versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.46 no.2 São Paulo 2020 Epub 11-Maio-2020
http://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20190184
A incidência de infecções por micobactérias não tuberculosas (MNT) tem aumentado em todo o mundo, atraindo atenção em contextos diagnósticos de rotina, principalmente em pacientes com suspeita de tuberculose. Reconhecidas como patógenos primários em seres humanos, as MNT são as principais causas de infecções oportunistas em pessoas com HIV.1 As infecções por MNT ocorrem frequentemente no trato respiratório e podem progredir para doença pulmonar grave, aumentando assim a morbidade e mortalidade.2
Entre as espécies de MNT mais importantes e frequentemente isoladas estão membros do Mycobacterium avium complex (MAC, complexo Mycobacterium avium), particularmente M. avium e M. intracellulare, seguidas por M. abscessus.3 Em virtude da onipresença do MAC no ambiente, supõe-se que a exposição a condições ambientais seja a forma mais comum de transmissão dessas MNT para o hospedeiro, embora seja um grande desafio provar a transmissão por fonte ambiental ou a transmissão direta de paciente para paciente. No entanto, aventou-se a possibilidade de transmissão de M. abscessus de paciente para paciente4 e, em um estudo recente, nematoides foram usados para determinar se M. avium poderia ser transmitida de hospedeiro para hospedeiro.5 Os resultados do estudo sugeriram que é possível adquirir M. avium tanto de uma fonte viva - um paciente infectado que tenha uma doença pulmonar crônica, por exemplo - como do ambiente externo.
A distribuição das espécies de MNT que causam infecções varia de acordo com a região geográfica. Portanto, é mais desafiador definir a epidemiologia de infecções causadas por MNT em países em desenvolvimento do que a da tuberculose, porque, diferentemente do que acontece com a tuberculose, não é obrigatória a notificação de casos de infecção por MNT.3,6 Para obter dados epidemiológicos confiáveis e prescrever a terapia adequada, é importante identificar com precisão a MNT responsável. A identificação de bacilos álcool-ácido resistentes ou uma cultura positiva não permitem que se diferenciem as espécies micobacterianas.7,8
A American Thoracic Society divulgou critérios diagnósticos para auxiliar no diagnóstico de doenças causadas por MNT.7 São necessários dados clínicos, radiográficos e (principalmente) microbiológicos; devem ser coletados três ou mais espécimes de escarro para microscopia e cultura ou espécimes broncoscópicos. Embora o diagnóstico de doença causada por MNT baseie-se no isolamento dos organismos em cultura de espécimes diagnósticos, o simples isolamento de uma MNT não significa que a doença esteja presente. Existem pelo menos três fatores que podem ajudar os clínicos a diferenciar doença de colonização9: a carga bacteriana, as espécies isoladas e a presença ou ausência de progressão clínica ou radiográfica.
Embora a identificação de espécies possa ser realizada por métodos bioquímicos, essa abordagem é trabalhosa e sua reprodutibilidade é ruim. Técnicas moleculares, tais como sequenciamento completo do genoma, análise de fragmentos de restrição por PCR, hibridização com sonda em linha e sequenciamento de fragmentos dos genes hsp65 e rpoB, têm sido amplamente usadas e têm clara vantagem sobre os métodos fenotípicos.10,11
Além da identificação das espécies envolvidas no processo infeccioso, as ferramentas de biologia molecular permitem a genotipagem e diferenciação de isolados da mesma espécie, permitindo assim o estabelecimento de vínculos epidemiológicos. O uso de RFLP com a sequência de inserção (IS, do inglês insertion sequence) 1245 como alvo, que é considerado o método padrão ouro para a genotipagem de cepas de M. avium, foi modificado pela introdução do método mycobacterial interspersed repetitive unit-variable-number tandem-repeat (MIRU-VNTR), cujo poder discriminatório é semelhante ao da análise de RFLP com IS1245. As principais vantagens do método MIRU-VNTR são sua simplicidade, resultados rápidos e reprodutibilidade.12,13
Os principais objetivos deste estudo foram determinar a prevalência de MNT em pacientes com suspeita de tuberculose e culturas positivas e avaliar a diversidade clonal de M. avium.
