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Miíase cavitária simulando abscesso periamigdaliano

Miíase cavitária simulando abscesso periamigdaliano

Autores:

Marcos Aurélio Araújo Silveira,
Sebastião Diógenes Pinheiro,
Viviane Carvalho da Silva,
Mateus Aguiar de Azevedo,
Raphael Oliveira Correia

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.81 no.3 São Paulo maio/jun. 2015

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.01.005

Introdução

Miíase é definida como a infestação de tecidos e órgãos causada pelas larvas de moscas. Mais de 150 espécies de dípteros podem causar miíase em humanos.1 Pode ser classificada em cutânea, subcutânea ou cavitária,2 sendo mais prevalente em indivíduos idosos, deficientes e debilitados, e especialmente em países tropicais.3

As larvas podem ocasionar necrose e destruição dos tecidos infestados, originando uma grande variedade de sintomas, dependendo dos locais acometidos e da intensidade da infestação. Apesar de muitas vezes o diagnóstico ser evidente, pode ter apresentações clínicas variadas, simulando outras patologias e dificultando seu diagnóstico precoce.

Relato do caso

Paciente, 73 anos, sexo feminino apresentava há uma semana febre, astenia, odinofagia e episódios de epistaxe por fossa nasal esquerda diária de pequeno volume. A paciente negava eliminação de qualquer corpo estranho por cavidade oral ou nasal. Foi atendida em Unidade de Pronto-atendimento e encaminhada ao serviço de otorrinolaringologia de um hospital terciário no dia seguinte. Apresentava cacosmia e eliminação de crostas nasais de odor fétido há três anos. Informou ser diabética e hipertensa, porém, sem controle adequado.

Na admissão, encontrava-se afebril, orientada e cooperativa, com crepitação em bases pulmonares, e à otoscopia evidenciava-se secreção mucopurulenta em conduto auditivo externo esquerdo. Notava-se abaulamento e hiperemia periamigadaliana esquerda que se estendia para o palato mole. Diante da suspeita inicial de abscesso periamigdaliano, foi realizada punção do abaulamento oral, não sendo drenada secreção. Foi hospitalizada e iniciada antibioticoterapia endovenosa com ceftriaxona e clindamicina. No segundo dia intra-hospitalar, foi submetida à nova punção, igualmente sem drenagem, mas sendo evidenciada saída de larvas pela boca e pela narina esquerda minutos após o procedimento.

Evoluiu nas horas seguintes com septicemia, sendo encaminhada para Unidade de Terapia intensiva devido ao rebaixamento do nível de consciência e dessaturação sanguínea, com necessidade de intubação orotraqueal e ventilação mecânica.

Foi aplicado iodofórmio em cavidade oral e fossas nasais e ivermectina via sonda nasoenteral na dose aproximada de 300ug/kg, além de antibioticoterapia de amplo espectro com piperacilina/tazobactam e vancomicina. Diariamente era realizado exame otorrinolaringológico, com retirada de larvas, totalizando cerca de 150 larvas removidas após 72 horas. Foi realizada tomografia computadorizada de nariz e seios paranasais, ossos temporais, crânio e pulmão (fig. 1).

Figura 1  (A) Larva penetrando em cavidade oral através de palato mole. Tomografia computadorizada (TC) de seios paranasais cortes coronal (B) e axial (C) evidenciando redução de volume de conchas inferiores e material com densidade de partes moles em maxilares, etmoides e esfenoide; nota-se material radiopaco consequente à deposição de iodofórmio; (D) TC de pulmão evidenciando opacidade em terços posteriores de ambos os pulmões. 

Apesar da completa remoção das larvas em cavidade oral e nasal, a paciente evoluiu para óbito por insuficiência respiratória secundária à pneumonia no trigésimo dia intra-hospitalar.

Discussão

A paciente apresentou um grande número de larvas, o que ocasionou importante destruição de tecidos locais. Devido ao caráter destrutivo e invasor das larvas, a apresentação inicial simulou um abscesso periamigdaliano; contudo, pela história clínica e evolução, o local inicial de infestação parece ter sido em fossa nasal esquerda. Diante da história clínica pregressa, suspeitamos da possibilidade diagnóstica de rinite atrófica, patologia que, por vezes, é associada à miíase nasal.4 No entanto, como a paciente procurou atendimento médico apenas durante o quadro de miíase cavitária, tornou-se difícil a conclusão diagnóstica de rinite atrófica.

O objetivo do tratamento foi a remoção de todos os organismos invasores.5 Nossa paciente foi tratada com medicação tópica e oral, associada à extração mecânica, com eliminação completa das larvas em cerca de cinco dias. A miíase nasal pode apresentar-se com epistaxe, obstrução nasal, rinorreia, cacosmia, dor facial e cefaleia, e é igualmente prevalente em ambos os sexos.6

Comentários finais

No presente caso, evidenciamos uma apresentação atípica, assemelhando-se inicialmente a abscesso periamigdaliano. Na literatura já foram propostos vários tratamentos para miíase cavitária, que variam desde a extração mecânica até o uso de substâncias tópicas, orais e endovenosas,³ contudo, não existe um consenso sobre a melhor conduta terapêutica para os casos de miíase oral ou nasal. Talvez corroborado pela idade avançada da paciente e pelas comorbidades, a paciente evoluiu para óbito por pneumonia aspirativa.

REFERÊNCIAS

Al-Ismaily M, Scully C. Oral myiasis: report of two cases. Int J Paediatr Dent. 1995;5:177-9.
Ramalho JRO, Prado EP, Santos FCC, Cintra PPVC, Pinto JA. Miiase nasal: relato de caso. Rev Bras Otorrinolaringol. 2001;67: 581-8.
Ribeiro FAQ, Pereira CSB, Alves A, Marcon MA. Tratamento da miíase humana cavitária com ivermectina oral. Rev Bras Otorrin- olaringol. 2001;67:755-61.
Zeltser R, Lustmann J. Oral myiasis. Int J Maxillofac Surg. 1988;17:288-9.
Manfrim AM, Cury A, Demeneghi P, Jotz G, Roithmann R. Miíase nasal: relato de caso e revisão da literatura. Arq Int Otorrinolar- ingol. 2007;11:74-9.
Sharma H, Dayal D, Agrawal SP. Nasal myiasis: review of 10 years experience. J Laryngol Otol. 1989;103:489-91.