais. Os dois casos sugerem que a radiofrequência pulsátil é uma opção que deve ser considerada para o tratamento de pacientes com SDRC tipo I resistentes à terapia. Ainda, a radiofrequência pulsátil é um tratamento alternativo mais seguro devido à sua natureza um pouco menos invasiva, sendo a lesão produzida pela corrente de radiofrequência pulsátil controlável e limitada.

CONCLUSÃO

Houve consonância na literatura científica quanto ao diagnóstico e a variedade dos métodos de tratamento da SDRC. Encontrou-se que a base do diagnóstico desta síndrome permanece clínica e não se tem um “padrão ouro” para conduzir o diagnóstico, pois não há indicadores de imagem ou marcadores séricos precisos. Acredita-se, atualmente, que o acompanhamento do paciente deva ser multidisciplinar e multiprofissional devido aos vários componentes envolvidos na doença. Logo, a avaliação psicológica e tratamento de seus distúrbios, quando presentes, garantem uma melhor adesão do paciente ao tratamento instituído. No entanto, a identificação clínica e o tratamento precoces são importantes na prevenção da progressão da SDRC e parecem mais eficazes quando instituídos precocemente.

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