Trata-se de um estudo transversal retrospectivo no qual foram analisadas amostras pulmonares e extrapulmonares provenientes de 1.248 pacientes com suspeita de tuberculose no Hospital Universitário Dr. Miguel Riet Corrêa Junior, em Rio Grande (RS). As amostras foram recebidas no Laboratório de Micobactérias da Universidade Federal do Rio Grande entre janeiro de 2014 e dezembro de 2016. As informações referentes às características dos pacientes foram extraídas dos prontuários médicos e do banco de dados do Laboratório de Micobactérias. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande (número de referência: 47/2017).
Para PCR, sequenciamento e genotipagem, foi usado DNA extraído de amostras com resultado positivo em cultura líquida em um sistema automatizado (BACTEC Mycobacteria Growth Indicator Tube; Becton Dickinson, Sparks, MD, EUA). As amostras que não foram identificadas como M. tuberculosis por PCR com IS6110 foram submetidas a PCR para detecção de fragmentos dos genes hsp65 e rpoB. As amostras com resultado positivo para ambos os genes foram sequenciadas para que se identificassem as espécies micobacterianas. Em seguida, todas as cepas identificadas como M. avium foram genotipadas pelo método MIRU-VNTR com oito loci (Figura 1).
Para a extração do DNA, colônias de micobactérias cultivadas em meio líquido foram ressuspensas em Tris-EDTA 1× e incubadas durante 30 min a 80°C para a inativação das bactérias. Em seguida, o DNA foi extraído pelo método do brometo de cetiltrimetilamônio/NaCl, como o descreveram van Soolingen et al.14
Um fragmento do gene hsp65 foi detectado por meio dos iniciadores TB11 (5′-ACCAACGATGGTGTGTCAT-3′) e TB12 (5′-CTTGTCGAACCGCATACCCT-3′), que amplificam um fragmento de 441 pb. Para a detecção do fragmento do gene hsp65, a PCR foi realizada como a descreveram Telenti et al.15 Além disso, um fragmento do gene rpoB foi detectado por meio dos iniciadores MycoF (5′-GGCAAGGTCACCCCGAAGGG-3′) e MycoR (5′-AGCGGCTGCTGGGTGATCATC-3′), que amplificam um fragmento de 764 pb. Para a detecção do fragmento do gene rpoB, a PCR foi realizada como a descreveram Adekambi et al.16
O sequenciamento foi realizado em um sequenciador automático (ABI 3500 Genetic Analyzer; Applied Biosystems, Foster City, CA, EUA). Os produtos da PCR foram marcados com 5 pmol do iniciador TB11 (5′-ACCAACGATGGTGTGTCAT-3′, para o gene hsp65) ou com 5 pmol do iniciador MycoF (5′-GGCAAGGTCACCCCGAAGGG0-3′, para o gene rpoB), juntamente com 1 µL de reagente (BigDye Terminator v3.1 Cycle Sequencing Kit; Applied Biosystems), para 4,5 µL de produto de PCR purificado em um volume final de 10 µL. As reações de marcação foram realizadas em um termociclador de 96 poços (Veriti; Applied Biosystems) com desnaturação a 96°C por 1 min e, em seguida, 35 ciclos a 96°C por 15 s, 50°C por 15 s e 60°C por 4 min. Após a marcação, as amostras foram purificadas por precipitação com etanol/EDTA e analisadas no sequenciador automático. As sequências obtidas foram analisadas por meio do programa Chromas, versão 2.6 (Technelysium, Southport, Austrália), e as sequências foram alinhadas por meio da Basic Local Alignment Search Tool no site do National Center for Biotechnology Information (http://blast.ncbi.nlm.nih.gov).
O método MIRU-VNTR foi realizado com os iniciadores descritos por Thibault et al.12 e oito loci. A PCR foi realizada conforme descrito no banco de dados MAC-INMV (http://mac-inmv.tours.inra.fr). Os tamanhos dos fragmentos foram determinados pelo número de repetições em tandem em cada lócus. Os produtos da PCR foram visualizados por meio de eletroforese em gel de agarose a 3%, com coloração com 0,001 mg/mL de brometo de etídio e visualização da fluorescência na luz UV. Escadas de DNA de 50 pb e 100 pb (Ludwig Biotec, Alvorada, Brasil) foram usadas para definir o tamanho dos produtos da PCR.
A diversidade alélica de cada lócus de MIRU-VNTR foi calculada pela seguinte equação:
em que h é a heterozigosidade no lócus, xi é a frequência alélica no lócus e n é o número de cepas. De acordo com h, o poder discriminatório dos loci foi classificado em alto (h > 0,6), moderado (h ≤ 0,6) e baixo (h < 0,3).17
Dos 1.248 pacientes com suspeita de tuberculose, 332 apresentaram culturas positivas para micobactérias. Destes, 25 (7,5%) estavam infectados por MNT. Desses 25 pacientes, 20 (80%) haviam sido submetidos ao teste de HIV e 13 (52%) eram HIV positivos. Além disso, 18 (72%) eram homens, ao passo que apenas 7 (28%) eram mulheres. A mediana de idade foi de 46 anos (variação: 26-78 anos).
As espécies de MNT foram identificadas como M. avium em 18 (72%) dos 25 pacientes, como M. abscessus em 5 (20%), como M. gastri em 1 (4%) e como M. kansasii em 1 (4%). Dos 18 pacientes infectados por M. avium, 10 (55,5%) eram HIV positivos, 5 (20,0%) eram HIV negativos e 3 (16,7%) apresentavam sorologia desconhecida. Como se pode observar na Tabela 1, 23 (92%) das amostras nas quais foram identificadas espécies de MNT eram de origem pulmonar (escarro, lavado broncoalveolar ou aspirado traqueal).
Tabela 1 Características dos pacientes infectados por micobactérias não tuberculosas.
Paciente | Idade | Sexo | Sorologia para HIV | Contagem de CD4 | Espécime clínico | Resultado do sequenciamento |
---|---|---|---|---|---|---|
(células/mm3) | ||||||
1676 | 71 | F | Positiva | 12 | Escarro | M. abscessus |
1871 | 67 | M | Negativa | Escarro | M. avium | |
1895 | 41 | M | Positiva | 56 | LBA | M. avium |
1896 | 58 | M | Desconhecida | Escarro | M. avium | |
1901 | 69 | M | Desconhecida | Escarro | M. abscessus | |
2006 | 46 | F | Negativa | Escarro | M. abscessus | |
2091 | 26 | F | Positiva | 54 | BH | M. avium |
3036 | 37 | F | Positiva | 183 | LBA | M. avium |
3145 | 28 | F | Positiva | 544 | Escarro | M. avium |
3168 | 46 | M | Positiva | 152 | AT | M. avium |
3366 | 49 | M | Negativa | Escarro | M. avium | |
3390 | 30 | F | Positiva | Desconhecida | Escarro | M. avium |
3491 | 54 | M | Positiva | 22 | Escarro | M. gastri |
3471 | 38 | M | Positiva | 266 | Escarro | M. avium |
3594 | 58 | M | Desconhecida | Escarro | M. avium | |
3717 | 55 | M | Desconhecida | Escarro | M. avium | |
3811 | 32 | M | Positiva | 290 | Escarro | M. avium |
3870 | 42 | M | Positiva | 4 | Escarro | M. avium |
3913 | 36 | F | Negativa | Escarro | M. avium | |
4111 | 78 | M | Negativa | Escarro | M. avium | |
4127 | 59 | M | Desconhecida | Escarro | M. kansasii | |
4161 | 40 | M | Positiva | 55 | Escarro | M. abscessus |
4307 | 45 | M | Negativa | LBA | M. abscessus | |
4425 | 46 | M | Positiva | 153 | GC | M. avium |
4695 | 37 | M | Negativa | Escarro | M. avium |
F: feminino; M: masculino; M.: Mycobacterium; LBA: lavado broncoalveolar; BH: biópsia hepática; AT: aspirado traqueal; e GC: gânglio cervical.
Dezoito cepas de M. avium foram analisadas pelo método MIRU-VNTR com oito loci; 16 (88,9%) foram classificadas em cepas órfãs e 2 foram agrupadas, formando assim o único conglomerado (Figura 2). Como mostra detalhadamente a Tabela 2, foram identificados 17 padrões INMV previamente desconhecidos e um padrão conhecido (INMV 78).
Tabela 2 Padrões de 18 cepas de Mycobacterium avium avaliadas pelo método mycobacterial interspersed repetitive unit-variable-number tandem-repeat.
Paciente | Loci de interesse no método MIRU-VNTR | Padrão INMV | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
292 | X3 | 25 | 47 | 3 | 7 | 10 | 32 | ||
Número de repetições em tandem | |||||||||
1871 | 2 | 2 | 1 | 3 | 1 | 2 | 0 | 0 | Ainda não listado |
1895 | 2 | 1 | 2 | 3 | 1 | 2 | 1 | 8 | Ainda não listado |
1896 | 2 | 2 | 0 | 3 | 1 | 2 | 4 | 1 | Ainda não listado |
2091 | 2 | 7 | 2 | 3 | 1 | 2 | 2 | 8 | Ainda não listado |
3036 | 2 | 2 | 5 | 3 | 1 | 2 | 2 | 8 | Ainda não listado |
3366 | 2 | 1 | 0 | 0 | 3 | 2 | 0 | 2 | Ainda não listado |
3390 | 2 | 3 | 4 | 3 | 1 | 2 | 8 | 8 | Ainda não listado |
3471 | 2 | 1 | 2 | 3 | 1 | 2 | 1 | 8 | Ainda não listado |
3594 | 2 | 5 | 1 | 1 | 11 | 2 | 10 | 0 | Ainda não listado |
3717 | 2 | 1 | 3 | 3 | 16 | 2 | 5 | 9 | Ainda não listado |
3811 | 2 | 1 | 1 | 9 | 1 | 2 | 1 | 11 | Ainda não listado |
3870 | 2 | 4 | 4 | 3 | 1 | 9 | 4 | 8 | Ainda não listado |
3913 | 2 | 1 | 0 | 3 | 2 | 2 | 6 | 2 | Ainda não listado |
4695 | 2 | 0 | 2 | 3 | 1 | 2 | 1 | 9 | Ainda não listado |
4425 | 2 | 2 | 3 | 3 | 1 | 2 | 1 | 8 | 78* |
3145 | 0 | 6 | 2 | 9 | 12 | 2 | 6 | 0 | Ainda não listado |
3168 | 2 | 2 | 1 | 12 | 1 | 2 | 1 | 2 | Ainda não listado |
4111 | 2 | 0 | 5 | 3 | 8 | 2 | 5 | 1 | Ainda não listado |
MIRU-VNTR: mycobacterial interspersed repetitive unit-variable-number tandem-repeat; INMV: MAC-Institut National de la Recherche Agronomique Nouzilly MIRU-VNTR; e M.: Mycobacterium. *M. avium subsp. paratuberculosis.
Os valores da diversidade alélica nas amostras analisadas foram calculados para cada lócus e são apresentados na Tabela 3. Os loci X3, 25, 10 e 32 foram altamente discriminatórios (h ≥ 0,6); X3 e 10 foram os mais polimórficos, com oito alelos diferentes cada.
Tabela 3 Diversidade alélica pelo método mycobacterial interspersed repetitive unit-variable-number tandem-repeat com oito loci.
N. de alelos | MIRU 292 | MIRU X3 | MIRU 25 | MIRU 47 | MIRU 3 | MIRU 7 | MIRU 10 | MIRU 32 |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
0 | 1 | 2 | 3 | 1 | 2 | 3 | ||
1 | 6 | 4 | 1 | 12 | 6 | 2 | ||
2 | 17 | 5 | 5 | 1 | 17 | 2 | 3 | |
3 | 1 | 2 | 13 | 1 | ||||
4 | 1 | 2 | 2 | |||||
5 | 1 | 2 | 2 | |||||
6 | 1 | 2 | ||||||
7 | 1 | |||||||
8 | 1 | 1 | 7 | |||||
9 | 2 | 1 | 2 | |||||
10 | 1 | |||||||
11 | 1 | 1 | ||||||
>12 | 1 | 2 | ||||||
Medidas de diversidade | ||||||||
h | 0,104 | 0,783 | 0,808 | 0,456 | 0,540 | 0,104 | 0,820 | 0,765 |
PD* | Baixo | Alto | Alto | Mod | Mod | Baixo | Alto | Alto |
MIRU: mycobacterial interspersed repetitive unit; h: heterozigosidade; PD: poder discriminatório; e Mod: moderado. *O poder discriminatório é definido, de acordo com a diversidade alélica (heterozigosidade), como sendo alto (h > 0,6), moderado (h ≤ 0,6) ou baixo (h < 0,3).
O aumento da incidência de infecções por MNT nos casos de suspeita de tuberculose é um enorme desafio na prática clínica. Dentre as possíveis explicações para o aumento do número de casos desse tipo estão a melhora da capacidade diagnóstica dos laboratórios e o aumento do conhecimento a respeito de infecções desse tipo em contextos clínicos.18 No presente estudo, MNT foram identificadas em 7,5% das culturas positivas em pacientes com suspeita de tuberculose. Esse resultado é consistente com os de outros estudos, nos quais MNT foram identificadas em 4-10% das culturas positivas nesses pacientes.19-21
Outros estudos mostraram que a prevalência de MNT é maior em homens e em indivíduos com mais de 40 anos de idade (72% e 68%, respectivamente).22,23 Além disso, 92% das MNT são isoladas em espécimes respiratórios e, portanto, indivíduos com idade avançada poderiam ser mais suscetíveis a infecções respiratórias causadas por MNT.19
É importante notar que a incidência de infecção por MNT pode ser 9,7 vezes maior em pacientes infectados pelo HIV, especialmente naqueles com contagem de células CD4 < 100 células/mm3.24 Estudos recentes realizados no Brasil relataram que M. avium é a espécie de MNT mais frequentemente isolada em espécimes respiratórios provenientes de pacientes infectados pelo HIV.25,26
O presente estudo foi realizado em um hospital de referência para pacientes infectados pelo HIV, no Rio Grande do Sul, onde a prevalência de infecção pelo HIV é de 38,3 casos/100.000 habitantes, a segunda maior entre todos os estados do país.27 Entre os pacientes infectados por MNT, a maioria estava infectada por M. avium (72,0%), e 55,5% desses pacientes estavam coinfectados pelo HIV. Essas infecções geram alta morbidade e custos econômicos, pois os tratamentos atuais têm múltiplos efeitos colaterais e uma taxa de cura por intenção de tratamento < 50%.28
No Brasil, os dados disponíveis sugerem que há diferenças regionais na distribuição das espécies de MNT, especialmente nas proporções relativas de MAC e M. kansasii. Carneiro et al.25 também constataram que as espécies do MAC são as mais comuns MNT causadoras de infecção respiratória no estado do Rio Grande do Sul. No entanto, em um centro de referência no estado do Rio de Janeiro, M. kansasii foi responsável por um terço de todas as infecções por MNT.29 O fato de que o número de pacientes infectados pelo HIV é maior no Rio Grande do Sul do que no Rio de Janeiro é o motivo mais provável da maior prevalência de infecção respiratória causada por MAC no Rio Grande do Sul.29 Sugeriu-se que, além da presença de cofatores como a infecção pelo HIV, fatores do hospedeiro e fatores ambientais interagem de modo a influenciar o risco de doença e a distribuição geográfica da infecção por MNT.
A infecção por M. avium pode ter apresentações clínicas e radiológicas indistinguíveis das da tuberculose, dificultando sua diferenciação e diagnóstico. A identificação precisa de espécies de MNT é fundamental porque o manejo e tratamento de pacientes infectados e as ferramentas de controle epidemiológico empregadas devem refletir as espécies de micobactérias isoladas e suas fontes.30
Estudos sobre a epidemiologia de M. avium já se basearam em métodos de tipagem, como a análise de RFLP com IS1245 como sonda, e atualmente baseiam-se em métodos de tipagem como o MIRU-VNTR.13 Thibault et al.12 padronizaram o método MIRU-VNTR usando oito loci para estudar a variabilidade em cepas de M. avium provenientes de diferentes hospedeiros e regiões geográficas.
Nos últimos cinco anos, vários genótipos de M. avium provenientes de diversos hospedeiros (humanos e animais) foram identificados e registrados em um aplicativo denominado banco de dados MAC-INMV (http://mac-inmv.tours.inra.fr).12 No presente estudo, descrevemos, pela primeira vez, dezessete padrões que serão posteriormente incluídos no banco de dados. O único padrão que já havia sido descrito foi o INMV 78 (M. avium subsp. paratuberculosis), previamente isolado em um caprino.31 Esse padrão difere dos relatados anteriormente como sendo os mais prevalentes em diferentes partes do mundo (INMV 1 e 2).12,32 No entanto, é preciso ter cautela ao usar a subtipagem VNTR porque ela pode superestimar ou subestimar a relação entre as cepas em virtude da instabilidade de alguns elementos repetitivos no genoma.33
Apesar da ampla aceitação do método MIRU-VNTR, é muitas vezes difícil comparar os resultados de diferentes estudos nos quais o método é usado, em virtude da falta de padronização. Esses estudos envolvem diversos hospedeiros (tais como animais bovinos, caprinos e ovinos), loci (tais como 7, 8, 16 e 20) e metodologias.32,34,35 No entanto, oito loci específicos (292, X3, 25, 47, 3, 7, 10 e 32) são os mais usados no método MIRU-VNTR e apresentam alto poder discriminatório.12,36
No presente estudo, encontramos apenas um conglomerado de cepas, composto por duas cepas de M. avium. Parece-nos interessante que os pacientes 1895 e 3471 tenham ocupado o mesmo leito no hospital em um curto período (de 30 dias). Ambos eram HIV positivos e estavam imunodeprimidos, de acordo com a contagem de CD4. O primeiro paciente a ocupar o leito (o paciente 1895) relatou que havia trabalhado no campo e que havia tido contato com aves. Embora haja relatos de que humanos e animais adquirem a infecção por M. avium de fontes ambientais,37 a transmissão direta entre animais e humanos não pode ser excluída, porque os perfis genéticos de cepas isoladas em ambos os hospedeiros são semelhantes. Além disso, o solo, a água e biofilmes podem ser importantes fontes de transmissão de M. avium em virtude de sua capacidade de sobreviver por um longo período (200-600 dias) nesses ambientes.36-38
No tocante à diversidade alélica, alguns loci foram altamente discriminatórios e devem ser priorizados para a rápida diferenciação de cepas de M. avium. De acordo com um estudo anterior,39 X3 é um dos loci mais discriminatórios, assim como o são os loci 3 e 10, embora os dois últimos tenham sido descritos como sendo menos adequados para tipagem. Os sete loci apresentaram baixa diversidade alélica (0,104), o que é consistente com os achados de outro estudo.40
No presente estudo, M. avium foi a MNT mais frequentemente identificada nas culturas positivas de casos com suspeita de tuberculose. Além disso, a infecção pelo HIV foi a principal causa predisponente para doenças infecciosas por MNT.
Pelo que sabemos, este foi o primeiro estudo no qual o método MIRU-VNTR com oito loci foi usado como ferramenta para avaliar a diversidade clonal de cepas de M. avium isoladas em seres humanos no extremo sul do Brasil. Observamos alta diversidade clonal, com apenas um conglomerado (composto por duas cepas). Vale notar que as duas cepas do conglomerado provieram de pacientes que possuíam um vínculo epidemiológico. Embora não possamos afirmar que havia uma ligação entre esses dois casos, também não podemos descartar essa possibilidade.
Nosso estudo foi limitado pelo pequeno número de cepas de M. avium estudadas. No entanto, nossos achados ressaltam a necessidade de implantar a identificação rápida e precisa de MNT em culturas positivas em pacientes com suspeita de tuberculose e de usar ferramentas moleculares para monitorar a diversidade clonal de cepas de M. avium e estabelecer possíveis vínculos epidemiológicos.